ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL
ACÇÃO DECLARATIVA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO DE FACTO
INTERESSE EM AGIR
ORDEM JURÍDICA NACIONAL
CASO JULGADO
Sumário

1– Instaurando um cidadão português e uma cidadã brasileira, ambos residentes no Brasil, acção de revisão de sentença estrangeira, pedindo que “sejam revistas e confirmadas as Escrituras Públicas Declaratórias de União Estável, celebradas pelos Requerentes, com todas consequências legais, designadamente para os fins do art.° 3º, da Lei n° 37/81, de 3/10 …”, tem de concluir-se que não têm interesse em agir.

2– E não têm interesse em agir porque:
(i)- A sentença de revisãode escritura de união estávelnão substitui a (necessária) acção declarativa para reconhecimento de vivência em união de facto por mais de três anos, a instaurar nos tribunais cíveis contra o Estado Português, como o exige o artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade;
(ii)- Além disso, a sentença de revisão/confirmação que viesse a reconhecer/confirmar a escritura de união estável, não teria eficácia de caso julgado em relação ao Estado Português, não produzindo, por isso, os mesmos efeitos da acção de declaração de vivência em união de facto, por mais de três anos, exigidos por aquele artº 3º nº 3 da mencionada Lei da Nacionalidade;
(iii)- Finalmente, conforme decorre do artº 978º nº 2 do CPC, se os requerentes pretendem aproveitar-se dessa escritura de união estável, que celebraram no Brasil, podem usá-la na acção a instaurar para a finalidade do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade, nos termos dos artºs 365º nº 1 e 371º nº 1 do CC.

3– O interesse em agir apura-se, além do mais, pela necessidade de tutela judicial que é aferida, objectivamente, perante o direito subjectivo alegado pelo autor: o autor tem interesse em agir se da situação descrita e peticionada resulta que necessita da tutela judicial para realizar ou impor o seu direito.

4– Por isso, percebe-se que o interesse em agir, enquanto pressuposto processual, impõe algumas restrições ao exercício do direito à jurisdição ou da garantia de acesso aos tribunais, dado que condiciona esse recurso aos tribunais à efectiva necessidade de tutela judicial e à inexistência de qualquer outro meio, processual ou extraprocessual, para obter a realização do direito subjectivo alegado/pretendido pelo autor.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO.


1 MZ, com nacionalidade portuguesa e residente no Brasil e, VP, de nacionalidade brasileira e residente no Brasil, vêm instaurar acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo:

Sejam revistas e confirmadas as Escrituras Públicas Declaratórias de União Estável, celebradas pelos Requerentes, com todas consequências legais, designadamente para os fins do art.° 3º, da Lei n° 37/81, de 3/10 para que as mesmas possam produzir em Portugal todos os seus efeitos legais.

Alegaram, em síntese, que no dia 24/05/2010 foi lavrada pelo Tabelião do 15º Ofício de Notas da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, Escritura Pública de Pacto de Convivência, com a declaração dos requerentes de que viviam em união estável há mais de um ano; e que em 11/01/2018, foi realizada nova Escritura Pública Declaratória de Ratificação do Pacto de Convivência pelo Tabelião do 8º Ofício de Notas da Cidade e Estado do Rio de Janeiro, com a ratificação da primeira escritura em todos os seus termos; que o casal vive em União de Facto por 10 anos sendo que tal união perdura até aos dias actuais. Dessa união do casal adveio uma filha. Sendo a Requerente de nacionalidade brasileira e o Requerente de nacionalidade portuguesa, ao abrigo do disposto no n° 3, do art.° 3º, da Lei n° 37/81, deve ser permitido à Requerente adquirir a nacionalidade portuguesa por manterem a união de facto por mais de 3 (três) anos uma vez confirmada a referida Escritura como válida no ordenamento jurídico português; e para que tal Escritura Pública Declaratória produza efeitos civis em Portugal, é necessária a respectiva revisão e confirmação por este Tribunal da Relação a fim de que seja permitida à Requerente adquirir a nacionalidade portuguesa, nos termos do art.° 3º, da Lei n° 37/81, de 3/10.

2 Facultado o processo ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do artº 982º nº 1 do CPC, pronunciou-se no sentido de nada obstar à pretendida revisão e confirmação das escrituras.

3 Foi proferido despacho pelo relator no sentido de se afigurar que os requerentes não tinham interesse em agir, facultando-se-lhes a pronúncia sobre a falta desse pressuposto processual.

4 Os requerentes pronunciaram-se no sentido de não se verificar a falta desse pressuposto processual, interesse em agir.
Invocam diversos acórdãos desta Relação que decidiram rever e confirmar escrituras públicas declaratória de união estável celebradas no Brasil. Insistem que estão preenchidos os requisitos estabelecidos no artº 980º do CPC, não sendo por isso admissível a rejeição da pretendida revisão e confirmação das escrituras. E que se visa, com a revisão peticionada, que esta tenha eficácia na ordem jurídica portuguesa com efeitos a nível do registo civil português. E que com esta acção não pretendem obter um meio de prova a ser utilizado em futura acção declarativa da união de facto, mas sim o reconhecimento dessa união de facto, para que o documento tenha efeitos em Portugal a fim de permitir que seja intentado o pedido de nacionalidade ao abrigo do artº 3º da Lei da Nacionalidade.
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IIFUNDAMENTAÇÃO.

1Questão a resolver.
Coloca-se a questão de saber se os requerentes têm interesse em agir ao instaurarem esta acção especial de revisão de sentença estrangeira: revisão e confirmação de escritura de união estável, celebrada entre eles, no Brasil, tendo em vista a requerente mulher adquirir a nacionalidade portuguesa nos termos do artº 3º nº 3 da Lei n° 37/81, de 3/10.
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2Factualidade relevante.

Para além da factualidade mencionada no Relatório que antecede, importa ainda considerar, na parte relevante, o conteúdo das duas escrituras que se pretende sejam revistas e confirmadas.
Assim:
-Na escritura de Pacto de Convivência, de 24/05/2010, os requerentes declararam perante o Tabelião do 15º Ofício de Notas da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que “(…) vivem em regime de união estável, há mais de 1 (um) ano…”;
-Na escritura Declaratória de Ratificação do Pacto de Convivência, de 11/01/2018, os requerentes declararam perante o Tabelião do 8º Ofício de Notas da Cidade e Estado do Rio de Janeiro, que “(…) por motivos intrínsecos da relação do casal a convivência dos declarantes sofreu uma pequena interrupção; resolvem, eles, através deste acto, a fim de não restarem quaisquer eventuais dúvidas no futuro, ratificarem a aludida escritura pública de Pacto de Convivência, ou seja, no período que antecedeu o lapso temporal de interrupção e/ou seja no período que o sucedeu, ficando assim a mencionada escritura de Pacto de Convivência, ratificada em todas as suas partes, da qual fica fazendo parte integrante e complementar…”.
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3A Questão enunciada: a falta de interesse em agir.

Os requerentes instauraram esta acção de revisão de sentença/escritura estrangeira peticionando sejam revistas e confirmadas “…as Escrituras Públicas Declaratórias de “União Estável”, celebradas pelos Requerentes, com todas as consequências legais, designadamente para os fins do art.° 3º, da Lei n° 37/81, de 3/10….
Ou seja, declaradamente os requerentes pretendem, através desta acção especial de revisão de sentença, alcançar que a requerente mulher venha a obter a nacionalidade portuguesa nos termos do que dispõe o artº 3º nº 3 da Lei 37/81, de 03/10 (Lei da Nacionalidade).
Pois bem, a questão que se coloca é a de saber se os requerentes carecem de sentença de revisão de escritura de União Estável para aquela finalidade: de a requerente mulher adquirir a nacionalidade portuguesa.
Antecipando a resposta, diremos que não, por três razões essenciais:
- (i) A exigência legal (artº 3º nº 3 da Lei 37/81) de prévia instauração de acção de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível;
- A ineficácia subjectiva do caso julgado da acção de revisão de escritura de união estável em relação ao Estado Português;
- (iii) A desnecessidade de instauração de acção de revisão de sentença para os fins do artº 3º nº 3 da Lei 37/81.
Primeira razão: a exigência legal (artº 3º nº 3 da Lei 37/81) de prévia instauração de acção de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível.
Começando com uma afirmação concludente: a acção de revisão de sentença, rectius, de revisão de escritura de declaratória de União Estável celebrada no Brasil não é apta a facultar a finalidade prevista no artº 3º nº 3 da referida Lei da Nacionalidade.
E porque é que não é apta a permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa?
Desde logo, por uma questão de exigência legal. 
A acção de revisão de sentença de escritura de união estável, não é apta a permitir esse desiderato porque aquele artº 3º nº 3 da mencionada Lei 37/81 exige, para que o cidadão estrangeiro que viva em união de facto com cidadão português obtenha a nacionalidade portuguesa, que instaure, nos tribunais cíveis, uma acção declarativa com vista a ver-lhe reconhecida essa vivência em união de facto (há mais de três anos, com cidadão nacional).
E porquê essa exigência legal de prévia instauração de acção de reconhecimento da vivência em união de facto?
Por uma dupla razão: (a) equiparação da união de facto ao casamento e, (b) certeza da efectiva vivência em união de facto.
Na verdade, importa recordar que a actual redacção do referido artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade foi-lhe dada pela Lei Orgânica 2/2006 – e que, de resto, não foi objecto de qualquer alteração pela recente Lei Orgânica 2/2020, de 10/11 - visando o legislador equiparar, neste domínio, – aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade – a união de facto ao casamento, em homenagem aos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação.
Além disso e simultaneamente, ao exigir a instauração de acção declarativa, no tribunal cível (1ª instância), com vista ao reconhecimento daquela vivência em união de facto – por mais de três anos com cidadão nacional - o legislador visou acautelar actuações fraudulentas de invocação de estados de união de facto inexistentes. Precisamente por isso “…se estabeleceu no artº 3º nº 3 da Lei 37/81, na redacção dada pela Lei Orgânica 2/2006 que, nestes casos, a declaração de vontade de aquisição de nacionalidade portuguesa fosse necessariamente precedida de acção de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível.” (Cf. Ac. nº 605/2013, do Tribunal Constitucional, DR, II série, de 20/11/2013, Maria Lúcia Amaral).

Por outro lado, em segundo lugar: A ineficácia subjectiva do caso julgado da acção de revisão em relação ao Estado Português.
É sabido que o reconhecimento pela ordem jurídica interna de uma decisão judicial (ou equiparada) estrangeira, abrange, além de outros, o efeito de caso julgado (sobre o Objecto e os Efeitos do reconhecimento de decisões estrangeiras, ver, entre outros, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III – tomo II, Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, AAFDL, 3ª edição, 2019, págs. 42 e segs.).
As sentenças estrangeiras só produzem o efeito de caso julgado na ordem jurídica portuguesa depois de reconhecidas. Reconhecimento que pode ser automático, de acordo com os tratados e convenções de que Portugal seja parte (para outros desenvolvimentos, cf. Luís de Lima Pinheiro, Reconhecimento de Decisões Estrangeiras…cit., pág. 176 e segs.) ou explícito, nos termos dos artºs 978º e segs do CPC.
Em termos simples, o caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal.
E sem preocupação de outros desenvolvimentos recorde-se que o caso julgado pode ser formal ou material. O caso julgado formal só tem valor intraprocessual. O caso julgado material, além de valor intraprocessual é susceptível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada.
Quanto aos limites da eficácia do caso julgado, podem colocar-se em termos objectivos e em termos subjectivos. Interessam-nos estes.
Pois bem, o caso julgado, subjectivamente, apenas vincula, em regra, as partes na acção, não podendo, também, por regra, afectar terceiros. Ou seja, quanto ao âmbito subjectivo, o caso julgado possui, em geral, uma eficácia meramente relativa, como reflexo do princípio do contraditório visto que quem não pode defender os seus interesses num processo não pode ser afectado pela decisão nele proferida (Nec res inter alios iudicata aliis prodesse aut nocere solet).
No entanto, em certos casos, além da eficácia inter partes o caso julgado também pode atingir terceiros. Isso sucede em situações de eficácia reflexa do caso julgado ou de extensão do caso julgado.
Em termos simples, a eficácia reflexa verifica-se quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (activos e passivos) pelo que aquilo que se discutiu entre os legítimos contraditores deve ser aceite por qualquer terceiro. Isto significa que se a acção não decorreu entre todos os interessados directos, o efeito reflexo não se produz (Cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, Lex, pág. 590 e segs.).
Por sua vez, a extensão do caso julgado a terceiros caracteriza-se pela vinculação directa de (apenas) esses sujeitos, ao contrário da eficácia reflexa que vincula qualquer sujeito que fica adstrito a aceitar aquilo que ficou definido entre todos os interessados directos.
A extensão do caso julgado a terceiros depende da circunstância de o fundamento que lhe subjaz valer em relação aos terceiros em cuja esfera jurídica se constitui, extingue ou modifica uma situação jurídica em consequência do que foi definido na decisão transitada em julgado. Ou seja, essa extensão do caso julgado a terceiros funda-se em razão da identidade da qualidade jurídica entre a parte e o terceiro, em razão de substituição processual, ou nos casos de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objecto apreciado, ou na oponibilidade resultante do registo (Cf. Teixeira de Sousa, Estudos…, cit., pág. 594 e seg.).
Assim, a extensão do caso julgado a terceiros em razão da identidade jurídica dá-se em relação a todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam ser equiparados às partes.
A extensão, a terceiros, do caso julgado, em razão da substituição processual, opera quando no processo intervém o substituto processual: o caso julgado abrange a parte substituída.
A extensão do âmbito subjectivo do caso julgado também opera quando o objecto apreciado for prejudicial relativamente a uma situação jurídica de um terceiro.
Através do registo da acção obtém-se a oponibilidade do caso julgado a terceiros que hajam adquirido ou constituído um direito incompatível com o reconhecimento da decisão transitada.
Ora, a sentença de revisão da escritura de união estável produz na ordem jurídica portuguesa efeito de caso julgado apenas e restritivamente entre as respectivas partes (no caso os requerentes). É a essa finalidade que se destina a revisão de sentença estrangeira ou de acto jurídico equiparado.
A obtenção dessa eficácia, inter partes, na ordem jurídica portuguesa, dos efeitos jurídicos resultantes da escritura de união estável, não seria extensiva a outras partes/terceiros, nem por via do mecanismo da eficácia reflexa nem do efeito da extensão do caso julgado, designadamente em relação ao Estado português. Isto porque o Estado português não é parte na acção de revisão de sentença nem, em relação a ele, se verifica uma situação de identidade da qualidade jurídica, ou situação de substituição processual,ou de prejudicialidade, ou sequer de oponibilidade resultante de registo.
De resto, a intervenção do Ministério Público nas acções especiais de revisão de sentença estrangeira não muda esta afirmação de não ser o Estado Português parte principal nas acções de revisão de sentença estrangeira. Na verdade essa intervenção processual do Ministério Público faz-se como parte acessória, nos termos gerais do artº 325º do CPC e decorre expressamente do artº 985º nº 2 do CPC, conferindo-lhe, exclusivamente, legitimidade para recorrer das decisões de confirmação nos casos previstos nas alíneas c), e) e f) do artº 980º do CPC. Ou seja, o Ministério Público apenas poderá recorrer das decisões em que se considere terem sido incorrectamente aplicados os requisitos de confirmação da competência internacional do tribunal de origem, da garantia dos direitos de defesa do réu e da conformidade da decisão com a ordem pública internacional portuguesa (Cf. João Gomes de Almeida, Revisão de sentenças estrangeiras, Processos Especiais, vol. I, AAVV, coordenação de Rui Pinto/Ana Alves Leal, AAFDL, 2020, pág. 341).

Por outro lado, em termos subjectivos, rectius, quanto às partes respectivas, aquela prévia acção declarativa de reconhecimento da vivência em situação de efectiva união de facto para efeitos do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade, terá como sujeito passivo/réu, o Estado Português, representado pelo Ministério Público e não qualquer outro réu.
Ora não se produzindo, em relação ao Estado Português, eficácia de caso julgado na acção de revisão de escritura de união estável,não poderiam as partes, desta acção, usar a decisão de revisão da escritura de união estável para os fins de obtenção de nacionalidade portuguesa por banda da requerente mulher.
Daqui decorre que a sentença que viesse a deferir a pretendida revisão da escritura de união estável entre os requerentes não os dispensava de terem de instaurar nos tribunais cíveis (de 1ª instância) acção declarativa para reconhecimento de vivência em união de facto há mais de três anos, como vimos que exige o artº 3º nº 3 da Lei da nacionalidade.
Salientando-se ainda, conforme se decidiu no acórdão desta Relação, de 25/10/2018 – relatado pelo ora relator - que “…as normas de competência interna dos tribunais portugueses solucionam a questão e, a essa luz, resta concluir que o tribunal cível de Lisboa é competente para julgar uma acção instaurada contra o Estado Português, destinada a reconhecer que os autores, um português e uma brasileira, ambos residentes no Brasil, vivem em união de facto, com vista a autora mulher requerer, com base nessa sentença, a atribuição de nacionalidade portuguesa, nos termos do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade.”.
    
Portanto, a esta luz, pode concluir-se que a sentença de revisão de escritura de união estável não substitui a acção declarativa, necessariamente a instaurar no tribunal cível de 1ª instância, contra o Estado Português, prevista no artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade, com vista à obtenção do reconhecimento de vivência em união de facto há mais de três anos.

Terceira razão: a desnecessidade de instauração de acção de revisão de sentença para os fins do artº 3º nº 3 da Lei 37/81.
O artº 978º nº 2 do CPC esclarece que não é necessária revisão para que a sentença estrangeira possa ser invoca como meio de prova sujeito à apreciação do juiz (sobre a questão, veja-se, entre outros, Alberto do Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 150 e segs; ver ainda o Assento do STJ, de 16/12/1988, DR nº 50/89, Série I, de 01/03/1989).
Afigura-se-nos que este preceito constitui uma manifestação do interesse em agir, enquanto pressuposto processual, nas acções de revisão de sentença (ou acto equiparado).
Na verdade, é de atribuir à sentença estrangeira o valor probatório reconhecido a outros documentos autênticos passados em país estrangeiro como decorre da conjugação do artº 365º nº 1 e artº 371º nº 1 do CC: os documentos autênticos passados em país estrangeiro fazem prova plena dos actos que neles se referem como praticados por autoridade pública, assim como dos factos neles atestados com base nas percepções da entidade documentadora; ao passo que os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador. Assim, a sentença estrangeira constitui prova plena dos testemunhos e documentos que refere, mas as conclusões que daí se retira não se impõem ao tribunal português (Cf. Luís de Lima Pinheiro, Reconhecimento de Decisões…,cit., pág. 188).
Conforme referem Abrantes Geraldes et alii (CPC anotado, vol. II, na anotação 14 ao artº 978º do CPC) “…é de atribuir à sentença estrangeira eficácia na ordem jurídica nacional (…) Ponto é que se verifique relativamente ao pedido de revisão interesse em agir revelado pelas vantagens que a revisão de sentença possa determinar para o requerente ou requerentes e que não possam ser alcançadas com a mesma segurança por outra via.”
Pois bem, como se viu, a sentença de revisão de escritura de união estável não substitui a acção declarativa de vivência em união de facto a instaurar nos tribunais cíveis contra o Estado Português para os efeitos do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade. Além disso, a sentença de revisão que viesse a reconhecer a escritura de união estável não teria eficácia de caso julgado em relação ao Estado Português, não produzindo, por isso, os mesmos efeitos da acção de declaração de união de facto, por mais de três anos, exigidos por aquele artº 3º nº 3 da mencionada Lei da Nacionalidade. Finalmente, conforme decorre do artº 978º nº 2 do CPC, os requerentes se pretendem aproveitar dessa escritura de união estável que celebraram no Brasil, podem usá-la na acção a instaurar para a finalidade do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade nos termos dos artºs 365º nº 1 e 371º nº 1 do CC.

Enfim, a esta luz resta concluir que os requerentes não carecem de instaurar esta acção de reconhecimento de escritura de união estável para efeitos do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade.
O mesmo é dizer que os requerentes não têm interesse em agir.
Ora, o interesse em agir ou interesse processual é um pressuposto processual que consiste na necessidade de tutela judiciária ou jurisdicional para um determinado direito subjectivo ou situação jurídica; ou seja, a necessidade de o titular utilizar o processo judicial para ver afirmada, reconhecida ou satisfeita a tutela jurídica inerente ao seu direito ou interesse juridicamente protegido.
Como é sabido, este pressuposto processual, interesse em agir, tem um duplo fundamento:
a)-Um, de interesse público, como instrumento de economia da função jurisdicional, visando circunscrever a actividade dos tribunais a uma intervenção útil na solução dos conflitos de interesses;
b)-Outro, de interesse privado, evitar à contraparte o gravame e a perturbação que emerge da demanda.
Percebido em que consiste o interesse em agir e quais os seus fundamento, é fácil compreender que impõe algumas restrições ao exercício do direito à jurisdição ou da garantia de acesso aos tribunais, dado que condiciona o recurso aos tribunais à efectiva necessidade de tutela judicial e à inexistência de qualquer outro meio, processual ou extraprocessual, para obter a realização do direito subjectivo alegado pelo autor.
A sua justificação prende-se com razões de economia: este pressuposto visa evitar que sejam impostos custos ao demandado e aos tribunais numa situação em que não se fundamenta o recurso aos órgãos jurisdicionais (Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, 1989, AAFDL, pág. 5).
No que toca à aferição do interesse em agir, aprecia-se numa dupla vertente:
a)- Necessidade de tutela judicial;
b)- Adequação do meio judicial.
Assim, a necessidade de tutela judicial é aferida objectivamente perante o direito subjectivo alegado pelo autor: o autor tem interesse em agir se da situação descrita resulta que necessita da tutela judicial para realizar ou impor o seu direito (Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 10).
Além da necessidade de tutela judicial, o interesse em agir também exige que a acção instaurada seja o meio judicial mais rápido, económico e adequado para obter essa tutela. Isto significa que a parte não tem interesse em agir quando pode obter o mesmo resultado visado com a propositura de acção ou exercício da sua defesa através de um outro meio processual ou extraprocessual (A. e ob. cit., pág. 11).

No caso em apreço, repete-se o que já se concluiu: a sentença de revisão de escritura de união estável não substitui a acção declarativa de vivência em união de facto a instaurar nos tribunais cíveis para os efeitos do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade. Além disso, a sentença de revisão que viesse a reconhecer a escritura de união estável não teria eficácia de caso julgado em relação ao Estado Português, não produzindo os efeitos de declaração de união de facto por mais de três anos para efeitos daquele artº 3º nº 3 da mencionada Lei da Nacionalidade. E finalmente, conforme decorre do artº 978º nº 2 do CPC, os requerentes se pretendem aproveitar dessa escritura de união estável que celebraram no Brasil, podem usá-la na acção a instaurar para a finalidade do artº 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade nos termos dos artºs 365º nº 1 e 371º nº 1 do CC.

Em suma, os requerentes não têm interesse em agir nesta acção de revisão e confirmação de escritura de união estável que celebraram no Brasil.

É pacífico que a falta de interesse em agir consubstancia uma excepção dilatória inominada que, procedendo, leva à impossibilidade da apreciação do mérito da causa e, havendo réu, determina a respectiva absolvição da instância (artºs 278º nº 1, al. e), 576º nº 2 e 577º, proémio, do CPC).
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IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir dos requerentes e, consequentemente, abstêm-se de conhecer do mérito da acção de revisão de escritura de união estável.

Custas: pelos requerentes.

Valor da causa.
Em face do pedido deduzido, verifica-se estarmos perante uma acção relativa à definição de uma qualidade jurídica: se reveja e confirme a vivência dos requerentes em união de facto. Por conseguinte, trata-se de acção sobre interesses imateriais. Pelo que, de acordo com o artº 303º nº 1 do CPC, o valor da acção corresponde ao valor da alçada da Relação, acrescida de 0,01€ (actualmente, de 30 000€ - artº 44º nº 1 da Lei 62/2013, de 26/08).
Assim, fixa-se à acção o valor de 30 000,01€.



Lisboa, 17/12/2020


(Adeodato Brotas)
(Teresa Soares)
(Octávia Viegas)