OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I) Havendo recurso, a retificação de erros materiais da sentença só pode ter lugar antes dele subir.
II) O Tribunal de recurso não tem competência para retificar decisão alheia, mas sim, para revogar a retificação na respetiva sede recursória.
III) Tendo o Tribunal de recurso apreciado se o valor arbitrado pelo Tribunal recorrido se adequava, ou não, à indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, concluindo que o valor arbitrado se encontrava ajustado à compensação de tais danos, inexistiu falta de pronuncia sobre o recurso subordinado com esse objeto.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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MJ… e JM…, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar ao A. MM… a quantia de 7.400,00 € a título de danos patrimoniais e ao A. JM… quantia não inferior a 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento, emergentes de acidente de viação.
Invocaram, em síntese, que ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes a viatura pesada de mercadorias de matrícula …-IF-…, segurada pela ré, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …-AX-…, propriedade de MM… e conduzido por JM…, concluindo que o acidente foi da responsabilidade do condutor do veículo de matrícula IF, alegando ter sofrido danos patrimoniais no valor global de €4200,00, que a viatura se encontra imobilizada desde a data do acidente, por estar impossibilitada de circular e peticionando o valor de €3000,00 a título de compensação pela paralisação da viatura, sendo que, o processo provocou ansiedade e transtornos ao autor MM…, peticionando o valor de €1000,00 a título de danos não-patrimoniais e o autor JM… peticiona somente uma indemnização no valor de €5000,00 a título de danos não-patrimoniais.
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A ré contestou alegando, em suma, que o autor tem culpa no acidente, tendo proposto indemnização no valor de 50% dos danos; a ré mais alega reconhecer os danos sofridos pelo autor, com a ressalva de que a reparação do veículo do autor ascendia a € 3559,32; impugna os danos alegados a título de privação de uso do veículo, bem como a título de danos morais; termina peticionando que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida e o direito aplicável.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, com saneamento do processo, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
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Após, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, em 09-03-2020 foi proferida sentença decidindo condenar a ré a pagar:
“a) Ao autor MM… as seguintes quantias:
a. €4200,00, a título de danos patrimoniais para reparação do veículo;
b. €2500,00, a título de dano de privação do uso do veículo;
b) Ao autor JM…, a quantia de €3000,00, a título de danos não-patrimoniais.
Todas acrescidas de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento, improcedendo no demais peticionado”.
Na fundamentação da sentença refere-se, no parágrafo 3.º de fls. 22, o seguinte:
“Atendendo aos critérios de fixação dos danos não-patrimoniais, os quais são remetidos para a equidade (art. 496º, n.º 3 do Código Civil), o Tribunal julga justa e equitativa a indemnização peticionada no valor de €3000,00.”.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apelou a ré, formulando as seguintes conclusões:
“(…) I – Da alteração matéria de facto objeto do recurso:
1- Ser eliminada a matéria descrita e dada como provado nos art.ºs 5º, 6º, 7º que deverá ser resumido ao seguinte: 5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate.
2- Ainda deverá ser aditada à matéria de facto provada os seguintes pontos:
20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado.
21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações.
22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis”
No que concerne à matéria de facto entende a recorrente que de acordo com a prova produzida em juízo deve a mesma ser alterada no cumprimento do disposto no artº 607 do código de processo civil;
3- Em conclusão: conforme nossa transcrição dos depoimentos da testemunha S… e Sa…, bem como do depoimento do condutor do veiculo seguro na R. TT…, não se fez qualquer prova, para além da versão contada pelo 2º A de que o acidente se ficou a deveer ao facto do veiculo do Autor ter sido abalroado pelo veiculo seguro na R.
4- Pode muito bem ter sido o próprio A. que inexperiente com carta de condução há pouco tempo, tenha perdido o controle do seu veículo ao fazer a ultrapassagem ao veiculo longo segurado na R., ou até por outro motivo qualquer que desconhecemos.
5- Na verdade, e relativamente à forma como ocorreu o acidente só mesmo o autor o descreveu tal como consta da matéria provada, sendo certo que quer a testemunha ocular S…, quer a testemunha Sa…, quer a testemunha T…, alegam não ter ocorrido qualquer abalroamento do veículo seguro na R..
6- Acresce que, também o condutor do veículo seguro na R. tem uma versão completamente diferente do acidente, esclarecendo e afirmando perentoriamente que não abalroou o veículo dos AA, ao contrário do que descreve a sentença em recurso.
7- Tudo conforme transcrições efectuadas nestas alegações, pela ora recorrente, que aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais.
8- Ainda, o depoimento do 2º autor, condutor do veiculo, não é credível já que, conforme podemos apurar em confronto com as próprias declarações do 1º A. bem como, da testemunha por si arrolada, ele mentiu quanto ao facto do seu Pai ( 1ª A.) ter adquirido um veiculo 30 dias após o acidente e ter até aquela data solicitado um veiculo emprestado a um amigo ( também testemunha no processo) para se fazer transportar, pelo que também deve ter mentido quanto aos restantes factos, até por interesse próprio.
9- Alega ainda, o juiz “a quo” que a tese e depoimento do condutor do veículo seguro na R. não é verdadeiro porque este é parte interessada, facto que não corresponde à verdade, sendo certo que as únicas partes interessadas são mesmos os AA.
10- De qualquer modo, existindo versões contraditórias e existindo duvidas quanto há forma concreta como aconteceu o acidente, a douta sentença deverá dar como não provada a matéria alegada pelo autor nos termos do disposto no art.º 342/1 do C Civil e nos termos do disposto no art.º 414 do CP Civil.
11- Com todo o devido respeito que temos pela magistratura e é muita, neste caso o juiz “a quo” desde cedo em audiência de julgamento mostrou alguma simpatia pel aversão dos AA, ignorando toda a prova que não lhes era útil e até mesmo ignorando as contradições dos depoimentos dos AA e aproveitando, no que concerne ás testemunhas arroladas pelos AA, apenas aquilo que dizia respeito à tese do autor.
12-Assim, deverá se alterada a matéria de facto de acordo com o alegado em 1 e aditados os seguintes factos:.
20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado.
21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações.
22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis”
14- É relevante para a determinação de eventual indemnização pela paralisação do veículo sinistrado a matéria supra descrita, que embora acessória tem de ser tida em conta quanto ao tema da prova respeitante aos danos patromoniais dos AA;
II- DO DIREITO:
15- Havendo duvidas quanto à forma que ocorreu o acidente elas aproveitam a Ré e não os AA, devendo a responsabilidade ser definida em 50% para cada um dos veículos intervenientes nos termos do disposto no Art.º 505 do c Civil. (responsabilidade pelo risco).
16- Quanto á indemnização pela privação de uso do veículo sinistrado, ficou amplamente provado que o 1º A adquiriu um veiculo de substituição 30 dias após o acidente, veiculo esse que passou a utilizar em substituição do veiculo sinistrado, ( declarações de parte dos AA)
17- Ficou ainda provado pelos depoimentos dos próprios autores que o 1ª A. não teve qualquer dano, no sentido de ter tido despesa com a falta do veículo nesse período já que solicitou um veículo emprestado a um amigo;
18- Assim, a ser arbitrada alguma indemnização a mesma não poderá ser superior a 300,00 euros correspondente a 10,00 euros vezes o número de dias ( 30 dias) em que o 1º A. teve privado de veículo automóvel,
19- Não é indiferente o facto do 1ª A ter afirmado que não tinha reparado o veículo automóvel até à data do julgamento (apesar da reparação poder ser efectuada no prazo de 8 dias) pelo facto de não querer repará-lo, nas suas palavras por “convicção; “
20- O 1º A. declarou que manteve o veiculo por reparar até à data de audiência de julgamento, basicamente para poder declarar isso perante o Juiz e ser indemnizado por uma quantia maior e que não existiu qualquer razão objectiva ou justificativa para que não o reparasse,
21- Ora esse facto não pode ser reflexo da indemnização que a sentença arbitra tal como foi calculada a mesma tem de corresponder a um verdadeiro prejuízo de facto;
22 Assim, se a R. não for isenta da indemnização do dano pela privação do uso do veiculo por comprovadamente não ter existido prejuízo, pelo menos deverá a mesma ser reduzida aos seus justos limites e justos limites não é, certamente, a quantia arbitrada de 2.500,00 euros se tivermos em consideração que passado 30 dias o autor já tinha adquirido um veículo novo para sua substituição pelo preço de 1500,00 euros.
23. Quanto aos danos morais, também não tem direito o 2º Autor.
24. Mais uma vez o Juiz “ a quo” quis subscrever a tese dos autores atribuindo-lhes quantia por danos que na nossa convicção não merecem tutela e não passaram alegações que tinham como objectivo sacar dinheiro à R.
25. Desde logo os AA não tiveram necessidade de serem transportados ao hospital ou a qualquer centro de saúde;
26. Não ficaram sequer magoados ou tiveram qualquer dor;
27. Na verdade, tratou-se, apesar de tudo, de um simples acidente, tão simples que o veiculo foi pelos seus próprios meios para a casa dos AA que até distava bastante do local do acidente;
28. Ora, os AA sofreram os incómodos próprios de quem tem um acidente sem grande gravidade e que representou um incidente no percurso normal de vida;
29. Esses incómodos não merecem a tutela do direito tem como já foi sobejamente decidido em situações idênticas pela jurisprudência,
30- Mais uma vez aqui, o juiz “a quo “foi inexcedível com os AA atribuindo-lhes uma indemnização que em nossa opinião não lhes é devida, por não se tratarem de factos excecionais que tenham autonomia e relevância dos factos normais decorrentes dos incómodos próprios da vida .
31. Pelo que, quanto a esta indemnização deverá a R. ser absolvida no cumprimento do disposto no art. 436 do C Civil.
Deverá assim revogar-se a decisão ora recorrida, e absolver a R. do montante da sentença ora objecto do recurso”.
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Os autores apresentaram contra-alegações nelas tendo concluído o seguinte:
“1 – Do depoimento conjugado das testemunhas SO…, SS…, TT…, NM…, AC…, do perito MA… e ainda do depoimento de parte dos AA. J… e MM… resultam sem quaisquer margens para dúvidas a confirmação da matéria dada como provada nos números 5, 6 e 7 que por isso deverão ser integralmente mantidos, ou seja “5. Quando o veículo do autor passava pelo veículo pesado, sensivelmente a meio deste, este sem dar qualquer sinal prévio de mudança de direção, sem que nada o fizesse prever e sem prestar a mínima atenção aos veículos que nesta circulavam, decidiu invadir a faixa em que circulava o veículo do autor, em vista a ultrapassar o veículo pesado que circulava à sua frente. 6. Em consequência do que abalroou a viatura do autor, encurralando-a e prensando-a contra os rails de separação da via. 7. O condutor do veículo pesado não se apercebeu do abalroamento da viatura do autor contra os rails de separação das vias.”
2 – É totalmente irrelevante saber se o A. MM… solicitou a um amigo veículo emprestado, se adquiriu após mês e meio (não um mês como diz a Ré) outra viatura, se a reparação leva 8 dias úteis ou se o A. não reparou a viatura porque não quis, porque tudo isso são consequências do acidente. O facto é que a A., teimosamente, continua a não querer ver a culpa total do seu segurado, a não assumir a sua responsabilidade no acidente e a não mandar reparar a viatura…
3 – Ao contrário do que a Ré diz o A. não fez qualquer ultrapassagem ao camião, já que seguia na faixa da esquerda, quando o camião decidiu ultrapassar o pesado que circulava à sua frente, colidindo, ao fazê-lo, com o veículo do A. J… quando este se encontrava lado a lado sensivelmente a meio, como o atestam as amolgadelas no lado direito da viatura referidas no relatório pericial efetuado pela própria Ré vistas pelas  testemunhas NM…, AC… e pelo perito MM…. Além disso, a viatura ainda está por reparar. Se a Ré tem dúvidas, pois pelos vistos nem no seu perito confia, é só ir à oficina…
4 – A douta sentença fez plena valoração da prova e integração dos factos no direito não merecendo qualquer reparo ou censura, sem prejuízo apenas do acerto dos valores e da indemnização pelos danos morais do A. MM…, constantes do recurso subordinado. Com efeito,
5 – O A. teve que se deslocar várias vezes à seguradora para saber da evolução do seu processo de regularização do sinistro, teve que contactar oficinas, incomodar pessoas amigas, esteve dependente de horários de terceiros para organizar o seu dia a dia e os seus compromissos. Perdeu tempo, andou nervoso, desgastado e irritado.
6 – Tais factos decorrem exclusivamente do acidente dos autos merecendo a tutela do direito na quantia simbólica peticionada de 1.000,00 €.
7 – A sentença condenou a Ré a pagar ao A. JM… (vidé 2.º § da pag. 22) a quantia peticionada como justa e equitativa. Acontece, porém, que esta foi de 5.000,00 € e não de 3.000,00 € como certamente por lapso de escrita ficou a constar, motivo pelo qual deve a douta sentença recorrida ser corrigida para o valor peticionado.
8 – A viatura do A. continua por reparar, o que significa que este continua privado do seu gozo e fruição, que desde a data do acidente e até 31/08/2020 perfazem 653 dias, correspondendo a menos de 5,00 € dia, motivo pelo qual o montante arbitrado de 2.500,00 € deverá ser ajustado para os peticionados 3.000,00 € por mais justo, equitativo e equilibrado.
9 – Conquanto a douta sentença não mereça qualquer censura ou reparo quanto aos fundamentos de direito, nem, aliás, a Ré o invoca, deve ser corrigida quanto aos valores indemnizatórios ao abrigo do disposto nos arts. 70.º, 483.º e 562.º todos do Código Civil.
Termos em que deve o Recurso de apelação da Ré ser julgado totalmente improcedente por não provado e outrossim julgado procedente por provado o recurso subordinado dos AA. por ser de Direito e de JUSTIÇA! (…)”.
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Em 22-10-2020 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a apelação deduzida e manteve a decisão recorrida.
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Em 27-10-2020, os autores apresentaram em juízo requerimento do seguinte teor:
“MJ… e JM…, notificados do douto Acordão proferido, vêm, todavia, requerer pronúncia sobre o objeto do recurso subordinado, designadamente quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais do A. JM… no valor peticionado de 5.000,00 € e não 3.000,00 € como certamente por lapso ficou a constar da sentença uma vez que esta condenou no pedido e danos sofridos pelo A. MM… com a privação da viatura que defende ser fixada em 3.000,00 €, para além dos danos não patrimoniais deste no valor de 1.000,00 €.
Na pronúncia,
JUNTA – Notificação da Dra. AP…, Ilma. mandatária da Ré.”.
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A contraparte não se pronunciou.
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Realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. Fundamentação:
São elementos de facto relevantes para a apreciação da questão suscitada pelos requerentes, os elementos processuais constantes do relatório.
Tendo presentes os factos pertinentes para a decisão da questão suscitada, constantes do relatório supra, cumpre, nesta conferência, em conformidade com o disposto no artigo 666.º, n.º 2, do CPC, proferir decisão que aprecie se existe motivo para a retificação ou reforma do acórdão proferido.
Consideram os requerentes que o acórdão proferido em 22-10-2020 não se pronunciou sobre “o objeto do recurso subordinado, designadamente quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais do A. JM… no valor peticionado de 5.000,00 € e não 3.000,00 € como certamente por lapso ficou a constar da sentença uma vez que esta condenou no pedido e danos sofridos pelo A. MM… com a privação da viatura que defende ser fixada em 3.000,00 €, para além dos danos não patrimoniais deste no valor de 1.000,00 €”.
Vejamos:
Na petição inicial, os autores concluíram pedindo a condenação da ré a pagar-lhes:
“a) Ao A. MM… a quantia de 7.400,00 € a título de danos patrimoniais,
b) Ao A. JM… quantia não inferior a 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento”.
Conforme resulta do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, aí se determinou, na parcial procedência da ação, a condenação da ré a pagar:
“a) Ao autor MM… as seguintes quantias:
a. €4200,00, a título de danos patrimoniais para reparação do veículo;
b. €2500,00, a título de dano de privação do uso do veículo;
b) Ao autor JM…, a quantia de €3000,00, a título de danos não-patrimoniais.
Todas acrescidas de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento, improcedendo no demais peticionado”.
Este Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação da ré e apreciou as seguintes questões, conforme enunciado no acórdão prolatado em 22-10-2020:
I) Questão prévia: A) Retificação do lapso constante do facto provado n.º 1.
II) Impugnação da matéria de facto: B) Se os pontos 5 e 6 dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: “5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate”, se o facto provado em 7 deve ser considerado como não provado? C) Se devem ser aditados aos factos provados os seguintes pontos: “20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis”?
III) Mérito do recurso: D) Se a responsabilidade pelo acidente deve ser definida em 50% para cada um dos veículos intervenientes, nos termos do disposto no artigo 505.º do C Civil? E) Se a indemnização pela privação do uso do veículo se mostra indevidamente fixada? F) Se a ré deve ser absolvida de indemnizar o 2.º autor relativamente a danos morais?
Na apreciação do Tribunal sobre a questão F) – quanto a saber se a ré deveria ser absolvida de indemnizar o 2.º autor relativamente a danos morais (sendo que, considerando a natureza de subordinação do recurso subordinado apenas haveria que apreciar do mesmo caso o recurso principal fosse julgado procedente) - ficou consignado o seguinte:
Finalmente, invocou ainda a ré/recorrente que o acidente dos autos “não causou incómodos extraordinários para além dos incómodos próprios de quem sofre um acidente tais como privação do uso do veículo, participar o acidente, susto etc…
Os danos no carro foram de reduzida monta de tal forma que por todos foi declarado que os AA foram a conduzir o próprio carro para a sua casa que ainda distava bastante do local do acidente.
Nenhum dos autores foi assistido ou teve de se deslocar a hospital ou centro médico.
O art. 496 do C. Civil pretende tutelar danos morais relevantes para o direito que não são os danos que se encontram aqui em causa.
Na verdade, entende a jurisprudência que os meros incómodos próprios de um acidente não merecem a tutela do direito (…).
A douta sentença decorrida também aqui errou ao arbitrar uma indemnização de 3.000,00 euros, por aquilo que não passou de meros incómodos.
Tal dano não tem uma relevância que mereça essa tutela, pois de outro modo qualquer acidente (e o susto ou o medo é inerente a qualquer situação de acidente por momentos) mereceriam a tutela do direito a título de danos morais.
No caso tratando-se, ainda por cima de um jovem, inúmeras vão ser as vezes que pela sua vida fora, certamente passar por ocasiões mais stressantes que a aqui em causa nos autos e nem por isso as mesmas vão ser suscetíveis de ser indemnizadas.
O direito tutela uma lesão moral autónoma, excepcional e relevante que não foi a que se demonstrou ter ocorrido nos persentes autos devendo a R. ser absolvida dessa quantia”.
Em termos gerais, como se fez nos acórdãos do STJ de 28-01-2016, processo n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1 e de 06-12-2017, processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, ambos relatados por MARIA DA GRAÇA TRIGO, os critérios gerais para a determinação do cálculo indemnizatório podem sintetizar-se nos seguintes termos:
“- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;
- “A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC”;
- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;
- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, do CC, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: Compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; Punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Neste domínio, o “Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 1987, p. 499).
Cabe, pois, ao Tribunal apreciar, em cada caso, se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.
Como situações de danos relevantes podem enumerar-se a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira.
Neste âmbito, os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
O artigo 496.º, n.º 1, do CC atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
“Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade humana” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2004, Proc.º n.º 2616/04, rel. SALVADOR DA COSTA).
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC (cfr. Maria Manuel Veloso; “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542).
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-05-2019 (Processo 1760/16.2T8VCT.G1, rel. MARGARIDA SOUSA): “Os danos não patrimoniais devem ser objeto de compensação a fixar com recurso à equidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência (art.’s 496º, nº 3, e 494º do Cód. Civil), sempre com o objetivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão – como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais –, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado.
A compensação em causa “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral” (Acórdão do STJ de 24.04.2013).
Merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações (Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004 – Apelação nº 3546/03, 2ª secção).
E isto assim é, na verdade, porque o intérprete da lei deve ter presente as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada (art. 9º, nº 1, do Código Civil), nota esta, do legislador, que Antunes Varela e Pires de Lima qualificam de “vincadamente actualista” (CC Anotado, I, pág. 58).
Por outro lado, como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça tem dito, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios”.
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC (neste sentido, vd. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; Vol. I, p. 577; para maiores desenvolvimentos, vd. Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite; A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais; FDUNL, Lisboa, 2015).
Revertendo ao caso dos autos, a decisão recorrida pautou-se na fixação do ressarcimento dos danos morais ao 2º autor, na seguinte ordem de considerações:
“A lei admite a indemnização por danos não-patrimoniais. Nos termos do art. 496º, nº1 do Código Civil, os danos não patrimoniais serão atendíveis sempre que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito. Segundo o nº 3 do mesmo preceito legal, o montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo Tribunal (artigo 4º, alínea a) do Cód Civil), tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias que o justifiquem (por remissão para o art 494º do referido Código).
Com efeito, como se lê no Douto Acórdão do TRL de 12/10/2010, proc. n.º 2691/04.4TBALM.L1-7, o direito indemnizatório atribuído pelo artº 496º, nº 1, do Código Civil, respeitante aos denominados »danos morais«, é de natureza eminentemente pessoal, assentando na afectação personalizada da esfera jurídica do lesado, traduzida numa situação de injusto padecimento que lhe é imposta, a qual, pela sua especial gravidade, merece a tutela do direito e justifica a compensação pecuniária correspondente. Por seu turno, lê-se no Douto Acórdão do TRL de 20/10/2005, proc. n.º 1082/2005-8, só são indemnizáveis os danos que afectam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral; os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis. Esta orientação encontra-se mais confirmada pelo Douto Acórdão do TRP de 24/03/2014, proc. n.º 303/12.1TJPRT.P1 onde se lê que os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais.
A este respeito, vale a pena ler a fundamentação do Douto Acórdão do TRL de 07/11/2018, proc. n.º 158/16.7T8SRQ.L2-4:
II– Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, nomeadamente: integridade física, saúde, tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, liberdade, honra e reputação.
IIII– Tais danos verificam-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, nomeadamente de personalidade.
(…)V– Contudo não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
(…)Cabe recordar que nos termos do nº 1º do 496.º, nº1, do Código Civil[35], são indemnizáveis os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, sendo que dano é "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem" (vide Prof. Vaz Serra, BMJ nº 84, pág 8).
Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, págs. 85 e 86, edª de 1976).
Como tal não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
(…)Tal como se refere em Acórdão da RL de 24 de Maio de 2007 (Processo nº 07A1187)[36] “ os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrente de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.
Todavia, a avaliação da respectiva gravidade tem – e deve - aferir-se de acordo com um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos (vide Antunes Varela, Obrigações em Geral, I, 9ª edição, p. 628).
Ora constitui orientação jurisprudencial consolidada que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do artº 496º do CC (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 11.05.98, Processo 98A1262ITIJ).
E cumpre destrinçar aqueles que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação: sendo certo que se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade.
Isto é; um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.).
Porém, como é óbvio, não é fácil a concretização prática destes princípios, designadamente no tocante a traçar a fronteira entre meras contrariedades e incómodos e um nível de gravidade superior que integre o dano não patrimonial ressarcível.
Tal distinção deve ser efectuada segundo um padrão objectivo, sendo certo, no entanto, que a doutrina e jurisprudência formulam posições baseadas no caso concreto.
Cabe, nesse particular, levar em linha de conta os valores estruturantes da vida em sociedade vigentes em cada momento, isto é o modo de vida colectivo padrão, o qual, como é evidente, varia.
A sociedade contemporânea é sobretudo urbana, cosmopolita, aberta, globalizada e complexa.
Relevam, pois, os aspectos formais da aparência, em que os valores de solidariedade interpessoal e de probidade se esbatem, em detrimento de valores materiais, centrada no sucesso e na comodidade pessoal “ – fim de transcrição .[37]
Cabe ainda salientar que a lei remete a fixação do montante compensatório por estes tipo de danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (cf. artº 496º, nº 3 do CC), tendo em atenção os factores referidos no artº 494º do CC (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
Por sua vez, a equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes (…).
Por outro lado, transitando para o autor JM…, obviamente que a os sentimentos vivenciados por este, descritos no ponto 18 dos factos provados, são perfeitamente integráveis no conceito de »danos não-patrimoniais« e que os mesmos merecem inequivocamente a tutela do Direito; com efeito, note-se que ser abalroado por um veículo pesado e encurralado contra os rails de separação da via é idóneo a levar qualquer um a temer (razoavelmente e sensatamente) pela vida, pelo que o Tribunal não tem qualquer dúvida de que os momentos de aflição, pânico e antevisão da morte serão perfeitamente indemnizáveis.
Atendendo aos critérios de fixação dos danos não-patrimoniais, os quais são remetidos para a equidade (art. 496º, n.º 3 do Código Civil), o Tribunal julga justa e equitativa a indemnização peticionada no valor de €3000,00.
Com efeito, note-se que a responsabilidade civil, no caso de lesões de direitos de personalidade, deve ter não apenas uma função ressarcitiva mas igualmente punitiva para o lesante (cfr o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/02/2014, proc. n.º 287/10.0 TBMIR. S1; Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2009, proc. n.º 08P3704; Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/04/2013, proc. n.º 198/06TBPMS.C1.S1 – os quais reconheceram a especial relevância de se atribuir uma função punitiva à responsabilidade civil nas situações em que inexiste uma prévia contratualização da responsabilidade).
Por outro lado, constitui tendência actual da Jurisprudência emanada pelos Venerandos Tribunais superiores abandonar uma certa parcimónia na fixação da indemnização por danos não-patrimoniais, concedendo-se uma tutela ressarcitória mais elevada e completa à integridade física do ser Humano. Em apoio à nossa orientação, chamamos à colação as aliás doutas palavras vertidas na fundamentação do Acórdão do TRG de 16/09/2014, proc. n.º 597/11.0TBTNV.C1:
A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual (…); o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral(…); é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro(…); é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária(…).
A definição e a valoração do dano não patrimonial são, portanto, tarefas irremediavelmente carecidas de concretização jurisprudencial. O modo como essa actividade concretizadora tem sido desempenhada pela jurisprudência, mesmo no tocante ao dano de natureza máxima – o dano morte - tem merecido, por parte da doutrina, um juízo severo. Em face da exiguidade do valor das indemnizações por danos não patrimoniais comummente fixadas, fala-se, com acrimónia, em página negra da nossa jurisprudência (…), em indemnizações de miséria(…) e em extrema parcimónia (…).
O reparo é justo. Mas seria injusto, de um aspecto, não partilhar a censura com o legislador, que se mostra mais sensível aos danos patrimoniais que aos danos não patrimoniais(…) e aos termos um tanto deprimidos(…) com que se consagrou a ressarcibilidade dos danos desta última espécie e, de outro, não admitir uma clara evolução no reforço das indemnizações desse tipo de dano, consequente ao reconhecimento da sua especificidade e alteralidade relativamente ao dano patrimonial e à consciência da necessidade de uma tutela acrescida dos direitos de personalidade(…).
A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas(…).
In casu, consideramos que o valor de €3000,00, a título de danos não-patrimoniais, se afigura perfeitamente ajustado, atendendo ao abandono da tendência parcimoniosa na fixação destes danos, à necessidade de uma maior tutela da integridade física e psíquica do ser Humano (art 70º do Cód Civil) e aos factos considerados provados (…).”.
A ré imputa à decisão recorrida uma inadequação apreciativa relativamente ao montante fixado, entendendo, igualmente, que estamos perante meros incómodos próprios de um acidente, que não merecem a tutela do direito.
Ora – apreciando - importa salientar que se apurou que o autor JM…, na ocasião do acidente, viveu momentos de grande aflição, pânico e antevisão da morte.
Trata-se da vivência de estados psíquicos, de pendor negativo, que expressam grave angústia e medo, ainda que limitados no tempo.
E, se é certo que, muito embora sejam configuráveis, em geral, danos de mais grave valia (pense-se, por exemplo, em graves dores resultantes de graves lesões físicas, como a amputação de membros, ou decorrentes de prolongados internamentos hospitalares, ou ainda, da sujeição a intervenções cirúrgicas, por exemplo, para recomposição de tecidos, determinando o uso de próteses, etc.) tal não permite concluir que esta vivência do 2.º autor, para o qual o mesmo não contribuiu, possa configurar-se num mero incómodo, antes tendo atingido um patamar de gravidade que justifica e determina a fixação de uma indemnização ressarcitória de tais danos.
Na jurisprudência podem assinalar-se alguns casos de indemnização por danos não patrimoniais, bem como, os valores atribuídos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-01-2018 (Pº 2272/15.7T8CHV.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS): “A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua. A compensação de 4.000,00 euros mostra-se adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que em consequência do acidente sofreu dores ao nível do membro superior direito e antebraço e escoriações na perna, com fratura dos 3º, 4º e 5º metacarpo da mão direita, que reclamaram tratamento com anti-inflamatório e analgésico e imobilização dos dedos e antebraço, através de gesso, durante 1 mês e 12 dias, determinando à sinistrada um défice temporário parcial e profissional durante 62 dias e um quantum doloris no grau 3 de 7 e que ficou curada sem sequelas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2019 (Pº 70/16.0SRLSB.L1-5, rel. JOSÉ ADRIANO): “Perante as consequências do acidente, a ofendida sofreu bastantes dores, padeceu de enorme angústia e teve bastantes incómodos, durante um período de tempo bastante dilatado, situação que, na sua globalidade, lhe causou grande sofrimento sendo esse sofrimento que a indemnização por danos não patrimoniais visa compensar, considerando-se adequada para tal compensação a atribuição da quantia de € 13 000,00”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018 (Pº 762/15.0T8LRA.C1, rel. EMÍDIO SANTOS): “É equitativa a indemnização de dez mil euros [€ 10 000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado dela”.
No caso dos autos, o valor de € 3.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais registados na pessoa do 2.º autor, não se mostra, em face de todas as considerações expendidas, desadequado ou desproporcionado, merecendo acolhimento integral o valor fixado pelo Tribunal a quo, em linha com os critérios gerais aplicáveis – designadamente, os artigos 496.º, n.º 1 e 494.º do CC.
Nesta medida, revelando-se a indemnização por danos não patrimoniais conforme à equidade e sem desadequação com os critérios jurisprudenciais adotados noutros casos, situando-se o valor indemnizatório muito abaixo de outras decisões em que foram fixadas quantias indemnizatórias de danos não patrimoniais, revelando maior gravidade, deve manter-se a indemnização fixada pela 1.ª instância”.
Em face destas considerações verifica-se ser claro que este Tribunal, ao contrário do pretendido pelos ora requerentes, apreciou e pronunciou-se sobre a questão de saber se o valor da indemnização a arbitrar ao autor JM… se deveria fixar em € 5.000,00, ou nos € 3.000,00 mencionados na decisão recorrida – sem nela se evidenciar algum “lapso” na sua fixação.
Repare-se que o Tribunal recorrido enuncia os termos do pedido formulado pelos autores, páginas 1 e 2 da sentença, de harmonia com o constante da petição inicial, o que repete nas páginas 17-18 da mesma decisão, para, depois, quando aprecia tais pretensões, considera ser de efetuar uma destrinça entre os danos peticionados pelos dois autores, considerando, quanto ao autor JM…, que os danos não patrimoniais se deveriam fixar, equitativamente, em € 3.000,00 (cfr. 3.º parágrafo de fls. 22 da decisão recorrida), não sendo relevante, para este efeito, que se aluda na mesma à indemnização “peticionada”, dado que, certo é, o Tribunal recorrido enunciou os critérios em que se baseou para a fixação da referida indemnização, que fixou em € 3.000,00, conforme mencionou no último parágrafo de fls. 23 e que repetiu na alínea b) do dispositivo decisório.
Assim, de facto, terá existido incorreção na menção constante do 3.º parágrafo de fls. 22 da decisão recorrida, ao aludir a que o valor de € 3.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais teria sido o valor “peticionado” pelo autor JM…, quando, na realidade, tal não sucedeu.
Contudo, a retificação deveria ter sido promovida, junto do Tribunal recorrido, antes de o recurso subir, o que não sucedeu.
Tal situação determina a impossibilidade da apreciação dessa questão por este Tribunal, atento o que se dispõe no artigo 614.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi, do artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código.
É que, conforme refere Rui Pinto (em Manual do Recurso Civil; AAFDL Editora, 2020, pp. 75-76 e em “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC)”, in Julgar Online, maio de 2020, pp. 6-7, artigo consultado em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf): “Os vícios formais não se corrigem pela revogação da decisão, mas por mero ato de retificação, i.e., de substituição da parte viciada por outra escrita ou cálculo que correspondam à vontade decisória. Ao contrário da arguição da nulidade da decisão e do pedido de reforma da decisão (cf., os (…) artigos 615.º, n.º 4, e 616.º, n.º 2, parte inicial), a retificabilidade de uma decisão em nada depende da admissibilidade de recurso ordinário (…).
Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à matéria da retificação. Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo, mesmo depois do trânsito em julgado (…).
O tribunal ad quem não tem competência para retificar decisão alheia – sim, para a revogar a retificação na respetiva sede recursória (…)”.
Assim, a invocação efetuada pelos autores no sentido de alteração do conteúdo decisório relativamente à indemnização arbitrada pela 1.ª instância – sendo certo que isso foi o âmago do objeto do “recurso subordinado” que referiram deduzir - , não legitima a supressão ou retificação do lapso verificado por este Tribunal da Relação, que deveria ter tido lugar junto do tribunal que proferiu a decisão e até à subida do recurso.
Certo é que, no que ora interessa, não se afigura que a menção efetuada pelo Tribunal recorrido tenha tido algum relevo na fixação do quantum indemnizatório, ou que, devesse ser outro o montante fixado, pois, de facto, o Tribunal recorrido, em diversos passos da sentença recorrida, fez referência não ao valor “peticionado”, mas sim, àquele que considerou como o adequado para a indemnização que arbitrou: € 3.000,00.
Igual irrelevância no sentido de ser outro o montante indemnizatório resultou expresso do consignado no acórdão prolatado em 22-10-2020, pois, como aí se fez constar – em plena harmonia com o quantum arbitrado em sede de 1.ª instância – “(…) o valor de € 3.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais registados na pessoa do 2.º autor, não se mostra, em face de todas as considerações expendidas, desadequado ou desproporcionado, merecendo acolhimento integral o valor fixado pelo Tribunal a quo, em linha com os critérios gerais aplicáveis – designadamente, os artigos 496.º, n.º 1 e 494.º do CC.
Nesta medida, revelando-se a indemnização por danos não patrimoniais conforme à equidade e sem desadequação com os critérios jurisprudenciais adotados noutros casos, situando-se o valor indemnizatório muito abaixo de outras decisões em que foram fixadas quantias indemnizatórias de danos não patrimoniais, revelando maior gravidade, deve manter-se a indemnização fixada pela 1.ª instância.
Improcede, pois, a apelação deduzida também relativamente a este fundamento recursório, mantendo-se integralmente a decisão recorrida”.
Ou seja: O Tribunal de recurso apreciou se a decisão recorrida deveria, neste conspecto, manter-se ou ser revogada.
Apreciou este Tribunal se o valor arbitrado pelo Tribunal recorrido se adequava, ou não, à indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor JM…, concluindo que o valor de € 3.000,00 se encontrava ajustado à compensação de tais danos, inexistindo alguma falta de pronuncia sobre o objeto do recurso subordinado, pois, ao se pronunciar pela adequação do valor de € 3.000,00, implicitamente recusou que outro montante – como o sugerido pelos autores, de € 5.000,00 – fosse o mais adequado para o ressarcimento indemnizatório em questão e, nessa medida, desconsiderou outros valores indemnizatórios, designadamente, o peticionado pelo autor JM….
Em suma: Não se verificou omissão de pronúncia por parte deste Tribunal, que devesse ter tido lugar, relativamente ao peticionado pelos autores (e que os mesmos designaram como “recurso subordinado”).
A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre os requerentes, atento o decaimento havido – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC e artigo 7.º, n.º 4, do RCP e penúltima quadrícula da Tabela II anexa.
*
3. Decisão:
Pelo exposto, indefere-se o requerido no requerimento de 27-10-2020, não se considerando ter ocorrido omissão de pronúncia relativamente ao acórdão prolatado em 22-10-2020.
Custas pelos requerentes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 3 de dezembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes