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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ADMINISTRADOR
COIMA
Sumário
O art.º 551.º n.º 3 do CT não é inconstitucional ao estabelecer a responsabilidade solidária dos representantes legais das pessoas coletivas pelo pagamento das coimas em que estas forem condenadas pela prática de contraordenações laborais. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Recorrente: J…, Lda (arguida).
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.
1. A arguida veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho, proferida nos autos do processo de contraordenação n.º 311900004, de 08 de janeiro de 2020, que lhe aplicou a coima única de € 10 200 (dez mil e duzentos euros), pela prática de: uma contraordenação laboral grave, por violação do disposto no artigo 202.º do Código do Trabalho, uma contraordenação laboral muito grave, por violação ao disposto nos artigos 79.º n.º 1 e 171.º n.º 1, ambos da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro, e uma contraordenação laboral grave, por violação do disposto no artigo 29.º n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
Juntou documentos e arrolou uma testemunha.
O recurso foi recebido e por se considerar possível decidir as questões invocadas na impugnação judicial por simples despacho, foi cumprido o disposto no artigo 39.º n.º 2 da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, tendo a arguida manifestado a sua oposição. Já depois de agendado o julgamento, veio a arguida prescindir da inquirição da testemunha que tinha oferecido, do mesmo passo declarando a sua adesão à possibilidade de decisão por despacho (relativamente à qual já o Ministério Público tinha manifestado nada ter a opor).
Em face do acordo das partes, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Por todo o exposto, considerando a impugnação apresentada improcedente, decide-se:
a) Manter a condenação da arguida Jardix, Lda, pela prática de uma contraordenação laboral grave, prevista e punida pelo artigo 202. n.ºs 1, 2 e 5 do Código do Trabalho, uma contraordenação laboral muito grave, prevista e punida pelos artigos 79.º n.º 1 e 171.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, e três contraordenações laborais graves, previstas e punidas pelos artigos 29.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, punidas nos termos do n.º 7 do referido artigo 29.º e do artigo 233.º do mesmo diploma legal;
b) Fixar as coimas parcelares em 15 UC para a primeira contraordenação grave, 90UC para a contraordenação muito grave e em € 450,00 para cada uma das restantes contraordenações graves; e
c) Fixar a coima única em que a arguida vai condenada em 100UC, ou seja, € 10 200 (dez mil e duzentos euros).
São solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima os gerentes da arguida J… e D… (cf. artigo 551.º n.º 3 do Código do Trabalho).
2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e apresentou as conclusões seguintes:
I. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, e o procedimento contraordenacional ser declarado nulo ou anulado e, consequentemente, absolvida a arguida, os responsáveis solidários e arquivados os autos.
Senão vejamos.
II. Entendeu a decisão recorrida, louvando-se em jurisprudência elencada no aresto em recurso (que por razões de economia processual não iremos aqui repetir), que não existe inconstitucionalidade material na norma ínsita no art.º 551.º/3 do Código do Trabalho.
Ora,
III. Para tanto, louvou-se a decisão recorrida em jurisprudência (citada no aresto em recurso), da qual entendeu não dever divergir.
Porém,
IV. S.M.O., as interpretações derivadas dessa jurisprudência ainda não constituem jurisprudência uniformizada, como existe ampla jurisprudência a defender entendimento contrário (citada no corpo das alegações de recurso).
V. Mais, a doutrina defendida pelos acórdãos citados pela decisão recorrida foi proferida em casos que surgem num contexto particular na vida societária portuguesa (sujeitos ao cumprimento dos acordos com os credores da União Europeia que permitiram o resgate nacional em 2011).
VI. E que não pode ter deixado de influenciar as decisões que vieram a ser proferidas pelo Tribunal Constitucional durante esse período – e que, por imperativos de interesse nacional, se afastaram dos princípios humanistas e liberais que presidiram à reforma da nossa Constituição.
VII. Cremos, pela nossa parte, que não só a composição do Tribunal Constitucional é diferente de então, como ainda a sociedade mudou bastante desde essa altura,
VIII. Mudanças essas que a teoria constitucional deve acompanhar e seguir de perto,
IX. Sendo que hoje é muito provável que os entendimentos do Tribunal Constitucional sobre a interpretação da mesma norma sejam diferentes de outrora.
X. E, de facto, a jurisprudência onde a decisão recorrida se louva para declarar improcedente o argumento expendido pelos recorrentes em sede de impugnação representa justamente uma corrente de pensamento que, crê-se, poderá já não existir nem ser maioritária.
XI. Crê-se, aliás, que a questão poderá igualmente ser objeto de entendimento diferente por parte deste Venerando Tribunal, atento o teor do Ac. TR de Évora de 20/3/2012 (proc. n.º 213/09.0TAETZ.E1, www.dgsi.pt).
XII. Com efeito,
XIII. Os princípios que presidem ao entendimento sufragado no acórdão suprarreferido (e aos demais supracitados pelos recorrentes) são diretamente aplicáveis à interpretação do n.º 3 do art.º 551.º do Código de Trabalho, não sendo de admitir a responsabilidade solidária ou subsidiária de terceiros com os arguidos efetivamente acusados da prática de uma contraordenação, seja a que título for – já que esse atribuição de solidariedade ou subsidiariedade constitui justamente uma transmissão proibida de responsabilidade penal.
XIV. Não podemos olvidar que o mecanismo proposto pelo n.º 3 do art.º 551.º do Código de Trabalho (como outros similares que vemos surgir na legislação sancionatória de mera ordenação social) cria um mecanismo insidioso que visa postergar a ponderação (e prova) da responsabilidade de determinados agentes na prática dos elementos típicos da norma sancionatória.
XV. S.M.O, basta pensar na situação em que as circunstâncias concretas que levaram uma pessoa coletiva a ser condenada em responsabilidade contraordenacional foram devidas à conduta de um funcionário, trabalhador ou colaborador, não tendo existido qualquer ordem, ou comissão, dos gerentes para com a mesma – não sendo estes, por isso, autores materiais da mesma.
XVI. Sendo a pessoa coletiva considerada a responsável por essa conduta (pela natureza jurídica da construção dos entes coletivos) e devendo por isso assumir essa as consequências dessa responsabilidade, já não poderá ser demonstrada a existência de qualquer responsabilidade dessas pessoas em particular – os gerentes – para esse efeito, sendo assim absolutamente injusto que, por mero efeito automático da lei, se lhes atribua as consequências (mesmo que por mera responsabilidade “civil”) de uma sanção para a qual não concorreram nem tiveram qualquer culpa concreta apurada nos autos.
XVII. Dir-se-á que a prevalecer este entendimento será sempre mais fácil para os representantes das pessoas coletivas “furtarem-se” à sua responsabilização pessoal em matéria de responsabilidade contraordenacional.
XVIII. Ora, S.M.O., não será seguramente culpa destes representantes que o legislador não haja ainda encontrado formas legais e constitucionais de obstar a tais “problemas”, nem podem os mesmos ser penalizados pelas vias mais “fáceis” agora intentadas por aquele – nem é de louvar que se procurem encontrar soluções “fáceis” para “auxiliar” as ações sancionatórias do Estado.
XIX. Mas, mais importante do que isso, os princípios liberais que presidiram à nossa Constituição e ordenam a nossa sociedade quiseram justamente que esse “desígnio”, ou essa “facilitação” da ação punitiva do Estado por via sancionatória fosse justamente mais difícil – protegendo o indivíduo e a sua esfera do direito fundamental à sua liberdade e segurança perante o poder coercivo do Estado.
XX. Assim, e por tudo o exposto,
XXI. Não pode a coima em que a arguida J… foi condenada ser imputada a título de responsabilidade solidária com os gerentes da sociedade (supra-identificados), e qualquer interpretação do n.º 3 do art.º 551.º em contrário é materialmente inconstitucional por violação do princípio da intransmissibilidade das penas.
XXII. Consequentemente,
XXIII. As infrações em causa não podem ser imputadas aos recorrentes a título de solidariedade, por a norma constante do art.º 551.º/3 do Código do Trabalho, e, ainda, a norma constante do art.º 20.º da Lei n.º 107/2009 (que é idêntica na sua teleologia) serem materialmente inconstitucionais por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, ínsito no art.º 30º/3 da Constituição – v. Ac. STJ de 28/5/2014, proc. nº 331/04, www.dgsi.pt; v. Ac. Trib. Constitucional nº 171/2014, de 18/2/2014, publicado no DR, 1ª Série, de 13/3/2014.
XXIV. Ao ter decidido em sentido contrário ao supra-exposto, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, interpretando a norma ínsita no n.º 3 do art.º 551.º do CT de forma materialmente inconstitucional, pelo que deve ser revogada.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, e, subsequentemente, revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais.
3. O Ministério Público respondeu e concluiu o seguinte:
1. O Tribunal decidiu que, tendo em consideração o disposto no artigo 551.º n.º 3, do Código do Trabalho, os gerentes da arguida “J…, Lda”, J… e D…, são solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima a cujo pagamento aquela arguida foi condenada tendo em consideração a prática de diversas contraordenações laborais.
2. Os recorrentes não se conformam com a referida decisão, pelo que vieram interpor recurso, visando que a mesma seja revogada e substituída por outra que considere que a coima em que a arguida “J…, Lda.” foi condenada não pode ser imputada aos gerentes da sociedade “por a norma constante do art.º 551.º/3 do Código do Trabalho, e, ainda, a norma constante do art.º 20.º da Lei n.º 107/2009 (que é idêntica na sua teleologia) serem materialmente inconstitucionais por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, ínsito no art.º 30.º/3 da Constituição”.
3. Sobre esta questão o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes, decidindo não julgar inconstitucional a aludida norma (cf., entre outros, os acórdãos n.ºs 180/2014, 201/2014, 207/2014, 321/2014, 395/2014 e 691/2016).
4. No n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho não está em causa a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou diretores, mas apenas a sua responsabilidade solidária.
5. Por isso, ao decidir que os gerentes da arguida “J…, Lda” eram responsáveis solidários pelo pagamento da coima a cujo pagamento aquela arguida foi condenada, o Tribunal não concluiu que existiu colaboração dolosa dos gerentes na prática das diversas contraordenações em que a sociedade “J…, Lda” foi condenada.
6. Não se verifica, assim, nenhuma violação do princípio da intransmissibilidade das penas, previsto no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição.
7. A solidariedade da responsabilidade refere-se apenas ao pagamento da quantia monetária em concreto relativa ao valor da coima aplicada à sociedade condenada pela prática das contraordenações, não implicando qualquer outra consequência para os obrigados solidários, designadamente de natureza sancionatória.
8. Ou seja, trata-se de uma solidariedade patrimonial, restringida ao pagamento da quantia monetária fixada na coima, e não de uma comunicabilidade da responsabilidade contraordenacional pela prática da infração.
9. Com este entendimento e com decisões no sentido de não julgar inconstitucional o disposto no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, são conhecidas diversas decisões jurisprudenciais, de que se destacam o acórdão da Relação de Guimarães de 24/10/2019 (processo n.º 2160/19.8T8VNF.G1, relatora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso), o acórdão da Relação do Porto de 10.07.2019 (processo n.º 3405/18.7T8PNF.P1, relatora Rita Romeira) e os acórdãos da Relação de Évora de 22/11/2017 (processo n.º 3232/16.6T8FAR.E1, relator João Nunes), de 16/04/2015 (processo n.º 24/14.0T8EVR.E1, relator Alexandre Baptista Coelho) e de 23-10-2014 (processo n.º 586/13.0TTSTB.E1V-A, relatora Paula do Paço).
10. Assim, ponderando a abundante jurisprudência, maxime do Tribunal Constitucional, no sentido de não julgar inconstitucional o n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, entendemos que também na situação dos autos se deve concluir no mesmo sentido.
11. Consequentemente, entendemos que não assiste razão à recorrente, pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura.
Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a douta sentença, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
4. O Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer onde conclui que a decisão recorrida deve ser mantida.
O parecer foi notificado e não obteve resposta.
5. O recurso foi admitido pelo relator.
6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.
7. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Questão a resolver: apurar se os gerentes da arguida devem ser responsabilizados pelo pagamento da coima.
Note-se que está apenas em apreciação a responsabilidade relativa à contraordenação prevista nos art.ºs 79.º n.º 1 e 171.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, única matéria em recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. A arguida é legalmente representada por J…, contribuinte fiscal n.º …, e D…, contribuinte fiscal n.º …, ambos residentes na … Portimão.
2. A arguida J…, Lda prossegue a atividade de plantação e manutenção de jardins (CAE …), com sede no …, Portimão, desde 2010.
3. No dia 30.08.2018, no local de trabalho sito na Rua …, em Portimão, a arguida tinha, a prestar trabalho, sob as suas ordens e direção, os trabalhadores:
a) S…, natural do Brasil, com passaporte …, nascido em 08.01.1957, admitido em 02.05.2018, com a categoria profissional de servente e com a remuneração mensal de € 700;
b) J…, natural de Cabo Verde, nascido em 26.09.1966, com título de residência …, contribuinte fiscal n.º …, admitido em 01.08.2018; e
c) Da…, de nacionalidade portuguesa, nascido em 27.05.2000, com cartão de cidadão n.º … admitido em 01.05.2018, com uma remuneração de € 30/dia.
4. Naquela data, a inspetora autuante solicitou aos referidos trabalhadores e ao sócio gerente da arguida, o registo dos tempos de trabalho, relativamente àqueles três trabalhadores, mas não foi apresentado qualquer documento.
5. A arguida foi notificada, naquela data, para apresentar documentação, no dia 03.09.2018, pelas 16h30, na pessoa do Sr. J…, na qualidade de sócio gerente, de entre a qual o registo do n.º de horas prestadas pelos trabalhadores, por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho, desde maio.
6. O referido sócio gerente foi pela inspetora informado das suas obrigações legais, tendo disso ficado ciente.
7. No dia 03.09.2018, a inspetora autuante rececionou, via correio eletrónico, vária documentação, não tendo sido apresentado comprovativo relativo ao registo do n.º de horas prestadas pelos trabalhadores, por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho desde maio.
8. Apesar de ter requerido a concessão de novo prazo para a apresentação de documentos, a arguida nada entregou, não tendo apresentado qualquer justificação para o efeito – apesar de ter sido novamente notificada em 17.09.2018, 21.09.2018 e 23.10.2018.
9. No dia 30.08.2018, não existia no local de trabalho, nem foi disponibilizado para consulta imediata pela inspetora autuante, o registo dos tempos de trabalho com indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele se compreendem, do dia em curso, nem o registo dos tempos de trabalho referentes à semana anterior ou qualquer outro registo dos tempos de trabalho daquele mês relativamente aos três trabalhadores identificados.
10. A inexistência do registo dos tempos de trabalho dos três trabalhadores, naquele local de trabalho, impediu a inspetora de comprovar, de forma imediata e cabal o cumprimento pelo empregador das suas obrigações em diversas matérias no domínio das relações de trabalho, nomeadamente, na matéria da organização dos tempos de trabalho e, consequentemente, prejudicou na forma e no tempo a ação que se pretendia desenvolver.
11. A arguida omitiu um dever objetivo de cuidado e diligência adequados, no sentido de evitar a produção daquele resultado, não procedendo com o cuidado a que, de acordo com as circunstâncias, está obrigada e de que é capaz.
[processo nº 311900004]
12. A arguida foi notificada, na referida visita inspetiva, para apresentar documentação, no dia 03.09.2018, pelas 16h30, na pessoa do Sr. J…, na qualidade de sócio gerente, de entre a qual o comprovativo das transferência da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho para entidade legalmente autorizada a registar este seguro (apólice de acidentes de trabalho), último recibo pago e declaração de retribuições à seguradora onde constasse o nome e retribuição dos trabalhadores.
13. O referido sócio gerente foi pela inspetora informado das suas obrigações legais, tendo disso ficado ciente.
14. No dia 03.09.2018, a inspetora autuante rececionou, via correio eletrónico, vária documentação, tendo sido apresentado recibo de prémio de apólice de acidentes de trabalho (referente à apólice nº 202786698), datado de 18.05.2018, identificando o período do recibo de 24.07.2018 a 23.01.2019, sem que tivesse apresentado apólice de acidentes de trabalho e declaração de retribuições à seguradora onde constasse o nome e retribuição dos trabalhadores.
15. Os trabalhadores S… e Da… foram admitidos e prestaram trabalho para a arguida em data anterior à que consta no recibo de prémio da apólice de seguro de acidentes de trabalho.
16. Apesar de ter requerido a concessão de novo prazo para a apresentação de documentos, a arguida nada entregou, não tendo apresentado qualquer justificação para o efeito – apesar de ter sido novamente notificada em 17.09.2018, 21.09.2018 e 23.10.2018.
17. A arguida, desde as datas de admissão dos trabalhadores atrás identificados até 15.11.2018, não providenciou a transferência da responsabilidade civil pela reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho relativamente aos trabalhadores identificados, para entidade legalmente autorizada a realizar esse seguro.
[processo nº 311900005]
18. A arguida foi notificada, na referida visita inspetiva, para apresentar documentação, no dia 03.09.2018, pelas 16h30, na pessoa do Sr. J…, na qualidade de sócio gerente, de entre a qual a comunicação da admissão de trabalhadores à Segurança Social e declaração de remunerações à Segurança Social desde maio.
19. O referido sócio gerente foi pela inspetora informado das suas obrigações legais, tendo disso ficado ciente.
20. No dia 03.09.2018, a inspetora autuante rececionou, via correio eletrónico, vária documentação, não tendo, contudo, sido apresentado comprovativo da comunicação da admissão dos trabalhadores na Segurança Social.
21. Apesar de ter requerido a concessão de novo prazo para a apresentação de documentos, a arguida nada entregou, não tendo apresentado qualquer justificação para o efeito – apesar de ter sido novamente notificada em 17.09.2018, 21.09.2018 e 23.10.2018.
22. Na base de dados da segurança social, no histórico de qualificações/vínculos contratuais de cada um dos supra identificados trabalhadores, foi verificado que:
- S…, totalmente não declarado;
- J… (NISS …), foi comunicada a sua admissão como trabalhador da arguida em 30.08.2018 (data da visita inspetiva), com início de qualificação em 01.08.2018;
- Da… (NISS …), foi comunicada a sua admissão como trabalhador da arguida em 03.09.2018 (após a visita inspetiva), com início de qualificação em 01.05.2018.
23. A arguida não havia comunicado a admissão dos três trabalhadores referidos à Segurança Social, nas 24 horas que antecederam o início da prestação de trabalho, mesmo sabendo que estava obrigada a proceder a tal comunicação nesse prazo.
24. A arguida não agiu com a diligência que lhe era exigível, descurando a obrigação legal de comunicar a admissão de dois trabalhadores aos serviços competentes da Segurança Social no prazo legalmente definido e, em relação a um, não chegou a fazê-lo de todo.
Provou-se, também, que:
25. A arguida celebrou com a … Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio fixo, titulado pela apólice n.º 202786698, com início em 24.07.2014, tendo indicado como «Quadro de Pessoal Seguro», J… (gerente, com a retribuição anual de € 7 968) e G… (auxiliar de serviços gerais, com a retribuição anual de € 7 538).
B) APRECIAÇÃO
A única questão a resolver diz respeito a saber se os gerentes da arguida devem ser responsabilizados pelo pagamento da coima. A arguida conclui que o art.º 551.º n.º 3 do CT é inconstitucional, pelas razões que aponta, daí que os gerentes devam ser absolvidos.
O art.º 551.º n.º 3 do CT prescreve que se o infrator for pessoa coletiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respetivos administradores, gerentes ou diretores.
Esta matéria já foi profunda, repetida e abundantemente pensada e decida quer pelos tribunais da Relação, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional, conforme jurisprudência citada pelas partes e que aqui não vamos repetir por inutilidade.
A arguida e o Ministério Público, como patrocinador da autoridade administrativa, revelam profundo conhecimento da temática e das decisões que a jurisprudência dos tribunais que referimos tem proferido sobre a questão.
Citamos esta passagem do acórdão do Tribunal Constitucional, de 26.02.2014[1], que responde de forma clara e inequívoca à questão aqui em análise: “Ainda que tenha havido divergência jurisprudencial nas secções, o Tribunal Constitucional, em Plenário, acabou por firmar o entendimento segundo qual a responsabilidade dos gerentes ou administradores prevista naquelas disposições é uma responsabilidade civil por facto próprio, que não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade aquiliana, e relativamente à qual se torna inadequada a convocação de qualquer dos parâmetros contidos nos artigos 30.º e 32.º da Constituição. Tendo chegado a essa solução, ficou prejudicada a análise da violação do princípio da culpa e da proporcionalidade como parâmetros de constitucionalidade da norma em causa, que só se justificaria se houvesse que apurar se os limites e o tipo de sanção imposta por via da regra do artigo 8.º n.º 7, do RGIT se mostravam conformes com os princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade e da adequação. O caso dos autos não se reconduz a nenhuma dessas outras situações analisadas na anterior jurisprudência. Por um lado, não está em causa uma responsabilidade subsidiária, mas uma responsabilidade solidária; por outro lado, a responsabilidade solidária não está associada à colaboração dolosa do gerente na prática da infração, mas resulta diretamente da prática da infração imputável à pessoa coletiva; e, além disso, a responsabilidade solidária prevista no n.º 3 do artigo 551º do Código do Trabalho opera apenas no domínio das contraordenações, e não já também no âmbito das infrações de natureza penal, como ocorre em relação à norma do artigo 8.º n.º 7, do RGIT. Não se verificando a possibilidade de o gerente ser punido a título individual em cumulação com a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da coima, não é invocável, no caso, o princípio ne bis in idem, pelo que a questão que, num primeiro momento, cabe dilucidar é a de saber se a responsabilidade solidária do gerente pelo pagamento de coimas aplicadas à pessoa coletiva, em matéria contraordenacional, viola o princípio da não transmissibilidade das sanções como princípio constitucional extraível do disposto no artigo 30.º n.º 3, que comina a insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade penal. Quanto a este ponto, importa antes de mais ter em consideração que as diferenças existentes entre o ilícito de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social impede que se possa efetuar uma estrita transposição das normas e princípios constitucionais em matéria penal para o domínio do direito contraordenacional. Como começou por se afirmar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 231/79, de 24 de julho, que introduziu o ilícito de mera ordenação social na ordem jurídica portuguesa, «hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação “é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são diretamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal” [...]. Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão preventiva ou sancionatória, nem sequer a pena de multa ou qualquer outra que pressuponha a expiação da censura ético pessoal que aqui não intervém. A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridade administrativa, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade». Por outro lado, o que está em causa, na previsão do n.º 3 do artigo 551º do Código do Trabalho, é a solidariedade quanto ao pagamento da coima e não a solidariedade quanto à infração, o que revela que se pretende apenas instituir uma garantia de satisfação da sanção pecuniária contra os riscos inerentes ao próprio funcionamento das pessoas coletivas (João Soares Ribeiro, Análise do Novo Regime Geral das Contraordenações Laborais, Questões Laborais, Ano VII, 2000, pág. 20). Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das coimas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu próprio a satisfação do crédito. O recurso a um princípio civilístico de solidariedade passiva, para esse efeito – que nunca poderia justificar a transferência de uma responsabilidade penal -, não deixa de ser uma medida compreensível no plano de política legislativa e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção contraordenacional. Funciona aqui uma garantia patrimonial que é exigível ao administrador ou gerente em função da sua qualidade de representante legal da pessoa coletiva e em atenção à sua ligação física e funcional à atividade empresarial que é suscetível de envolver a prática de infrações contraordenacionais (neste sentido, João Soares Ribeiro, Contraordenações Laborais. Regime Jurídico Anotado, 3ª edição Coimbra, págs. 335-336). De facto, a autonomia do ilícito de mera ordenação social em relação ao direito penal reflete-se também na natureza da coima, que é uma sanção exclusivamente patrimonial e que se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, e que se não liga à personalidade do agente, o que também explica que não sejam, no caso, invocáveis, como parâmetros de constitucionalidade, os princípios da culpa e da proporcionalidade da sanção”.
Sufragamos o acabado de transcrever.
A arguida não apresenta argumentos novos em relação aos que foram escrutinados até aqui pelo Tribunal Constitucional e demais tribunais superiores.
Alega que entretanto podem ter mudado os juízes e consequentemente estes podem mudar a jurisprudência.
Salvo o devido respeito, este não é um argumento válido. O que importa averiguar é se ocorreu entretanto uma alteração das circunstâncias que justifique uma ponderação diferente e um resultado também diferente. A arguida não apresenta qualquer facto, argumento ou razão nova que justifique a alteração da jurisprudência referida.
As pessoas coletivas distinguem-se das pessoas singulares pela sua imaterialidade. Enquanto estas têm um corpo físico, as pessoas coletivas são entidades fictícias, criadas pelo direito para melhor servir a sociedade. As pessoas coletivas agem através da vontade e inteligência dos seus representantes legais, os quais são responsáveis pelo seu giro. As decisões são tomadas pelos representantes legais e estes devem agir de forma normalmente ponderada e de acordo com o Direito.
Quando a pessoa coletiva comete uma infração, esta deve-se à errada decisão do(s) seu(s) representante(s) legal(is). Daí que o legislador responsabilize os administradores, gerentes e diretores das pessoas coletivas pelo pagamento das coimas em que esta for condenada.
Este é o fundamento. A responsabilidade solidária como garantia de pagamento em caso de insolvência da arguida é já uma consequência posterior à causa da responsabilização, também justificada.
Nestes termos, existe fundamento substancial para a responsabilização dos representantes legais das pessoas coletivas pelo pagamento solidário das coimas.
Pelo exposto, decidimos manter a jurisprudência até aqui firmada pelo Tribunal Constitucional e demais tribunais superiores e concluir que o art.º 551.º n.º 3 do CT não padece de inconstitucionalidade, como pretende a arguida.
Nesta conformidade, julgamos o recurso improcedente e confirmamos a sentença recorrida.
III - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela arguida.
Notifique e comunique à ACT.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 03 de dezembro de 2020.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
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[1] Ac. TC n.º 180/2014, de 26.02.2014, www.tribunalconstitucional.pt.