REENVIO
COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário


1 - Da interpretação conjugada dos artigos 426º-A e 40º, al. c), do CPP, decorre que quando haja sido decretado o reenvio, total ou parcial, do processo, para novo julgamento, a competência para a realização deste cabe ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40º, ou seja, dos impedimentos previstos neste normativo, entre os quais, o da al. c), estando impedido de intervir no novo julgamento o juiz que participou no julgamento anterior.
2 - No caso de se verificar esta última situação e de não existindo naquele tribunal outro(s) juiz(juízes) que possa(m) intervir no novo julgamento, então será competente para a realização deste, o tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida. E, se, na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, é competente para o novo julgamento o tribunal que resultar da distribuição.
3 - A violação das regras da competência previstas no artigo 426º-A do CPP constitui uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119º, al. a), do CPP.

Texto Integral




Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 - RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum n.º 112/14.3TAVNO, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Ourém, foram submetidos a julgamento, com a intervenção do tribunal singular, os arguidos (...), Ld.ª, (…), (…) e (…) [tendo havido lugar à separação de processos, relativamente ao arguido (…), também acusado nos autos], todos melhor identificados nos autos, acusados da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de encerramento ilícito de estabelecimento sem cumprir os normativos legais, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 313º, n.º 1, alínea f), ambos da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e a arguida sociedade por referência ao artigo 546º do mesmo diploma legal.
1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 11/07/2018, com o seguinte dispositivo:
«(…), julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência:
a) condeno o arguido (...), pela prática de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelos artigos 316º, nº. 1, do Código de Trabalho, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 500,00 (quinhentos euros);
b) condeno o arguido (...), pela prática de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelos artigos 316º, nº. 1, do Código de Trabalho, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 630,00 (seiscentos e trinta euros);
c) condeno a sociedade (...), Ldª., pelo mesmo tipo legal de crime, com referência ao artigo 11.º do C.P., na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros), num total de € 15.000,00 (quinze mil euros), substituída por caução de boa conduta, no valor de 2.000,00€, pelo prazo de um ano, nos termos do artigo 90.º-D, do C.P.;
d) Absolvo a arguida (...) do crime pelo qual se encontrava acusada.
e) Absolvo dos arguidos do crime de encerramento ilícito agravado, p. e p. pelo artigo 316.º, n.º 2, do C.T.
f) condena-se os arguidos (...) e (...) por custas criminais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida por cada um deles, tendo em conta a complexidade da causa (artigos 513º do Código de Processo Penal (C.P.P.) e artigo 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.).
(…).»
1.3. Inconformados, recorreram os arguidos (…) para este Tribunal da Relação, que proferiu acórdão, em 07/05/2019, decidindo, conceder parcial provimento ao recurso, julgando verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria factual provada (artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP), ordenando o reenvio do processo para novo julgamento (artigos 426º, n.º 1 e 426º-A, n.ºs 1 e 2, do CPP), parcial, restrito ao objeto delimitado [para que fosse emitido juízo probatório sobre os factos alegados nos pontos 5 a 10 da acusação pública], e subsequente prolação de nova sentença, em conformidade.
1.4. Baixados os autos à 1.ª instância, a Exm.ª Sr.ª Juiz atualmente colocada no Juízo Local Criminal de Ourém, proferiu despacho, em 12/09/2019, sob a Ref.ª 81904423, no qual decidiu que tendo sido ordenado por este Tribunal da Relação, novo julgamento apenas parcial, deveria «ser a mesma Mm.ª Juiz que lavrou a sentença e realizou o julgamento a sanar o apontado vício», sendo os autos remetidos e conclusos para que designasse data para julgamento.
1.5. Na decorrência do decidido em 1.4., a Exm.ª Sr.ª Juiz que realizou o julgamento anterior, tendo em vista o cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, supra referido em 1.3., designou data para a audiência de julgamento, a qual teve lugar, tendo, a final, sido proferida nova sentença, em 10/12/2019, depositada nessa mesma data, na qual a Sr.ª Juiz emitiu juízo probatório sobre os factos alegados nos pontos 5 a 10 da acusação pública, mantendo a condenação dos arguidos (...) e (...), nos termos anteriormente decididos.
1.6. Inconformados com a nova sentença, os arguidos (...) e (...) dela interpuseram recurso para esta Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«1. O Ministério Público deduziu acusação contra os Arguidos ora recorrentes e ainda contra os arguidos (...), Lda, (…) e (…), imputando-lhe factos susceptíveis de integrar a prática, em co-autoria material, na forma consumada, de: - um crime de encerramento de estabelecimento sem cumprir os normativos legais, p. e p. pelo art.º 316º, n.º 1 e 2, na forma agravada, por referência ao art.º 313º, n.º 1, al. f), ambos da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.
2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu sentença, pela qual decidiu julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
a) Condenar o arguido (...), pela prática de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 1, do Código de Trabalho, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 500,00 (quinhentos euros);
b) Condenar o arguido (...), pela prática de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 1, do Código de Trabalho, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 630,00 (seiscentos e trinta euros);
c) Condenar a sociedade (...), Lda, pelo mesmo tipo legal de crime, com referência ao artigo 11º do C.P., na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros), num total de € 15.000,00 (quinze mil euros), substituída por caução de boa conduta, no valor de 2.000,00€, pelo prazo de um ano, nos termos do artigo 90.º-D, do C.P.;
d) Absolver a arguida (...) do crime pelo qual se encontrava acusada;
e) Absolver os arguidos do crime de encerramento ilícito agravado, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 2, do C.T.;
f) Condenar os arguidos (...) e (...) por custas criminais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida por cada um deles, tendo em conta a complexidade da causa (artigo 513.º do Código de Processo Penal (C.P.P.) e artigo 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.)
3. Os ora recorrentes não se conformaram com a primeira decisão singular proferida nestes autos pelo Tribunal a quo, pelo que dela vieram, em tempo, recorrer.
4. Cumpridas as formalidades legais, foi, por este Tribunal da Relação, proferido Acórdão que julgou procedente a omissão de pronúncia invocada, concedendo provimento ao recurso e ordenando o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito ao objecto delimitado, ou seja, para que fosse emitido pelo Tribunal a quo juízo probatório sobre os pontos de facto 5 a 10 alegados na acusação.
5. Realizado o novo julgamento, apenas parcial, quanto aos factos 5 a 10 alegados na acusação, foi proferida “nova” sentença pelo Tribunal a quo, que, para além de fazer constar dos factos provados todos os factos 5 a 10 alegados na acusação e acrescentar um facto não provado, o 2 dos factos não provados, mantém, in totum, todo o demais teor da anterior decisão singular proferida, sem qualquer alteração, nomeadamente, sem qualquer aditamento ao já constante da motivação, nem ao já constante da subsunção jurídica dos factos, mantendo assim inalterada a decisão proferida anteriormente.
6. Razão pela qual, os arguidos ora recorrentes não se conformam com a decisão ora proferida pelo Tribunal a quo, pelo que dela vêm, novamente, recorrer.
7. É exigido para o preenchimento do crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 1 do Código de Trabalho, no que concerne ao tipo objectivo, a verificação cumulativa de: (i) encerramento definitivo de uma empresa ou estabelecimento; (ii) a omissão do dever de o empregador iniciar os legais procedimentos com vista à cessação do contrato de trabalho através do despedimento colectivo (tratando-se de microempresa, comunicação do encerramento a cada trabalhador, nos termos do disposto nos arts. 346.º, n.º 4, e 363.º, n.ºs 1 e 2, do referido compêndio legislativo), ou, na falta dele, das comunicações previstas no n.º 3 do artigo 311.º, ainda do mesmo Código); (iii) a falta de constituição da garantida de caução, conforme previsão do art. 312.º do CT.
8. Pelo que, para fundamentar a decisão condenatória se exigiria que da matéria de facto provada na sentença proferida pelo Tribunal a quo constasse que:
- o encerramento da empresa ou estabelecimento é definitivo. A tratar-se de estabelecimento(s), conste que o(s) estabelecimento(s) encerrado(s) constitua(m) encerramento definitivo da actividade da sociedade comercial;
- houve omissão do dever de o empregador iniciar os legais procedimentos com vista à cessação do(s) contrato(s) de trabalho através de despedimento colectivo ou pela comunicação do encerramento a cada trabalhador, nos termos do disposto nos arts. 346.º, n.º 4, e 363.º, n.ºs 1 e 2, do referido compêndio legislativo. Para o que é necessário determinar como provado o número de trabalhadores que a entidade patronal empregou no ano anterior, por ser essencial e determinante para tipificar se a empregadora é ou não uma microempresa (nos termos do n.º 2 e 3 do art. 100º do C.T.), o que influi nos procedimentos a adoptar;
- não foi constituída garantia de caução, conforme previsto no art.º 312 do C.T.
9. Assim como se exigiria, para o preenchimento do crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo artigo 316º, n.º 1 do Código de Trabalho, no que concerne ao tipo subjectivo: o dolo – ou seja, o encerramento ilegal for efectuado por decisão da entidade patronal.
10. A consumação do crime de encerramento ilícito, sempre se terá que considerar no momento em que a empresa ou estabelecimento é encerrado definitivamente, ou seja, no momento em que o(s) trabalhador(es) ficam impossibilitados de exercer trabalho efectivo, pela paralisação da empresa ou estabelecimento e se tenham verificado ainda os demais requisitos cumulativos (todos os elementos do tipo objectivo do crime).
11. A responsabilidade criminal no crime de abuso de confiança fiscal, porque se trata de crime doloso, como se supra se referiu, apenas pode ser assacada a quem no momento da consumação do crime tenha o domínio funcional dos factos, para o que é determinante apurar quem naquele momento (o da consumação) tomou a decisão, a resolução criminosa.
12. Pois se se apura que um arguido não é sócio, nem gerente da sociedade, para o responsabilizar criminalmente sempre será necessário apurar e considerar provado que o arguido naquele momento (o da consumação) estava à frente dos destinos da sociedade empregadora (como gerente de facto) e que nessa qualidade participou em tal decisão ou dela tomou conhecimento, tendo-se com ela conformado, não a evitando e neste caso apurar se tinha meios (poderes) de a evitar.
13. Assim como, se se apura que a entidade empregadora para além do(s) gerente(s) de direito, tem também gerente(s) de facto, sempre será necessário apurar e considerar provado que o arguido que seja gerente de direito, estava naquele momento (o da consumação) à frente dos destinos da sociedade empregadora (como gerente de direito e de facto) e nessa qualidade participou em tal decisão ou dela tomou conhecimento, tendo-se com ela conformado, não a evitando e neste caso apurar se tinha meios (poderes) de a evitar.
14. Para comprovação do crime de encerramento ilegal, é indispensável que o Ministério Público (adiante apenas MP), em obediência ao Principio da Legalidade, do Acusatório, da Prova e do In Dubio Pro Reo, produza prova, em audiência de discussão e julgamento, que demonstre de forma inequívoca o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime.
15. O Tribunal a quo, na Sentença condenatória ora recorrida, considerou Provados, os Pontos 1 a 31.
16. O Tribunal a quo, na Sentença condenatória ora recorrida, fez constar na descrição da matéria de facto não provada que Não ficaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa, consignando-se que não foram tomados em conta considerações de direito, ou conclusivas, ou irrelevantes para a boa decisão da causa: 1 – (...) administrava a empresa de forma efectiva, assinando contratos de trabalho com os seus trabalhadores e gerindo o dia a dia da mesma. 2 – A arguida (...) participou nos factos referidos em 5 a 14”
(Itálico nosso).
17. Não se aceita, nem se compreende a matéria de facto dada como provada e não provada, bem como a motivação da sentença recorrida, conforme melhor se expõe na motivação deste recurso.
18. Assim como não se aceita, nem se compreende a subsunção jurídica dos factos realizada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
19. Após titânico esforço de interpretação, atenta a matéria de facto dada como provada, como não provada, a motivação e o dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se percebe, nem o raciocínio, nem a decisão que o Tribunal a quo proferiu (pela ausência de factos provados, não provados e de razão de ciência da razoabilidade e bom senso invocados) para condenar os arguidos ora recorrentes pelo crime de encerramento ilegal, nos termos do n.º 1 do Art.º 316º do C.T., existindo uma total ausência de factos provados e não provados para suportar a decisão proferida.
20. No que respeita aos elementos objectivos do tipo de crime, nomeadamente e a título de exemplo, para se considerarem preenchidos, exigia que se demonstrasse provado de que o tipo de empresa se tratava a arguida, se de microempresa ou não, para o que teria de constar dos factos provados o número de trabalhadores num determinado ano, pois os procedimentos legais exigidos para o encerramento dependem dessa qualificação, qualificação que o Tribunal a quo não faz.
21. No que respeita ao elemento subjectivo do tipo de crime, para se considerar preenchido, exigia que se demonstrasse provado que a conduta, em concreto, tiveram os arguidos (…) para o encerramento, ou seja, se demonstrasse provado que estes, no momento da consumação do crime, detinham o poder de facto necessário, o domínio funcional dos factos, que participaram na decisão de optar por tal conduta, devendo por isso serem responsabilizados, concretização que o Tribunal a quo não faz.
22. Pelo que, em nome da verdade material e em busca da composição de decisão justa, importa desde já afirmar que a decisão ora recorrida para além de consubstanciar na flagrante e descarada violação do Princípio geral do processo penal in dubio pro reo e consequentemente do Princípio Constitucional da presunção da inocência, assenta numa errada aplicação da Lei, numa errada valoração da prova e está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, por não tomar posição e elencar nos factos provados, ou nos não provados, alguns factos que foram trazidos ao conhecimento do tribunal, nomeadamente, alguns dos que constavam da acusação (5) a 10) do despacho de acusação) e ainda, por insuficiência da matéria de facto provada para suportar a decisão proferida, nulidades que desde já se invocam e requer sejam reconhecidas.
23. Quanto às NULIDADES, supra invocadas, porque melhor não diríamos, subscrevemos o sumário desse Tribunal da Relação (Évora), de 26-04-2016 (disponível em www.dgsi.pt - Proc. 371/14.1TATVR.E1).
24. Senão vejamos, A sentença proferida pelo Tribunal a quo, padece de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.
25. O Tribunal a quo fez constar da motivação da sentença em crise que é discutível quem exercia a gerência de facto da empresa “... uma vez que do referido documento – certidão permanente, de fls. 52 e ss. – constam como gerentes o arguido (...) e a arguida (...), mas se encontram acusados também os seus filhos (...) e (...) – sendo que, no caso apenas nos debruçaremos sobre a participação ou não do arguido (…), já que o arguido (…) teve o seu processo separado dos demais, por não se encontrar notificado.”
26. Tendo concluído que os arguidos (…) e (…) eram quem geria de facto a empresa e, por isso, os condenou pela prática do crime de que vinham acusados.
27. Consta da fundamentação que “Se atentarmos no depoimento das testemunhas inquiridas, verificamos uma tendência marcada para uma primeira resposta em que se declara que se entendia toda a família como “patrões”, para depois, mediante contra-inquirição, se corrigir para “patrão era só o Sr. (…).”
28. No entanto, “... entende o Tribunal que as testemunhas inquiridas, (...), mostraram uma tendência marcada para desculpar os arguidos, quer o arguido (...) quer o arguido (...), por existir um qualquer sentimento de lealdade para com estes, pelos anos em que com eles trabalharam, uma vez que se nota que trabalhavam ao lado dos trabalhadores, apenas orientando o trabalho quando necessário e que existia uma relação estreita com os mesmos.
29. Tendo o Tribunal a quo, inequivocamente concluído que Também se nota que aquele que os trabalhadores consideram mais culpado é (...), uma vez que todos entendem que as decisões com mais peso eram dele.
30. Resulta evidente da fundamentação da decisão que resultou demonstrado da prova produzida que os trabalhadores consideram que o culpado é (...), uma vez que todos entendem que as decisões com mais peso eram dele, como será necessariamente a decisão de encerrar a empresa.
31. Tal como resulta evidente da fundamentação da decisão que as testemunhas inquiridas têm uma tendência marcada para primeiramente declarar que entendiam “toda a família” como “patrões” e mediante contra-inquirição concretizavam que “patrão” era só o Sr. (...), monstrando uma tendência para desculpar os arguidos (...) e (...), uma vez que se nota que trabalhavam ao lado dos trabalhadores, orientando o trabalho quando necessário, existindo uma relação estreita com os mesmos.
32. No entanto, considera o Tribunal a quo resultar demonstrado provado que estes arguidos, (...) e (...), tomaram, necessariamente, parte da decisão de encerramento da empresa!?
33. Tratando-se uma decisão como esta, de encerramento da empresa, da decisão que maior peso se pode imaginar quanto ao destino de uma empresa e tendo resultado demonstrado da prova testemunhal produzida que as decisões de maior peso eram tomadas por (...), não se percebe o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo para proferir as decisão que proferiu, senão, poder assacar culpa as estes arguidos por se encontrarem presentes nos autos, atenta a separação de processos que se verificou quanto ao arguido (...).
34. Atente-se que o Tribunal a quo decide absolver a arguida (…) por entender que “... não existir qualquer razão para crer que a arguida estivesse a par das suas obrigações para com os trabalhadores em consequência do encerramento da empresa, apesar de se entender que teria necessariamente que saber que a empresa iria encerrar.”
35. No entanto, condena o arguido (...) não obstante ter resultado demonstrado que este arguido, não fosse filho do “patrão” ((...)), era um funcionário como os demais, dava instruções aos demais trabalhadores mas “... no sentido operacional.”, tal como sucedia com os chefes de turno, que atentas as funções que desempenhavam também davam ordens no sentido operacional, não tendo por isso qualquer responsabilidade nestes autos.
36. A gerência de facto determina-se por facto concretos, não por presunções desligadas de factos e meramente assentes em relações familiares.
37. A responsabilidade criminal pela prática de factos que atingem bens jurídicos protegidos pela Lei Penal, exige a concretização da conduta merecedora de censura criminal, não se permitindo a imputação de tal responsabilidade assente em presunções sem previsão legal, como é o caso de que um funcionário, por ser filho do patrão e por isso presumivelmente mais bem informado que os demais quanto à gestão da empresa, seja gerente de facto e presumível autor de actos de gestão.
38. Da matéria de facto provada resulta uma confusão quanto à identificação dos arguidos a quem se imputam os factos, confusão que já foi evidenciada no anterior recurso e por isso objecto de pronúncia por este Tribunal da Relação.
39. No Douto Acórdão proferido por este Tribunal da Relação é evidenciado que a referência a arguidos através do número por que surgem identificados, sem que seja indicado o respectivo nome, pode dar origem a confusões, entendendo-se resultar com clareza da sentença que o Tribunal a quo se está a reportar aos arguidos pessoas singulares e à ordem pela qual surgem identificados no relatório da sentença, porque na sentença foi trocada a ordem em que a sociedade arguida surgia identificada na acusação.
40. Sucede que, a ordem dos arguidos que foi trocada no relatório da sentença em relação à da acusação, não foi só a da sociedade arguida, tendo também sido alterada a ordem pela qual surgem agora identificados os arguidos (...) e (...).
41. Perante o que,
- Considerando que toda a matéria factual constante da acusação se refere aos arguidos pessoas singulares atendendo à ordem em que estes surgem identificados na própria acusação;
- Considerando que a matéria factual constante dos factos provados da sentença em crise surge descrita nos exactos termos e pela mesmíssima ordem em que o foi na acusação, vide, a título de exemplo, o facto 1) e 2) dos factos provados em comparação com o facto 1) e 2) da acusação;
- Considerando que para além da alteração da ordem em que surge identificada a sociedade arguida no relatório da sentença, também a ordem em que surgem identificados os arguidos (...) e (...) foi alterada;
- Considerando que é ao arguido (...) que os trabalhadores imputam as decisões com maior peso;
- Considerando que os trabalhadores imputam ao arguido (...) a emanação de ordens mais no sentido operacional;
- Considerando que inexiste qualquer prova de que o arguido (...) tivesse assinado qualquer contrato de trabalho com os trabalhadores, que gerisse a empresa no seu dia-a-dia, que administrasse a empresa;
- Considerando que apesar de se poder entender que o arguido (...), tal como a arguida (…), teria necessariamente que saber que a empresa iria encerrar, isso não lhe imputa responsabilidade criminal, tal como não imputou à arguida (…);
- Considerando que o Tribunal a quo manteve inalterada a ordem pela qual identificou os arguidos no relatório da sentença, bem como a forma como os identificou nos factos provados, não obstante conhecer a alegação efectuada pelos arguidos no seu recurso anterior quanto à confusão na identificação dos arguidos e, ao desaconselhamento desta forma de proceder feito constar pelo Tribunal da Relação no seu Douto Acórdão;
42. Permanecerá a dúvida se a imputação dos factos provados é dirigida aos arguidos (...) (a primeira pessoa singular da acusação e do relatório da sentença) e (...) (terceira pessoa singular da acusação e quarta pessoa singular do relatório da sentença) ou ao arguido (...) (quarta pessoa singular da acusação e terceira pessoal singular do relatório da sentença), atenta a imputação a este, pelos trabalhadores da empresa, de ser o autor das decisões de maior peso, como é o caso da decisão sub judice.
43. A decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser perfeitamente percepcionada e compreendida por quem dela conhecer, não se podendo deixar de realçar que referindo-se esta decisão a quatro pessoas singulares distintas, a referência a qualquer uma delas na decisão não deve oferecer quaisquer dúvidas acerca da identidade do arguido referenciado, tanto mais, nos factos considerados provados, por se tratar da base da decisão condenatória, assim permitindo que a decisão proferida seja perfeitamente inteligível por quem dela conhecer, sem necessidade de interpretações esforçadas, o que não se verifica in casu.
44. Razão pela qual, sempre se deverá entender que, não se tratando de mero lapso de escrita, sempre se deverá considerar tratar de lapso na decisão, atentos todos os supra referidos considerandos.
45. Evidenciado o erro na identificação dos arguidos, que não se considerando lapso de escrita devendo ler-se 3.º onde se lê 4.º na matéria de facto provada, sempre tal erro se deverá a erro na decisão, decisão que está ferida de nulidade, por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e os factos provados, insuficiência da matéria de facto provada para suportar a decisão proferida, omissão de pronúncia, tal como padece de erro notório na apreciação da prova, errada aplicação da Lei e violação do Princípio in dubio pro reo.
46. Senão Vejamos, do ponto 3 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: “Os 1.º, e 4.º arguidos administravam a empresa de forma efectiva, assinando contratos de trabalho com os seus trabalhadores e gerindo o dia a dia da mesma.” Da prova produzida nos autos o que resulta é que os arguidos (...) e (...) trabalhavam ao lados dos demais trabalhadores da empresa e que as decisões de maior peso, entenda-se por assim ter sido dito pelos trabalhadores, as não operacionais, as de gestão, eram tomadas pelo arguido (...), nada resulta quanto ao exercício da gerência de facto, pelo menos, pelo arguido (...), inexistindo qualquer prova no sentido de que este alguma vez tivesse assinado qualquer contrato de trabalho com os trabalhadores da empresa, que tivesse administrado a empresa de forma efectiva ou a tivesse gerido no seu dia-a-dia. É notória a errada apreciação da prova produzida, bem como é notória a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
47. Do ponto 5 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: “5 – Em data não concretamente apurada, mas que se situa no período de encerramento da empresa, os 1.º e 4.º arguidos decidiram encerrar definitivamente a sociedade arguida.” Da prova produzida nos autos nada resulta que permita imputar aos arguidos (...) e (...) a decisão de encerrar definitivamente a sociedade arguida, pois não obstante se poder entender que estes teriam que necessariamente ter conhecimento de tal decisão, não resulta demonstrado provado que tivessem sequer participado nessa decisão, que com ela se tivessem conformado, resultando do depoimento dos trabalhadores, que as decisões de maior peso eram tomadas pelo arguido (...). Não obstante resultar demonstrado provado que o arguido (...) teve conhecimento do encerramento, nada resulta no sentido de que este tivesse participado nessa decisão, inexistindo qualquer prova no sentido de que este alguma vez tivesse manifestado, sequer, essa vontade ou se tivesse manifestado conformado com tal decisão. Resultando sim, que como os demais trabalhadores, este arguido também foi afectado por tal decisão, tendo ficado desempregado tal como os demais trabalhadores e perdido a expectativa de vir a suceder aos seus pais no capital social daquela empresa. É notória a errada apreciação da prova produzida, bem como é notória a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
48. Do ponto 6 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: 6 – No dia 5 de Janeiro de 2014, os 1.º e 4.º arguidos decidiram alargar o período de férias até ao dia 12 de Janeiro de 2014.
Da prova produzida nos autos nada resulta que permita imputar aos arguidos (...) e (...) a decisão de alargar o período de férias da sociedade arguida, pois não obstante o arguido (...) ter comunicado tal decisão a alguns trabalhadores, seus colegas, nada resulta no sentido de que tivesse participado em tal decisão. É notória a errada apreciação da prova produzida, bem como é notória a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
49. Do ponto 7 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: 7 – Os arguidos não iniciaram, desde o supra referido encerramento até hoje, o procedimento com vista ao despedimento colectivo. Da prova produzida nos autos nada resulta no sentido de que o procedimento adequado, in casu, seria o despedimento colectivo, pois para determinar qual o procedimento legalmente adequado ao caso é imprescindível qualificar a empresa como sendo ou não uma microempresa, exigindo-se para isso, que constasse da matéria de facto provada essa qualificação, para o que, teria que resultar, igualmente, provado o número de trabalhadores que a empresa empregou no ano imediatamente anterior. Certo é que nem resulta da matéria de facto provada a qualificação da empresa como uma microempresa, nem resulta da decisão qual o número de trabalhadores que a empresa tinha ao seu serviço no ano imediatamente anterior. É notória a omissão de pronúncia quanto a este facto relevante para a decisão, que necessariamente teria que ser do conhecimento do Tribunal a quo, que sobre ele não se pronunciou, assim impossibilitando a verificação ou não do preenchimento de todos os elementos objectivos do tipo de crime, elemento este essencial para considerar preenchidos todos os elementos do tipo objectivo, que são cumulativos. Este ponto de facto, imputando, como imputa, ao colectivo dos arguidos a omissão desta obrigação legal, quando um dos arguidos não foi sequer julgado ((...)) e outro arguido foi absolvido (…), reflete a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida, demonstrando ero notório na decisão da matéria de facto. Razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
50. Do ponto 8 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: 8 – Ainda os referidos arguidos não constituíram desde o supra referido encerramento até hoje, qualquer caução que garantisse os salários vencidos e vincendos dos seus trabalhadores. Este ponto de facto, imputando, como imputa, ao colectivo dos arguidos a omissão desta obrigação legal, quando um dos arguidos não foi sequer julgado ((...)) e outro arguido foi absolvido (…), reflete a contradição insavável entre a fundamentação e a decisão proferida, demonstrando ero notório na decisão da matéria de facto. Razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
51. Do ponto 9 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: 9 – Também não informaram, desde o supra referido encerramento até hoje, nem nos 15 dias anteriores a esse encerramento, os seus trabalhadores do fundamento e consequências desse encerramento. Este ponto de facto, imputando, como imputa, ao colectivo dos arguidos a omissão desta obrigação legal, quando um dos arguidos não foi sequer julgado ((...)) e outro arguido foi absolvido (…), reflete a contradição insavável entre a fundamentação e a decisão proferida, demonstrando ero notório na decisão da matéria de facto. Razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
52. Do ponto 10 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: 10 – A sociedade arguida deixou de exercer qualquer actividade, impediu os seus trabalhadores de acederem aos seus locais de trabalho, não forneceu trabalho aos seus assalariados, nem deu a estes quaisquer condições e instrumentos para poderem cumprir com a sua obrigação laboral, paralisando a sua actividade por completo. Este ponto de facto, imputando, como imputa, à arguida pessoa colectiva a prática da ali descrita conduta, não permite, por si só, determinar a participação ou comparticipação de cada um dos arguidos pessoas singulares naquelas acções e omissões merecedoras de tutela jurídica, o que reflete a insuficiência da matéria de facto dada como provada para suportar a decisão proferida. Razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
53. Do ponto 11 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que: “Os 1.º e 4.º arguidos, durante o período de tempo mencionado em 4) e 6) retiraram máquinas e outros equipamentos, bem como matéria-prima, privando a sociedade arguida, de tais meios para satisfazer os créditos dos seus trabalhadores.” Da prova produzida nos autos nada resulta que permita imputar aos arguidos (...) e (...) a retirada de quaisquer máquinas, equipamentos e matéria-prima, pois não obstante resultar provado que tais bens foram retirados daquelas instalações da sociedade, nada resulta no sentido de que estes arguidos tivessem tido qualquer intervenção na retirada de tais bens, inexistindo qualquer prova que lhe permita imputar a prática de tal facto. Acresce que é dado como provado que os activos da empresa foram depauperados sem contrapartida pecuniária, mas no entanto, foram os arguidos ora recorrentes absolvidos do crime na forma agravada, precisamente por não ter sido provado a prática de qualquer acto liberatório sobre os bens da empresa, conforme consta da subsunção jurídica dos factos na sentença, manifestando contradição insanável entre a decisão e a fundamentação. É notória a errada apreciação da prova produzida, bem como é notória a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, razão pela qual este facto, nos termos em que se encontra redigido, deverá passar a constar da matéria de facto não provada.
54. Dos pontos 12, 13 e 14 dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta que:
12 - “Os 1.º e 4.º arguidos agiram sempre em nome e no interesse da sociedade comercial arguida.
13 - “Os 1.º e 4.º arguidos agiram em conjugação de esforços, de acordo com um plano previamente delineado e querido, com o propósito concretizado de encerrarem a empresa arguida definitivamente, sem cumprir o que lhes era imposto por lei, com vista a eximirem-se às responsabilidades inerentes ao seu cumprimento, depauperando a empresa dos seus activos sem contrapartida pecuniária, o que quiseram e conseguiram.
14 - “Os 1.º e 4.º arguidos agiram livre voluntária e conscientemente, como representantes legais e/ou de facto da sociedade arguida, bem sabendo que a sua conduta era contrária ao direito.
A imputação realizada pelo Tribunal a quo a estes arguidos, nomeadamente no que respeita a estes factos, carece de qualquer prova, inexistindo prova quer da sua actuação concreta que mostre preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime, quer da sua actuação concreta que demonstre preenchido o elemento subsjectivo do tipo de crime.
Não obstante a gerência de facto de alguém poder fazer subsumir a participação numa determinada decisão, o certo é que sempre se exigirá a prova da sua participação ou comparticipação concreta nela.
In casu, a ausência de prova da actuação concreta de cada arguido, assume maior relevância quando lhes é imputada a prática de crime por se ter subsumido a prática da gerência de facto por estes.
Sucede que, a gerência de facto determina-se por facto concretos, não por presunções desligadas de factos e meramente assentes em relações familiares ou outras, sempre se exigindo a prova de actuação concreta que manifeste o exercício dessa gerência (por de facto).
E o certo é que, compulsada a decisão em crise, inexistem factos concretos que imputem a gerência de facto ao arguido (...), sem prejuízo de, como já se supra referiu, constar provado que este arguido assinou contratos de trabalhos em representação da sociedade, o que é falso e, por isso, inexiste qualquer prova nos autos que o sustente, assim como inexiste qualquer prova que sustente a imputação a este arguido da gerência de facto, pois o simples facto de ser filho do “patrão” e por isso querer saber ou estar informados do que se passa na empresa, não permite que lhe seja imputada a responsabilidade pela prática de quaisquer actos, pois não se demonstrou que este arguido tivesse qualquer poder de decisão e assim é, por não o ter, pelo que não foi provado.
55. A responsabilidade criminal pela prática de factos que atingem bens jurídicos protegidos pela Lei Penal, exige a concretização da conduta merecedora de censura criminal, não se permitindo a imputação de tal responsabilidade assente em presunções sem previsão legal, como é o caso de que um funcionário, por ser filho do patrão e por isso presumivelmente mais bem informado que os demais quanto à gestão da empresa, seja gerente de facto e presumível autor de actos de gestão que não praticou.
56. AQUI CHEGADOS E POR MAIS TITÂNICO QUE SEJA O ESFORÇO DE TENTATIVA DE INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO ORA RECORRIDA, CERTO É QUE DA MESMA NÃO RESULTAM PROVADOS FACTOS ESSENCIAIS PARA O PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO TIPO DE CRIME PELO QUAL OS ARGUIDOS ORA RECORRENTES FORAM JULGADOS E CONDENADOS.
57. PORQUANTO, PARA SE VERIFICAR A EXISTÊNCIA DA PRÁTICA DO CRIME DE ENCERRAMENTO ILEGAL, P. E P. PELO N.º 1 DO ARTº 316 DO C.T., POR ESTES ARGUIDOS, O TRIBUNAL À QUO, NA SENTENÇA CONDENATÓRIA ORA RECORRIDA, SEMPRE TERIA DE TER FEITO CONSTAR NOS FACTOS PROVADOS, A VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS CUMULATIVOS PARA A VERIFICAÇÃO DA PRÁTICA DESTE CRIME, CFR MELHOR SE DESENVOLVEU NA FUNDAMENTAÇÃO DESTE RECURSO:
- Ter havido encerramento da empresa ou estabelecimento. Exigindo-se a correcta concretização quanto ao que foi encerrado, se empresa, se estabelecimento;
- Tratando-se de estabelecimento, conforme foi participado e existindo vários estabelecimentos, conforme resulta da participação a fls 3 dos autos, sempre teria que fazer constar, nos factos provados, se havia sido encerramento um, vários ou todos os estabelecimentos, concretizando-os;
- Se tal encerramento foi definitivo ou temporário, determinando, em concreto, o momento de tal encerramento, atenta a relevância no que respeita à consumação e, consequentemente, para a responsabilidade criminal;
- Qual o número de trabalhadores da entidade empregadora no ano que antecedeu o encerramento, com vista a tipificar se a entidade empregadora é uma microempresa ou não (n.º 2 e 3 do art.º 100º do C.T.), do que depende o formalismo exigido por Lei para um encerramento lícito;
- Não ter sido observado o formalismo legal de comunicação aos trabalhadores, aplicável ao tipo de entidade empregadora, in casu – que se desconhece, pois não resulta da decisão ora recorrida de que tipo é a entidade empregadora (se microempresa ou não);
- Não ter sido constituída caução para garantir o pagamento dos direitos remuneratórios dos trabalhadores, para o que importaria que tais direitos se concretizassem afim de apurar se tais montantes se encontravam garantidos ou não;
- Quem, como gerente de facto da sociedade arguida, procedeu ao encerramento ilícito, ou seja, quem teve a resolução criminosa ou nela comparticipou com relevância criminal, ou seja, antes da consumação, pois após a consumação não mais é possível existir comparticipação.
58. FACTOS PROVADOS ESSES QUE TERIAM DE, NECESSÁRIA E OBRIGATÓRIAMENTE, SER DEVIDAMENTE DESCRITOS NA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E FUNDAMENTADOS NA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO ORA RECORRIDA, O QUE NÃO SE VERIFICA IN CASU.
59. RESULTA CLARO QUE:
- INEXISTE CORRELAÇÃO ENTRE A MOTIVAÇÃO E OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NA DECISÃO EM CRISE;
- INEXISTE FACTOS DADOS COMO PROVADOS SUFICIENTES PARA SUPORTAR A DECISÃO PROFERIDA;
- INEXISTE A VALORAÇÃO, COMO PROVADOS OU NÃO PROVADOS, DE TODOS OS FACTOS QUE FORAM LEVADOS AO CONHECIMENTO DO TRIBUNAL (A TÍTULO DE MERO EXEMPLO, O TRIBUNAL A QUO NÃO FEZ CONSTAR, NEM DOS FACTOS PROVADOS, NEM DOS FACTOS NÃO PROVADOS, OS PONTOS DE 5) A 10) DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO);
- INEXISTE CORRECTA VALORAÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL JUNTA AOS AUTOS E INCOVADA DA DECISÃO EM CRISE;
- INEXISTE A VERIFICAÇÃO DE TODOS OS REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO TIPO DE CRIME;
- INEXISTE PROVA DA GERÊNCIA DE FACTO PELOS ARGUIDOS, NO QUE RELEVA PARA ESTES AUTOS, POIS O TRIBUNAL A QUO NÃO FEZ UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA E DA FALTA DELA, NADA CONSTANDO DOS AUTOS QUE PERMITA AFIRMAR QUE ESTES ARGUIDOS DECIDIRAM OU PARTICIPARAM NA DECISÃO DO ALEGADO ENCERRAMENTO, CONSTANDO SIM O CONTRÁRIO, POIS CONFORME CONSTA DA MOTIVAÇÃO DA DECIÇÃO ORA RECORRIDA “TAMBÉM SE NOTA QUE AQUELE QUE OS TRABALHADORES CONSIDERAM MAIS CULPADO É (...), UMA VEZ QUE TODOS ENTENDEM QUE AS DECISÕES COM MAIS PESO ERAM DELE.”
60. RESULTANDO MANIFESTO QUE A DECISÃO ORA RECORRIDA PADECE DE:
- VICÍO DE NULIDADE, POR CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO E ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS;
- VICÍO DE NULIDADE, POR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA PARA SUPORTAR A DECISÃO PROFERIDA;
- VICÍO DE NULIDADE, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO A TODOS OS FACTOS RELEVANTES QUE FORAM LEVADOS AO CONHECIMENTO DO TRIBUNAL A QUO;
- ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, NOMEADAMENTE DOCUMENTAL;
- ERRADA APLICAÇÃO DA LEI.
61. S.M.O., DEVERIA O TRIBUNAL À QUO TER ABSOLVIDO OS ARGUIDOS, ORA RECORRENTES, DO CRIME DE QUE VINHAM ACUSADOS, O QUE ORA SE REQUER A V. EXCELÊNCIAS.
62. É ESCANDALOSAMENTE INSUFICIENTE, POR INEXISTENTE, INCOERENTE E INADMISSÍVEL, EM PROCESSO PENAL, A VERIFICAÇÃO COMO PROVADA DA PRÁTICA DE UM CRIME, ASSENTE NA TOTAL AUSÊNCIA DE QUALQUER FACTO, QUANTO MAIS DE PROVA, QUE INEXISTE, QUANTO AO PREENCHIMENTOS DOS ELEMENTOS DO TIPO DE CRIME.
63. POIS, NÃO É ADMISSÍVEL, À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS, QUE O TRIBUNAL CONSIDERE VERIFICADO O PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO TIPO DO CRIME, SEM PROVA, SEM FACTOS PROVADOS SUFICIENTES, VAGUEANDO NO ABISMO DE MEROS E SINGELOS EXERCÍCIOS MENTAIS INTUITIVOS E DEDUTIVOS, POR QUERER CHEGAR ONDE, NEM A PROVA, NEM OS FACTOS PROVADOS CHEGAM, SOB PENA DA TOTAL SUBVERSÃO DOS SUPRA REFERIDOS PRINCÍPIOS, COM A FALÊNCIA CERTA E INEVITÁVEL DAS GARANTIAS DOS CIDADÃOS DETEREM UM JULGAMENTO JUSTO E OBTEREM UMA DECISÃO CONCRETIZADORA DA JUSTIÇA.
64. NOUTRO SENTIDO, ASSUMAMOS DE VEZ QUE O PROCESSO PENAL ESTÁ DESVINCULADO DO DIREITO E SE REGE POR MEROS EXERCÍCIOS DE INTUIÇÃO, QUE LEVAM A DEDUÇÕES, QUE FAZEM CRER GERAR UMA QUALQUER INFORMAÇÃO, QUE MAL CORRELACIONADA, PRODUZ UMA QUALQUER DECISÃO, IMPRECISA, CONFUSA, ERRÓNEA E DESPIDA DE ESSENCIA, QUE QUIÇÁ, POR SORTE DOS AZARADOS, PODERÁ SER JUSTA.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EX.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E DETERMINAR A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DECLARE OS ARGUIDOS ABSOLVIDOS DA PRÁTICA DO CRIME DE QUE VÊM CONDENADOS.
COM O QUE V. EXAS. FARÃO, COMO SEMPRE, A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA»
1.7. O recurso foi admitido.
1.8. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1ª- A sentença sob recurso não padece do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, conforme alegado pelos arguidos, porquanto de toda a fundamentação expendida pela Mmª Juiz , a qual se mostra lógica, clara, escorreita e inteligível, se extraí todo o processo lógico que presidiu à decisão proferida.
2ª- A Mmª Juiz explicitou os fundamentos de facto e de direito que conduziram à condenação dos arguidos bem como procedeu à análise critica de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento em conjugação com a prova documental junta aos autos.
3ª- A errada valoração da prova invocada pelos arguidos resulta de uma diferente valoração da prova produzida, discordante da efectuada pelo Tribunal.
4ª- Não se mostra violado o príncipio processual penal “in dubio pro reo”porquanto perante a prova produzida nenhuma dúvida se colocou à Mmª Juiz em dar tais factos como provados.
5ª- O Tribunal, de igual modo, tomou em consideração todos os factos essenciais à decisão de mérito, fundamentando de forma clara todo o processo lógico, não se verificando qualquer vício de omissão de pronúncia.
6ª- Não faz qualquer sentido o invocado pelos arguidos quanto à troca na identificação dos mesmos, tendo esse Tribunal já se pronunciado no sentido de, não obstante tal facto, da sentemça resulta claro a que arguidos se refere a Mmª Juiz, se pessoas singulares, se pessoa colectiva, cfr, Acórdao proferido nestes mesmos autos datado de 7-05-2019.
7ª- Da matéria de facto constam todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos do ílicito criminal em causa, e nomeadamente que não foi iniciado qualquer procedimento legalmente exigido, conforme legislação laboral, ainda que de uma micro-empresa se tratasse.
8ª- A sentença sob recurso não merece qualquer reparo e deve ser mantida na íntegra.

Este o nosso entendimento.

V. Exªs contudo, decidirão de JUSTIÇA!»

1.9. Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que deverá ser concedido parcial provimento ao recurso, declarando-se nula a sentença recorrida, por obscuridade/insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP, devendo os autos serem devolvidos à 1ª instância a fim de aí ser reformulada a sentença, por forma a que cada um dos Arguidos, quando nela mencionado, o seja pelo respetivo nome ou, caso assim não venha a ser entendido, julgando o recurso improcedente, negando-lhe provimento e confirmando-se a sentença recorrida.
1.10. Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.11. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artigo 412º, n.º 1 do C.P.P.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso interposto pelos arguidos (...) e (...), são as seguintes as questões suscitadas:
1ª – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2ª – Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;
3ª – Contradição insanável na fundamentação da sentença e entre a fundamentação e os factos dados como provados;
4ª – Erro notório na apreciação da prova;
5ª – Violação do princípio in dúbio pro reo;
6ª – Erro de subsunção jurídica.
2.2. Não transcrevemos a sentença recorrida considerando o que seguidamente explicitará, julgando-se verificada a nulidade da mesma e da audiência de julgamento realizada pelo Tribunal a quo, na sequência do reenvio para novo julgamento parcial, determinado por este Tribunal da Relação, no acórdão anteriormente proferido nos autos.
2.3. Questões prévias:
2.3.1. Antes de mais, porém, impõe-se clarificar o seguinte:
Os recorrentes vêm suscitar, de novo, no recurso que agora interpõem, a questão da falta de clareza e a existência de contradição na fundamentação da sentença recorrida, em virtude de os arguidos surgirem mencionados pelos números 1º, 2º, 3º e 4º e não pelo nome, suscitando-se a dúvida sobre “quem é quem”, em particular em relação aos arguidos (...) e (...), que no relatório da sentença surgem, respetivamente, identificados em 3º e 4º lugares, quando na acusação a ordem por que foram indicados é a inversa.
O Exm.º PGA emitiu parecer, manifestando o entendimento de que neste ponto assiste razão aos recorrentes, pugnado para que se declare nulidade da sentença e, em consequência, que seja substituída por outra, em que sanando aquela nulidade, cada um dos Arguidos, quando nela mencionado, o seja pelo respetivo nome.
Apreciando:
Salvo o devido respeito pela posição contrária, tendo-se decidido no Acórdão que anteriormente proferimos que «… resulta com clareza da sentença que quando aí são referidos o 1º, 2º e 4º arguidos, o Tribunal a quo se está a reportar aos arguidos pessoas singulares e à ordem pela qual surgem identificados no relatório da sentença (respetivamente, (...), (...) e (...)), posto que, quando se reporta à sociedade arguida (que na sentença surge identificada em primeiro lugar), di-lo expressamente (cf. pontos 1, 4, 11, 12, 13 e 14)», fazendo-se aí notar que o arguido (...), identificado no relatório da sentença em 3º lugar, não foi julgado no âmbito deste processo (tendo sido ordenada a separação de processos relativamente ao mesmo)[1], indeferindo-se, nessa conformidade, a retificação do invocado lapso de escrita que o Ministério Público considerou existir na sentença, na referência feita ao 1º e 4º arguidos e que os recorrentes qualificaram como “incoerência dos factos dados como provados na sentença recorrida”, não pode ser suscitada a questão da nulidade da sentença, com esse fundamento, por se mostrar precludida, em face do já decidido por este Tribunal da Relação, em Acórdão transitado em julgado.
Assim e em conformidade com o que anteriormente já se decidiu, deverá considerar-se que, na sentença recorrida, a menção nela feita ao 1º, 2º e 4º arguidos se reporta, respetivamente, aos arguidos (...), (...) e (...).
Por forma, a que no texto da sentença passe a constar expressamente a identificação dos arguidos pelo seu nome, nos termos sobreditos, determinar-se-á que se proceda nessa conformidade, na sentença que venha a ser elaborada, em cumprimento do que de seguidamente se decidirá.

2.3.2. Da nulidade da sentença, por violação pelo Tribunal a quo das regras da competência
Na decorrência do Acórdão proferido nos autos, por este Tribunal da Relação, em 07/05/2019, que decidindo, conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos arguidos (...) e (...), julgando verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria factual provada (artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP), ordenando o reenvio do processo para novo julgamento (artigos 426º, n.º 1 e 426º-A, n.ºs 1 e 2, do CPP), parcial, restrito ao objeto delimitado [para que fosse emitido juízo probatório sobre os factos alegados nos pontos 5 a 10], baixados os autos à 1ª instância, veio a Exm.ª Senhora Juiz que presidiu ao anterior julgamento e que proferiu a anterior sentença recorrida, a realizar o novo julgamento e a proferir nova sentença, com vista a suprir o vício de que a anterior padecia e assinalado por este Tribunal da Relação, no referenciado Acórdão.
Não atentou a Exm.ª Senhora Juiz a quo [nem o Senhora Juiz atualmente colocado no Juízo Local Criminal de Ourém, que entendeu que devia ser a primeira a presidir ao novo julgamento, por estar em causa o julgamento parcial] nas regras da competência e impedimentos, em caso de reenvio, para novo julgamento (total ou parcial), nos termos previstos nos artigos 426º, n.º 1 e 426º-A, n.ºs 1 e 2, do CPP, conforme determinado no acórdão deste Tribunal da Relação, de 07/05/2019.
Com efeito, a Senhora Juiz que presidiu ao anterior julgamento e proferiu a sentença de 11/07/2018, estava impedida de intervir no novo julgamento, a realizar na sequência de decisão de reenvio determinado pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto nos artigos 426º, n.º 1 e 426º-A, n.ºs 1 e 2, do CPP, com as consequências jurídico-processuais daí decorrentes e que se infra se explicitarão.
Explicitando:
Relativamente à “Competência para o novo julgamento”, em caso de reenvio, dispõe o artigo 426º-A do CPP – na redação dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto –:
«1. Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2. Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição.»
E no concernente ao “Impedimento por participação em processo”, estatui o artigo 40º do CPP - na parte que releva para o caso vertente -:
«Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: (…)
c) Participado em julgamento anterior;
(…).»
Da interpretação conjugada dos artigos 426º-A e 40º, al. c), do CPP, decorre que quando haja sido decretado o reenvio do processo, para novo julgamento, a competência para a realização deste cabe ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40º, ou seja, dos impedimentos previstos neste normativo, entre os quais, o da al. c), estando impedido de intervir no novo julgamento o juiz que participou no julgamento anterior.
No caso de se verificar esta última situação e de não existindo naquele tribunal outro(s) juiz(juízes) que possa(m) intervir no novo julgamento, então será competente para a realização deste, o tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
E, se, na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, é competente para o novo julgamento o tribunal que resultar da distribuição.
Como refere o Cons. Vinício Ribeiro[2], «o legislador pretende que, em caso de reenvio, o novo julgamento seja realizado pelo mesmotribunal [mas não pelo mesmo juiz ou juízes que tenham intervindo no julgamento anterior – refere-se na Exposição de Motivos da PL 109/X que: «Nos casos de reenvio do processo admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426.º-A). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40.º).»], que efetuou o anterior, salvo se existir algum impedimento (artigo 40.º). O tribunal será o mesmo mas com diferente composição humana.»
E conforme faz notar o Cons. Henriques Gaspar[3], a norma do artigo 40º do CPP «prevê casos específicos de impedimento do juiz para garantia da imparcialidade objectiva. A intervenção do juiz em actos ou decisões anteriores no processo, que tenham assumido uma dimensão não apenas pontual, mas com comprometimento decisório sobre a matéria da causa e o objeto do processo, é susceptível de gerar nos interessados na decisão apreensão ou receio, objetivamente fundados, sobre o risco de algum prejuízo do juiz relativamente à decisão em causa. É o fundamento constitutivo para a garantia da imparcialidade objectiva. A verificação de algum dos motivos indicados determina, por si mesma, a verificação objectiva do impedimento (…).»
Em caso de reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º, n.º 1, do PP), o impedimento do juiz que participou no julgamento anterior, previsto na al. c) do artigo 40º do CPP, verifica-se, independentemente do novo julgamento ser total ou parcial.
É que o legislador não faz distinção e, neste caso, o intérprete também não a deve fazer, considerando que a razão de ser do impedimento do juiz previsto na al. c) do artigo 40º do CPP, «prende-se com um potencial pré-juízo que se tenha formado no espírito do julgador»[4] sobre o objeto da causa e que, ainda que subconscientemente, poderá influenciar o decurso do novo julgamento e, no caso deste ser parcial, a decisão sobre a necessidade ou não de produção de prova e, a final, o sentido da decisão a proferir e tendo sido esse o perigo que o legislador quis prevenir, ao consagrar o impedimento previsto na al. c) do artigo 40º do CPP, esse perigo estará presente, quer numa quer noutras das situações.
A violação das regras da competência previstas no artigo 426º-A do CPP, vem sendo reiteradamente considerada, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores[5], como constituindo uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119º, al. a), do CPP.
De harmonia com a mesma disposição legal «Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declarados em qualquer fase do procedimento:
a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição
Em suma, tendo a Relação, por julgar verificado qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do CPP, determinado o reenvio do processo para novo julgamento, ainda que parcial, nos termos do disposto nos artigos 426º e 426º-A, ambos do CPP, fica impedido de participar no novo julgamento o juiz que haja participado no julgamento anterior (cf. artigo 40º, al. c), do CPP).
E cabendo, em regra, a competência para realizar o novo julgamento, ao tribunal onde tenha sido efetuado o julgamento anterior (cfr. artigo 426-A, n.º 1, do CPP), no caso de o juiz que a este presidiu ter deixado de exercer funções nesse tribunal ou nesse juízo, competirá ao juiz atualmente aí colocado realizar o novo julgamento, a menos que ocorra qualquer outra situação de impedimento legal.
A violação da enunciada regra legal, configura uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119º, alínea a), do CPP, que tem como consequência a invalidade do novo julgamento e bem assim dos atos subsequentes, incluindo a da sentença (cfr. artigo 122º, n.º 1 do CPP).
Assim sendo, no caso dos autos, tendo este Tribunal da Relação, determinado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, nos termos do disposto nos artigos 426º e 426º-A, ambos do CPP, por julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, de acordo com a regra estabelecida no n.º 1 do artigo 426º-A do CPP, a competência para realizar o novo julgamento cabia à Senhora Juiz atual titular do Juízo onde o processo corre os seus termos, tendo a Senhora Juiz que realizou o anterior julgamento – e em relação à qual se verificava o impedimento previsto na al. c) do artigo 40º do CPP –, deixado de exercer aí funções.
Acontece que baixados os presentes autos da Relação à 1ª instância, a Sr.ª Juiz atual titular do Juízo Local Criminal de Ourém, onde foi realizado o primeiro julgamento, determinou que se fizessem os autos conclusos à Sr.ª Juiz que ao mesmo presidiu (cf. fls. 2360), a qual, na altura, exercia funções noutra Comarca, tendo esta Sr.ª Juiz vindo a designar data para a realização do novo julgamento (cf. fls. 2364), a que presidiu (cf. atas de fls. 2376 e 2377 e de fls. 2399) e proferindo a sentença ora recorrida.
Ora, tendo presente o que supra se deixou exposto, há que concluir que a Exm.ª Juiz que realizou o novo julgamento – na sequência do reenvio do processo para novo julgamento parcial, determinado por esta Relação, no acórdão de 07/05/2019 – e que proferiu a sentença agora sob recurso, encontrava-se impedida de o fazer, por força do disposto no artigo 40º al. c) do CPP, em virtude de ter realizado o anterior julgamento da causa.
Consequentemente, impõe-se concluir que o julgamento realizado em 29/11/2019, enferma de nulidade insanável, por violação das regras de composição do tribunal, nos termos do disposto no artigo 119º, al. a), com referência ao artigo 426º-A, n.º 1, ambos do CPP, o que acarreta também a nulidade da sentença proferida e agora recorrida (cf. n.º 1 do artigo 122º do CPP).
Nesta conformidade, decide-se declarar nulo o aludido julgamento, bem como os atos subsequentes dele dependentes, incluindo a sentença ora sob recurso.
A competência para o novo julgamento, nos termos determinados por esta relação, no acórdão proferido em 07/05/2019, caberá à Sr.ª Juiz titular do Juízo Local Criminal de Ourém ou, no caso de existir qualquer impedimento legal, ao tribunal que vier a ser o competente nos termos previstos no artigo 426º-A do Código de Processo Penal.
Na sentença a proferir deverá ser observado o supra decidido, no ponto 2.3.1.
Em consequência do agora decidido, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas no recurso.

3 - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Évora em:

a) Declarar a nulidade do julgamento realizado na sequência do reenvio do processo, para novo julgamento parcial, determinado por esta Relação, no acórdão de 07/05/2019 e dos atos subsequentes dele dependentes, incluindo da sentença proferida em 10/12/2019;

b) Determinar, após trânsito em julgado, os autos baixem à 1ª instância para as finalidades previstas no reenvio determinado no Acórdão desta Relação de 07/05/2019, a realizar pelo tribunal competente, de harmonia com as regras previstas no artigo 426º-A do Código de Processo Penal e devendo na sentença que vier a ser proferida ser levado em conta o que se decidiu supra em 2.3.1. em relação à identificação dos arguidos.

Sem tributação.

Notifique.


Évora, 17 de dezembro de 2020
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] E na motivação da decisão de facto exarada na sentença, no segmento que se refere ao exercício da gerência de facto, o Tribunal a quo faz notar que «… se encontram acusados também os seus filhos (...) e (...) – sendo que, no caso apenas nos debruçaremos sobre a participação do arguido (...) (nosso sublinhado), já que o arguido (...) teve o seu processo separado dos demais, por não se encontrar notificado. (…)».
Seguidamente enunciando as provas a que atendeu e procedendo ao respetivo exame crítico, concluiu o Tribunal a quo «Assim, e porque o arguido (...) e o seu irmão (...) falaram com os trabalhadores e assumiram que a empresa estava encerrada (…), face às regras da experiência comum, deu-se como provado que a decisão de encerramento terá partido pelo menos do 1º e 4º arguidos e que terá sido tomada durante o período de encerramento para férias.»
[2] In Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2ª edição, 2011, Coimbra Editora, pág. 1354.
[3] In Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 116.
[4] Cfr. Ac. da RE de 12/07/2016, proc. 3/14.8GAPSR.E2, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., entre outros, Ac.s da RE de 27/04/2010, proc. 293/04.4GBCCH.E1 e de 12/07/2016, proc. 3/14.8GAPSR.E2; Ac.s da RP de 23/06/2010, proc. 586/04.0TAVRL.P1 e de 26/11/2008, proc. 0845184; Ac. da RC de 06/07/2011, proc. 196/06.8GHCTB.C2; Ac. da RG de 26/09/2016, proc. 973/11.8GAFAF.G2; Decisões proferidas pelo Exm.º Presidente da Secção Criminal da RE, no âmbito de conflitos de competência, em 13/12/2013, no proc. 133/13.3YREVR e em 28/02/2014, proc. 16/14.0YREVR, todos acessíveis em www.dgsi.pt.