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FALSAS DECLARAÇÕES
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
Sumário
O arguido que prestar falsas declarações acerca dos seus antecedentes criminais em qualquer dos interrogatórios a que seja submetido antes da audiência de julgamento comete o crime do artº 359º, nº2 do CP95.
Texto Integral
Acordam, em Audiência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Por Sentença proferida nos autos de processo comum nº ./03..EABGC, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, decidiu-se, para além do mais, absolver o arguido B.......... da prática do crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. p. pelo art. 359º, nºs1 e 2, do Código Penal.
Inconformado, o M.P interpôs recurso limitado a essa parte da decisão, nos termos do disposto no art. 403º, nºs 1 e 2, b), do C.P.P, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
- O arguido, não detido, interrogado em inquérito por órgão de polícia criminal, está obrigado a responder e com verdade a perguntas sobre os seus antecedentes criminais, sendo, pois, aplicável aos «outros interrogatórios» previstos no art. 144º/1 do Código do Processo Penal o disposto na última parte do nº3 do art. 141º do mesmo diploma legal.
- Comete o crime de «falsidade de depoimento ou declaração», p. e p. na disposição do art. 359º/1 e 2 do Código Penal, aquele que depois de informado dos seus direitos e deveres, mormente quanto à obrigação de responder com verdade a perguntas sobre antecedentes criminais, mente quanto a tal matéria aquando de interrogatório levado a cabo por órgão de polícia criminal por delegação do Ministério Público.
- Violou a douta decisão recorrida o disposto nos arts. 144º/1 do Código do Processo Penal e 359º/1 e 2 do Código Penal.
- Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
- Alterada a decisão proferida, sendo substituída, na parte recorrida, por outra que condene o arguido B.......... em conformidade, numa pena de multa, que seja justa e equilibrada.
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Nesta instância, a Exmª Procuradora-geral Adjunta, acompanhando a motivação do recurso, emitiu parecer no sentido do seu provimento.
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Colhidos os vistos e realizada a Audiência, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões, delimitadoras do objecto do recurso, retira-se que a questão de Direito a decidir consiste em saber se comete o crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. p. pelo art. 359º, nºs 1 e 2, do Código Penal, quem, em interrogatório efectuado por órgão de polícia criminal, por delegação do M.P, depois de informado dos seus direitos e deveres, falta à verdade relativamente aos seus antecedentes criminais.
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São os seguintes os factos provados na Sentença recorrida, com interesse para a decisão a proferir:
Em 09/06/2003, pelas 16h30m, quando interrogado, no âmbito do presente inquérito, perante funcionário do IGAE, nesta cidade, o arguido B........., não obstante lhe ter sido efectuada a respectiva cominação, declarou, aos antecedentes criminais, que nunca tinha respondido ou estado preso.
No entanto, o aludido arguido há havia sido, em 09/03/99 e em 22/03/2002, no âmbito dos processos comuns singulares nºs .../98 e ..../97..JDLSB, do 2º Juízo deste Tribunal e do 4º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal da Comarca de Loures, condenado pela prática, em 15/04/1997 e 21/11/1997, de crimes de emissão de cheques sem provisão, nas penas de 150 dias de multa, à taxa diária de 500 e 120 dias, à taxa diária de 4 euros, respectivamente.
O B.......... agiu ainda ciente que respondia com falsidade aos antecedentes criminais, estando, pois, no acto, ciente da questão que lhe fora colocada.
Agiram de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e vontades, quanto ao computador NSI, sabendo que as suas condutas eram puníveis por lei.
O arguido B......... tem os antecedentes supra mencionados e ainda os que constam a fls. 78 e segs. (crimes de emissão de cheque sem provisão).
O arguido B.......... é técnico de informática e primo do arguido C.......... .
Paga de renda de casa a quantia de 300 euros, sensivelmente.
A esposa encontra-se desempregada, percebendo o subsídio de desemprego de 370 euros e tem um filho de 6 anos de idade.
Dá algumas horas de formação, percebendo à hora a quantia de 17,46 euros, sendo que ao ano, em média, tira o rendimento bruto de 6 a 8 mil euros, da formação.
Aufere ainda a quantia de 600/700 euros por mês, líquida.
É proprietário de um mini, adquirido em ALD, de que paga a prestação mensal de 250 euros.
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Apreciando e decidindo.
A questão é de Direito e a matéria de facto com interesse para a decisão a proferir, sintetiza-se no seguinte:
O B.........., no decurso da fase processual de Inquérito, nestes autos, na posição de arguido, sujeito a interrogatório, tendo sido advertido que a falta ou falsidade das suas respostas sobre os antecedentes criminais o faria incorrer em responsabilidade criminal, declarou nunca ter respondido ou ter estado preso. Esta declaração é falsa, pois o arguido já tinha sido condenado pela prática de crimes de emissão de cheque sem provisão. O arguido fê-la livre e voluntariamente e com consciência que a falsidade das suas declarações, o faria incorrer em responsabilidade criminal.
Na Sentença recorrida, decidiu-se que esta actuação do arguido não integra a prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível pelo artigo 359, nº 1 e 2 do C.P. com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Para tal decidir, acha-se que não é aplicável ao interrogatório a que foi sujeito este arguido que não estava detido, o disposto no artigo 141 nº 3 do C.P.P. porque esse número do artº 141 não se aplica aos interrogatórios de arguidos não detidos, em Inquérito. Para tal se justificar, afirma-se de forma pouco precisa- diga-se- do ponto de vista técnico jurídico: «a relevância das perguntas e da veracidade das respostas atinentes aos antecedentes criminais no primeiro interrogatório judicial de arguido detido é diversa e de muito maior incidência no âmbito de tais interrogatórios, mas já não no âmbito dos interrogatórios judiciais e não judiciais de arguidos detidos ou não presos».
Discorda o recorrente Ministério Público, afirmando:que o artigo nº 141 do C.P.P. é aplicável a qualquer interrogatório de arguido, no âmbito do Inquérito Judicial.
E afirma, definitivo: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
Não cabe ao intérprete distinguir ,onde quem legislou não o fez. Parece-lhe «lógico-processualmente justificado» que persista o dever de verdade em respostas sobre perguntas acerca de antecedentes criminais, em qualquer interrogatório do arguido.
O tipo sob apreciação é o do artº 359 do C.P, nº 1.: «Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depôr, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
Completado com o nº 2 : «na mesma pena incorre ... o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais».
Daqui se conclui que a conduta que preenche o ilícito criminal, na parte em causa, é quanto à sua tipicidade objectiva: Falsidade de uma declaração, sobre os antecedentes criminais, de alguém que na qualidade de arguido, tenha sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de declarações falsas a esse respeito.
E quanto à sua tipicidade subjectiva: a vontade livre e consciente de prestar declarações falsas acerca dos seus antecedentes criminais com intenção de induzir em erro sobre os mesmos, sabendo que tal comportamento faz incorrer no crime de falsas declarações.
Perante esta descrição da conduta que preenche o ilícito criminal , é evidente que a do arguido aí se mostra inscrita.
Alguma confusão a este respeito, e isso é evidente na motivação da Sentença recorrida, veio instaurar a revisão do Código de Processo Penal, efectuada por via do D.L.317/95 de 28 de Novembro que suprimiu as perguntas ao arguido sobre os seus antecedentes criminais e sobre os processos que contra ele tivesse pendentes, a par da sua identificação, no interrogatório do arguido em Audiência de Julgamento.
Esta supressão foi feita para calar aquelas vozes que proclamavam que essas perguntas violavam o princípio da presunção de inocência.
Contra essa supressão se insurgiu o autor do projecto que deu origem ao C.P.P, em vigor, prof. Figueiredo Dias (cfr. alteração ao Processo Penal, Processo Legislativo, Parecer, vol. II, TI, p. 432 e seguintes), que considerou que essas perguntas não só não violam nenhum princípio Constitucional, como são impostas pelo Direito Penal substantivo vigente e por outras regras de natureza Processual Penal.
As observações do ilustre Professor, são facilmente confirmáveis se atentarmos nas regras da punição do concurso de crimes e na necessidade de, para que a mesma tenha lugar, se terem presentes, em Audiência, todas as condenações do arguido pelos crimes em concurso, sendo da máxima utilidade, confrontar o arguido com o constante do seu CRC e das certidões juntas.
Mas, já em 1999, na 13ª edição do CP anotado, Maia Gonçalves, esclarecia que os dispositivos do artigo 359 do CP, designadamente o seu nº 2, não têm aplicação quanto às declarações do arguido em Audiência de Julgamento, sobre os seus antecedentes criminais, mas continuam a ser aplicáveis a declarações por ele prestadas anteriormente à Audiência de julgamento.
E é evidente que sim, sob o arguido continua a impender o dever de veracidade nas respostas sobre se já alguma vez esteve preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes, devendo ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o faz incorrer em responsabilidade penal, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido (artigo 141, nº3 do C.P.P), no interrogatório facultativo do MP, prévio ao judicial, de arguido detido (artigo 143, nº2 do C.P.P), e nos interrogatórios subsequentes de arguidos presos e a todos os interrogatórios de arguidos em liberdade (artigo 144, nº1 do C.P.P). Estes últimos interrogatórios podem ser feitos, no Inquérito e em actos de Instrução, por órgão de Polícia Criminal, no qual o MP ou o Juiz de Instrução tenham delegado a sua realização.
O artigo 359 do CP, integra, na parte que respeita à incriminação da falsidade cometida pelo arguido sobre os seus antecedentes criminais, o conceito de norma penal em branco, ou seja, o seu conteúdo tem de ser completado pelas normas processuais penais que imponham ao arguido o dever de prestar declarações sobre os seus antecedentes criminais. Essas normas, são as acima referenciadas,e o interrogatório do arguido cuja conduta está sob apreciação, encontra-se abrangido, nos termos referidos, pela previsão do artigo 144, nº1 do C.P.P.
As expressões: «na parte aplicável» (artigo 143, nº2) e «em tudo quanto for aplicável» (artigo 144, nº1), não se destinam a excluir as respostas do arguido sobre a sua identidade e antecedentes criminais, mas a salvaguardar a necessidade de diferenciar os outros interrogatórios da especificidade do primeiro interrogatório judicial de arguido detido que tem obrigatoriamente de respeitar o procedimento estabelecido dos diversos números do artigo 141 do C.P.P, verbi gratia a necessidade de lhe dar a conhecer os motivos da detenção.
Este tipo insere-se no Capítulo de infracções contra a Realização da Justiça e a obrigação do arguido revelar os seus antecedentes criminais é, atendendo ao bem jurídico em causa e aos estritos termos em que o dever de veracidade se afirma, justificável- Comentário Conimbricense ao CP, TIII, p. 455.
Em conclusão: a provada conduta do arguido João Rodrigues, integra a prática do crime de falsas declarações, p.e p. pelo artigo 359, nºs 1e 2 do CP.
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Os autos contêm todos os elementos de facto e de Direito para o proferimento da decisão conforme a interpretação correcta das normas jurídicas aplicáveis.
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No que respeita à espécie, a pena de multa mostra-se suficiente para a protecção do bem jurídico violado e assegura as exigências de prevenção geral e especial.
Quanto à sua medida:
- o grau de licitude dos factos é diminuto, face às circunstâncias da sua execução, e pouca gravidade das suas consequências;
- o dolo é de intensidade média;
- as exigências preventivas especiais não se mostram elevadas, dado que não é extraível da matéria provada que o arguido mostre uma particular propensão para atentar contra a realização da justiça;
- as exigências preventivas gerais têm algum relevo.
Mostra-se assim adequada a pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 15 euros.
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Nos termos relatados decide-se, julgar procedente o recurso, revogando nessa parte a sentença recorrida, condenado-se o arguido B.......... pela prática do crime de falsas declarações p. e p. pelo artigo 359, nºs 1 e 2 do CP, na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 15 euros.
Conhecendo do concurso real com a infracção por cuja prática o arguido já se mostra condenado- crime de reprodução ilegítima de programa protegido p. e p. pelos artigos 9 e 10 da Lei 109/91 de 17/08, pena de 100 dias de multa à taxa diária de 15 euros-, condena-se o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 110 dias de multa, à taxa diária de 15 euros.
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Nesta Instância não há lugar a tributação.
O arguido já se mostra condenado nas custas em primeira Instância.
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Porto, 13/09/2006
José Joaquim Aniceto Piedade
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob (Vencido, conforme declaração em anexo)
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Declaração de voto:
Votei vencido o presente acórdão por entender que os factos imputados ao arguido não constituem crime. Nessa medida, confirmaria a sentença recorrida com os seguintes fundamentos:
Segundo o disposto no nº 1 do art. 359º do Código Penal, «quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
Acrescenta o respectivo nº 2 que «Na mesma pena incorrem os assistentes e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais».
Por seu turno, de entre os deveres que especialmente recaem sobre o arguido em processo penal, enumera o art. 61º, nº 3, b), do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as demais disposições legais citadas sem menção de origem), o de «responder com verdade às perguntas feitas pela entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais».
E em que casos é que a lei o impõe?
Impõe-o, seguramente, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Com efeito, dispõe o nº 3 do art. 141º que «o arguido é perguntado pelo seu nome, (...) se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes (...). Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal».
Esta obrigatoriedade de o arguido responder sobre os seus antecedentes criminais ao ser presente, detido, para primeiro interrogatório judicial, tem, obviamente, uma função útil, aliás, facilmente intuível: visa habilitar o tribunal a pronunciar-se sobre eventuais medidas de coacção, num momento em que normalmente não constará dos autos o Certificado de Registo Criminal do detido nem será possível obtê-lo em tempo útil.
Já no que concerne aos interrogatórios efectuados por órgão de polícia criminal por delegação do Ministério Público essa razão não colhe; e se porventura outra houver, não vislumbramos qual seja…
O mesmo é dizer que não vemos qual seja, nesse caso, o bem jurídico tutelado pela norma.
Não nos convence, aliás, a argumentação expendida pelo ilustre recorrente, pese embora o brilhantismo e empenho com que sustentou a sua posição:
Não nos convence o argumento de ordem sistemática, desde logo, porque admitir que dispondo o nº 1 do art. 144º do C.P.P. que «os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo», há que considerar aí abrangida a obrigação de resposta com verdade aos antecedentes criminais a pergunta feita por órgão de polícia criminal, por delegação do M.P., nos termos do nº 2 do mesmo artigo, traduz uma perspectiva redutora da hermenêutica, que sacrifica o sentido, o conteúdo e a utilidade da norma.
Mas então, perguntar-se-á, quais as disposições do capítulo II, do título II - arts. 140º a 145º - que são aplicáveis a esses interrogatórios?
Serão, obviamente, todas aquelas cuja aplicação logicamente se justifique:
- Seguramente e por motivos óbvios, o regime do art. 140º, que contém as regras gerais relativas às declarações do arguido;
- Também por óbvias razões, o disposto no nº 3 do art. 141º, no que se refere à identificação do arguido;
- E sem dúvida alguma, a norma do nº 5 do art. 141º, em cujos termos, «prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção».
Já no que tange ao art. 141º, nº 3, na parte referente aos antecedentes criminais, não vemos razão alguma para que seja aplicável, sendo certo que, como já deixámos consignado, não se ajustam ao caso as razões subjacentes ao regime aplicável ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Quanto ao argumento histórico, procurando ver na alteração operada pela revisão de 1998 no art. 342º - que eliminou a obrigatoriedade de o arguido responder em audiência de julgamento a perguntas sobre os seus antecedentes criminais - um argumento a contrario indicador de que tal eliminação valia apenas para esse momento processual, mantendo-se a obrigatoriedade quanto aos restantes interrogatórios do arguido, peca pela ausência do pressuposto em que assenta, na medida em que tem subjacente a ideia de que a obrigatoriedade que procura demonstrar está estipulada na lei. Só que expressamente, não está; se o está implicitamente, é o que agora se discute; logo, é argumento que verdadeiramente não chega a sê-lo.
Acrescente-se, de todo o modo, que a eliminação da redacção original do nº 2 do art. 342º do CPP ficou a dever-se exclusivamente à orientação que vinha sendo adoptada pelo Tribunal Constitucional, de que a indagação, em audiência pública, dos antecedentes criminais do arguido, sendo este obrigado a revelá-los, atentava contra a sua dignidade e as suas garantias constitucionais.
Abreviando razões, diremos que se nos afigura dever prevalecer o argumento teleológica, assente no escopo útil da norma, não encontrando nós qualquer razão ponderosa que justifique a interpretação pretendida pelo recorrente.
Encontramos, não obstante, argumento de peso a favor da interpretação negativa:
Com efeito, a lei é clara ao dispor que (art. 141º, nº 2) «o interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz (…)» e que (nº 3 do mesmo artigo) «o arguido é perguntado pelo seu nome, (...) se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes (...). Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal». Trata-se indiscutivelmente de caso previsto no art. 61º, nº 3, b), em que a lei impõe a resposta sobre os antecedentes criminais.
No que concerne à questão de saber se as normas do art. 144º, nºs 1 e 2, do CPP, criminalizam a falta de resposta com verdade a pergunta feita ao arguido por órgão de polícia criminal sobre os antecedentes criminais, ainda que em inquérito e por delegação do M.P., entramos no domínio da insegurança jurídica, como resulta, desde logo, do simples facto de ser discutível se tal conduta constitui ou não crime. Razão de vulto, diremos nós, para que se propenda para a resposta negativa.
Na verdade, constitui princípio intangível, porque constitucionalmente consagrado, o de que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão (…)» (1ª parte do nº 1 do art. 29º da CRP). Trata-se da consagração na lei fundamental de princípio elementar de justiça penal que ficou historicamente conhecido como nullum crimen sine lege, e que encontra expressão no princípio da tipicidade. É por força deste princípio que nos sistemas jurídicos do moderno estado de direito as normas penais se apresentam como tipos legais, sendo o tipo legal de crime, nas palavras de Eduardo Correia, o «(…) meio técnico de que se serve o legislador para exprimir de uma maneira segura e firme os seus juízos de valor jurídico-criminais» [ - Cfr. “Direito Criminal”, vol. I, pág. 311], constituindo a descrição legal da acção punível. «(…) mais do que em nenhum outro campo do jurídico, se impõe, no direito criminal, o princípio da segurança do direito e a necessidade de assinalar um fundamento sólido à actividade jurisprudencial. É preciso (…) que os sistemas jurídico-criminais formulem de maneira tanto quanto possível exacta os seus juízos de valor. A valoração jurídico-criminal não pode ser deixada ao arbítrio do juiz, mas deve ser formulada de maneira tanto quanto possível precisa.
(…) para dar realidade a este pensamento possui a técnica legislativa um engenhoso recurso, que consiste precisamente no tipo legal de crime (tatbestand). Neles descreve o legislador aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais, que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais.
Neles vasa a lei como em moldes os seus juízos valorativos (…). Depois, uma vez formulados esses tipos legais de crimes impõe-os ao juiz como quadros, a que este deve sempre subsumir os acontecimentos da vida para lhes poder atribuir a dignidade jurídico-criminal.
Nisto consiste precisamente a chamada tipicidade (…)»[-idem, págs. 275/276].
Temos assim que nem toda a ilicitude é penalmente relevante, mas apenas a que corresponde a uma descrição típica da conduta; a ilicitude não se exprime por forma geral e abstracta, mas só concretamente, através de certos tipos-de-ilícito, sendo este (o tipo-de-ilícito) a tipicização da ilicitude [- Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal - sumários das lições…”, Edic. Policop., Coimbra, 1975].
Ora, parece-nos não haver dúvidas de que a certeza e a segurança do direito penal e, sobretudo, a particular necessidade de conhecimento do tipo pelo destinatário da norma, não se compadecem com tipos ocultos ou imprecisos. A conduta criminalmente relevante, o tipo legal de crime, não pode estar duvidosamente escondido nas entrelinhas de uma norma adjectiva, porque onde houver disposições legais incriminadoras ocultas não há verdadeira tipicidade.
Tal é, aliás, o caso do art. 144º, nºs 1 e 2, do CPP, na interpretação sustentada pelo recorrente.
Ora, admitir a relevância criminal implícita, nas condições apontadas, viria a traduzir-se, afinal, em flagrante violação do nº 1 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
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Porto, 13 de Setembro de 2006
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob