RECLAMAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL PLENO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Sumário


I - O regime do art.º 643.º do CPC não é aplicável quando se pretende questionar o acerto do despacho do relator de não admissão de recurso para o plenário do STJ, por não se estar a reclamar do despacho de não admissão de um recurso para um outro tribunal;
II - Invocando-se em requerimento indevidamente o regime do art.º 643.º do CPC, deve o mesmo ser convolado, ao abrigo dos poderes de conformação processual, em reclamação para a conferência da Secção de Contencioso do STJ, a secção que é competente para analisar a impugnação das deliberações do Plenário do CSM.
III - Não existe no Supremo Tribunal de Justiça nenhuma formação de julgamento que possa equivaler ao pleno da secção, para efeitos de interposição de recurso dos acórdãos da Secção do Contencioso: a Secção de Contencioso delibera sempre em pleno, ou seja, com a totalidade dos seus juízes; nem o pleno das secções cíveis, nem o pleno das secções criminais, nem o Plenário do Tribunal podem desempenhar tal função.
IV - No caso dos acórdãos da Secção de Contencioso do STJ, está fora de questão que a lei atual contemple qualquer possibilidade de recurso para outra formação do STJ: a sua organização interna não o comporta.
V - A remissão que, subsidiariamente, é feita no art.º 178.º do EMJ para as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo abrange apenas as normas relativas à tramitação do recurso e não as que se referem à recorribilidade das decisões.
VI - A solução preconizada não viola nem o princípio da igualdade (art.º13.º), nem o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.º 32.º),  previsto na CRP.
VII - inexiste norma ou princípio constitucional que, fora do âmbito penal, obrigue o legislador a criar um duplo grau de jurisdição, uma vez que se entende que, na esteira do entendimento deste STJ, “só está constitucionalmente assegurado, de forma expressa, o duplo grau de jurisdição em sede do processo penal (art. 32.°, n.º 1, da CRP), cabendo ao legislador ordinário, fora desse domínio, uma ampla margem de discricionariedade para conformar o âmbito em que aquele duplo grau deve ser estabelecido.”
VIII - Quanto à violação do art.º 6.º da CEDH, também se entende, na esteira da posição defendida pelo Tribunal Constitucional, que, uma vez que a norma tem correspondência na nossa CRP (art.º 32.º), a análise da sua possível violação não adquire autonomia face à análise que se efectuou do regime do art.º 32.º da CRP – não tendo ocorrido violação deste preceito, também não ocorreu violação daquele outro.

Texto Integral


Proc. n.° 3/20.9YFLSB


Acórdão, em conferência, na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA, Arguido nos autos à margem referenciados, notificado da decisão proferida, datada de 30 de Junho de 2020, e com ela não se conformando, veio apresentar recurso para o plenário do STJ, indicando que o faz “nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos 629.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.° n.° 3 do C.P.T.A., ex vi artigo 173.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 25.°, n.° 1, alínea a) do ETAF e 47.°, 52.° n.° 1, alínea a) e 53.° b) da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, e respectivas alterações.

2. Analisado o requerimento, veio a relatora a proferir decisão singular no sentido de não admissão do recurso.

3. Não se conformando com a decisão e invocando que o faz “Nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos 643.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.º n.º 3 do C.P.T.A., ex vi artigo 173.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 25.º, n.º 1, alínea a) do ETAF e 47.º, 52.º n.º 1, alínea a) e 53.º b) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e respectivas alterações, sendo autuada por apenso nos termos do artigo 643.º n.º 3” veio o recorrente a pedir a análise da questão em Plenário.

4. Nas conclusões do recurso disse (transcrição):

1. O Recorrente apresentou, junto do CSM, a 31 de Dezembro de 2019, recurso de impugnação judicial da deliberação aí proferida em 03-12-2019, no âmbito dos autos de processo disciplinar n.° ..., segundo a qual foi aplicada ao aí Arguido a pena de demissão.

2. Ao referido recurso, qualificado pelo STJ como acção de impugnação de acto administrativo, não foi aplicável a Lei n° 67/2019, de 27 de Agosto, que alterou o EMJ, e que entrou em vigor em 01/01/2020, por a presente acção ter dado entrada no CSM em data anterior.

3. A decisão com a qual o Recorrente foi confrontado é o produto de uma primeira apreciação judicial sobre uma decisão administrativa, e com a qual não se conforma, sendo admissível recurso por força da norma remissiva constante do artigo 140.° n.° 3 do CPTA e 629.° do CPC.

4. De acordo com o ETAF, o STA, quando exerce competências de l.a instância, tem a alçada correspondente à dos tribunais administrativos de círculo que, por sua vez, é a que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de l.a instância (art.° 6.°, n.°s 3 e 5, do ETAF) a que acresce o artigo 25.° n.° 1 alínea b) do ETAF. Ora, nos presentes autos, o valor fixado da acção é de € 30.000,01, o que significa que a decisão é recorrível.

5. Como é bom de ver, se o EMJ manda aplicar as regras constantes no CPTA a respeito desta acção, tal deverá ser igualmente aplicável aos recursos que sigam os seus trâmites de acordo com tais regras, com a única diferença de serem apreciadas junto do STJ (em primeira instância), como assim ordenava o anterior artigo l68.° n.° 1 EMJ e o actual 170.° n.° 1 EMJ.

Ora, tal remissão (que se mantém inalterada, pese embora com diferente redacção, na Lei n.° 67/2019, de 27/08) acautela aquilo que não resulta de lei especial, assegurando a impugnação das deliberações do CSM. Mas mais: dispunha o anterior artigo 178.° que "São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interposto para o Supremo Tribunal Administrativo. " A remissão agora operada é mais abrangente, sendo certo que uma acção administrativa comporta, naturalmente, e pelo menos, um grau de recurso!

7. O Recorrente não desconhece que no passado foi aventada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 168.° do EMJ, na sua redacção anterior, quando se entendesse que da decisão aí proferida não cabe recurso. Disso mesmo são exemplo os acórdãos do TC n.° 345/2015, no âmbito do processo n.° 1041/14, proferido pela 2a Secção em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Pedro Machete, ou o acórdão n.° 373/99, no âmbito do processo n.° 90/97, proferido pela Ia Secção e no qual foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Tavares da Costa. Porém, além de tais posições não impossibilitarem, per se, entendimento contrário, não são as mesmas unânimes na doutrina ou sequer na própria jurisprudência - como cuidaremos de ver adiante. Acresce agora o fundamento de que tais entendimentos foram apreciados à luz do preceituado no anterior EMJ.

8. Confrontando o anterior artigo 168.° do EMJ com o actual artigo 170.°, e partindo do princípio que o legislador utiliza as palavras com o sentido que as mesmas comportam, é absolutamente suprimido o termo "recurso" consagrando-se agora, somente, a "competência", da apreciação da referida "acção" pelo pleno da secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.

9. Veja-se que um dos argumentos propagados para impedir a reapreciação pelo Pleno de uma decisão desta natureza (enquanto recurso - artigo 168.° EMJ) era através da interpretação de que as remissões acima densificadas não visavam consagrar um "segundo recurso" - como é exemplo o Acórdão proferido pelo STJ no âmbito do processo n.° 92/13.2YFLSB, transcrito no corpo do presente. Ou seja, não está em causa "mais um recurso" - pese embora entendamos que a Justiça está em falta com o segundo grau de jurisdição para tantos anteriores Recorrentes - mas, tão somente, um recurso. Pela lógica do anterior EMJ, vinha sendo vedada a possibilidade de recorrer da decisão proferida pela secção de contencioso do STJ para o Pleno do STJ. Mas a solução encontrada pelo novo EMJ, mais concretamente o n.° 2 do artigo 170.°, é literalmente contrária à CRP quando daí se retire que fica suprimido o direito ao recurso. Pois que se entendíamos que no anterior artigo 168.° do EMJ havia espaço para entendimento diverso na medida em que, decidindo a secção o recurso, cabia sempre, dessa decisão, novo recurso para o Pleno da secção de contencioso do STJ, agora, julgando a secção em pleno uma acção, deverá ser garantido, pelo menos, um grau de recurso que, naturalmente, só poderá caber ao Plenário do STJ.

11. Nos artigos 169.° e 170.° do novo EMJ, consagra-se que o STJ conhece das acções provindas dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos em pleno (n.° 2 artigo 170.° EMJ).

12. Ou seja, o EMJ estabelece assim que quem compõe o órgão decisor destas acções é o mesmo que teria competência para apreciar o recurso interposto da decisão que fosse tomada em primeira instância pela secção. Aparentemente coarcta, pela base, a existência do órgão superior, em violação do artigo 53.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que atribui ao pleno das secções competência para "b) Julgar os recursos de decisões proferidas em primeira instância pelas secções."

13. Funde, assim, a secção que decide em primeira instância, com a composição que visa garantir a existência de, pelo menos, um grau de recurso, pelo que se deverá entender que o direito ao recurso deverá ser garantido pelo plenário do STJ. Não desconhecemos, também, que já a anterior jurisprudência vinha defendendo que, face ao disposto no n.° 2 do artigo 168.° n.° 2, a decisão era tomada em Pleno, o que garantia, por si, a "boa justiça".45 E a leitura que se retira daqui, é que, então, está sobrevalorizado o direito ao recurso no nosso sistema judicial, e para tanto, bastaria que todas as decisões fossem tomadas em primeira instância pelo STJ, pois assim estaria garantido, sem margem para dúvidas (ou discussões do Recorrente), a boa decisão da sua causa.

14. Sucede, porém, que o direito ao recurso visa permitir que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, "o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos - de facto ou de direito - que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. "44

A propósito do processo civil, ensinava PAULO CUNHA45 que os recursos são os meios de impugnação da sentença que consistem em se procurar a eliminação dos defeitos da sentença injusta ou inválida por devolução do julgamento a outro órgão da judicatura hierarquicamente superior, ou em se procurar a correcção de uma sentença já transitada em julgado. Tal noção geral de recurso é igualmente recebida no âmbito do processo penal, destacando a este propósito um excerto da posição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA transcrito no presente recurso, a que acrescentámos a importância de assegurar este direito em matérias sensíveis que contendam com direitos, liberdades, e garantias salientadas por JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS. A própria Lei que determina a organização e competências dos Tribunais, in casu, quanto ao STJ, reflecte a necessidade de estabelecer um grau de recurso quando as secções funcionem como primeira instância, o que o EMJ, através do supracitado n.° 2 do artigo 170.°, procura esvaziar, ao atribuir, ao Pleno, a competência decisória enquanto primeira instância!

16. Ora, quer a interpretação dada aos anteriores artigos 168.° e 178.° do EMJ, quer a interpretação do actual artigo 173.° n.° 2 do EMJ, de que a Secção de Contencioso do STJ (ainda que em Pleno) é instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos/acções de impugnação dos actos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo CSM, e que das deliberações de tal Secção de Contencioso, tomadas em Ia instância, não cabe afinal recurso para o Pleno ou Plenário do STJ (respectivamente), é inconstitucional, por violação dos artigos 13° n°s 1 e 2, 17°, 20° n° 1 e 5, 32° n°l e 10, 58° n°l, 268° n° 5 e 269° n° 3, todos da C.R.P., por consagrar a inexistência um grau de jurisdição de recurso. Esta interpretação agudiza-se à luz do novo EMJ, quando se entenda que inexiste, em absoluto, recurso da decisão proferida sobre a acção administrativa.

E veja-se que esta interpretação da lei redunda numa inovação processual, de uma redução de direitos inaudita. Façamos o paralelismo com o despedimento de um trabalhador. Mas sejamos específicos. Comparemos com o despedimento de um funcionário público, sendo certo o regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas é subsidiariamente aplicável por via do artigo 188.° do EMJ, dada a aproximação da categoria dos profissionais. Um trabalhador a quem seja aplicada a sanção disciplinar de despedimento pode reagir de acordo com as formas estabelecidas no artigo 224.° da LGTFP. A decisão, em primeira linha de natureza administrativa, pode ser alvo de (entre outras) impugnação jurisdicional, sendo sempre susceptível de recurso nos termos gerais aplicáveis ao procedimento administrativo (o mesmo sucede com a impugnação de despedimento de um trabalhador que não tenha enquadramento na função pública, nos termos do Código do Trabalho).

18. Esbarramos, assim, numa outra vertente eventualmente inconstitucional do preceituado no EMJ, na medida em que, quando a afectação do direito fundamental do cidadão tem origem numa actuação da Administração ou de particulares e esta actuação já foi objecto de controlo jurisdicional, é sempre concedida uma reapreciação judicial dessa decisão, o que se deverá entender aplicável, também, in casu. Pois a não se entender assim coloca-se desde logo a questão da violação do direito da igualdade consagrado no artigo 13.° CRP, porquanto ao legislador não é consentido adoptar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

19. Pois que é ainda pacífico que das decisões proferidas pelo STA sobre pedidos de suspensão de eficácia de actos do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) existe recurso para o Pleno desse Tribunal, não se podendo compreender que os Juízes dos tribunais comuns também não possam ver reapreciadas as decisões proferidas em primeira instância sobre as deliberações do CSM, sob pena de violação da sua dignidade social. Mas mais! Tal regime diferenciado verifica-se não apenas relativamente aos magistrados do Ministério Público, mas ainda relativamente aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, das deliberações proferidas também pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) em matéria disciplinar, cabe recurso para a Secção de Contencioso do STA, havendo, nesses casos, recurso em um grau para o Pleno da Secção de Contencioso, como decorre dos artigos 24.° n.° 1, alínea a), pontos vii) e ix), e 27.°, n.° 1, alínea a), do ETAF.

20. Os regimes acima referenciados sinalizam uma diferenciação legal desprovida de fundamento material bastante.

21. De acordo com o argumento que vinha sendo esgrimido, como por exemplo no Acórdão n.° 345/2015 do Tribunal Constitucional a que fazemos referência no recurso, retira-se que pela organização estrutural de um ou outro Tribunal, um Arguido terá ou não direito ao duplo grau de jurisdição. Ao invés de sanar esta diferenciação no novo EMJ, o legislador contorna o problema, afirmando que o STJ decide em pleno, não se afigurando compreensível a disparidade de tratamentos e de garantias do mesmíssimo direito constitucionalmente consagrado - direito ao trabalho, artigo 58.° CRP - consoante se trate de um juiz que exerça funções nos tribunais comuns ou nos tribunais administrativos, em violação do artigo 13.° da CRP.

22. Numa outra vertente de inconstitucionalidade, quando se entendesse que o presente recurso não seria admissível - o que se concebe sem conceder -, trazemos à colação a tese da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos direitos, liberdades e garantias. Esta tese tem origem numa declaração de voto aposta por VITAL MOREIRA, no acórdão n.° 65/88 - concretizando neste ponto a falta de unanimidade na jurisprudência e doutrina a este propósito que acima nos propusemos densificar -, a qual foi seguida por ANTÓNIO VITORINO, igualmente em declaração de voto, desta vez no acórdão n.° 202/90, cujo teor transpusemos para o corpo do recurso. Na linha do que vimos defendendo, até pelo próprio elemento literal do novo EMJ, em que a impugnação das deliberações tomadas pelo CSM se faz por via de acção, deve assegurar-se, como diz VITAL MOREIRA, pelo menos um grau de recurso! - salientando aqui o comentário de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ao artigo 20.°, da CRP, cujo excerto transcrevemos.

23. E no caso que nos ocupa, deve considerar-se inconstitucional, por violação dos artigos 13.° n.°s 1 e 2, 17.°, 20.° n.° 1 e 5, 32.° n.°l e 10, 58.° n.°l, 268.° n.° 5 e 269.° n.° 3, todos da C.R.P., a interpretação segundo a qual, o legislador terá limitado o direito ao recurso com a redacção do actual artigo 170.° n.° 2 do EMJ, ao se entender que a impugnação jurisdicional de decisões administrativas do Conselho Superior de Magistratura que seguem a forma de acção administrativa são apreciadas pelo pleno da secção de contencioso, impedem todo e qualquer grau de recurso, nomeadamente quando não se admita que possa ser apreciado em Plenário um recurso dessa decisão.

24. Entendemos, também, que no artigo 32.°, da CRP se acha contida a dimensão garantística do direito ao recurso a todos os processos sancionatórios - designadamente os processos disciplinares - por força do disposto no n.° 10 do mesmo preceito (neste sentido, ainda que sob pulsão diversa, veja-se o excerto transposto do Acórdão do TCA Sul, no Processo n.° 12802/15, de 24-02-2016.

25. Mas mais do que a sua aplicação por via do n.° 10, pela própria ratio do n.° 1 deve ser entendido como estando em causa "direitos, liberdades e garantias", sendo que sai reforçada de outros preceitos constitucionais a ideia de que não cabe apenas ao processo penal a garantia do duplo grau de jurisdição, como seja o artigo 209.° a) e o artigo 210.° nos números 1, 3, 4, e 5 da CRP. Quando uma actuação de um tribunal de Ia instância (como no caso funcionou a secção de contencioso deste STJ), por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão - direito ao trabalho, artigo 58.° CRP -, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à reapreciação judicial dessa situação, conferindo-se-lhe, pelo menos, um grau de recurso.

26. Como se referiu no Acórdão n.° 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois "tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer — mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. °s 1229/96 e 462/2003) [...]".

27. Da mesma sorte, qualquer outra interpretação das normas citadas no sentido de não haver lugar ao duplo grau de jurisdição afígura-se inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no art.° 268.°, n.° 5 da CRP, assegurando a igualdade perante a lei e a mesma dignidade social por força do artigo 13.° CRP.

28. Assim, da mesma forma em que na epígrafe do artigo 32.° da CRP se depreende que as garantias de defesa do processo criminal são asseguradas na medida em que estão em causa direitos, liberdades, e garantias, a mesma leitura se deve fazer do artigo 52.° alínea a), segundo o qual "Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário: a) Julgar os recursos de decisões proferidas pelo pleno das secções criminais;"

29. O STJ assegura esse grau de recurso nos mesmos termos em que a CRP assegura o duplo grau de jurisdição, sabendo-se que estamos perante matérias que contenderão com direitos, liberdades e garantias. Esta terá de ser o único caminho aceitável, legal e constitucional. Não o aceitar, é colocar os magistrados judiciais numa situação de desfavorecimento de direitos e garantias relativamente aos demais cidadãos confrontados com decisões de semelhante natureza que, apesar de verem os seus processos inicialmente apreciados por instâncias mais baixas, por natureza, vêem essa decisão apreciada por, pelo menos, dois graus de recurso além do órgão administrativo decisório.

30. Se é certo que, nas palavras do Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Presidente do STJ e do CSM António Piçarra "o Supremo Tribunal de Justiça está ao serviço dos cidadãos e da cidadania, sendo um dos pilares fundamentais do Estado de Direito Democrático" e "Na dimensão hierárquica dos tribunais judiciais, compete-lhe, em última instância e em nome do povo, administrar a justiça em Portugal.47", então seja feita justiça, conhecendo-se do presente recurso, em plenário, garantindo-se o segundo grau de jurisdição ao ora Recorrente, e um recurso sobre uma primeira decisão jurisdicional.

31.0 princípio do duplo grau de jurisdição se aplica não só às matérias penais mas a todos os procedimentos sancionatórios, maxime os de natureza pública, relativamente aos quais, e até por força do n.° 10.° do artigo 32.° e também do artigo 269.°, n.° 3, ambos da CRP, o direito ao recurso também integra o núcleo essencial das garantias da defesa, que devem e têm que ser igualmente respeitados, no âmbito do procedimento disciplinar contra Juízes.

32. A cautela diremos que a interpretação e aplicação do anterior artigo 168.° e 179.° do EMJ e dos actuais artigos 169.°, 170.° n.° 2 e 173.° do EMJ, no sentido em que daí não opera a remissão para o artigo 140.° do CPTA e 629.° do CPC, garantindo pelo menos um grau de recurso, é inconstitucional por violação do núcleo essencial dos direitos da defesa, e designadamente o de recurso ou duplo grau de jurisdição consagrado nos artigos 20.° n.°s 1 e 5, 32.°, n.° 1 e 10, 268.° n.° 5 e também 269.°, n.° 3 da CRP, mas também no artigo 6.°, n.° 1 da CEDH, e violam igualmente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° n..°s 1 e 2, 17.° da CRP, cuja restrição não decorre da Constituição mas sim de um Estatuto, em violação frontal do artigo 18.° n.° 2 da CRP, em qualquer dos casos violando-se, assim, o direito ao trabalho previsto no artigo 58.° da CRP.

33. Ademais, a interpretação do n.° 2 do artigo 170.° do EMJ no sentido de que, competindo ao pleno a apreciação da acção administrativa, esvazia a alínea b) do artigo 53.° da LOSJ, não sendo aplicável, por analogia, o artigo 52.° alínea a) da LOSJ, não se admitindo que possa ser apreciado em Plenário um recurso dessa decisão, quer quanto à necessidade estrita de assegurar uma sindicância da decisão aí tomada, quer quanto à aplicabilidade daquele último artigo da LOSJ por contenderem com direitos, liberdades e garantias, é também inconstitucional por violação dos 13.° n.°s 1 e 2, 17.°, 20.° n.° 1 e 5, 32.° n.°l e 10, 58.° n.°l, 268.° n.° 5 e 269.° n.° 3, todos da C.R.P, em coerência com o princípio do carácter restritivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias, que se extrai do artigo 18.°, n.° 2 e 3 todos da CRP.

34. Veio o Recorrente peticionar pela suspensão dos autos disciplinares, nos termos do artigo 7.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 131.° do EMJ e artigo 272.°, n.° 1 do Código de Processo Civil48, aplicável ex vi do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), argumentando a verificação de uma questão de prejudicial idade entre os processos disciplinar e criminal.

35. Sempre se defendeu que, tendo os autos nascido do processo crime n.° ……, que corre neste STJ e no qual todos os factos aqui carreados nascem integralmente dos factos transcritos no despacho de iniciação, e atento a que este processo se encontra ainda na fase de inquérito, desconhecendo o Arguido todos os termos da investigação e as concretas diligências de prova, toda a factualidade que permitiu condenar o Recorrente se mostra meramente indiciária.

36. Por isso, não não há autonomia factual entre os dois processos (uma vez que todas as provas derivam do processo crime), como, para mais, se mostra inadmissível a aplicação ao Recorrente de uma pena de demissão com base, apenas e só na factualidade indiciária.

37. Esta questão é essencial e contende com a preservação dos direitos de defesa do Arguido, pois que, num e noutro processo lidamos com o mesmo tipo de decisores, mas não com as mesmas garantias constitucionais e de defesa.

38. Esta decisão, para além de inédita, pois que não sucede com a maioria dos trabalhadores que exercem funções públicas, violou grosseiramente o princípio constitucional da separação de poderes (cfr. artigo 111. ° da CRP e artigo 3. °, n.° 1 do CPTA) ao apreciar e inclusivamente propor-se a "julgar" factos que jazem ainda no Supremo Tribunal de Justiça para apreciação criminal e subsequente prolação de despacho de acusação ou arquivamento.

39. Na decisão sobre a qual ora se recorre, este Venerando Tribunal decidiu manter a decisão, alegando que a autonomia factual existe de facto, desde logo atentas as diligências instrutórias decorridas no processo disciplinar, o que o Recorrente discorda pois que toda a prova constante no despacho de indiciação foi totalmente consumida pelo processo disciplinar, que não só a incorporou integralmente, como nem sequer cuidou de a analisar à luz dos deveres alegadamente violados no procedimento disciplinar. Nem sequer foi efectuada uma análise concreta da prova documental existente, como evidencia a decisão e que procura legitimar a inexistente actividade instrutória do processo disciplinar.

Reitera-se a conclusão que sempre sobressaiu da defesa do Recorrente: os factos que, para este douto tribunal, se subsumem aos deveres alegadamente violados, emergem única e exclusivamente do processo crime. Veio este tribunal também reafínnar que não existe qualquer norma de onde decorra uma obrigação legal de suspensão do processo disciplinar. Ainda assim, era incumbência do órgão disciplinar cuidar de analisar se esta suspensão se aplicaria no caso concreto.

40. O próprio tribunal questiona-se acerca da força do caso julgado da decisão penal, caso ela seja absolutória, e do impacto que possa causar naja transitada (àquele tempo) decisão disciplinar.

41. Sucede que, mais uma vez, este tribunal preferiu eximir-se de responsabilidades, concluindo que não só esta questão não se levanta, por ora, como será apreciada quando de facto surgir. Ora, não terá qualquer sentido prático para o Recorrente, porquanto nessa altura já a decisão do procedimento   disciplinar  estará   consolidada   na   ordem  jurídica  portuguesa,   tornando-se absolutamente inútil qualquer posição que venha a ser tomada.

42. O Recorrente pugnou até à exaustão que se é certo e indiscutível a existência de autonomia processual entre o procedimento disciplinar e o procedimento penal, o mesmo já não se pode afirmar em relação à factualidade e prova trazida a cada um dos processos, muito pelo contrário.

43. Assim, perante um órgão que exerce a responsabilidade disciplinar (artigo 109.°, n.° 1 do EMJ), diversidade de fontes de legitimidade e cujas deliberações são tomadas por pluralidade dos votos, imbuído do espírito de serviço público inerente à legitimidade que lhe confere essa eleição, caber-Ihe-ia apenas formar a sua convicção com base nos dados objectivos colhidos no procedimento administrativo.

44. E, veja-se que esta posição defendida pelo Recorrente tem respaldo tanto na Doutrina49 quanto na Jurisprudência50, inclusivamente naquela que foi citado pelo próprio STJ na presente decisão.

45. Ora, por a prática de um crime poder simultaneamente figurar uma atuação suscetível de constituir infração disciplinar, coloca-se a questão de saber qual a linha de separação entre responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal. E, se uma pena disciplinar pode encontrar o seu fundamento na factualidade indiciária do processo-crime (ainda sem ter havido julgamento nessa sede), sem que seja produzida qualquer prova no processo disciplinar.

46. Imperioso é concluir que o processo disciplinar não soube distanciar-se do processo penal: e não só não o fez, como se alimenta exclusivamente daquele: quer em termos fácticos, quer em termos probatórios.

47. A isto acrescem todas as nulidades que em sede de defesa oportunamente se suscitaram, a própria forma como o processo se encontra coligido é também ela nula e insustentável de um ponto de vista constitucional.

48. Esta actuação do CSM, salvo o devido respeito, consubstancia uma grave violação dos princípios da independência de jurisdições e legalidade, contidos no preceito constitucional constante do artigo 2.° da Constituição, o que sempre cominaria a decisão em causa como nula.

49. Razão pela qual, a interpretação do disposto no artigo 109.°, n.° 1 do Estatuto dos Magistrados Judicias, no sentido de permitir ao órgão administrativo colher e utilizar provas exclusivamente extraídas do processo crime, determinando a aplicação de uma pena disciplinar, é inconstitucional por violação dos princípios de separação de poderes e da prevalência das decisões judiciais, consagradas nos artigos 205.° e 211.° da Constituição da República Portuguesa - inconstitucionalidade que, para os devidos termos, desde já se invoca.

50. Também a interpretação do disposto no n.° 1 do artigo 83.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no sentido de permitir a absorção de todas e quaisquer provas extraídas de processo crime, em qualquer fase da acção penal, é inconstitucional por violação gritante do princípio da legalidade, presente no artigo 2.° da Constituição, a qual desde já se argui para todos os devidos efeitos,

51. Relativamente à prejudicialidade, ao contrário do que defendem os Venerados Juízes, não se trata de uma questão a analisar à posteriori, mas antes uma questão que deve ser acautelada especificamente antes de surgir, de forma a esvaziar por completo a sua utilidade prática. Esta é talvez a questão mais importante a ser respondida por este douto tribunal.

52. Alega ainda este douto tribunal que não compreende a ressalva do Recorrente ao mencionar que o próprio CSM tomou inicialmente uma decisão no sentido de suspender o processo disciplinar até ao trânsito em julgado da decisão penal, por via do Despacho do Vice-Presidente do CSM, que veio ratificar a proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Dr. BB.

53. Aquilo que se pretendeu demonstrar é precisamente a dualidade de entendimentos e opiniões dentro do próprio órgão disciplinar, o que torna esta questão bastante mais relevante do que o órgão disciplinar pretende conferir-lhe.

54. Com efeito, o órgão administrativo decisor violou o princípio da separação de poderes, previsto pelos artigos 111. ° da CRP e artigo 3. °, n.° 1 do CPTA, arrogando-se juiz de julgamento e valorando meros indícios criminais sem sustentáculo probatório. Nestes termos, urge decidir no sentido de anular a decisão  administrativa de demissão do Recorrente, fazendo renascer o despacho que determinou a suspensão do procedimento disciplinar, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo crime.

55. No que concerne à invalidade da prova carreada para o processo disciplinar e que deriva exclusivamente do crime, entende o Recorrente que a gravidade desta questão reside no facto de ter sido aplicada uma pena mais gravosa, com base em meros indícios, claramente insuficientes para sustentar a decisão recorrida.

56. O juízo subjacente à prolação da decisão é um juízo que fica muito aquém do juízo de suficiência probatória exigido, sobretudo atendendo à decisão ora espelhada nos autos.

57. Também a decisão do STJ desatendeu aos argumentos levantados pela defesa do Recorrente, conferindo legitimidade ao órgão disciplinar para retirar do processo-crime o que entende, sem dele se considerar prejudicial, e decidir com base no que foi colhido em virtude da actividade investigatória aí levada a cabo.

58. Permitir que a prova obtida no processo penal sem que seja validada a todos os níveis constitucionais e infraconstitucionais, e consentir na sua utilização num processo disciplinar, é fazer tábua rasa dos direitos do Recorrente.

59. Entende este STJ que ao processo disciplinar são admissíveis em geral todos os meios de prova previstos na lei e, designadamente, os meios de prova recolhidos no âmbito de um processo crime também, sem que exista violação da sua vida privada ou da sua correspondência.

60. Não obstante, discorda o Recorrente desde logo porque o processo onde a prova foi obtida e coligida terá de aferir das limitações da admissibilidade dessa mesma prova, e isso não foi salvaguardado pelo órgão decisor.

61. O segundo argumento utilizado prende-se com a díspensabilidade da análise da admissibilidade de escutas como meio de prova, porquanto estas não foram utilizadas como prova no âmbito do procedimento disciplinar, o que, para o mesmo tribunal, não significa que não se possam "analisar os argumentos apresentados pelos defensores da sua ilicitude no processo disciplinar.".

62. Atente-se que foi o próprio órgão decisor quem decidiu fundamentar a sua decisão, socorrendo-se da posição no douto Parecer do Professor Vital Moreira, elaborado em Junho de 2008 para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional51.

63. Como não se desconhece, inexistem neste processo quaisquer referências à utilização de escutas telefónicas como meio de prova que encerram especificidades muito próprias e que nem sequer estão em causa neste processo. Por isso não deixa de ser curioso a utilização deste parecer na fundamentação da sua decisão.

64. O paralelismo utilizado pelo tribunal tem por base a correlação entre as escutas e os restantes meios de prova, baseado na jurisprudência dos tribunais superiores52 e também nas posições doutrinais divergentes acerca deste tema53.

65. Ainda assim, os Venerandos Juízes do STJ acabam por concluir que as posições aqui defendidas não permitem extrapolar conclusão para todos os meios de prova, no sentido de permitir a sua utilização em processo disciplinar.

66. Ainda assim, fazem-no no sentido de justificar a admissibilidade da junção aos presentes autos da certidão extraída do processo crime, que contém toda a prova ali ínsita, como meio de prova valorado pela entidade disciplinar.

67. Aqui se reitera, o que se trata é da impossibilidade de utilizar provas obtidas em processo penal cuja legalidade da obtenção ainda nem sequer foi alvo de escrutínio.

68. Não se pode exigir menos de um procedimento disciplinar do que de um processo penal quando estamos a laborar exactamente sobre a mesma questão, a mesma prova, a mesma (ainda que eventual) ingerência na intimidade da vida privada, consagrada no mesmo artigo da Constituição da República Portuguesa.

69. A interpretação do normativo constante no n.° 1 do artigo 83.° do Estatuto dos Magistrado Judiciais, no sentido de admitir a migração integral para o processo disciplinar das provas existentes  em processo crime, que ainda não tenham sido  submetidas  ao crivo da legalidade, é claramente inconstitucional por violação do princípio da legalidade (artigo 2.° da C.R.P.) e ainda por violação das garantias de defesa do arguido (artigos 32. n°l e 2 ° e 34.° n° 1 e n° 4 da C.R.P.) - as quais se arguem para todos os devidos efeitos,

70. Na apreciação do terceiro argumento, trata-se de aferir da admissibilidade de utilização do correio electrónico, que se encontra regulada pela Lei do Cibercrime54. O tribunal analisa esta questão doutrinal e jurisprudencialmente, por forma a determinar qual a protecção jurídica concretamente aplicada ao correio electrónico já recebido e lido pelo destinatário

71. Existem, como é consabido, posições divergentes, defendidas por um lado por autores como João Conde Correia55, Pedro Verdelho56 e Rui Cardoso57 e, por outro, Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Santos Cabral58 - esta última aliás defendida pelo Recorrente.

72. O tribunal escuda-se, contudo, na ideia de que não faz sentido conferir uma protecção superior ao correio electrónico em contraposição com a correspondência tradicional. Entende o STJ que o destinatário da correspondência pode consentir que as autoridades judiciárias tomem conhecimento do mesmo, tornando tais provas lícitas e admissíveis por via do disposto no artigo 126.°, n.° 3 do Código de Processo Penal. Pelo que, o consentimento - prévio ou posterior - do destinatário da prova, salvaguardaria a sua admissibilidade em processo crime e, por conseguinte, a sua utilização também no âmbito disciplinar.

73. Contudo, o legislador não pretendeu fazer qualquer salvaguarda nesse sentido, razão pela qual na Lei 109/2009 de 15 de Setembro não se encontra estabelecida qualquer distinção legal, designadamente no artigo 17.° da Lei do Cibercrime, não foi estabelecido qualquer regime diferente para as mensagens abertas ou não abertas.

74. O que se pode concluir é que o legislador terá querido conferir uma tutela ao correio eletrónico armazenado superior à conferida aos vulgares escritos. Posição, aliás, defendida pelo Dr. Rui Cardoso59.

75. Mas a questão que importa convocar é da própria validade da prova., que no âmbito destes autos se mostra nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, posto que foi obtida "mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. ",

76. O CSM violou, de forma inconstitucional, o direito ao domicílio (quanto ao uso e acesso dos apensos das buscas), o direito ao sigilo das comunicações privadas e telecomunicações (quanto ao uso dos e-mails), o direito à reserva da intimidade da vida privada, e o direito ao sigilo bancário, contaminando, portanto, de forma definitiva, a decisão sobre a qual novamente se recorre.

77. A este respeito dispõe o artigo 34.°, n.°s 1 e 4 da Constituição: "1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. (...) 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. " - sublinhado nosso.

78. Recentemente, no acórdão 403/2015, o Tribunal Constitucional fez importantíssimas considerações sobre o acesso aos dados das comunicações, mesmo depois de terminadas, considerando que tal colide com o direito à autodeterminação comunicativa, protegido no artigo 34.° da CRP, que "serve para defender vários bens jurídico-constitucionais, entre eles: o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à reserva da intimidade da vida privada", e, dentro deste último, para defender "a esfera pessoal perante as ingerências públicas ou privadas, ou seja, o interesse das pessoas que comunicam em impedir ou em controlar a tomada de conhecimento, a divulgação e circulação do conteúdo e circunstâncias da comunicação".

79. As preocupações constitucionais com esta matéria encontram-se ancoradas na circunstância de o sigilo das comunicações pessoais ou individuais constituir uma decorrência do direito à reserva ­da intimidade da vida privada60, mais precisamente, do direito à confidencialidade da palavra falada em comunicações privadas61. Pelo mesmo motivo, o n.° 8 do artigo 32.° - relativo as proibições de prova em processo penal - comina com a nulidade as provas obtidas (e não apenas quando utilizadas62) mediante abusiva intromissão na vida privada. Deve entender-se por "abusiva" a intromissão nas comunicações privadas realizada à margem da Constituição e da lei, ou seja, realizada fora do processo penal ou com desrespeito dos requisitos legais estabelecidos.

80. A respeito daquilo que é a "prova" nos presentes autos disciplinares, regem os artigos 174.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.°, 180.°, 187.°, 188.°, 189.° e 190.°, todos do Código de Processo Penal. Relativamente a todos os meios de obtenção da prova aqui em questão, é exigido o preenchimento de determinados requisitos e, sobretudo, é imposta a validação judicial. Validação esta que, repare-se, existe não só inicialmente, como mesmo depois no decurso da investigação, para análise da relevância criminal da própria prova recolhida (vide, v.g., artigo 179.°, n.° 3 do C.P.P., a propósito da apreensão da correspondência).

81. Ora, de todas as referências sumariamente transcritas e de todas as que se encontram no corpo da peça recursiva não se deixam margem para dúvidas de que não é possível um aproveitamento extraprocessual da prova obtida em processo penal; prova essa que foi obtida de forma extremamente criteriosa e sujeita a juízos que não foram avaliados nem tidos em conta em sede meramente disciplinar. Até porque, a prova cabal para o CSM e que levou a esta decisão é a resultante do correio electrónico, constituído por trocas de correspondências entre o Recorrente e outros intervenientes que nada têm que ver com os presentes autos disciplinares.

82. Os suportes informáticos de onde foram retiradas tais informações (computadores e discos rígidos) foram apreendidos nos autos do processo crime em curso, no decurso da execução de auto de busca e apreensão (auto esse que havia já sido autorizado judicialmente), sendo que no acto da busca estava presente o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro CC, para garantia das exigências processuais impostas em face da função desempenhada pelo Arguido. As provas aí obtidas foram devidamente lacradas e seladas. Foram-no, uma vez mais, para garantia e salvaguarda das exigências processuais e, sobretudo, para manutenção do princípio constitucional da inviolabilidade da correspondência.

83. Ora, todas estas salvaguardas e garantias não se verificaram no âmbito do procedimento disciplinar. Não existem quaisquer garantias de preservação de conteúdo ou de salvaguarda das garantias da prova. Não houve um despacho judicial que o autorizasse, não houve preservação da prova, e não houve respeito pelo imperativo constitucional contido nos artigos 32.°, n.° 4 e 34.°, n.°s 1 e 4 da Constituição. Pelo que tais provas são nulas, porquanto são proibidas e ilegais, por atentatórias ao direito à reserva da intimidade da vida privada, e o direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, contidos nos artigos 26.° e 34.° da Constituição.

84. Acresce ainda que, estando em causa provas proibidas, as mesmas são desprovidas de qualquer valor e, sendo tal o caso, não podem ser aproveitadas para qualquer fim, mormente, para fundamento de imputação de um qualquer ilícito - in casu, de índole disciplinar - ao Recorrente.

85. Assim sendo, não restam dúvidas de que a prova que está na base da presente decisão é prova proibida, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 126.°, n.° 3, o que, quando se queira reconduzir às nulidades do processo penal se deve considerar enquadrada nos artigos 118.°, n.° 1 e 122.°, todos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 131.° do EMJ, e artigos 26.°, 32.°, n.° 8 e 34.°, n.°s 1 e 4 da Constituição - nulidade que aqui se deixa expressamente arguida para os devidos efeitos legais, e que inquina todo o restante processado, desde a acusação até à decisão final.

86. Acresce ainda que a interpretação efectuada por este douto tribunal e em concordância com a decisão do órgão disciplinar, nos termos do artigo 126.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, no sentido de admitir como lícitas e admissíveis no procedimento disciplinar todas as provas provenientes da correspondência electrónica de terceiros, ainda que com o seu consentimento, é contrária ao direito à reserva da intimidade da vida privada e ao direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, contidos nos artigos 26.° e 34,° da Constituição, pelo que se mostra inconstitucional - que neste âmbito se argui para todos os devidos efeitos.

87. A última questão levantada por este tribunal prende-se com a oportunidade do Recorrente aceder à prova constante do processo crime, designadamente para verificar e exigir o controlo da legalidade na sua obtenção. Contudo, limitam-se a concluir que esse risco terá de ser suportado pelo órgão disciplinar podendo a presente decisão estar ferida de alguma ilegalidade e que, a seu tempo, obrigará a reapreciação da decisão.

88. Ora, É, no mínimo surpreendente, a posição tomada pelo STJ que admite claramente que, no fundo, estamos perante uma decisão condicional, totalmente dependente do que se vier a apurar no processo crime.

89. Não faz qualquer sentido esta conclusão que, mais não é do que uma tentativa para camuflar esta inegável conclusão e que inquina por completo a decisão, escudando-se no facto de existir nos autos outros meios de prova para além de provas tendencialmente proibidas e que deram também sustentáculo probatório à decisão proferida.

90. Neste conspecto se diga que o órgão disciplinar, por forma a poder utilizar a prova obtida em processo penal (a qual de outra forma não teria acesso, atendendo à complexidade e vastidão de uma investigação num processo crime em confronto com a investigação no processo disciplinar), ignorou todos os dispositivos garantísticos do Recorrente que circundavam aquela obtenção. Apenas se pode concluir o seguinte: o órgão disciplinar pretende distanciar-se (ainda que só em algumas partes) do processo crime, decidindo antes e independentemente da decisão que naquele venha a ser tomada, cuias consequências, a existir, se apreciarão a jusante.

91. Ora, a interpretação do normativo constante no n.° 1 do artigo 83.° conjugado com o artigo 97.° do Estatuto dos Magistrado Judiciais, no sentido de admitir que ao Recorrente seja aplicada uma pena de demissão com base em factos exclusivamente advindos do processo crime, os quais não foram contraditados, é claramente inconstitucional por violação do princípio da legalidade (artigo 2.° da C.R.P.) e ainda por violação das garantias de defesa do arguido (artigos 32. n°l e 20 e 34.° n° 1 e n° 4 da C.R.P.) e do direito ao trabalho (artigo 58.° da CRP) - as quais se arguem para todos os devidos efeitos.

92. Quanto à última questão analisada, respeitante à violação da aplicação da sanção disciplinar, sempre se defendeu que, tanto da nota de culpa, quanto da deliberação que aplicou a sanção disciplinar, não se encontram elencados os deveres profissionais alegadamente violados e que determinaram a aplicação da sanção disciplinar.

93. É precisamente a atipicidade da infracção disciplinar que vincula o órgão sancionador ao rigor de fundamentar e analisar não só os deveres concertamente violados, mas também o grau de participação do Arguido e as circunstâncias agravantes e atenuantes que possam ser relevantes para a determinação de uma pena disciplinar.

94. Como anteriormente se pugnou, extravasar esta distinção e apreciar indistintamente os factos alegadamente praticados é, além do mais, violador da reserva da intimidade da vida privada do Recorrente, como torna também nula a decisão recorrida por manifesto excesso de decisão.

95. Entende assim o Recorrente que, na vertente normativa como foram interpretados e aplicados na decisão recorrida, os artigos 82.°, 97.° e 122.° do EMJ - permitindo que um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam nem têm que se indicar expressamente os deveres funcionais alegadamente violados e, logo, que não é devidamente fundamentada também com tal indicação - violam claramente a CRP, desde logo os seus artigos 29.°, n.° 5 e 268.Q, cujos preceitos e princípios proíbem tal solução e se têm de ter por aplicáveis também aos ilícitos e procedimentos disciplinares.

96. Os artigos 117.°, n.° 3 e 168.° do EMJ (e também o 125.° do CPA), se e quando interpretados como o foram na decisão recorrida - e isto, independentemente de terem sido, ou não, objeto de invocação expressa pela decisão recorrida - ou seja, permitindo uma inexistente, ou pelo menos deficiente, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que o CSM densificou suficientemente a decisão, e mais ainda aplicadores da sanção mais grave de demissão, violam por completo os artigos 20.°. 32.°, n.º 1 e 268.°, n.° 3 da CRP, por representarem as constitucionalmente inadmissíveis subtração das decisões disciplinares do CSM a qualquer tipo de efetivo controle jurisdicional e a inutilização prática dos direitos da defesa e de tutela jurisdicional efetiva - inconstitucionalidades que desde já se arguem para todos e quaisquer efeitos.

97. O Recorrente voltou a peticionar a desproporcionalidade da decisão datada de 03-12-2019, ao aplicar a pena máxima de expulsão, sem cuidar atender a todos os critérios que se impunham ao caso concreto.

98. Reitera-se mais uma vez: o CSM desvalorou por completo todas as circunstâncias atenuantes da conduta do Arguido, procurando valorar apenas (ainda que sem concretamente identificar), atentas as concretas circunstâncias mediáticas do caso, as circunstâncias agravantes da conduta do mesmo. Esta violação é de tal forma gritante que o próprio STJ confirma essa inexistência de apreciação plasmada na decisão.

99. Do mesmo passo, não são descritas as concretas normas violadas pelo Arguido e que, a final, culminariam na aplicação da referida pena. É que nem tampouco são indicadas, com um mínimo de desenvolvimento, quaisquer razões que possam ter relevado para a formação da convicção do CSM. E este doutro tribunal veio tentar colmatar as falhas ínsitas na primeira decisão ao elencar os critérios de vinculação da Administração na fixação da medida da pena e também da margem de discricionariedade que este goza na dosiometria da pena disciplinar a aplicar.

100. Pelo entendimento deste Tribunal, a coberto da chamada "discricionariedade técnica ou administrativa" tudo é possível para a Administração Pública, que fica apenas vinculada aos critérios garantísticos constitucionalmente protegidos.

101.Não obstante, este poder discricionário não é um poder arbitrário, mas antes um poder jurídico delimitado pela lei. Quer isto dizer que a discricionariedade não é uma liberdade, mas sim um poder-dever jurídico, razão pela qual tem de ser ponderado e balizado pelo princípio da legalidade e pelos princípios constitucionais que norteiam a actividade administrativa e que se encontram consagrados no n.° 2 do artigo 266.° da Constituição.

102. 0 artigo 5.°, n.° 2 do CPA, 85.° e 97.° do EMJ, interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida, violam por completo o basilar princípio constitucional da proporcionalidade a que todos os órgãos administrativos, incluindo o CSM, estão obrigados por força do artigo 266.°, n.° 2, da CRP ao propugnar e sustentar uma pena completamente desproporcionada, em particular em atenção à culpa do Recorrente e às concretas circunstâncias atenuantes, bem como violam os direitos à família (atentas as circunstâncias da vida familiar do Recorrente que são do inteiro conhecimento do CSM e, também, do STJ. e que são por completo desvalorizadas e desprezadas pela decisão recorrida no pressuposto de que a vida familiar e nomeadamente as obrigações impostas pelo dever de assistência aos filhos devem ceder, e em absoluto, perante os deveres do desempenho profissional), consagrados nos art°s 67,° e 68.°. n.° 1 da CRP.

103.Mais ainda! Os artigos 187.° e 189.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (ex vi do artigo 188.° do EMJ) e sobretudo os artigos 84.°, 85.° e 97.° do EMJ, também interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida (ou seja, no sentido de permitir a demissão de um magistrado com base em juízos valorativos e conclusivos, sem cuidar de atender a todos os critérios determinantes na escolha da sanção a aplicar, viola claramente os preceitos e princípios do artigo e 53.° (segurança no emprego, proibição dos despedimentos e desvinculações arbitrários e sem justa causa), ambos da CRP -inconstitucionalidades que se arguem para todos os devidos efeitos.

104.Nestes termos e nos melhores de Direito, atenta a existência dos vícios e inconstitucionalidades supra elencados e que inquinam irremediavelmente a decisão e, bem assim, dos argumentos fácticos e jurídicos apresentados pelo Recorrente, requer-se desde já a V. Exas. que o presente recurso seja julgado procedente por provado, nos termos acima melhor descritos.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso procedente por provado, anulando a decisão de aplicação da pena de demissão e, em consequência:
a) Se dignem ordenar a suspensão do processo disciplinar por existência de prejudicialidade em relação ao processo-crime;

Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem se conceder:

b) Se dignem declarar a nulidade da decisão que ora se
impugna, por violação do princípio da separação de poderes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 111,° da CRP e artigo 3.°, n.° 1 do CPTA;

c) Se dignem declarar a nulidade da decisão por violação do princípio da legalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 83.°, n.° 2 do EMJ e do disposto no artigo 3.° do CPA;

d) Se dignem declarar a nulidade da decisão que ora se impugna, por uso de métodos de prova proibidos, de acordo com o disposto nos artigos 118.°. n.° 1 e 122.°, todos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 131.° do EMJ. e artigos 26.°, 32.°. n.° 8 e 34.°, n.°s 1 e 4 da Constituição;

e) Se dignem declarar a nulidade da decisão que ora se impugna. por violação do princípio da proporcionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.°, n.° 2 da CRP, artigo 96.° do EMJ, artigo 189." da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e do artigo 7.° do CPA; f)Se dignem declarar a nulidade da decisão que ora se impugna, por erro na interpretação/aplicação do artigo 297.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Em todo o caso,

g) Mais se requer a apreciação por V.Exas. de todas as inconstitucionalidades supra identificadas e aí melhor densificadas.

E, em qualquer caso,

h)  Conhecer do mérito da presente peça recursiva.

Assim se fazendo a costumada Justiça!”

5. Na reclamação para o Plenário o recorrente voltou a indicar o mesmo argumentário e petitório.

6. O recorrido respondeu ao recurso indicando que, em sua opinião, o recurso não deve ser admitido por falta de previsão legal, pelo que conclui (transcrição):

“Por tudo o exposto, e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, conclui o recorrido dever ser determinada a inadmissibilidade do presente requerimento de recurso ou, caso assim se não entenda, no que todavia não se concede, mantém-se o entendimento de que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, com todas as devidas consequências legais.”

7. No exercício do contraditório relativo ao pedido de intervenção do Plenário para se pronunciar sobre o despacho individual da relatora de não admissão do recurso o recorrido indicou estar de acordo com a decisão proferida.

II. Fundamentação

 

8. Relevam os elementos constantes do relatório supra.

9. O reclamante apresentou o seu pedido de intervenção do colectivo, por discordância com o despacho singular da relatora, socorrendo-se do regime do art.º 643.º do CPC, que entendeu ser aplicável por via das remissões do CPTA e EMJ.

Contudo, este Tribunal entende que o regime do art.º 643.º do CPC não é aplicável à situação, por não se estar a reclamar do despacho de não admissão de um recurso para um outro tribunal, pelo que, convola o requerimento em causa, ao abrigo dos poderes de conformação processual, em reclamação para a conferência da Secção de Contencioso do STJ, a secção que é competente para analisar a impugnação das deliberações do Plenário do CSM.


10. No despacho singular da relatora, pelo qual não se admitiu o recurso para o Pleno do STJ, e com o qual este colectivo concorda, explicaram-se as razões que fundamentavam a não admissão do recurso, que aqui se reproduzem por facilidade de expressão e que constituem igualmente motivação da presente deliberação.

Disse-se-aí:

(início da transcrição)
6. Em favor da admissibilidade do recurso diz o recorrente que a mesma decorre da conjugação das normas jurídicas indicadas no requerimento de interposição do recurso e que, caso assim, não se entenda a interpretação que se faça é inconstitucional, nomeadamente porque:
(i) O princípio do duplo grau de jurisdição se aplica não só às matérias penais, mas a todos os procedimentos sancionatórios pelo que, até por força do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o direito ao recurso também integra o núcleo essencial das garantias de defesa aplicáveis no âmbito do procedimento disciplinar contra juízes;
(ii) Por outro lado, a limitação do direito ao recurso in casu a um único grau de jurisdição, diferentemente do que sucede com o regime aplicável aos magistrados do Ministério Público, representa uma violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição, uma vez que se trata de uma diferenciação legal desprovida de fundamento material bastante;
(iii) A interpretação e aplicação do anterior artigo 168.° e 179.° do EMJ e dos actuais artigos 169.°, 170.° n.° 2 e 173.° do EMJ, no sentido em que daí não opera a remissão para o artigo 140.° do CPTA e 629.° do CPC, garantindo pelo menos um grau de recurso, é inconstitucional por violação do núcleo essencial dos direitos da defesa, e designadamente o de recurso ou duplo grau de jurisdição consagrado nos artigos 20.° n.°s 1 e 5, 32.°, n.° 1 e 10, 268.° n.° 5 e também 269.°, n.° 3 da CRP, mas também no artigo 6.°, n.° 1 da CEDH, e violam igualmente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° n..°s 1 e 2, 17.° da CRP, cuja restrição não decorre da Constituição mas sim de um Estatuto, em violação frontal do artigo 18.° n.° 2 da CRP, em qualquer dos casos violando-se, assim, o direito ao trabalho previsto no artigo 58.° da CRP.
7. Contra a admissibilidade do recurso diz o recorrido que devem ser ponderados os seguintes argumentos:
a) Teor do artigo 170.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), na versão atualmente vigente, aprovada pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, “É competente para o conhecimento das ações referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça”;
b) Teor dos n.ºs 2 e 3 do artigo 47.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), dos quais resulta a existência de uma secção do STJ especialmente constituída para o julgamento das ações administrativas atinentes a deliberações do CSM, presidida pelo Vice-Presidente mais antigo e composta por um juiz de cada uma das outras secções, anualmente designados, tendo em conta a respetiva antiguidade; essa secção é constituída por oito juízes conselheiros, os quais, diferentemente do que sucede nas demais secções, e os juízes intervêm todos no julgamento dos recursos, tendo o Presidente voto de qualidade (n.º 3 do artigo 47.º e n.º 1 do artigo 56.º da LOSJ);
c) O artigo 170.º, n.ºs 2 é claro ao estipular que o julgamento é realizado pela secção em pleno;
d) Da conjugação dos dois diplomas resulta que inexiste qualquer previsão acerca da possibilidade de recurso do acórdão da Secção do Contencioso;
e) Assim tem sido entendido pela jurisprudência do STJ, nomeadamente, nos processos:
i) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.07.2007, no  processo n.º 07S811, disponível em www.dgsi.pt;
ii) Acórdão do STJ de 25.09.2014, processo n.º 92/13.2YFLSB, disponível em www.dgsi.pt;
iii) Acórdão de 23.05.2019, proferido no Proc. n.º 7/19.4YFLSB;
iv) Acórdão da secção de contencioso, proferido em 24.10.2019, no processo n.º 30/18.6YFLSB.
f) Assim tem sido entendido pela doutrina e comentaristas, nomeadamente citando MARIA DOS PRAZERES BELEZA, In Duas questões sobre a impugnação das deliberações do conselho superior da magistratura para o supremo tribunal de justiça: inadmissibilidade de recurso e controlo do erro de facto, Julgar n.º 30, 2016, pág. 15.
g) A jurisprudência citada não sofreu qualquer alteração em virtude de o artigo 173.º do EMJ prever que à acção administrativa se aplicam subsidiariamente as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
h) O artigo 170.º do EMJ tem norma expressa relativamente à competência da secção de contencioso do STJ e explicíta que tal secção julga em pleno.
i) Não há nenhuma lacuna ou omissão justificativa da aplicação subsidiária do CPTA a tal respeito.
8. Conhecendo da questão da admissibilidade do recurso

A propósito da questão da admissibilidade do recurso das decisões da secção de contencioso do STJ, escreveu a Exma Sra Conselheira MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in “Duas questões sobre a impugnação das deliberações do conselho superior da magistratura para o supremo tribunal de justiça: inadmissibilidade de recurso e controlo do erro de facto”, Julgar n.º 30, 2016, o seguinte:

Não existe no Supremo Tribunal de Justiça nenhuma formação de julgamento que possa equivaler ao pleno da secção, para efeitos de interposição de recurso dos acórdãos da Secção do Contencioso: a Secção de Contencioso delibera sempre em pleno, ou seja, com a totalidade dos seus juízes; nem o pleno das secções cíveis, nem o pleno das secções criminais, nem o Plenário do Tribunal podem desempenhar tal função. A lei não o prevê; e não se pode replicar no Supremo Tribunal de Justiça, quanto à Secção de Contencioso, a lógica que se encontra no Supremo Tribunal Administrativo, na relação entre cada formação de julgamento e o pleno da secção a que pertence — ou mesmo nas demais secções do Supremo Tribunal de Justiça, nas quais também só intervêm no julgamento dos recursos o relator e o ou os adjuntos, ou o respetivo Presidente, conforme os casos.” (p. 15)

(…)

No caso dos acórdãos da Secção de Contencioso do STJ, está fora de questão que a lei atual contemple qualquer possibilidade de recurso para outra formação do STJ: a sua organização interna não o comporta.” (p. 16-17)

“(…) dada a garantia que a composição da secção de contencioso fornece, é manifestamente impraticável prever um recurso para o Plenário — nenhum dos Plenos, cível ou criminal, teria por si só competência que abrangesse a da secção de contencioso; nem creio que conferisse maiores garantias um sistema em que se previsse, por exemplo, que a impugnação fosse apreciada por parte da Secção de Contencioso — por uma formação de três dos seus juízes, ou semelhante –, com possibilidade de recurso para o pleno da secção.” (p. 17)

No mesmo sentido se orienta a jurisprudência deste STJ, nomeadamente nos acórdãos indicados pelo recorrido, sendo dispensada a sua reprodução por já constar da alegação.

A remissão que, subsidiariamente, é feita no art.º 178.º do EMJ para as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo abrange apenas as normas relativas à tramitação do recurso e não as que se referem à recorribilidade das decisões.

A solução preconizada não viola a CRP, nos termos em que vem alegada pelo recorrente.

Também neste sentido já este STJ teve oportunidade de assim decidir no Acórdão de 12.07.2007, no  processo n.º 07S811 e no Acórdão de 25.09.2014, processo n.º 92/13.2YFLSB.

Não viola nem o princípio da igualdade (art.º13.º), nem o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.º 32.º).

De igual modo não se julga procedente a argumentação do recorrente quando afirma: “E no caso que nos ocupa, deve considerar-se inconstitucional, por violação dos artigos 13.° n.°s 1 e 2, 17.°, 20.° n.° 1 e 5, 32.° n.°l e 10, 58.° n.°l, 268.° n.° 5 e 269.° n.° 3, todos da C.R.P., a interpretação segundo a qual, o legislador terá limitado o direito ao recurso com a redacção do actual artigo 170.° n.° 2 do EMJ, ao se entender que a impugnação jurisdicional de decisões administrativas do Conselho Superior de Magistratura que seguem a forma de acção administrativa são apreciadas pelo pleno da secção de contencioso, impedem todo e qualquer grau de recurso, nomeadamente quando não se admita que possa ser apreciado em Plenário um recurso dessa decisão.”
9. As normas constitucionais invocadas pelo recorrente estatuem o seguinte:

Art.º13, n.º1 e 2 –

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Art.º 17.° –

O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.

Art.º 20.° n.° 1 e 5 –
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Art.º 32.° n.°l e 10 –
1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
(…)

10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Art.º 58.° n.°l –

1. Todos têm direito ao trabalho.

Art.º 268.° n.° 5 –

5. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

Art.º 269.° n.° 3 –

3. Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.

10. No que respeita ao princípio da tutela jurisdicional efectiva  e do acesso ao direito e aos tribunais deve entender-se, para além dos argumentos indicados por MARIA DOS PRAZERES BELEZA, nos extractos citados (e ainda na p. 17: “Não creio que tal impossibilidade afronte a Constituição, particularmente o n.º1 do art.º 20.º, ou as exigências do princípio da proporcionalidade.”), que a não violação da CRP se prende, em primeiro lugar, com a inexistência de norma ou princípio constitucional que, fora do âmbito penal, obrigue o legislador a criar um duplo grau de jurisdição, uma vez que se entende que, na esteira do entendimento deste STJ, “só está constitucionalmente assegurado, de forma expressa, o duplo grau de jurisdição em sede do processo penal (art. 32.°, n.º 1, da CRP), cabendo ao legislador ordinário, fora desse domínio, uma ampla margem de discricionariedade para conformar o âmbito em que aquele duplo grau deve ser estabelecido.” – cf. Acórdão do STJ de 24.10.2019, no processo n.º 30/18.6YFLSB – ou –  “A ausência de duplo grau de jurisdição fora do âmbito penal não colide com a Constituição.” – Acórdão do STJ de 25.09.2014, processo n.º 92/13.2YFLS; em segundo lugar, a lei previu que a sanção aplicada administrativamente pudesse ser impugnada junto dos tribunais, direito que foi exercido pelo recorrente junto do STJ, mas que não obteve o resultado por si pretendido. Nesse mesmo processo judicial foram-lhe assegurados os direitos legalmente previstos, para defesa da sua posição e interesses legalmente protegidos, tendo o procedimento judicial sido célere e em tempo útil, tendo em conta a complexidade dos autos, tudo em obediência à lei a à CRP.

11. No que respeita ao direito a recorrer da decisão judicial proferida pelo STJ, que não é uma decisão proferida em processo criminal, não assiste razão ao recorrente ao indicar que deve ter direito a dela recorrer, por força do art.º32.º, n.º1 da CRP, já que a CRP apenas consagra o direito ao recurso em processo criminal e nos demais processos, como indica o n.º10, foram assegurados os direitos de audiência e defesa.

Não procede ainda o argumento de que o art.º 32.º, n.º10, da CRP abrange na sua garantia os processos disciplinares – “Isto porque também entendemos que no artigo 32.°, da CRP se acha contida a dimensão garantística do direito ao recurso a todos os processos sancionatórios - designadamente os processos disciplinares - por força do disposto no n.° 10 do mesmo preceito.” (posição do recorrente).

Nem tal ilação pode ser deduzida do art.º 209.º  e 210.º da CRP, ao estabelecerem:

"Artigo 209.°

(Categorias de tribunais)

1.   Além   do   Tribunal Constitucional, existem  as seguintes  categorias  de   tribunais:

a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância;"

Artigo 210.°

(Supremo Tribunal de Justiça e instâncias)

1. O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo  da competência  própria   do   Tribunal   Constitucional.

(...)

3. Os tribunais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, aos quais     se     equiparam     os     referidos     no     n.°    2     do     artigo     seguinte.

4. Os tribunais de segunda instância são, em regra, os tribunais da Relação.

5. O Supremo Tribunal de Justiça funcionará como tribunal de instância nos casos que a lei determinar. "

12. No que concerne ao argumento que o recorrente pretende retirar do artigo 52.° alínea a) da LOSJ, segundo o qual "Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário: a) Julgar os recursos de decisões proferidas pelo pleno das secções criminais;", propondo a sua aplicação analógica às decisões da secção de contencioso, estamos em crer que, porque não se trata de decisão em matéria criminal, não se justifica a analogia, até porque as exigências constitucionais se reportam as processos criminais; além disso, o recorrente não aduz argumentos que possam tornar evidente a identidade de razão de decidir, que justificasse a aplicação analógica (não se identificando essas razões na afirmação “perante matérias que contenderão com direitos, liberdades e garantias”, já que não é a decisão judicial quem afecte ou contende com tais direitos, liberdades e garantias, mas a decisão administrativa, que o tribunal escrutina), nem a existência de lacuna (necessária para a utilização da indicada analogia).

13. Não se vislumbra ainda como poderia ter sido violado o art.º 17.º da CRP, apenas porque não se reconhece que a lei estabeleça em favor do recorrente o direito ao recurso, ou porque se invoca o direito ao trabalho.

Em nenhuma circunstância o tribunal deixou de observar o n.º1 do art.º 58.º, coarctando o direito do recorrente trabalhar, pois o que estava em causa apenas era a sua continuação na carreira de magistrado judicial e por causas que lhe são imputadas exclusivamente, conforme factos provados e direito aplicável, melhor explicitado no acórdão deste STJ de 30 de Junho de 2020.

Nem do art.º 58.º da CRP resulta o efeito que o recorrente indica, quando afirma: “Quando uma actuação de um tribunal de Ia instância (como no caso funcionou a secção de contencioso deste STJ), por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão - direito ao trabalho, artigo 58.° CRP -, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à reapreciação judicial dessa situação, conferindo-se-lhe, pelo menos, um grau de recurso.”

14. Salvo melhor opinião, não é ainda aplicável ao caso o invocado regime do art.º 268.º, n.º5, por não ter sido impugnada nenhuma norma administrativa com eficácia externa lesiva de direitos, mas um acto administrativo – o de expulsão da magistratura judicial.

15. Não colhe igualmente a alegada violação do art.º 269.º, n.º3 da CRP, porquanto, segundo o acórdão do STJ, se considerou, e o relatório assim o permite concluir, no processo disciplinar o recorrente teve direito a audiência e defesa, direitos que exerceu.

16. Quanto à violação do art.º 6.º da CEDH, também se entende, na esteira da posição defendida pelo Tribunal Constitucional, que, uma vez que a norma tem correspondência na nossa CRP (art.º 32.º), a análise da sua possível violação não adquire autonomia face à análise que se efectuou do regime do art.º 32.º da CRP – não tendo ocorrido violação deste preceito, também não ocorreu violação daquele outro – cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.° 345/2015, no âmbito do processo n.° 1041/14, no ponto 11.2, onde se afirma: “Cumpre desde já afastar da presente fiscalização os parâmetros de controlo contidos no artigo 6.º da CEDH uma vez que as garantias aí consagradas encontram plena consagração no artigo 32.º da Constituição, reconduzindo-se, por conseguinte, ao escrutínio que se irá efetuar do objeto do recurso à luz do referido complexo paramétrico.”

17. No mesmo sentido da posição aqui indicada tem sido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente nos acórdãos indicados pelo recorrente (acórdãos do Tribunal Constitucional n.° 345/2015, no âmbito do processo n.° 1041/14, proferido pela 2a Secção em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Pedro Machete, ou o acórdão n.° 373/99, no âmbito do processo n.° 90/97, proferido pela Ia Secção e no qual foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Tavares da Costa) e de cuja citação se depreeende que conhece bem a orientação seguida.

17.1. Considerando a análise profunda que é efectuada no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 345/2015 sobre a não inconstitucionalidade da inexistência de recurso do acórdão da secção de contencioso do STJ que se debruce sobre o acto administrativo sancionatório do Plenário do CSM, e porque não ocorreram, nem alterações legais, nem jurisprudenciais relevantes, é de considerar aqui aplicáveis as conclusões a que chegou o Tribunal Constitucional, nomeadamente as que se indicam:

“12. (…) Os Acórdãos n.os 336/95 e 373/99 (disponíveis, assim como a restante jurisprudência constitucional adiante citada, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), debruçaram-se especificamente sobre o artigo 168.º do EMJ, na medida em que tal preceito não prevê o recurso para o Plenário das decisões proferidas na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.

(…)

12.1 - No Acórdão n.º 336/95 foi invocado como parâmetro o princípio da igualdade, arguindo-se uma «desigualdade não justificada de graus de jurisdição nos recursos que podem ser interpostos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público». Com efeito, sendo as deliberações do Conselho Superior do Ministério Público ("CSMP") recorríveis para a secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), e cabendo recurso de tais decisões para o Pleno daquela mesma secção (nos termos do regime então vigente, consubstanciado nos artigos 24.º, alínea a), e 26.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril - "ETAF84"), já das decisões do CSM só caberia um grau de recurso, a exercer perante a Secção do Contencioso do STJ, de cujas decisões não cabe recurso.

O Tribunal concluiu então que não se verificava violação do princípio da igualdade. Para alcançar esta conclusão, o Tribunal Constitucional partiu de diversas premissas:

a) Em primeiro lugar, salientou que, nos termos de constante jurisprudência constitucional, o direito de acesso aos tribunais não equivale necessariamente ao direito a um duplo grau de jurisdição, fora das matérias abrangidas pelo direito ao recurso consagrando no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, existindo, neste domínio, uma ampla margem de conformação legislativa, a qual, contudo, não é total, atentos os limites resultantes do dever de não aniquilar, na prática, um sistema de recursos cuja previsão se encontra constitucionalmente assente, bem como de observar as limitações resultantes do princípio da igualdade na dimensão de proibição do arbítrio.

b) O Tribunal debruçou-se seguidamente sobre a invocada violação do princípio da igualdade, apreciando o regime então vigente em matéria de impugnação das deliberações do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF"). Nos termos desse regime, a impugnação das deliberações do CSMP conhecia dois graus de jurisdição, traduzindo-se num primeiro grau de recurso para a 1.ª Secção do STA e num segundo grau de recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo (nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, alínea d), e 24.º, alínea a), do ETAF84").

Já a impugnação das deliberações do CSTAF se situava em "posição similar" à dos recursos do CSM: «no primeiro caso, recurso para uma "secção" apenas constituída para esse feito, com específica competência, que se esgota com o julgamento dos processos distribuídos, sem qualquer outro grau de recurso ordinário; no segundo caso, recurso direto para o Pleno da secção de contencioso administrativo, não se prevendo também qualquer outro grau de recurso ordinário» (regime decorrente do artigo 24.º, alínea d), do ETAF84).

A violação do princípio da igualdade quanto à diversidade de regimes de impugnação das deliberações do CSMP e do CSM, no que toca aos graus de recurso legalmente disponíveis, foi afastada uma vez que se «trata [...] de carreiras diversas, de género diferente e por isso usualmente referidas como 'paralelas', mas que correspondem a diversas exigências constitucionais e, por isso também, os respetivos órgãos de cúpula e as deliberações neles tomadas não podem ser colocadas na mesma posição para efeitos de imposição da mesma solução legislativa quanto aos graus de recurso»; as mesmas são, por isso mesmo, «regidas por princípios diferentes e têm estruturas próprias que as tornam radicalmente diferentes entre si».

c) Por fim, o Tribunal avaliou o problema de saber se a solução legal - traduzida no recurso em grau único das deliberações do CSM (e, também, do CSTAF) - representaria, face à solução aplicável ao CSMP, diferenciação arbitrária ou isenta de fundamento material bastante concluindo, também quanto a este problema, de modo negativo:

«Mas a opção do legislador tem certamente, para além de outras justificações possíveis, uma bem objetiva e diretamente relacionada com as matérias que constituem normalmente o objeto destes recursos: trata-se de questões (profissionais, de carreira ou disciplinares) que respeitam a magistrados judiciais ou de outras ordens de tribunais e cuja resolução, a prolongar-se no tempo - o que seria inevitável, no caso de se preverem vários graus de jurisdição - podia acarretar graves perturbações num serviço essencial à existência de um Estado de Direito, a realização da justiça.

Assim, o legislador em vez de optar por vários graus de recurso decidiu-se pelo reconhecimento de um único grau de jurisdição, mas atribuindo o conhecimento de tais recursos a tribunais de especial qualificação: no STJ, uma secção constituída pelo presidente e quatro juízes, um de cada secção, que são designados anual e sucessivamente, de acordo com a respetiva antiguidade e no STA, para o pleno da 1.ª secção, constituído pelo presidente e por nove juízes, incluídos os vice-presidentes, o relator e o número de juízes necessários dos mais antigos, afastando-se, assim, em ambos os casos, pelo recurso à maior antiguidade dos magistrados intervenientes, quaisquer possíveis conflitos de interesses (ainda que de difícil perspetivação).

Inexiste, por isso e face a tudo quanto atrás fica referido nos n.os 10 e 11, qualquer violação do princípio da igualdade, não só porque o caso das decisões do CSMP não pode ser considerado como igual para impor uma tutela legislativa similar mas também, porque, caso se pudesse admitir tal similitude de situações, haveria um fundamento material bastante para a diferenciação dos regimes de recursos, não estando, por isso, o n.º 2 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dele faz o acórdão recorrido, no sentido de não permitir recurso, para o plenário do Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas na secção prevista naquela norma, afetado de qualquer inconstitucionalidade.»

12.2 - Também o Acórdão n.º 373/99 se debruçou sobre a solução normativa resultante do artigo 168.º, n.º 1, do EMJ, no sentido de da mesma decorrer a recorribilidade, das decisões do Plenário do CSM, para a Secção de Contencioso do STJ, a qual aprecia tais recursos em grau único de jurisdição. Este aresto considerou igualmente não se encontrar violado o princípio da igualdade nem o direito de acesso ao direito previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, reiterando, no que ora importa, os fundamentos já expendidos no referido Acórdão n.º 336/95.

Foi ainda apreciada a questão de saber se tal regime comportaria violação do artigo 214.º, n.º 3, da Constituição (atual artigo 212.º, n.º 3), na medida em que atribui aos tribunais comuns o julgamento de litígios materialmente administrativos. O Tribunal concluiu negativamente considerando que «não existe impedimento constitucional à atribuição pontual da competência aos tribunais judiciais para a apreciação de determinadas questões de natureza administrativa», reiterando a jurisprudência já constante dos Acórdãos n.os 347/97, 687/98 e 40/99.

Estes arestos apreciaram a solução decorrente do artigo 168.º, n.º 1, do EMJ, face, essencialmente, ao parâmetro então contido no artigo 214.º, n.º 3, da Constituição (atual artigo 212.º, n.º 3) o qual atribui aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Entendeu-se nesses arestos que o artigo 214.º, n.º 3 (atual artigo 212.º, n.º 3), da Constituição consagrou uma competência comum ou genérica dos tribunais administrativos para a apreciação dos litígios jurídico-administrativos mas que dele não decorre uma reserva absoluta de competência. Não existe, portanto, obstáculo constitucional à atribuição pontual e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para a apreciação de certas questões de natureza administrativa.

O Acórdão n.º 40/99 apreciou ainda questão relativa ao artigo 168.º, n.º 2, do EMJ por eventual violação do direito de acesso à justiça administrativa, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição, na vertente de acesso a um tribunal independente. Entendeu-se que, por um lado, estava assegurada a independência uma vez que todos os juízes integrantes da secção mencionada se encontram no exercício da função jurisdicional. E, por outro, uma vez que a composição dessa mesma secção é feita com base num critério objetivo e estritamente vinculado, decorrente da lei, não se encontrou qualquer discricionariedade constitucionalmente censurável no poder atribuído ao Presidente do STJ de designar os respetivos juízes.

12.3 - A questão da competência atribuída pelo EMJ a uma secção do STJ para julgar os atos em matéria disciplinar do CSM foi igualmente objeto de jurisprudência constitucional posterior, mais recente.

O Acórdão n.º 277/2011 debruçou-se sobre tal problemática, concluindo pela não inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 168.º do EMJ, na dimensão assim especificada, uma vez que, não obstante os tribunais administrativos serem, de acordo com o figurino constitucional, os tribunais comuns em matéria administrativa, o legislador tem margem para, em casos justificados e pontuais, atribuir a competência para julgar causas substancialmente administrativas a outros tribunais. Por outro lado, o Tribunal entendeu também que o facto de os juízes que integram a Secção do Contencioso do STJ competente para julgar os recursos interpostos das deliberações do CSM, designadamente em matéria disciplinar, se encontrarem sujeitos à gestão e disciplina deste órgão, não pode ser encarado como um fator suscetível de influenciar a sua pronúncia nestas causas.

Do mesmo modo, considerou-se ainda que o facto de esses juízes, com exceção do Vice-Presidente mais antigo do STJ, serem nomeados pelo Presidente, que é também, por inerência, o Presidente do órgão recorrido, não é suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade, uma vez que a designação feita pelo Presidente do STJ obedece a um critério objetivo e estritamente vinculado.

Este entendimento veio posteriormente a ser reiterado pelo Acórdão n.º 327/2013, o qual concluiu, igualmente, pela não inconstitucionalidade do regime decorrente do artigo 168.º, n.os 1, e 2, do EMJ. Este aresto, contudo, não se limitou a reiterar a jurisprudência contida no Acórdão n.º 277/2011, uma vez que no seu objeto estavam contidas outras dimensões problematizantes do referido regime legal.

Para além da questão de saber se tal regime comportaria desrespeito da reserva material de jurisdição administrativa, outros parâmetros fundamentais foram integrados no objeto do recurso: o «princípio das máximas garantias de defesa do Juiz arguido em processo sancionatório», o princípio da presunção de inocência, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e o direito (do juiz arguido) a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial, bem como as garantias de defesa decorrentes do artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição. O Tribunal não deu por verificada qualquer ofensa a estes parâmetros constitucionais. O direito ao recurso não foi então especificadamente individualizado - nem pelo recorrente nem pelo Tribunal. Contudo, no cotejo que então se fez da jurisprudência constitucional anterior, transcreveram-se, expressamente, trechos relevantes relativo aquele parâmetro.

Por outro lado, a propósito do direito ao recurso enquanto dimensão integrante das garantias de defesa em processo criminal, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e face à técnica remissiva constante do n.º 10 daquele mesmo preceito, concluiu então o Tribunal, reiterando jurisprudência constitucional anterior e autorizada doutrina, não se verificar qualquer desconformidade. Da remissão constante do referido n.º 10 não resulta a extensão, às matérias sancionatórias, do direito ao recurso especificamente elencado no n.º 1, visando-se apenas garantir, em todos os processos sancionatórios, os direitos de audiência e de defesa dos arguidos.”

Ainda se diz, já em termos de apreciação do próprio recurso de constitucionalidade:

“14. A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil. Em processo penal, só após a revisão constitucional de 1997, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, segundo a qual a Constituição contempla o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º

14.1 - A recorrente sustenta violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na dimensão da garantia do direito ao recurso das decisões judiciais proferidas em matéria penal. Entende a mesma que tal garantia é aplicável a todos os processos sancionatórios - designadamente os processos disciplinares - por força do disposto no n.º 10 do mesmo preceito.

Não está em causa, como é evidente, decisão proferida no âmbito de processo-crime, pelo que não existe lugar à aplicabilidade direta do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto preceito que consagra o direito ao recurso em processo penal.

14.2 - Por outro lado, não restam dúvidas que a remissão operada pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, não tem o efeito de alargar, no âmbito de processos sancionatórios em que se incluem os procedimentos disciplinares como o que se apresenta nos autos, a garantia do direito ao recurso enquanto dimensão constante das garantias de defesa previstas no n.º 1, daquele mesmo preceito.

(…)

15 - A convocação do artigo 269.º, n.º 3, da Constituição também não aporta qualquer dimensão de relevo. Deste preceito resulta apenas a vigência, no âmbito do processo disciplinar, das garantias de audiência e defesa, as quais, aliás, decorreriam já do disposto no n.º 10, do artigo 32.º, o que não significa a consagração, neste domínio, de um direito ao recurso em termos análogos ao que se verifica em processo penal.

Fora do processo penal, algumas vozes têm considerado como incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos.”

17.2. Contra esta orientação do Tribunal Constitucional tem-se debelado alguma (pouca) doutrina, nomeadamente, VITAL MOREIRA, através da posição que veio a adoptar no Acórdão n.º 65/88 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 11.º vol., pág. 653), ANTÓNIO VITORINO, na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 202/90 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 16.º vol., pág. 505) e ainda GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ao artigo 20.º, da C.R.P. (em "Constituição da República Portuguesa anotada", vol. I, págs. 161-165, da 4.ª Edição, da Coimbra Editora), mas sem que os argumentos apresentados tenham conseguido fazer vencimento junto do Tribunal Constitucional, não obstante parecer ter havido uma concessão relativa quando se vem a admitir, em alguns arestos, que «fora do processo penal e quando não esteja em causa a violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais a Constituição não impõe a consagração do direito ao recurso, dispondo o legislador do poder de regular, com larga margem de liberdade, a recorribilidade das decisões judiciais» (cf. Acórdão n.º 151/2015).

18. A ser assim, importaria saber se, no caso dos autos, o STJ adoptou alguma decisão que viesse ofender direitos fundamentais do recorrente.

E não há dúvidas, como no caso do aresto do Tribunal Constitucional que temos vindo a seguir, que a situação é equivalente à que aí se analisava e onde o tribunal disse:

 “Retomando a análise da situação que se oferece nos autos, verifica-se que não está em causa eventual violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais, uma vez que, a ter ocorrido ofensa dos direitos fundamentais da recorrente, a mesma decorre de uma decisão administrativa - a deliberação adotada pelo CSM, a qual foi objeto de controlo jurisdicional na sindicância efetuada pela Secção de Contencioso do STJ.”

19. Deve ainda questionar-se se pode haver inconstitucionalidade por o direito ao recurso não legalmente consagrado constituir uma solução desproporcionada ou que viole o princípio da igualdade.

E sobre este ponto é também de adoptar a orientação do Tribunal Constitucional – no aresto que estamos a seguir – quando se afirma:

“Como se referiu no Acórdão n.º 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois «tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 1229/96 e 462/2003) [...]».

(…) A recorrente invoca violação do princípio da igualdade pelo facto de o regime de impugnação das deliberações sancionatórias proferidas pelo CSMP prever um grau de recurso, o que sinalizaria, em sua ótica, uma diferenciação legal desprovida de fundamento material bastante.

Tal regime diferenciado verifica-se, atualmente, não apenas relativamente aos magistrados do Ministério Público mas ainda, acrescentamos agora nós, relativamente aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, das deliberações proferidas pelo CSMP ou pelo CSTAF em matéria disciplinar, cabe recurso para a Secção de Contencioso do STA, havendo, nesses casos, recurso em um grau para o Pleno da Secção de Contencioso, como decorre dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a), pontos vii) e ix), e 27.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio ("ETAF").

Já se viu que estamos em domínio constitucionalmente reservado à margem de valoração e conformação do legislador. (…)

18 - Como referido supra no n.º 12, a sindicância da solução normativa sub judicio em face do princípio da igualdade foi já efetuada em jurisprudência constitucional anterior, nomeadamente por referência ao regime que vigora quanto à impugnabilidade judicial das deliberações proferidas pelo CSMP em matéria disciplinar. É o essencial desse entendimento já manifestado pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.os 336/95 e 373/99 que agora se reitera. (…)

E rematou o Tribunal a conclusão de não violação do princípio da igualdade nos seguintes termos:

«Tem, pois, de se concluir que se não está perante situações que entronquem num ponto comum que possa servir de parâmetro comparativo; ao invés, trata-se de carreiras diversas, de género diferente e por isso usualmente referidas como "paralelas", mas que correspondem a diversas exigências constitucionais e, por isso, também, os respetivos órgãos de cúpula e as deliberações neles tomadas não podem ser colocadas na mesma posição para efeitos de imposição da mesma solução legislativa quanto aos graus de recurso.

Efetivamente, admitida que vem a existência por parte do legislador de uma certa margem de liberdade de conformação, fora do processo penal em caso de decisões condenatórias, no sentido de poder optar por um ou dois graus de jurisdição em matéria de recurso (cf. ponto 7, supra), nada permite concluir que a mera consagração de um único grau de recurso em matéria de decisões do CSM constitua uma violação do espaço de vinculação do legislador que pode reconhecer-se na existência de dois graus de recurso quanto às deliberações do CSMP.

Desde logo, não pode deixar de se referir que o legislador, no momento em que estabeleceu o regime diferenciado, se encontrava face a duas ordens judiciárias separadas, sendo os tribunais de recurso também diferentes - a ordem judiciária comum e a ordem judiciária administrativa, correspondendo ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Administrativo.

E parece não poder deixar de se reconhecer que o legislador ordinário, na modelação da secção a que veio atribuir competência para conhecer das deliberações do CSM, acabou por se inspirar na própria composição do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, bastando, para alcançar tal conclusão, comparar o n.º 2 do artigo 175.º da Lei n.º 85/77 (redação do Decreto-Lei n.º 348/80, de 3 de setembro) com os artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 699/73, de 28 de dezembro: em ambos os casos o presidente do tribunal superior vai buscar um juiz a cada secção, respeitando a ordem de antiguidade, para funcionarem sucessivamente por um ano.»

19 - O Acórdão n.º 373/99 voltou a retomar esta questão. E fê-lo posteriormente à entrada em vigor da alteração introduzida ao ETAF84 pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro, mercê da qual a Secção do Contencioso do STA, pelas suas subsecções, passou a conhecer dos recursos dos atos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelo CSTAF e seu Presidente, com recurso para o pleno da Secção do Contencioso Administrativo [cf. redação conferida pelo referido diploma aos artigos 26.º, n.º 1, alínea c), e 24.º, n.º 1, alínea a)], regime idêntico ao que vigora atualmente no que se refere à impugnação das decisões proferidas pelas subsecções. E, já neste novo contexto normativo, uma eventual violação do princípio da igualdade foi também afastada:

«[...] de semelhante constatação não se retira mais do que a inexistência de uma organização estrutural do Supremo Tribunal de Justiça a permitir, ao invés da relativa ao Supremo Tribunal Administrativo, dois graus de jurisdição. Admitida a liberdade de conformação do legislador ordinário na opção por um ou mais graus de jurisdição em matéria de recursos - com exceção dos casos de decisões condenatórias em processo penal - a limitação do direito ao recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, não constituindo, porventura, a solução ótima, não integra uma forma irrazoável ou desproporcionada do cerceamento desse mesmo direito, nem, na perspetiva da igualdade, se reveste de arbitrariedade, dando lugar a situações diferenciadas, sem fundamento material bastante.

Por outro lado, não pode esquecer-se que a composição da Secção do Contencioso é diferente, visto ser constituída por cinco magistrados e não apenas por três como sucede com as Subsecções da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.» (…)

A opção do legislador foi a de submeter o regime das impugnações das deliberações dos Conselhos a regimes legais e jurisdicionais diferenciados em função do modo de organização e funcionamento de cada um dos supremos tribunais daquelas duas ordens jurisdicionais. Com efeito, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo e o Supremo Tribunal de Justiça seguem diferentes modos de organização interna e funcionamento, tal diversidade comporta naturais e normais consequências.

Funcionando a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, regularmente, com o pleno dos seus membros, das suas deliberações não cabe recurso para qualquer outra secção ou composição daquele Tribunal. Nesse sentido, afirma-se no acórdão recorrido: «tendo em conta o modo e a forma como delibera colegialmente a Secção de Contencioso - com intervenção de todos os Juízes que a compõem - e, para além de só haver uma Secção de Contencioso (o que inviabiliza a formação de um Pleno (de Secções do Contencioso), a eventualidade de uma tal instância de recurso colocaria os Conselheiros perante a alternativa de confirmarem ou revogarem um acórdão que eles próprios haviam proferido» (cf. fls. 360). E, prevenindo a aplicabilidade do disposto na Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), acrescenta-se na mesma decisão: «está naturalmente excluída, no caso concreto, a competência do Plenário do STJ definida no artigo 52.º-a) da Lei n.º 62/2013, por inverificação da hipótese aí prevista [;] inexiste igualmente norma atribuidora de competência ao Plenário do STJ para apreciar situações subsumíveis ao caso concreto, ou seja, que contemplem a hipótese prevista no artigo 52.º-b) do mesmo diploma. Subjacente à competência atribuída ao Pleno das Secções para o julgamento dos recursos interpostos contra acórdãos proferidos em 1.ª instância pelas Secções está um julgamento colegial de composição restrita por estas (apenas por três juízes - artigo 56.º n.º 1), o que legitimaria o recurso para o Pleno das Secções (conforme a sua especialização). Ou seja, dentro do próprio STJ, a composição do órgão julgador no primeiro e no segundo grau de jurisdição seria diversa» (cf. fls. 361)

A situação já é diferente no caso das impugnações das deliberações do CSTAF, para as quais é competente a Secção de Contencioso Administrativo do STA (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea a), subalínea vii) do ETAF). Com efeito, o julgamento em cada secção do STA compete ao relator e a dois juízes (cf. o artigo 17.º, n.º 1, do ETAF). De tais acórdãos, porque proferidos pela Secção em 1.º grau de jurisdição, cabe recurso para o Pleno da mesma Secção, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Estatuto.

Ou seja, e como salientado no acórdão recorrido, «a unicidade do grau de jurisdição (e a consequente irrecorribilidade dos acórdãos da Secção do Contencioso do STJ) decorre da organização estrutural deste Tribunal (com apenas uma Secção de Contencioso) e da forma como esta funciona e delibera (em primeira e única instância, com o "pleno" dos seus membros) ao invés do que sucede com o STA; quer dizer: a própria estrutura interna do STJ e o funcionamento da respetiva Secção de Contencioso inviabilizam o reconhecimento do duplo grau de jurisdição e do direito ao recurso dentro da própria Secção...» (cf. fls. 364).

Não se verifica, por conseguinte, qualquer violação do princípio da igualdade pelo facto de as deliberações do CSM em matéria disciplinar serem objeto de recurso para a Secção do Contencioso do STJ, a qual decide em primeiro e último grau estas impugnações, ao invés do que sucede com as deliberações do CSTAF, recorríveis para a secção de contencioso do STA, cujas decisões em primeira instância são impugnáveis para o Pleno daquela Secção: nem se trata de situações que reclamam, constitucionalmente, um tratamento legal idêntico, nem a desigualdade surge como arbitrária, uma vez que a mesma decorre da existência de estruturas e organizações internas diferenciadas ao nível do STA e do STJ, surgindo a tramitação decisória, dentro de cada uma daquelas organizações, como racional e suficientemente justificada.

20. Mais se diga: não assiste razão ao recorrente quando diz que não há justificação para diferença de tratamento dada no EMJ aos magistrados judiciais, face aos magistrados do Ministério Público e aos dos Tribunais Administrativos. Se o legislador considerasse que não havia justificação – e porque a questão até já foi discutida no Tribunal Constitucional – certamente teria modificado o regime jurídico.

Não o tendo feito, não se compreende o argumento que o recorrente usa – “Ao invés de sanar esta diferenciação no novo EMJ, o legislador contorna o problema, afirmando que o STJ decide em pleno, não se afigurando compreensível a disparidade de tratamentos e de garantias do mesmíssimo direito constitucionalmente consagrado.”

Por outro lado, a diferenciação de tratamento dada no regime do EMMO e no CSTAF não comporta falta de fundamentação material, quando comparada com a situação do EMJ, uma vez que as regras correspondentes para cada situação – seja acção ou recurso – não são iguais no procedimento e diferentes apenas no resultado. Elas são diferentes na própria lógica intrínseca, solução que foi pretendida pelo legislador.

O paralelismo ensaiado pelo recorrente com a análise da situação dos trabalhadores em funções públicas ou com os trabalhadores em geral também não colhe: os juízes são titulares de órgãos de soberania, não podendo ser reconduzidos a meros funcionários públicos.

21. A orientação no sentido de não haver recurso para o pleno do STJ é também reafirmada por MARIA DOS PRAZERES BELEZA, na obra citada, p. 16, ao referir:

Em jurisprudência constante, o Tribunal Constitucional tem recordado que, fora do âmbito em que a Constituição o impõe, cabe dentro da liberdade de conformação do legislador a definição das condições de admissibilidade de recurso (por exemplo, definindo alçadas), naturalmente respeitando exigências de princípios como a igualdade e a proporcionalidade nessa conformação.”


22. Também não assiste razão ao recorrente quando diz que actualmente, à luz do nosso EMJ, a situação do controlo e do recurso em um grau ficou mais agravada do que o que existia anteriormente, já que as duas versões do EMJ não alteram o “status quo”.
A conjugação do art.º 140.º, n.º3 do CPTA com o regime do art.º 629.º do CPC não modificam a situação, nem podem ser interpretadas com o sentido propugnado pelo recorrente, por violarem o espírito da lei – art.º 9.º do CC.

23. Não se crê ainda que assista razão ao recorrente quando afirma que a inexistência de recurso para o pleno das sessões do STJ viola “o artigo 53.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que atribui ao pleno das secções competência para "b) Julgar os recursos de decisões proferidas em primeira instância pelas secções."

Ainda que a norma em causa diga exactamente aquilo que o recorrente alega, da mesma não decorre que o pleno se constitua como sessão competente para julgar os recursos de todas e quaisquer decisões proferidas pelo STJ em 1ª instância, porquanto se assim fosse o legislador tinha esclarecido isso mesmo, não de uma forma geral, mas com uma menção específica que abarcasse o STJ e teria, certamente, instituído uma organização desse  mesmo STJ de modo a poder ser-lhe aplicável a indicada regra.

Ora isto não era assim nem em 2019, nem passou a sê-lo em 2020, com a alteração do EMJ, em que se verifica não ter ocorrido alteração de monta no modo como o STJ julga as deliberações do CSM, ou se organiza internamente.

24. Nem mesmo a justificação apresentada pelo recorrente no sentido de ter direito a um recurso tem qualquer logicidade. Na sua concepção o direito ao recurso é uma inevitabilidade até porque estaria “em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos - de facto ou de direito” - que sustentam a posição jurídico-processual da defesa.

Contudo, ainda que o legislador tivesse instituído uma organização do STJ com o pleno das secções a julgar o bem (ou mal fundado) da decisão da secção de contencioso, sempre faltaria o pressuposto indicado: existência de um tribunal superior.

O pleno do STJ não é um tribunal superior distinto das secções em que se organiza o STJ, em termos de hierarquia dos tribunais, tudo se passando dentro do mesmo e único tribunal, embora com uma composição diversa.

Por todas estas razões não se admite o recurso interposto pelo recorrente, não havendo que entrar no conhecimento das demais questões suscitadas.
Custas pelo recorrente, nos termos da lei.
(fim de transcrição)

III. Decisão
Pelos fundamentos indicados, confirma-se a decisão da relatora de não admissão do recurso para o pleno do STJ.
Custas pelo recorrente (3 UC).

Lisboa, 24 de Novembro de 2020

Fátima Gomes (Relatora)

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos(as) Exmos (as) Senhoras Conselheiras que compõem este colectivo.



Maria Rosa Oliveira Tching
Paula Sá Fernandes
Henrique Araújo
Oliveira Abreu
Maria dos Prazeres Beleza (Presidente da Secção)