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AGENTE DE EXECUÇÃO
QUESTÕES NOVAS
ABUSO DE DIREITO
Sumário
I - Não é legalmente admissível a substituição do agente de execução, a pedido do executado. II - Tendo sido, no âmbito da venda judicial em processo executivo, adjudicada à Exequente, em outubro de 2018, a fração autónoma penhorada, pelo valor de 88.500 €, apurando-se, após a liquidação da responsabilidade dos Executados, que a quantia exequenda remanescente em dívida é de 244.426,42 €, não se verifica a extinção da execução pelo pagamento integral da dívida exequenda ou por via de dação em pagamento. III - Não tendo sido suscitadas na 1.ª instância, designadamente em embargos de executado, as questões do abuso do direito e do enriquecimento sem causa por parte da Exequente, no recurso apenas cumprirá conhecer da primeira, por ser de conhecimento oficioso. IV - Não se pode considerar que atua com abuso do direito a Exequente, atendendo ao contexto fáctico apurado, em que avulta a circunstância de não ter sido possível encontrar interessados na aquisição da fração autónoma hipotecada, a qual foi sujeita a uma avaliação pericial, que não mereceu oportuna reclamação por parte da Executada, e que o valor pelo qual foi adjudicada à Exequente, é superior a 85% do valor em que foi avaliada. V - A nota discriminativa e justificativa elaborada pelo Sr. AE nos termos do art. 33.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (aplicável na presente execução, atendendo à data em que teve início), incluindo ainda a liquidação da responsabilidade do executado (cf. art. 847.º do CPC) deve ser notificada à mandatária da Executada (cf. art. 247.º do CPC). SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AAA interpôs o presente recurso de apelação do despacho que indeferiu o requerimento (para extinção da instância) que apresentou na ação executiva para pagamento de quantia certa contra si (e também contra BBB) intentada por Caixa Geral de Depósitos, S.A., em que esta pede o pagamento da quantia total de 178.871,86 €, sendo 147.549,94 € de capital e 31.321,92 € de juros e imposto de selo.
Com o requerimento executivo, apresentado em 19-11-2008, a Exequente juntou aos autos duas escrituras públicas, alegando o seguinte (acrescentámos, para melhor compreensão o que consta entre parenteses retos): I – DO CONTRATO N.º 0000000000000000 (Doc. 1 [Trata-se de escritura pública denominada de “mútuo com hipoteca”, outorgada em 12-04-2006, pela qual a ora Exequente concedeu aos ora Executados um empréstimo da quantia de 96.549,94 €, de que estes se confessaram devedores, destinado ao pagamento da dívida a Unión de Créditos Imobiliários, S.A., mais declarando a parte devedora constituir, em garantia, hipoteca sobre a fração aí identificada e atribuir à mesma o valor de 148.000 €]) Sobre o capital em dívida de € 96.549,94, acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 18/11/2008 a € 18.335,46 e as respectivas despesas efectuadas, no montante de € 12,18 (doc. n.º 4). A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa de 10,246%, até ao seu integral pagamento, à razão de 28,48€, por dia, que ascendem nesta data (19/11/2008) a € 28,48. Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo valor, nesta data ascende a € 537,82. II – DO CONTRATO N.º 111111111111111 (Doc. 2 [Trata-se de escritura pública denominada de “mútuo com hipoteca”, outorgada em 12-04-2006, pela qual a ora Exequente concedeu aos ora Executados um empréstimo da quantia de 51.000 €, de que estes se confessaram devedores, destinado ao financiamento de investimentos múltiplos, não especificados em bens imóveis, mais declarando a parte devedora constituir, em garantia, hipoteca sobre a dita fração e atribuir à mesma o valor de 148.000 €]) Sobre o capital em dívida de € 51.000,00, acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 18/11/2008 a € 8.422,48 e as respectivas despesas efectuadas, no montante de € 6,18 (doc. n.º 5). A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa de 10,246%, até ao seu integral pagamento, à razão de 14,75€, por dia, que ascendem nesta data (18/11/2008) a € 14,75. Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo valor, nesta data ascende a € 275,83. Aos valores supra indicados, somam-se ainda despesas com honorários dos Advogados, que desde já se fixam em € 3688,74, sem prejuízo de diferente valor que entretanto, na pendência da presente acção, se venha a apurar.
A Exequente indicou logo à penhora a fração autónoma (hipotecada) correspondente ao 10.º andar B recuado, para habitação, composto de 3 divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho e arrecadação no sótão, do prédio urbano sito na Tapada das Mercês, Algueirão – Mem Martins, Sintra, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 00000/000000 e inscrito na matriz sob o art. 0000.
Em 04-10-2011, foi efetuada a penhora da referida fração autónoma propriedade dos Executados BBB e AAA (cf. inscrição de aquisição efetuada mediante apresentação n.º 00, de 2004/07/09), a qual foi registada mediante ap. 000 de 2011/10/04 (cf. auto de penhora e certidão da Conservatória do Registo Predial juntos ao processo executivo em 12-01-2012).
Em 20-11-2014, o Sr. Agente de Execução decidiu que se iria proceder à venda da fração penhorada, na modalidade de propostas em carta fechada, e fixou o valor base daquela em 132.824,46 € (correspondente ao valor patrimonial apurado em 2013, conforme caderneta predial urbana), sendo de 112.900,79 € o valor a anunciar para a venda.
Por despacho judicial foi designado o dia 01-06-2016 para a abertura de propostas.
Perante a ausência de propostas, os autos prosseguiram para a venda por negociação particular pelo valor mínimo anunciado (cf. auto notificado às partes pelo Sr. AE em 24-06-2016).
A Exequente veio, na fase de venda por negociação particular, requerer a redução do valor base para 104.400 €, passando o valor mínimo a anunciar para 88.400 €, oferecendo, nesse pressuposto, o valor de 88.500 € para efeitos de adjudicação.
Em 22-06-2017, foi proferido despacho judicial que indeferiu a pretensão da Exequente de adjudicação do imóvel e determinou a realização de avaliação do imóvel por perito.
Foi realizada a avaliação e junto aos autos (em 26-09-2017) o respetivo relatório, nos termos do qual se estimou o valor de mercado do imóvel em 108.000 € com um desconto de 5% para a venda imediata, avaliando-se a fração em 102.600 €.
Notificado o relatório às partes pelo Sr. AE (cf. notificações efetuadas em 03-10-2017), nada vieram requerer a esse propósito.
Em 06-10-2017, a Exequente veio requerer, de novo, a adjudicação do imóvel, referindo que o valor oferecido (88.500 €) era superior a 85% do valor da avaliação.
Notificados os Executados (notificações entre mandatários), nada disseram.
Em 24-10-2018, foi proferido despacho que autorizou a venda/adjudicação requerida, dispensando a Exequente do pagamento do IMT e do depósito do preço, com exceção do valor das custas prováveis e dos créditos reconhecidos e graduados antes do seu.
Notificadas as partes (notificações elaboradas em 25-10-2018), veio a Executada, em 13-11-2018, requerer ao Tribunal que fosse verificado se junto do Sr. AE foram levadas a cabo todas as diligências necessárias para encontrar o melhor preço, se existiram potenciais compradores com propostas ou imobiliárias a contactar com potenciais compradores, requerimento que foi indeferido conforme despacho de 23-11-2018.
Em 20-02-2019, o Sr. AE enviou a cada um dos Executados uma notificação, que, no caso da Executada, tinha o ss. teor: “(…) No seguimento da venda por negociação particular do imóvel penhorado nos autos, realizada em 19-12-2018, pela presente fica V. Exa. notificado, na qualidade de mandatária da executada AAA, de todo o teor da escritura de compra e venda a favor do adquirente Caixa Geral de Depósitos, S.A. Mais fica V. Exa. notificado, para, NO PRAZO DE DEZ (10) DIAS, reclamar, querendo, da NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA elaborada nos autos indicados em epígrafe, conforme documento anexo. Caso nada haja a reclamar, solicito, no prazo supra indicado, o pagamento do montante apurado 244.426,42€ (duzentos e quarenta e quatro mil, quatrocentos e vinte e seis euros e quarenta e dois cêntimos), o qual deverá ser pago por Multibanco/Home Banking, ou por depósito nos balcões do Millennium BCP, utilizando a referência a seguir indicada: (…) Caso não seja efetuado o pagamento supra indicado, prosseguirá o processo com as penhoras necessárias, até integral pagamento da dívida, com o consequente aumento das custas que daí advém. Mais fica V. Exa. notificado, para, NO PRAZO DE DEZ (10) DIAS, proceder à entrega do respetivo imóvel, livre e devoluto de bens e pessoas, a fim de se proceder à investidura da posse do mesmo à adquirente do imóvel, (CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.). Sob pena de ser efetuada a entrega coerciva do bem, com a presença policial. Deverá proceder à entrega das chaves do referido imóvel no escritório do signatário, no horário indicado em rodapé. Findo o prazo e não sendo efetuada a entrega voluntária, proceder-se-á ao cumprimento da diligência com intervenção da autoridade policial, sem mais avisos”.
Com essa notificação foi enviada cópia da escritura pública (outorgada em 19-12-2018), bem como a NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA, cujo teor se dá por reproduzido, elaborada ao abrigo do art. 33.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais, mencionando-se na mesma, além do mais, que o saldo de que os Executados são ainda devedores é de 244.426,42 €.
Em 16-05-2019, o Tribunal deferiu a requisição do auxílio da força pública para a entrega do imóvel.
Em 05-06-2019, a Executada veio comunicar ao Sr. AE que os Executados não tinham oferecido qualquer resistência à entrega das chaves e requerer a prorrogação do prazo para essa entrega, até final de junho, a fim de poder retirar os “poucos bens” que ainda aí tem, por já não residir no imóvel, visto estar separada do Executado desde 2014.
A Exequente veio, em 12-06-2019, requerer ao Sr. AE que notificasse o Executado para proceder à entrega voluntária do imóvel até ao final do mês de junho de 2019, sob pena de ser feito uso da força pública para a entrega coerciva, dando assim cumprimento ao despacho de 16-05-2019.
Em 19-06-2019, a Executada apresentou requerimento informando que as chaves do imóvel haviam sido entregues pelo Executado no dia 17-06-2019, o que, no seu entender, configurava “a dação em pagamento da dívida exequenda, sendo a dação uma causa de extinção das obrigações”, requerendo ao Tribunal que fosse, para os efeitos do art. 849.º do CPC, declarada “a extinção da instância executiva, atento o bem imóvel penhorado entregue, mediante a dação em pagamento, considerando-se aquela entrega o pagamento da totalidade da dívida exequenda”.
Em 19-06-2019, também o Executado veio informar que entregou voluntariamente as chaves do imóvel.
Em 08-10-2019, a Executada apresentou Requerimento com o seguinte teor (transcreve-se a parte útil, retificando os lapsos de escrita; sublinhado nosso): “1. Antes de mais a executada vem informar que na sequência da apresentação de queixa crime contra o Sr. Agente de Execução nomeado nos autos, entende salvo melhor opinião que o mesmo não pode manter-se em funções muito menos contra a executada, ora requerente, 2. Processo crime em que é denunciante a executada e denunciado o Sr. AE, com o número 7074/19.9T9SNT, que corre termos na 3ª secção do DIAP de Sintra. Pelo que se requer a substituição do Sr. AE O que desde já se requer! Também, 3. A executada tomou conhecimento que o Sr. AE encetou diligências de penhora (de créditos, saldos bancários e outros) contra a executada. Salvo melhor entendimento, Tais actos são nulos, Ora vejamos, 4. A executada apresentou requerimento em 19 de Junho para entrega do bem imóvel penhorado. 5. Fê-lo nos termos e ao abrigo do art. 849º do CPC, sem ter sido, em primeiro lugar, oferecida qualquer resposta por parte da exequente, nem merecedor de despacho de V.Exa. O que também ora se requer novamente: Que naqueles termos, V.Exa. se digne nos termos e para os efeitos do art. 849º do CPC, declarar a extinção da instância executiva, atento o bem imóvel penhorado entregue, mediante a dação em pagamento, considerando-se aquela entrega o pagamento da totalidade da divida exequenda. Acresce que, 6. O artigo 195º do CPC, quanto às nulidades refere que: (…) Face ao exposto, até porque inexiste qualquer fundamentação para o prosseguimento das diligências por parte do Sr. AE, deverão ser considerados nulo e consequentemente também nulos todos os termos subsequentes que daquele dependam, os actos praticado pelo Sr. AE, tudo nos termos e para os efeitos dos art.s 780º e 195 do CPC, o que se requer a V.Exa! E acresce ainda que: 7. Dos ofícios remetidos a entidades para penhora de créditos e saldos bancários, é indicado como valor em dívida por parte da executada o montante de €245.000,00, o que não se compreende nem corresponde à realidade, Vejamos, 8. O valor em dívida conforme despacho de V.Exa. centrava-se em final de 2018 nos €170.000,00. 9. A exequente adjudicou o bem, ficando com o imóvel por quase €90.000,00, não se vislumbrando o valor indicado pelo Sr. AE. Também, 10. Não teve o Sr. AE o cuidado de nos ofícios remetidos, assegurar o cumprimento pelo menos nos saldos bancários do limite mínimo penhorável (o equivalente ao salário mínimo nacional), como lhe competia, 11. E bem mal andou o Sr. AE ao enviar os referidos ofícios imputando a cada um dos executados a dívida de 245.000,00€ o que não é verdade, muito menos legal. Ora, Se, 12. O agente de execução é uma figura que que exerce funções públicas, cujas competências e modus operandi se encontram convenientemente descritos no CPC. E no CPC, nomeadamente Por força do artº 719º daquele diploma, cabe-lhe: (…) 13. E não menos importante, é o ónus que lhe imputa o artº 754º, quando determina que tem o dever de prestar todos os conhecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, e a responsabilidade civil extracontratual resultante do nº 3 do artº 534º. 14. Resta-nos saber e apurar se no exercício da sua atividade o Sr. AE comete ou cometeu atos contra legem, ou outros que extravasem as suas competências. 15. E é nessa senda que enviamos a presente exposição com o que se requer como acima articulado. 16. Para o efeito: a) se o agente de execução tenta cobrar desenfreadamente, sem olhar a meios, em atropelo da lei, está a abusar daquele poder que lhe foi confiado no exercício de funções públicas, ação que poderá culminar no crime previsto no artº 382º do Código Penal; b) se o agente de execução penhora saldos bancários, quando previamente tinha sido efetuada uma tentativa de penhora de créditos, o que foi o caso está a abusar do princípio da extensibilidade da penhora. 17. No desempenho das suas funções, os Srs. AE devem ter em conta juízos de equidade, reger-se pelo padrão do homem médio, normal e provido da diligência e zelo de um bom pai de família, e fazer juízos de prognose póstuma. 18. Basicamente, devem afastar o estereótipo do executado, e saber que do outro lado existe e deve ser protegido o direito à honra e ao bom nome. O que não sucede neste caso.”
Terminou a Executada, requerendo ao Tribunal que se dignasse:
a) Ordenar a substituição do Sr. AE;
b) Dar despacho para os efeitos do art. 849.º do CPC quanto ao pedido da Executada atinente à extinção da instância executiva, atento o bem imóvel penhorado entregue, mediante a dação em pagamento, considerando-se aquela entrega o pagamento da totalidade da dívida exequenda;
c) Ordenar a suspensão do prosseguimento das diligências por parte do Sr. AE e considerar nulos os atos de penhora efetuados pelo mesmo e, consequentemente, também nulos todos os termos subsequentes que daquele dependam, nos termos e para os efeitos dos artigos 780.º e 195.º do CPC;
d) Ordenar à Exequente e ao AE para prestarem esclarecimentos sobre os montantes indicados como dívida nos ofícios de penhora entretanto remetidos.
O único documento que juntou com esse requerimento foi um email dirigido à Segurança Social (relativo a pedido de apoio judiciário).
A Exequente pronunciou-se, em 16-10-2019, nos seguintes termos (retificámos os lapsos de escrita): I. Da Substituição do Agente de Execução. 1. Nos termos o artigo 720.º n.º 4 do Código de Processo Civil, doravante CPC, o Agente de Execução pode ser destituído pelo orgão com competência disciplinar ou substituído pelo Exequente; 2. Tanto daquele normativo legal como do disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, não se vislumbra qualquer fundamento legal para a requerida substituição do Agente de Execução por parte da Executada; 3. Opondo-se, desde já, a Exequente a tal pretensão; Ademais, 4. Desconhece a Exequente o processo crime que a Executada tenha interposto contra o Agente de Execução, porque disso não tem obrigação de conhecer; Contudo, 5. Sempre se dirá que até trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida no âmbito do alegado processo não há motivo para o Exmo. Senhor Agente de Execução ser substituído, reiterando-se a expressa oposição da Exequente à infundada pretensão da Executada; 6. Por tal falta de fundamento, deverá a mesma improceder. II. Quanto à Requerida extinção da Execução. 7. A 26-07-2018, em conformidade com a sentença proferida a fls. "..." em 13/10/2017, no apenso da Oposição à Execução, veio a Exequente proceder a nova liquidação da obrigação exequenda e, consequentemente, requer a alteração da quantia exequenda para € 171.279,79 ( e para € 170.000,00 como afirma a Executada); 8. Por escritura datada de 19-12-2018, o imóvel dado de garantia do cumprimento dos contratos dados à execução, foi adjudicado à Exequente pelo valor de € 88.500,00 (falta o quase para os € 90.000,00!); Sendo que, 9. A 20-02-2019, foi a Executada devidamente notificada da escritura celebrada, bem como da nota discriminativa e justificativa apresentada pelo Exmo. Senhor Agente de Execução, da qual consta o valor remanescente em dívida após a adjudicação do imóvel; 10. A Executada, devidamente notificada para, querendo, reclamar da referida nota discriminativa e justificativa, NÃO O FEZ! 11. E do referido documento consta clara, expressa e discriminadamente que, após a venda do imóvel remanesce um valor (discriminado) em dívida de € 244.426,42; 12. Assim, após a venda do bem dado em garantia e uma vez apurado saldo remanescente em dívida, prosseguiu, e bem, o Agente de Execução com as diligências necessárias ao ressarcimento do crédito da Exequente; 13. Crédito remanescente esse apurado em nota discriminativa e justificativa, da qual a Executada foi devidamente notificada e da qual, reitera-se, NÃO RECLAMOU; 14. E bem sabe a Executada, ou bem devia saber, porque representada por Mandatária, que o regime da dação em cumprimento em nada se confunde com a venda judicial; Vejamos, 15. A dação em cumprimento, prevista e regulada nos artigos 837.º e ss do Código Civil, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento e diz respeito a coisa diversa da que for devida; Além disso, 16. Se o devedor efectuar uma prestação diversa da devida, o crédito do credor só se extingue quando for satisfeito, e na respectiva medida; 17. Já a venda judicial, consiste na transmissão de um bem móvel ou imóvel, independentemente da vontade do titular do direito de propriedade; Ora, 18. Compulsados os autos e atenta a natureza dos mesmos, fácil é de perceber que o imóvel foi adjudicado à aqui Exequente através de uma venda judicial, na qual os Executados, proprietários do imóvel, nem sequer tiveram intervenção; Pelo que, 19. Não há qualquer razão para a extinção da presente execução, porquanto o bem imóvel adjudicado se mostrou manifestamente insuficiente para ressarcir a Exequente do seu crédito; Assim, 20. Deverá a execução prosseguir com as diligências de penhora necessárias ao ressarcimento do crédito da Exequente pelo valor remanescente após a venda do imóvel que, de acordo com a nota discriminativa e justificativa elaborada pelo Agente de Execução, se cifra em € 244.426,42; 21. Pelo que, bem andou o Agente de Execução em requerer as diligências de penhora por aquele valor, na medida em que foi o valor remanescente apurado em nota elaborada e da qual não houve reclamações; 22. E bem andou também em imputar o valor remanescente em dívida a cada um dos Executados, na medida em que estamos perante uma dívida solidária; 23. Quanto ao alegado no artigo 10. do Requerimento a que ora se responde, basta vislumbrar os pedidos de bloqueio/penhora, para facilmente se perceber que o Agente de Execução assegurou o limite mínimo penhorável, na medida em que dos mesmos consta a menção "Bloqueio/Penhora de salário mínimo: Não".
Concluiu a Exequente, pugnando pela improcedência do requerido, por manifesta falta de fundamento e de prova, mais requerendo o prosseguimento da execução com as diligências necessárias ao pagamento da quantia exequenda em dívida.
Em 28-10-2019, foi proferido o despacho recorrido [em cujo canto superior direito constam os dizeres “Execução Comum (Ag.Execução) 121871396”], que apreciou e decidiu as questões suscitadas no referido Requerimento, com os seguintes segmentos decisórios: “a) Da requerida substituição do Sr. A.E. (…) Nestes termos, carecendo a executada de legitimidade para pedir a substituição e não tendo o juiz do processo competência em matéria disciplinar, indefere-se a requerida substituição do Sr. A.E. b) Da requerida extinção da execução por força da invocada dação em pagamento (…) Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerações, indefere-se a pretensão da executada. c) Da liquidação do remanescente da obrigação exequenda; da anulação dos atos praticados pelo Sr. A.E.; da suspensão da execução (…) Não se vê, assim, razão ou motivo para notificar o Sr. A.E. e/ou a exequente para proceder a nova liquidação da obrigação, pretensão, esta, que se indefere, assim como se indeferem a requerida anulação dos atos do Sr. A.E. e a requerida suspensão da execução. Custas do incidente, a cargo da executada, que se fixam em 2UC. Notifique.”
Em 29-10-2019, a Secretaria notificou este despacho ao Sr. AE, mencionando que deveria “dar integral cumprimento ao mesmo, procedendo às notificações a todos os intervenientes fazendo constar do histórico aquelas”.
Em 10-12-2019, a Executada dirigiu ao Tribunal requerimento com o seguinte teor: “1. A mandatária da exequente ao abrir hoje o citius reparou, por mero acaso, que existia um requerimento do agente de execução a indagar se havia transitado em julgado um despacho/sentença de Outubro de 2019. 2. Ora ficou muito espantada a mandatária com o teor do requerimento e por isso vem, tendo em conta o que está escrito pelo agente de execução, perguntar ao tribunal, nomeadamente a V. Exª a que despacho se refere o agente de execução uma vez que a ultima notificação que a mandatária recebeu foi em Setembro de 2019. 3. E mais ficou ainda quando verificou que a secretaria responde ao agente de execução que não recebeu nenhum recurso e nem se dá ao cuidado de ver se os executados receberam a tal decisão. 4. É QUE TAL NÃO ACONTECEU, O QUE É MUITO GRAVE, dado que viu agora mesmo, ao enviar este requerimento que existem pedidos de penhora realizados pelo agente de execução E SEM ESTAR ASSEGURADO O SALÁRIO MINÍMO, ao contrário do que a exequente afirma. 5. Aguardamos, assim que sejamos notificados, da tal decisão, sentença ou despacho a que se refere o agente de execução e requer-se resposta ao requerimento enviado anteriormente a este agora.”
Em 07-01-2020, veio o Sr. AE juntar aos autos, além do mais, a notificação (dirigida, nessa data, à mandatária da Executada) do despacho de 28-10-2019, com cópia do mesmo, mencionando-se designadamente o seguinte: “Pela presente fica V. Exa. devidamente notificada, na qualidade de mandatária da Executada AAA, de todo o conteúdo do douto despacho em anexo. Mais fica V. Exa. notificada de que quanto ao teor do seu requerimento datado de 10-12-2019, no que se refere ao pedido de penhora de saldos bancários, como se poderá observar no respectivo pedido em anexo, no mesmo não foi penhorado o salário mínimo.”
Inconformada com o referido despacho, veio a Executada, em 27-01-2020, interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que se reproduzem, retificando os lapsos de escrita; sublinhado nosso): 1. A executada e ora recorrente foi notificada do ofício do Sr. AE com o documento nOyYnZzt1y2, com despacho proferido pelo Mm.º Juiz titular do processo (com o número 121871396). 2. Tratando-se de despacho proferido pelo douto tribunal deveria ter sido a mandatária da executada notificada do despacho judicial pelo Tribunal, o que não sucedeu. 3. Considerar-se-á a recorrente notificada daquele despacho? Não nos parece. 4. Pelo que tal ofício remetido pelo Sr. AE só pode enfermar de nulidade, o que se requer! Sem conceder sempre se dirá: DO PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO 5. A recorrente é denunciante e o Sr. AE denunciado no processo crime com o número 7074/19.9T9SNT, que corre termos na 3ª secção do DIAP de Sintra-queixa apresentada após factos ocorridos em Maio de 2019. 6. O agente de execução é uma figura que lhe: a) Cabe efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.” b) E não menos importante, é o ónus que lhe imputa o artº 754º, quando determina que tem o dever de prestar todos os conhecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, e a responsabilidade civil extracontratual resultante do nº 3 do artº 534º. 7. O agente de execução não pode ter comportamentos que possam ser sancionáveis. 8. Se a executada, ora recorrente em dado momento do processo entendeu que o Sr. AE extravasou as suas competências tendo se sentido transtornada ou prejudicada no seu bom nome e dignidade o que a levou a apresentar queixa crime, como pode encarar que enquanto os autos subsistirem não será alvo de outro comportamento ou comportamentos sancionáveis ou que a incomodam. 9. No desempenho das suas funções, os agentes de execução devem ter em conta juízos de equidade, reger-se pelo padrão do homem médio, normal e provido da diligência e zelo de um bom pai de família, e fazer juízos de prognose póstuma. Basicamente, devem afastar o estereótipo do executado, e saber que do outro lado existe e deve ser protegido o direito à honra e ao bom nome. 10. E a executada, salvo o devido respeito não sente que o Sr. AE ao manter-se em funções nestes autos pelas razões já apontadas terá em conta tais juízos de equidade. 11. Pelo que não pode conformar-se com a não substituição do Sr. AE. DA REQUERIDA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO PELA DAÇÃO EM PAGAMENTO 12. A entidade credora, concedeu um empréstimo para habitação aos devedores, por determinado valor, hipotecando para esse efeito o imóvel, como garantia do contrato de crédito. 13. Aquando da venda executiva, resultado do incumprimento do contrato de crédito, o imóvel foi posto à venda! 14. O credor, neste caso o banco que estava a executar a dívida, procedeu à compra do imóvel, pelo valor estipulado durante a venda executiva, e, portanto, por valor inferior ao da dívida global, mantendo-se, no entanto, credor do remanescente. 15. Entendemos estar perante uma situação de Abuso de Direito, que impõe a ilegitimidade do exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Considerando que existia neste caso desproporcionalidade entre a vantagem auferida e o sacrifício imposto. 16. A disponibilidade da quantia pela exequente aos executados exauriu-se na aplicação dessa verba na compra de fracção destinada a habitação própria e permanente dos executados, única e exclusivamente, tendo sido celebrado entra as mesmas partes, escritura com hipoteca sobre aquele bem imóvel (em causa nos autos). 17. Tendo a exequente adjudicado o bem imóvel e sido este entregue pelos executados. 18. Entendemos que a pretensão da exequente em obrigar os executados no pagamento do remanescente da dívida após valor da adjudicação, configura uma situação de abuso de direito na modalidade de desequilíbrio no exercício de direito porquanto, sendo titular de um direito de crédito, formal e aparentemente exigível por incumprimento contratual, a sua executoriedade e reconhecimento judicial desencadearia resultados totalmente alheios ao que o sistema pode admitir. 19. Entende-se que a quantia exequenda já se encontra integralmente paga, tendo a obrigação decorrente da celebração do mútuo se extinguido com a adjudicação do imóvel à exequente! 20. Privados que estão do imóvel que motivou a concessão do crédito por parte da exequente Recorrida (cuja propriedade reverteu para esta) e tendo a obrigação cujo incumprimento despoletou a acção executiva contra os executados e ora recorrente sido conformada pelo valor de avaliação do bem pela exequente deverá entender-se que a adjudicação do bem à exequente é suficiente para cumprir o dever de prestar e, como tal, extinguiu a obrigação. 21. Ainda que assim não se entenda, sempre o exercício do direito ao pagamento da diferença entre o valor de adjudicação e a quantia exequenda deverá ser considerado como o exercício ilegítimo de um direito, e, como tal, violador da boa fé que deve nortear as partes na sua actuação. 22. O comportamento da exequente em manter a acção executiva constitui abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium. 23. Pelo que não se pode concordar com a improcedência da sua pretensão pelo douto tribunal a quo. 24. A recorrente confiou na avaliação do imóvel realizada pela exequente no momento da concessão do crédito, tendo acreditado que, caso um dia não pudesse fazer face ao pagamento das prestações devidas, o imóvel adquirido seria suficiente para o pagamento do crédito. 25. A ora recorrente jamais imaginaria que, em caso de incumprimento da obrigação contraída, se veria privada do bem e, ainda assim, permaneceria devedora perante a exequente. 26. A prossecução dos autos recorridos com a penhora dos bens que restam aos executados é um claro exercício ilegítimo de um direito pela Recorrida com o qual a recorrente não se conforma. 27. Acresce que a prossecução da execução pela diferença entre o valor de adjudicação e a quantia exequenda constitui enriquecimento sem causa da Recorrida. 28. O mútuo celebrado entre a Recorrida e a Recorrente (executados) tinha a finalidade específica de aquisição do imóvel para habitação própria dos executados e, como tal, a venda executiva do imóvel eliminou a causa justificativa do negócio jurídico. 29. A perda da utilidade do negócio jurídico para os executados deve ser contabilizada e abatida ao passivo global pelo valor que a Recorrida, de facto, atribui ao imóvel adjudicado. 30. Considerando-se, também por esta razão, como integralmente paga a quantia exequenda. 31. Ou seja, os Executados ora Recorrente fazem o seguinte raciocínio: Se à data em que foi contratado o mútuo, a mutuante avaliou o imóvel num valor que era suficiente para garantir a quantia emprestada, então a entrega do imóvel à credora cobrirá toda a dívida. Não seria assim? 32. O abuso de direito, previsto no art.º 334.º do Código Civil consiste no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores. 33. O instituto do abuso de direito, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial são meios de que os tribunais devem lançar mão para temperar situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, o faz de uma maneira que, objectivamente, – e atenta a especificidade do caso-, conduz a um resultado que viola o sentimento de justiça prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto o adultera. 34. Para que haja enriquecimento sem causa, conforme vem previsto no art.º 473.º do Código Civil, é necessário que alguém sem causa justificativa, enriqueça à custa de outrem. 35. Os pressupostos do enriquecimento sem causa são: o enriquecimento de alguém, no sentido de o beneficiário auferir de uma efectiva vantagem patrimonial; o empobrecimento da outra parte, no sentido de sofrer determinadas desvantagens patrimoniais que, em situação norma, não sofreria e esse enriquecimento dar-se à custa de outrem (o empobrecimento) e a falta de causa justificativa. 36. In casu entendemos estar perante uma situação de enriquecimento sem causa, pelo que a improcedência da pretensão da recorrente em ver extinta a execução por força da dação em pagamento é violadora de direitos consagrados como o art. 473º do CC e até constitucionais. NOTIFICAÇÃO À MANDATÁRIA E NÃO À EXECUTADA DA CONTA FINAL 37. Entendemos que estando em causa a nota de liquidação final dos autos com a conta final a mesma deveria ter sido notificada aos executados e não apenas aos mandatários. 38. Vejamos o art. 31º da RCP! 39. Sendo os executados os responsáveis, segundo a conta final, pelo pagamento do remanescente deveriam estes também ter sido notificados da mesma (conta), para querendo reclamar da mesma e nomeadamente da liquidação. O que não sucedeu! 40. Pelo que aqui entendemos estar perante uma clara violação do princípio do contraditório. 41. O tribunal a quo violou o princípio do contraditório, consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, porque o agente de execução deveria ter previamente notificado a recorrente da conta final. 42. Face ao exposto a decisão ora recorrida violou os artigos 473º do CC, art. 31º do RCP e n.º 3 do art. 3º do CPC entre outros pelo que deve ser revogada.
A Apelante termina a sua alegação recursória pugnando pela revogação do despacho recorrido e sua substituição “por outro nos termos da antecedente motivação e conclusões que julgue procedentes os pedidos da recorrente”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Importa apreciar, antes de mais, a questão prévia suscitada na alegação de recurso (resumida nas conclusões 1 a 4).
Trata-se, em bom rigor, de falsa questão, escusamente suscitada, não visando sequer o despacho recorrido, mas o “ofício” do Sr. AE, o que mal se compreende, até porque a Apelante nem extrai qualquer consequência da suposta nulidade do “ofício” do Sr. AE.
O n.º 1 do art. 719.º do CPC (cuja epígrafe é “Repartição de competências”) dispõe que cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos (cf. n.º 1).
Sobre as competências da secretaria, preceitua o n.º 3 que incumbe à secretaria, para além das competências que lhe são especificamente atribuídas no presente título, exercer as funções que lhe são cometidas pelo artigo 157.º na fase liminar e nos procedimentos ou incidentes de natureza declarativa, salvo no que respeita à citação. O n.º 4 acrescenta que incumbe igualmente à secretaria notificar, oficiosamente, o agente de execução da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos atos aí praticados que possam ter influência na instância executiva.
De referir ainda que o n.º 7 do art. 720.º estabelece que, na falta de disposição especial, o agente de execução realiza as notificações da sua competência no prazo de 5 dias (e pratica os demais atos no prazo de 10 dias). Preceituando, por sua vez, o art. 13.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08 (que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis), sob a epígrafe “Termos das notificações”, que: “1 - O agente de execução efetua todas as notificações previstas na lei preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução. 2 - A notificação dos mandatários das partes efetua-se por transmissão eletrónica de dados, nos termos da portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais. 3 - Para efeitos do número anterior, a data de elaboração da notificação corresponde à data de depósito da notificação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.”
Nos presentes autos, foi expressamente cometida ao Sr. AE a notificação do despacho recorrido, a qual efetuou. Portanto, não tem nenhuma razão a Apelante quando refere ter sido omitida a notificação pela secretaria do despacho recorrido e se insurge contra a notificação efetuada pelo AE.
Ainda que assim não fosse, uma tal omissão de ato da secretaria judicial em nada a prejudicou, nem podia prejudicar (cf. art. 157.º, n.º 6, do CPC) e teria ficado sanada com a notificação que veio a ser efetuada por parte do Sr. AE, ato que a lei (evidentemente) não proíbe (antes pelo contrário) e que torna desnecessária outra notificação (cf. art. 130.º do CPC). Como o recurso foi admitido, nem sequer se descortina como poderia, pelos motivos invocados pela Apelante, existir uma irregularidade suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do art. 195.º do CPC.
Assim, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, e mais não resta do que passar a conhecer do seu objeto.
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se devia ter sido atendida a pretensão da Apelante de substituição do Sr. Agente de Execução;
2.ª) Se com a adjudicação da fração penhorada à Exequente se devia considerar extinta a execução, pelo pagamento da quantia exequenda, configurando o prosseguimento daquela, para pagamento do valor remanescente, um abuso do direito ou enriquecimento sem causa da Exequente;
3.ª) Se a “nota de liquidação” em apreço deveria ter sido pessoalmente notificada à Executada e não (apenas) à sua mandatária.
Os factos provados com relevância para o conhecimento das questões enunciadas são os que resultam do relatório. 1.ª questão - Da substituição do Sr. Agente de Execução
No despacho recorrido indeferiu-se a pretensão da Executada, ora Apelante, a este propósito, tecendo-se as seguintes considerações: “O desenho da atual ação executiva — como desenvolvimento da ideia inicial da respetiva desjudicialização —, atribui ao agente de execução uma competência alargada no que respeita à prática dos atos essenciais, retirando-lhe, contudo, autonomia no exercício dessas mesmas competências. O legislador, depois de, na Reforma de 2008 (DL226/08, de 20.11), retirar ao juiz o poder de destituição do A.E., concedeu, no novo Código, ao exequente a faculdade de livremente o substituir. [O próprio Tribunal Constitucional, para sustentar a conformidade do artigo 808.º, n.º 6, do C.P.C. (na anterior redacção) à Constituição, qualificou a relação entre agente de execução e exequente de "relação de direito privado de mandato", equiparando a sua função/actividade à de um "profissional liberal", no Ac. de 24 de Abril de 2012] E embora, num primeiro momento (projeto-lei), o legislador tenha recuado nesta posição, acabou por manter a destituição fora das competências do juiz, continuando a permitir que o exequente substitua o agente de execução, exigindo, apenas, que a mesma seja fundamentada, sem que defina, contudo, quem deverá apreciar tal fundamentação e ao fim ao cabo que relevância prática assume tal fundamentação. Daí que a lei preveja que "sem prejuízo da sua destituição pelo órgão com competência disciplinar, o agente de execução pode ser substituído pelo exequente, devendo este expor o motivo da substituição (...)" — n.º 4 do artigo 720.º do CPC. Nada se diz quanto ao executado, do que se depreende que lhe está vedada a possibilidade de requerer a substituição do agente de execução, sem prejuízo de apresentar participação junto do órgão disciplinar para efeitos da sua eventual destituição.”
A Apelante critica este entendimento, alegando, em síntese, que: o agente de execução não pode ter comportamentos que possam ser sancionáveis, devendo, no desempenho das suas funções, ter em conta juízos de equidade; se a Executada, em dado momento do processo, entendeu que o Sr. AE extravasou as suas competências, sentindo-se transtornada ou prejudicada no seu bom nome e dignidade o que a levou a apresentar queixa crime, como pode encarar que enquanto os autos subsistirem não será alvo de outro comportamento ou comportamentos sancionáveis ou que a incomodam? E a Executada não sente que o Sr. AE ao manter-se em funções nestes autos pelas razões já apontadas terá em conta tais juízos de equidade.
Apreciando.
Sobre as competências do agente de execução na ação executiva dispõe o acima referido art. 719.º do CPC, regendo, por sua vez, o art. 720.º sobre a designação do agente de execução (n.ºs 1 a 3), bem como sobre a possibilidade de serem cometidas diligências a outro agente de execução ou oficial de justiça (em lugares que impliquem deslocações cujos custos se revelem desproporcionados) ou a empregado ao serviço do agente de execução. No que ora importa, estabelece o n.º 4 deste artigo que: “Sem prejuízo da sua destituição pelo órgão com competência disciplinar,o agente de execução pode ser substituído pelo exequente, devendo este expor o motivo da substituição; a destituição ou substituição produzem efeitos na data da comunicação ao agente de execução, efetuada nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Portanto, resulta inequivocamente da lei que o agente de execução pode ser destituído pelo órgão com competência disciplinar (estando cometida a competência disciplinar, consoante os casos, ao Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução ou à Comissão de Disciplina da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça - cf. art. 33.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14-09, e artigos 3.º e 28.º da Lei n.º 77/2013, de 21-11, que criou a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça).
Mais prevendo a lei que o agente de execução pode ser substituído pelo exequente.
O que significa que não é legalmente admissível a substituição do agente de execução, a pedido do executado. O que, aliás, bem se compreende. Com efeito, se bastasse a um qualquer executado, insatisfeito com a forma como o processo executivo vinha sendo “conduzido” pelo agente de execução, requerer a sua substituição, estaria encontrada uma forma expedita de obstaculizar à normal tramitação desse processo.
Ademais, a Executada limita-se a invocar os seus sentimentos de insatisfação para com a atuação do Sr. AE e a alegar ter apresentado queixa/denúncia e estar pendente processo de inquérito, não tendo sequer alegado (muito menos provado) os factos concretos que imputa ao Sr. AE. Logo, nem sequer se justifica uma comunicação por parte do Tribunal ao órgão disciplinar competente tendo em vista a respetiva averiguação e eventual instauração de procedimento disciplinar.
Assim, neste particular, improcedem as conclusões da alegação de recurso, nenhuma crítica merecendo a decisão recorrida. 2.ª questão - Da extinção da execução
No despacho recorrido decidiu-se que a execução devia prosseguir, com a seguinte fundamentação: “Resulta dos autos que o imóvel penhorado, sobre o qual recaía a garantia hipotecária a favor do exequente, foi adjudicado à exequente pelo valor de €88.500,00 no âmbito da venda judicial mediante negociação particular, o que se verificou após prévia avaliação do bem e da frustração da venda judicial na modalidade de propostas em carta fechada. Não se alcança, assim, a alusão à figura da dação em cumprimento/pagamento, sustentada na seguinte alegação: "1. No dia 17/06/2019 foram entregues as chaves pelo co executado BBB, do imóvel penhorado e adjudicado pela exequente. 2. A entrega assim do bem imóvel penhorado, voluntariamente, e livre e devoluto de bens e pessoas, configura no nosso entendimento a dação em pagamento da dívida exequenda, sendo a dação uma causa de extinção das obrigações." Com efeito, como bem refere a exequente, "a dação em cumprimento, prevista e regulada nos artigos 837.º e ss do Código Civil, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento e diz respeito a coisa diversa da que for devida; Além disso, se o devedor efectuar uma prestação diversa da devida, o crédito do credor só se extingue quando for satisfeito, e na respectiva medida; Já a venda judicial, consiste na transmissão de um bem móvel ou imóvel, independentemente da vontade do titular do direito de propriedade."”
A Apelante discorda deste entendimento, pelas razões “condensadas” nas conclusões da sua alegação de recurso. Em síntese, considera que:
- Com a adjudicação do imóvel à Exequente e dado que o mútuo celebrado entre as partes tinha a finalidade de aquisição do imóvel para habitação própria dos Executados, a quantia exequenda ficou integralmente paga, extinguindo-se a obrigação contratual, conformada pelo valor de avaliação do bem hipotecado pela Exequente e em que a Apelante confiou, acreditando que seria suficiente para o pagamento do crédito;
- Ainda que assim não se entenda, a pretensão da Exequente de obter o pagamento do remanescente da dívida exequenda (abatido o valor da adjudicação) configura uma situação de abuso de direito nas modalidades de desequilíbrio no exercício de direito e venire contra factum proprium;
- E constitui enriquecimento sem causa da Exequente (pois deixou de existir causa justificativa do negócio celebrado entre as partes), sendo a improcedência da pretensão da Executada em ver extinta a execução, por força da dação em pagamento, violadora de direitos como o consagrado no art. 473.º do CC e até constitucionais.
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa salientar que não está provado (antes pelo contrário) que os contratos de mútuo cujo incumprimento levou à instauração da presente ação executiva tenham sido contraídos para a aquisição de imóvel (hipotecado) para habitação própria dos Executados.
Por outro lado, é descabida a qualificação jurídica que a Executada faz, quando alude a uma dação em pagamento, a qual consiste, como é sabido, numa forma de extinção das obrigações regulada nos artigos 847.º e ss. do CC. Na verdade, o que existiu foi, como bem se explica no despacho recorrido, uma adjudicação à Exequente no âmbito da venda judicial determinada (cf. art. 799.º do CPC).
Quanto ao pagamento (da dívida exequenda), trata-se igualmente de forma de extinção das obrigações, na medida em que se reconduz ao cumprimento de obrigações pecuniárias, podendo ser integral ou parcial (cf. artigos 762.º e ss. do CC). No caso, é óbvio que não foi realizado o pagamento (voluntário), muito menos integral, da quantia exequenda (cf. art. 846.º do CPC). Procedeu-se, sim, em face da adjudicação efetuada, à liquidação da responsabilidade dos Executados (cf. art. 847.º do CPC). A Apelante não questiona o acerto dessa liquidação, não lhe apontando nenhum erro de cálculo (ou outro), mormente no que concerne à contabilização dos juros de mora.
Assim, é claro que as invocadas circunstâncias não constituem causa de extinção da execução (cf. art. 849.º do CPC), sendo manifesta a falta de fundamento legal da posição da ora Apelante ao defender que a quantia exequenda foi integralmente paga e que, por isso, se extinguiu a obrigação a que respeita.
Quanto ao mais ora invocado na alegação de recurso, ou seja, o abuso do direito e enriquecimento sem causa, estamos perante questões novas, que não foram oportunamente suscitadas na 1.ª instância.
Na verdade, uma vez que os factos invocados a esse respeito, designadamente a adjudicação da fração autónoma penhorada à Exequente, se verificaram vários meses antes da apresentação do requerimento que foi apreciado no despacho recorrido e eram do conhecimento da Executada (conforme resulta do relatório supra), tais questões poderiam ter sido invocadas em sede de oposição à execução mediante embargos (supervenientes), sendo este o meio próprio para o executado se opor à execução, invocando qualquer facto extintivo (bem como modificativo ou impeditivo) da obrigação que fosse superveniente e passível de ser invocado como defesa no processo de declaração – cf. artigos 728.º, n.ºs 1 e 2, e 731.º, ambos do CPC.
Sobre a inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recursos, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23-03-2017, na Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt: “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).”
Também Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 119, explica que: “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Assim, não sendo a questão do enriquecimento sem causa, ora invocada pela Apelante, de conhecimento oficioso, não cumpre conhecer da mesma.
Já quanto ao abuso do direito, importa apreciar se ocorre, uma vez que, como é consabido, se trata de matéria de conhecimento oficioso.
Vejamos.
É nossa convicção que qualquer decisão deve ser norteada sempre por uma ideia de justiça que por vezes não se coaduna com a aplicação cega das regras legais. Circunstâncias da vida que a generalidade e abstração das leis não podem contemplar justificam, em certos casos, a intervenção de princípios gerais de direito, em especial o princípio geral da boa-fé, para que o resultado ou solução a que se chega possa servir melhor esse ideal de justiça.
Nessa linha, o abuso do direito surge-nos como uma “válvula de escape”, de conhecimento oficioso, estando consagrado no art. 334.º do CC, na conceção objetiva, nos seguintes termos: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso do direito é, assim, o excesso patente dos limites impostos pela boa fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites. E tem sido entendido que para determinar quais os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes o julgador deverá atender às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, devendo para apurar do fim social ou económico do direito considerar os juízos de valor positivamente consagrados na lei (cf., Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 299).
De referir que as consequências do abuso do direito não podem deixar de ser ajustadas às especificidades de cada caso concreto, operando, com frequência, como exceção perentória. Assim, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs. 299-300, “tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, nos termos do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.”
Na mesma linha, sobre as consequências do abuso do direito, veja-se Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, in ROA Ano 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/: «O artigo 334.º fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas: — a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio; — a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito; — um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário; — um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa. Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»
A jurisprudência é, desde há largos anos, muito rica na identificação de situações em que se justifica lançar mão deste instituto. Lembramos a síntese exemplar feita no acórdão do STJ de 21-09-1993, a partir dos ensinamentos de Manuel de Andrade, Almeida Costa, Pires de Lima e Antunes Varela: “a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social (...) em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento” (in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, pág. 21).
Também a doutrina vem dando abundante contributo para a compreensão desta figura, elaborando, muitas vezes com base na jurisprudência dos tribunais superiores, uma série de hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da boa fé, designadamente a proibição de venire contra factum proprium, que visa impedir uma pretensão incompatível ou contraditória com a anterior conduta do pretendente; ocorre sempre que uma pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou negócio invocando, por exemplo, uma determinada causa de resolução, denúncia, nulidade ou anulação, quando já tinha feito crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito.
Nas palavras de Baptista Machado, no estudo “Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”, in “Obra Dispersa”, Vol. I - págs. 415 a 418 - e RLJ anos 116, 117 e 118 – n.º 3735, págs. 170 e ss., o funcionamento do instituto depende da verificação de três pressupostos:
1.º) uma situação de confiança, isto é, uma conduta ou omissão (simples passividade) de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; por outras palavras, uma conduta ou omissão (inércia) que desperta na contraparte a convicção de que também no futuro se comportará, coerentemente, da mesma maneira;
2.º) um investimento na confiança, o que significa que a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos (não removíveis ou dificilmente removíveis a não ser com a paralisação do direito) se aquela confiança vier a ser frustrada;
3.º) a boa fé da contraparte que confiou, ou seja, que a contraparte tenha agido tomando o cuidado e as precauções usuais no tráfego jurídico, desconhecendo uma eventual divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real.
Na doutrina, a este propósito, destaca-se o labor de Menezes Cordeiro, na sua vasta obra publicada, designadamente in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1.º Vol. 1987/88, pág. 371 e ss. e 663 e ss., e também no artigo acima referido, do qual citamos, pelo seu interesse, a seguinte passagem (omitindo as notas de rodapé): “O abuso do direito é um instituto multifacetado. Encontramo-lo, hoje, no dia-a-dia dos nossos tribunais, para resolver questões deste tipo: (…) II. Os exemplos alinhados documentam, sucessivamente, cinco subinstitutos, ausentes dos nossos manuais até há bem pouco tempo: venire contra factum proprium, inalegabilidade formal, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos eles traduzem concretizações de uma ideia tradicional: a da proibição do abuso do direito. Finalmente: todos apelam ao adensamento de um princípio clássico: a boa fé. (…) I. No Direito português, a base jurídico-positiva do abuso do direito reside no artigo 334.º e, dentro deste, na boa fé. Para além de todo o desenvolvimento histórico e dogmático do instituto que aponta nesse sentido, chamamos ainda a atenção para a inaten-dibilidade, em termos de abuso, dos bons costumes e da função económica e social dos direitos. Os bons costumes remetem para regras de comportamento sexual e familiar que, por tradição, não são explicitadas pelo Direito civil, mas que este reconhece como próprias. E eles remetem, também, para certos códigos deontológicos reconhecidos pelo Direito. Nestes termos, os bons costumes traduzem regras que, tal como muitas outras, delimitam o exercício dos direitos e que são perfeitamente capazes de uma formulação genérica. Não há, aqui, qualquer especificidade. Quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício. Também aqui falta um instituto autónomo, já que tal interpretação é sempre necessária. (…) II. A boa fé, em homenagem a uma tradição bimilenária, exprime os valores fundamentais do sistema. Trata-se de uma visão que, aplicada ao abuso do direito, dá precisamente a imagem propugnada. Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa. III. Aparentemente vago, este postulado obtém uma concretização fecunda através dos vectores próprios do manuseio da boa fé. Recordamos: — a utilização dos princípios mediantes da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente; — o enquadramento nos grupos típicos de actuações abusivas, com relevo para o venire, a suppressio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício”.
Tendo em conta a alegação da Apelante, resta referir uma outra figura suscetível de configurar um abuso do direito: o exercício em desequilíbrio, que se verifica quando o exercente de um direito exerce uma atividade que causa danos a outrem inutilmente ou quando provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe a outrem.
Volvendo ao caso dos autos, tendo em conta a factualidade que emerge do relatório, é inevitável concluir que a situação em apreço não se reconduz a nenhuma destas hipóteses típicas, não se descortinando que a atuação da Exequente, ao pretender o pagamento do valor remanescente em dívida, possa configurar um caso de abuso do direito, conducente à extinção da execução.
Para começar, foram os próprios Executados quem atribuíram à fração hipotecada o valor de 148.000 €, aceitando dá-la em garantia dos dois empréstimos concedidos em 2006, aos quais não é aplicável o regime do crédito à habitação. Se a Executada estava convencida de que podia incumprir tais empréstimos volvidos cerca de 2 anos após terem sido celebrados, deixando de pagar as prestações relativas à amortização do capital em dívida e respetivos juros, e que, na pior das hipóteses, ficaria “privada do bem”, estava enganada, nada permitindo pensar que a Exequente lhe deu a entender que seria assim.
Pelo contrário, os contratos devem ser pontualmente cumpridos e a hipoteca é uma garantia real, regulada designadamente nos artigos 686.º e ss. do CC, que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, podendo ter por objecto, além do mais, prédios rústicos e urbanos.
Esse pagamento faz-se, naturalmente, em caso de incumprimento contratual, com a venda ou adjudicação do bem, na ação executiva instaurada pelo credor. O regime legal, tanto no plano substantivo como processual, a esse respeito visa uma tutela equilibrada das posições jurídicas do credor e do devedor, estando expressamente previsto na lei que a execução pode prosseguir com a penhora de outros bens, para além daqueles sobre que incida hipoteca, quando se reconheça a insuficiência daqueles para integral pagamento da quantia exequenda.
Assim, o art. 697.º do CC estabelece que: “O devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor”.
Nessa conformidade, determina ainda o n.º 1 do art. 752.º do CPC que “(E)xecutando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
Na execução em apreço, todo o processado acima descrito se mostra conforme com tais regras de direito substantivo e processual aplicáveis. Além de nada indiciar sequer que a Exequente levou a Executada a acreditar que com a adjudicação da fração ficaria liquidada a dívida exequenda, importa salientar que, no decurso dos autos, não foi possível encontrar interessados na aquisição da fração autónoma, a qual foi sujeita a uma avaliação pericial, que não mereceu oportuna reclamação por parte da Executada, e que o valor pelo qual foi adjudicada à Exequente, em 2018 (cerca de 10 anos depois do incumprimento dos contratos de mútuo), é superior a 85% do valor em que foi avaliada. Portanto, nem sequer estamos perante valores desproporcionais, passíveis de gerarem alguma perplexidade, em face do incumprimento contratual verificado.
A propósito da extinção da dívida hipotecária com a venda do imóvel hipotecado, não podemos deixar de lembrar a decisão de 19-01-2012 do Tribunal de Portalegre, que, na altura, muito deu que falar. Nesse caso, no seguimento de conferência de interessados em processo de inventário, em que foi determinada a venda de imóvel hipotecado, tendo o Banco credor hipotecário reclamado o pagamento de dívida no valor de 129.521,52 €, decidiu o Tribunal, perante a adjudicação do imóvel hipotecado ao Banco pelo valor de 82.250 € e tendo em conta que o prédio tinha o valor patrimonial de 117.500 €, reconhecer apenas a dívida no valor remanescente de 12.021,52 €.
Tratou-se, todavia, de decisão isolada. Veja-se a referência que lhe é feita por Carla Inês Brás Câmara, in“A aquisição da propriedade do bem hipotecado pelo Credor e questão da satisfação (integral ou parcial) do crédito”, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra Editora, págs. 683-696.
Antes deste artigo, já Isabel Menéres Campos publicara o seu “Comentário à (muita falada) sentença do Tribunal Judicial de Portalegre de 4 de janeiro de 2012”, nos Cadernos de Direito Privado, n.º 38 abril/Junho 2012, págs. 3-13. Depois de ponderar todos os argumentos da referida decisão, a qual reproduz, com algumas adaptações, certas decisões que vieram a ser proferidas por tribunais espanhóis em torno do mesmo problema (também referidas por Carla Câmara, no artigo acima referido, págs. 698-711), como o ac. da Audiencia Provincial de Navarra de 17-12-2010, conclui a autora que se está perante uma decisão contra legem.
Neste estudo a autora analisa precisamente uma das modalidades de abuso do direito, que já acima referimos, da “desproporção no exercício, isto é, o desequilíbrio entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem”. Concluindo, no caso em análise, que, não obstante a situação anómala do devedor se ver privado da habitação para a qual contraiu o empréstimo, mas não se desonerar de parte da dívida, continuando adstrito ao seu pagamento, não se podia considerar demonstrado que existisse uma “desproporção manifesta, rectius, clamorosa”.
Este autora aprecia ainda, para os afastar, o argumento do enriquecimento injustificado e o argumento da frustração do resultado subjacente ao contrato de mútuo.
A Apelante, como vimos, invocou o primeiro, suscitando uma nova questão, da qual não cumpre apreciar. Quanto ao segundo argumento, embora de forma incipiente, parece tê-lo invocado, concedendo-se que o tenha feito com o propósito de sustentar a sua invocação do abuso do direito. Diremos apenas que essa argumentação não tem qualquer consistência, tanto assim que, repete-se, nem sequer é correto afirmar, como faz a Apelante, que o “mútuo celebrado entre a Recorrida e a Recorrente (executados) tinha a finalidade específica de aquisição do imóvel para habitação própria dos executados e, como tal, a venda executiva do imóvel eliminou a causa justificativa do negócio jurídico”. Na verdade, a Executada e o Executado então seu marido adquiriram a fração autónoma (hipotecada/penhorada) antes da concessão dos mútuos em apreço, tendo a respetiva aquisição sido registada em 09-07-2004.
Pronuncia-se também a referida autora a respeito da integração de suposta lacuna legal, afastando essa necessidade, porquanto não faz “qualquer sentido entender que, excutido o bem, fique o credor impedido de prosseguir com a agressão de outros bens que compõem o património dos devedores e dos demais garantes, se os houver, porque tal está legalmente previsto e corresponde ao funcionamento do nosso sistema jurídico como um todo”.
Reconhece, finalmente, a citada autora que situações como a descrita na referida decisão carecerão de uma maior regulação dadas as circunstâncias económicas excecionais que então se viviam, defendendo «Haverá que reforçar, designadamente, os deveres pré-contratuais de informação a cargo da entidade bancária, estabelecer limites, de forma mais rigorosa, à relação financiamento/garantia, de modo a que os empréstimos concedidos estejam, minimamente, a coberto de uma desvalorização acentuada e inesperada dos imóveis, proibir a banca de conceder empréstimos “irresponsáveis” e controlar o intenso desequilíbrio contratual que pode subsistir em alguns contratos de crédito à habitação.» - estudo citado, pág. 13.
É também essa a nossa maneira de encarar as coisas, impondo-se uma intervenção legislativa e uma atenta aplicação da lei por parte de todos os intervenientes, tanto “a jusante como a montante” da concessão de crédito, como se tornou mais evidente na sequência da crise económica. Nessa linha se insere, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que veio estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Há, sem dúvida, que minimizar eventuais efeitos nefastos de situações atinentes à cobrança coerciva de créditos hipotecários, mas dentro do quadro legal em vigor, que, no âmbito do processo executivo, conforma a atuação do Agente de Execução e a intervenção atenta do Juiz de Execução, sobretudo quando despoletada pelas partes, para fazerem valer os seus interesses de forma oportuna e processualmente adequada. Portanto, o processo executivo, tramitado com respeito pelos princípios e regras legais, serve para promover o equilíbrio judicial das posições das partes mutuante-mutuário/exequente-executado.
Tudo isto para concluir que não tem cabimento legal a defesa ora apresentada pela Executada/Apelante, não se mostrando violados os preceitos que invoca, nem se verificando nenhuma situação de abuso do direito que imponha no caso dos autos uma solução diferente da que resulta do despacho recorrido, ou seja, a do prosseguimento da execução.
Assim, sem necessidade de mais considerações, concluímos que improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso. 3.ª questão - Da notificação da nota de liquidação
No despacho recorrido, indeferiu-se a pretensão da Executada a respeito da falta de notificação à sua mandatária da nota de liquidação, o que se fundamentou nos seguintes termos:
“Na sequência da venda/adjudicação operada na execução, o Sr. A.E. elaborou a nota discriminativa, a qual foi notificada à executada em 20.02.2019 e sobre a qual não recaiu qualquer reclamação. Resulta da mesma — que teve em conta o valor da adjudicação - o seguinte: APURAMENTO DE RESPONSABILIDADE DE EXECUTADO
Quantia Exequenda (fixada ou peticionada)
171 279,79 €
Juro (de 12/11/2008 até 30/11/2018 à taxa de 10,246%)
152 008,05 €
Imposto de Selo
6 080,32 €
Taxa de Justiça
48,00 €
Procuradoria
0,00 €
Honorários e Despesas A.E.
3 510,26 €
Honorários e Despesas do Encarregado da Venda.
0,00 €
TOTAL DA RESPONSABILIDADE DOS EXECUTADOS
332
926,42 €
Pagamentos Voluntários
0,00 €
Valor Recuperado pela venda
88 500,00 €
TOTAL RECUPERADO
88
500,00 €
SALDO DE QUE OS EXECUTADOS SAO AINDA DEVEDORES 244 426,42 € É manifesto que a adjudicação do imóvel não foi suficiente para pagar a dívida exequenda, sendo que o Sr. A.E. contabilizou juros vencidos desde a data em que foram peticionados até à data da adjudicação do imóvel, em conformidade com o peticionado no requerimento executivo. Não se vê, assim, razão ou motivo para notificar o Sr. A.E. e/ou a exequente para proceder a nova liquidação da obrigação, pretensão, esta, que se indefere, assim como se indeferem a requerida anulação dos atos do Sr. A.E. e a requerida suspensão da execução.”
A Apelante, invocando o art. 31.º do Regulamento das Custas Processuais, insurge-se contra o que foi decidido, defendendo, em síntese, que:
- Estando em causa a nota de liquidação final dos autos com a conta final a mesma deveria ter sido notificada aos Executados e não apenas aos mandatários;
- Sendo os Executados os responsáveis, segundo a conta final, pelo pagamento do remanescente deveriam estes também ter sido notificados da mesma (conta), para querendo reclamar da mesma e nomeadamente da liquidação, o que não sucedeu!
- O tribunal a quo violou o princípio do contraditório, consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, porque o agente de execução deveria ter previamente notificado a recorrente da conta final.
A Apelante está equivocada quando alude a uma liquidação final ou conta final e invoca o disposto no art. 31.º do Regulamento das Custas Processuais.
Na verdade, nos presentes autos, atenta a data em que tiveram início e face ao disposto no art. 27.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, ainda não é aplicável este Regulamento, mas antes o Código das Custas Judiciais, mormente o art. 33.º, n.º 3, nos termos do qual “(N)as execuções em que seja designado solicitador de execução, as remunerações pagas ao solicitador de execução, as despesas por ele efectuadas e os demais encargos da execução, o produto da execução, os pagamentos efectuados ao exequente e o respectivo saldo são objecto de nota discriminativa e justificativa autónoma elaborada e remetida por aquele ao tribunal, no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo seguinte.”
A nota discriminativa e justificativa foi elaborada pelo Sr. AE, incluindo ainda a liquidação da responsabilidade do executado (cf. art. 847.º do CPC).
Essa nota foi notificada à mandatária da Executada, como não podia deixar de ser (cf. art. 247.º do CPC), não se vendo necessidade na sua notificação pessoal.
A Executada não apresentou oportunamente reclamação contra a referida nota. Face ao teor da sua alegação recursória, em especial das respetivas conclusões, é evidente que a Apelante teve efetivo conhecimento dessa nota e nem sequer pretende agora apresentar qualquer reclamação a esse respeito, sendo desprovida de utilidade a mera invocação da violação do princípio do contraditório, que, todavia, salientamos, não se verifica.
Os autos prosseguiram, mencionando-se na liquidação que existe um valor remanescente em dívida. E oportunamente será elaborada uma conta final, nos termos dos artigos 53.º e ss. do CCJ.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, pelo que não pode deixar de ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão recorrida, que nenhuma censura merece.
Vencida a Executada-Apelante, é a responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). Como beneficia do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cf. ofício junto aos autos executivos em 01-10-2020), não vai condenada a efetuar o respetivo pagamento (cf. artigos 1.º e 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigos 20.º, 26.º e 29.º do RCP).
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Não se condenada a Executada-Apelante no pagamento das custas do recurso atento o apoio judiciário de que beneficia.
D.N.
Lisboa, 03-12-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua