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DETENÇÃO ARGUIDO
FORA FLAGRANTE DELITO
REQUISITOS LEGAIS ALTERNATIVOS
MEDIDAS COACTIVAS
ARTºS 200º
Nº 1 D)
257º
Nº 1
A) E C) DO CPP
Sumário
1. O recurso a escutas telefónicas como meio de prova implica a ponderação dos valores fundamentais em conflito, à luz dos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da subsidiariedade, enquanto legitimadores da utilização das escutas. 2. Não viola tais princípios a decisão de proceder à interceção telefónica das conversas de um arguido indiciado pela prática de um crime de corrupção passiva ( art. 373 nº 1 do Código Penal), quando já existiam no processo fundadas suspeitas da prática do crime pelo arguido, mas suportadas apenas por prova testemunhal. 3. Os requisitos exigidos pelas alíneas a) a c) nº 1 do art. 257 do Código de Processo Penal para levar a cabo uma detenção fora de flagrante delito não são cumulativos, mas alternativos. 4. Não é excessiva a imposição da medida de coação prevista no art. 200 nº 1 d) do Código de Processo Penal, consubstanciada na proibição de contactos com intervenientes processuais, contribuintes ou contabilistas, a um arguido que exerce funções em serviço de inspeção tributária e se encontra indiciado por um crime de corrupção passiva ( art. 373 nº 1 do Código Penal).
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.
I.
Por decisão proferida pelo juiz de instrução criminal que presidiu ao interrogatório do arguido J. A. foram aplicadas ao recorrente, para além de TIR, as medidas de coação de suspensão do exercício das suas funções ou outras na Autoridade Tributária, com a inerente revogação de todos os acessos a qualquer informação de âmbito profissional por meios informáticos e, bem assim, a proibição de contactos, por qualquer meio (pessoal, telefónico ou por redes sociais), com qualquer um dos intervenientes processuais (denunciante, testemunhas) e, bem assim, com quaisquer contribuintes ou contabilistas com quem tenha estabelecido contacto no âmbito de ações inspetivas por si realizadas ou em curso, funcionários da AT, designadamente quaisquer superiores hierárquicos, a nível regional ou nacional (arts.º 191.º nº1, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 199.º al.c), 200.º nº 1 al. d), 204.º als. b) e c) e 268.º nº1 al. b) todos do CPP).
Inconformado com a decisão recorreu o arguido concluindo a motivação recursória do seguinte modo ( transcrição):
I - Da nulidade das escutas telefónicas I-O Ministério Público promoveu as operações de escutas telefónicas a fls.29 e a fls.42 o pedido foi deferido. II-Entre 22.04.2019 e 02.06.2019, não houve igualmente registos com relevância, tendo sido ordenada a interceção das escutas em por despacho judicial de 18.06.2019. IIIA partir dessa data e nos meses seguintes, não há nos autos nada que indicie a prática de qualquer ilícito criminal pelo arguido. Contudo, IV. Em 24/2/2020 é junto um relatório intercalar subscrito pela Polícia Judiciária a fls. 265. que fundamentou novas intercepções com o seguinte teor: “considerando que o suspeito tem o contato telefónico do T. F. e que o contatou telefonicamente para solicitar informações sobre a ação inspetiva e para lhe dar sugestões de como proceder nesse processo, é nossa convicção que o suspeito, sabendo que está a ser investigado, poderá contatar novamente o T. F. para trocar impressões”. Porém, V. Entre a data em que as escutas cessaram (18-06-2019) e a data em que foram renovadas (10-03-2020), não foi intercetável qualquer gravação relevante. VI.O arguido não contatou nem foi contactado pelo contribuinte T. F.. VII. Já tinha terminado a inspeção ao contribuinte T. F.. Este já tinha sido notificado do relatório final e já se encontrava a pagar a coima e os impostos que tinha subtraído ao Estado. VIII Pelo que o douto despacho que ordenou novamente a realização de intercepções telefónicas ao arguido assentou em informações não verdadeiras (que não foram sindicadas pelos órgãos judiciais) violando-se assim, objetivamente quer o princípio da necessidade, quer da proporcionalidade, devendo ser ordenada a nulidade das escutas telefónicas ocorridas após junho de 2019. IX. Não permitindo a lei, sem mais, validar escutas telefónicas, pelo que ocorre uma violação do nº6 do artigo 187º do Código de Processo Penal que se consubstancia numa nulidade nos termos do artigo 190º do Código de Processo Penal. X. Sendo entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência que a violação dos pressupostos materiais de admissibilidade da medida no artigo 187.º do Código Processo Penal gera uma proibição de prova. XI. Estando a decisão de aplicação de medidas de coação fundada em prova sob a qual impendia uma proibição de valoração, salvo melhor opinião, estaremos perante uma prova proibida porque ab initio já se encontra ferida de nulidade, o que deve ser declarado com as inerentes consequências legais.
II - Da ilegalidade da detenção fora de flagrante delito e do despacho que a validou XII. No plano do direito interno e na vertente da detenção, a Constituição da República Portuguesa faz emergir dos seus arts. 18.°, 27. °, 28. °, 30. °, 31. ° e 272. ° um conjunto de princípios que balizam qualquer restrição da liberdade, fazendo-se notar aqui, com maior destaque, os da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, corolários do princípio da menor intervenção possível. XIII. Em harmonia com o n.º 1 do art. 257.º do Código de Processo Penal, a detenção fora de flagrante delito, só poderá ser determinada pelo Ministério Público nos casos em que estejam cumpridos os seguintes requisitos: quando se verifique em concreto alguma das situações previstas no 204.º e que apenas com a detenção se possam acautelar e se a detenção se mostrar imprescindível para a proteção da vítima. XIV. E como requisito genérico, cumulativo com os demais, terá de exigir-se a verificação de indícios da existência de fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado. XV.O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu apenas a realização de mandados de busca a fls. …, sem que dos mesmos constasse a detenção do arguido. XVI. Posteriormente, sem qualquer fato novo no processo, determinou a emissão de mandados de detenção fora do flagrante delito a fls. … XVII.A inspeção tributária na empresa T. F. terminou em junho de 2019 e é essa mesma inspeção realizada pelo arguido que se fala no auto de detenção, pelo que decorridos 11 meses já não existia perigo de continuação da atividade criminosa. XVIII.E ao arguido foi imputado um crime de corrupção passiva. XIX. Não houve matéria relevante encontrada nas buscas, não tendo sido junto qualquer elemento ao processo. XX. Conforme se alcança de fls. 409 e fls. 411 e 42, o então suspeito, ora arguido, aquando da busca domiciliária, cedeu voluntariamente as contas de correio eletrónico e as respetivas passwords, inclusive do seu telemóvel, sendo igualmente copiado todo o conteúdo existente no seu computador. XXI.E, conforme se obtém de fls. 429 foi efetuada uma busca no local de trabalho do arguido, a Autoridade Tributária, onde foram recolhidos e copiados documentos relacionados com a empresa T. F.. XXII Foram ainda inquiridos dois contribuintes, que estavam a ser inspecionados pelo arguido, que declararam que não foram alvo de qualquer tentativa de corrupção (embora não exista no mandado de detenção ou no primeiro interrogatório ao arguido qualquer facto relacionado com esses dois contribuintes). XXIII. Pelo que, não existe fundamento razoável para que se possa equacionar a possibilidade de existir por parte do arguido uma eliminação e/ou ocultação de provas que só com a detenção seriam acauteladas, XXIV. Até porque com as buscas domiciliárias e as efetuadas no seu local de trabalho, já teria sido assegurado que as provas não fossem destruídas, dissimuladas ou até mesmo ocultadas, pois foi copiado o conteúdo dos discos dos computadores e apreendidos os documentos considerados com interesse para os autos. Ademais, XXV.O comportamento do arguido indiciava que se apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado. Assim, XXVI. Não se verificando os requisitos cumulativos apontados no n.º 1, al. a), b) e c) do artigo 257º do Código de Processo Penal, impera a ilegalidade na emissão do mandado de detenção fora de flagrante delito pelo Ministério Público e consequentemente no despacho que a validou a fls. …, uma vez que não foram respeitados os requisitos constantes do nº1 do artigo 257º do Código de Processo Penal. XXVII. Sendo tal despacho nulo também o são os actos subsequentes, como o interrogatório do arguido e das medidas cautelares que lhe foram impostas.
III - Da nulidade do primeiro interrogatório judicial XXVIII. Ao arguido presente para 1º interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação deve ser dado conhecimento circunstanciado dos elementos constantes do processo que permitem o juízo de indiciação efetuado e a consequente aplicação da medida de coação, nos termos constantes do artigo 141º, nº 4 alínea c), d), e) do Código de Processo Penal. Todavia, XXIX.O defensor do arguido, apesar de ter solicitado antes do primeiro interrogatório a consulta do processo, apenas lhe foi permitida a consulta dos elementos de prova que suportaram o mandado de busca. Sucede que, XXX. O arguido não foi notificado do despacho com os motivos aduzidos para 1º interrogatório judicial, somente teve conhecimento desse despacho nesse mesmo ato e não lhe foi permitido acesso aos elementos de prova indicados pelo Ministério Público contendo provas que não estavam nos mandados de busca e que foram ocultadas ao arguido (declarações de duas testemunhas M. C., de fls. 446 e V. A. de fls. 448, relatórios intercalares constante dos autos, fls. 265 e fls. 453), como declarou em sede de alegações, constante de fls. … dos autos. XXXI.A audição destas duas testemunhas pelo qual o arguido não se pôde pronunciar, bem como os relatórios intercalares aos quais lhe foram negados o acesso, vêm mencionados como elementos de prova no despacho que veio a aplicar as medidas de coação, não tendo o arguido sido sequer questionado sobre qualquer facto relacionado com esses dois contribuintes. XXXII. Se o arguido pudesse ter tido a oportunidade de informar o Tribunal que o contacto com esses dois contribuintes ocorreu no período do estado de calamidade e no estado de emergência (bastava estar atento às datas das chamadas telefónicas) em que o contacto com o contribuinte tinha obrigatoriamente de ser à distância. Assim, XXXIII. Da leitura do artigo 141º do Código de Processo Penal retira-se que o juiz deve, em regra e como princípio, dar conhecimento ao arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e nos quais se baseia para aplicar uma medida de coação. XXXIV. Pelo que, se verificou uma violação do direito de defesa do arguido e do dever que obriga o juiz de instrução a indicar os motivos concretos da detenção, a comunicar e expor-lhes os factos e as provas que a fundamentam, de forma a que qualquer inocente se possa defender. XXXV. Salvo melhor opinião, mais não poderíamos estar senão perante uma nulidade prevista no artigo 119º do Código de Processo Penal que acarretará a invalidade do despacho que decretou a medida de coação, nos termos do artigo 122.º, devendo o acto ser repetido com cabal e integral cumprimento da alínea d) e e) do nº 4 do artigo 141º, ambos do Código de Processo Penal. B – MOTIVAÇÃO XXXVI.O arguido procedeu à inspeção tributária da empresa T. F. com vista a apurar se existia ou não uma disparidade entre o faturado e a real atividade da empresa, que teria reflexo em sede de tributação de IVA e IRS, entre os anos 2015 e 2017. Efetivamente, XXXVII. No dia 2 de abril de 2019, o arguido deslocou-se à sede da indicada empresa e verificou a existência de desconformidades no inventário e na faturação. XXXVIII.O que levou a elaborar um relatório (constante de fls. …) onde relatou a existência de disparidades entre os valores declarados em sede de IRS e IVA e o efetivamente auferido e recebido pelo contribuinte, determinando uma correção dessas declarações no valor total de 150 000 € a pagar pela empresa. XXXIX. Neste seguimento, vem o arguido acusado de ter proposto que baixaria o valor de correção ao denunciante, caso este lhe entregasse a quantia de 5 000 €. XL. Combinando com este, que o deveria contactar telefonicamente no dia seguinte (3 de abril) para que o denunciante lhe entregasse a quantia indicada. XLI. Perante a resposta negativa do denunciante, dirigiu-se à sua empresa e insistiu com este para que lhe entregasse essa quantia. XLII. Nada mais falso e irreal, o que apenas concebe como vingança do contribuinte pela ação inspetiva promovida pelo arguido. XLIII.O arguido como em tantas outras inspeções tributárias já efetuadas por si ao longo dos anos, seguiu os trâmites profissionais habituais, que são do conhecimento do seu coordenados e que também são praticados por outros inspetores. Desde logo, XLIV. Se o arguido quisesse e tivesse a intenção de subtrair a dita quantia de 5 000€, não iria lavrar um auto no dia 4 de abril que atesta a irregularidade da empresa T. F., indicando o valor dos impostos em falta, na qual compromete a contabilista que confirmou ter lançado valores sem documentos de suporte (fls.11) e o contribuinte que confirmou ter prestado serviços sem facturar. XLV.O arguido foi informando o seu coordenador, Dr. Carlos, das diligências que ia efetuando e das irregularidades que verificava, o que só por si demonstra que o arguido não podia depois vir dizer que não havia irregularidades. XLVI. Infelizmente o Digno Magistrado do Ministério Público não ouviu ainda o coordenador do arguido. XLVII.O relatório preliminar (aprendido a fls. …) que o arguido elaborou fez a correção da matéria colectável do contribuinte mediante o recurso a dois métodos: - a margem de lucro e anotação de stocks. XLVIII.O coordenador do arguido subscreveu o relatório preliminar da inspeção enviado pelo arguido e apreendido nas diligências de busca, que atesta que os métodos utilizados estavam corretos. XLIX. Se o arguido quisesse obter uma vantagem indevida não trazia para o processo de inspeção elementos de prova físicos que suportavam sem margem para dúvidas que o contribuinte “fugia” ao pagamento dos impostos. Uma nota, L. Foi ouvido outro superior hierárquico do arguido, o Sr. Dr. A. V. de fls. 262, que declarou que o comportamento do arguido no que toca ao privilégio pelo contacto direto com o contribuinte era tido como anómalo, LI.O que não se entende, dado que é prática o contacto direto com os contribuintes, estando o mesmo legalmente consignado, pois após o envio da carta aviso, onde se informa o contribuinte que vai ser alvo de uma ação de inspeção externa (conforme preceituado no artigo 49º do regime complementar de procedimento da inspeção tributária e aduaneira -RCPITA) e e atendendo ao principio da colaboração (artigo 59 da LGT), agenda-se uma data e hora para reunir com a administração da empresa / contribuinte Artigo 51.º (Código RCPITA) Data do início do procedimento de inspecção 1 - Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º 2 - O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção. II - Local dos atos de inspeção: Os atos de inspeção são realizados nas instalações da empresa onde existem os elementos, nomeadamente, programa de gestão de stocks, orçamentos, mercadorias ou outros documentos a analisar. Artigo 34.º (Código RCPITA) Local dos actos de inspecção 1 - Quando o procedimento de inspeção envolver a verificação de mercadorias, do processo de produção, da contabilidade, dos livros de escrituração ou de outros documentos relacionados com a atividade da entidade a inspecionar, os atos de inspeção realizam-se nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados os elementos. (redação da Lei n.º 75-A/2014 - 30/09) 2 - A solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários e em caso de motivo justificado que não prejudique o procedimento de inspecção, podem os actos de inspecção previstos no número anterior realizar-se noutro local. LII.É o próprio regime complementar de procedimento da inspeção tributária e aduaneira que determina que o inspector agende uma hora e um dia para reunir com o contribuinte e que a inspeção ocorra nas instalações da empresa. LIII. Por isso não se compreende a estranheza da contabilista (que considera honesto o denunciante quando o mesmo recebia verbas sem as facturar) e muito menos se compreende que o responsável pelo serviço de finanças desconheça as normas legais e a prática de diversos inspectores. Mais, LIV. Muitos contribuintes têm actividades que os levam a estar habitualmente fora das instalações da empresa, como é o caso do denunciante que procede à instalação de equipamentos. LV. Seria contraproducente o arguido deslocar-se de Bragança (local onde trabalha) a ... (sede do contribuinte) para falar com o Sr. T. F. de orçamentos de obras, preços de mão de obra praticado, inventários e outros, e ele não estar, alegando estar numa obra ou num cliente. LVII. As declarações do superior hierárquico são ainda mais estranhas (para não usar um termo deselegante), em virtude de que entre março e abril de 2020 devido à pandemia de Covid-19, o confinamento era regra e foi privilegiado o teletrabalho. LVIII. Pelo que não podendo os inspetores deslocarem fisicamente aos espaços privilegiaram o contacto via telefone ou email. Ademais, LIX. Nos autos de fls. 453 a 456, vem indiciado no relatório da Polícia Judiciária que não é prática comum um inspetor tributário guardar na sua secretária projetos de relatórios e documentos contabilísticos. Ora, LX. Estando o arguido em teletrabalho apresenta-se como uma atitude profissional zelosa e eficiente este ter em sua posse, mais concretamente, na sua secretária pessoal os processos em que estava efetivamente a trabalhar, até porque era o local onde atualmente exercia as suas funções. Mais, LXI. Não foram transcritos os registos das chamadas telefónicas efetuadas do arguido para o contribuinte e vice-versa. LXII. Se é afirmado pelo denunciante e reproduzido na acusação do Ministério Público que o arguido o contactou, quer no dia 2, quer no dia 3 de abril de 2019 telefonicamente, assevera-se fundamental saber da existência nos autos dessas mesmas chamadas, de todos os contactos que existiram antes (até porque o denunciante diz que só nessa data é que sou o número do arguido) e depois. Não obstante, LXIII. Resulta das escutas telefónicas transcritas nos autos, que o arguido nunca se reuniu sozinho com o denunciante, mas sim com ele e a sua contabilista e que nunca convidou o denunciante para se encontrarem fora dos locais de trabalho. Pelo contrário, LXIV. Nos autos existe uma escuta telefónica (não transcrita!!!!) em que o denunciante telefona ao arguido e o convida para tomar café, ao que este prontamente recusa. Ora, LXV. Se o arguido tivesse como objetivo reduzir ou ocultar irregularidades na contabilidade mediante uma compensação ilícita, não os ia fazer constar de dois documentos escritos (fls 11 e fls..) nem recusaria tomar café com o contribuinte. Efetivamente, LXVI. Se fosse verdade (não é) o que consta na acusação, que o arguido não iria recusar um encontro sozinho com o contribuinte. Tanto mais, LXVII.O denunciante disse que o arguido lhe pediu para lhe ligar (o que se fosse verdade e não é, indiciava que o arguido não tinha qualquer cuidado com o uso do telemóvel) quanto tivesse o dinheiro, pelo que, se quisesse ser corrompido não ia recusar esse encontro. LXVIII. Esta escuta é de relevante interesse para a descoberta da verdade e para a defesa do arguido, uma vez que a recusa do arguido em se encontrar num café com o contribuinte, ora denunciante, atesta a sua personalidade de retidão e profissionalismo e afasta qualquer dúvida de que o mesmo se estivesse a tentar corromper. Na verdade, LXIX. Demonstra bem mais do que isso, demonstra a total falta de intenção do arguido em receber dinheiro do denunciante. Porém, LXX. Essa conversa telefónica, inexplicavelmente, não foi transcrita para os autos, o que consubstancia a falta de isenção do órgão de Polícia Criminal que a fls. 125 referiu ter existido uma conversa entre o denunciado e o arguido, alegadamente (pasme-se) sem interesse. LXXI. Infelizmente também demonstra que o Digno Magistrado do Ministério Público e a Mmª. Juiz de Instrução não ouvem todas as interceções. Perdoe-se a perplexidade, LXXII. Há um denunciante que no auto de declarações de fls. … e fls. … confessa que ofereceu um equipamento com o valor aproximado de € 5.000,00 ao inspetor das finanças e este recusou. LXXIII. Há uma conversa telefónica do denunciante para o inspetor das finanças, a convidá-lo para tomar um café, e este recusa. LXXIV. Mas o corrupto é o inspetor das Finanças!!! Inacreditável. Da falta de pressupostos legais exigíveis na aplicação de medidas de coação LXXV. Para que se possa aplicar a medida de coação de suspensão de exercício de função, é necessário que o julgador verifique do cumprimento dos seguintes pressupostos: a verificação do circunstancialismo geral do art. 204.º do CPP; estar-se diante de crime punível com prisão de máximo superior a 2 anos; sujeição aos princípios de adequação e proporcionalidade (art. 193.º CPP); seja tal interdição suscetível de vir a ser decretada na sentença como efeito do delito imputado, i.e., sendo suscetível de vir a ser aplicada a pena acessória prevista no art. 66.º do CP da proibição de exercício de função. LXXVI. Tal medida, aplicada ao recorrente, assentou no perigo de continuação da actividade criminosa e no perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, e eventualmente de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a aquisição e conservação de prova. Contudo, LXXVII.Com os mesmos argumento acima aduzidos para refutar a ilegalidade de detenção do arguido e que para evitar uma repetição (inspeção tributária terminada há mais 11 meses, colaboração com as autoridades, inexistência de indícios relevantes, conduta inspectiva dentro dos procedimentos legais, redução das declarações do contribuinte e da contabilista a escrito, recusa em tomar café com o contribuinte, apreensão de toda a documentação e ficheiros considerados relevantes, etc) se dão por reproduzidos inexistem fundamentos para a aplicação de uma medida tão gravosa ao arguido. Sendo certo que, LXXVIII. Não foram mencionados factos suscetíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao recorrente, tal como é exigido pelo artigo 204.º do Código de Processo Penal, tendo a decisão assentado apenas em meros juízos abstratos, não concretizados em factos, o que importa a sua nulidade. Mais, LXXIX. Há um pedido de registo de vídeo vigilância (fls. 100 pelo órgão de Polícia Criminal quando o arguido foi a ... e reuniu com o denunciante e a sua contabilista e que estranhamente (fls 105) não é objecto de qualquer registo. LXXX. Fica a dúvida se o órgão de polícia criminal não fez o registo ou se não houve qualquer anomalia na reunião. LXXXI. Quanto à perturbação da ordem e tranquilidade públicas é imperioso que se exclua qualquer ideia ou tentação de ver aqui uma possibilidade de utilizar a medida de coação como uma “espécie de pena antecipada”, ou fundamentar tal medida com motivos de prevenção geral positiva, de pacificação da comunidade, LXXXII. Sendo que foi esta mesma preocupação levou a que a Lei nº 48/2007 retirasse à norma o seu cunho estritamente objectivo exigindo-se que essa perturbação seja imputável ao arguido, o que não sucedeu no presente caso. LXXXIII. Mais uma vez, um cidadão viu a sua vida devassada pelos meios de comunicação social com a publicação de noticias falsas. LXXXIV. Salvo o devido respeito, não tem o Tribunal quaisquer razões para que em face das declarações prestadas pelo inspector tributário dar a elas menor credibilidade que as do contribuinte que não pagava os impostos devidos, da contabilista (que presta depoimento indireto) lançava na contabilidade elementos sem suporte e da filha do denunciante com depoimento indireto. LXXXV. Denúncia efectuada no âmbito de uma açãop inspectiva em que o inspetor deteta diversas irregularidades, lavra auto escrito onde questiona os intervenientes sobre ilegalidades, recusa tomar café com o contribuinte e no dizer deste recusa ainda a oferta de um equipamento com um valor aproximado de € 5.000,00. LXXXVI. Voltamos a repetir o inspector das finanças é que é o criminoso?!!!!! LXXXVII. E se é verdade que o chefe do serviço de Finanças referiu que não considera boa prática o contacto telefónico com o contribuinte (se … porque não fez inspeções), o Código de Procedimento Inspetivo obriga a que pelo menos o primeiro contacto seja feito com o contribuinte. LXXXVIII. É igualmente dito que há escutas telefónicas que podem indiciar a prática de outros crimes (o que é desmentido pelos visados que não referem ter sido alvo de qualquer tentativa de corrupção), acontece que esses crimes nunca podiam ser considerados como motivos para a aplicação da medida de coação. Efetivamente LXXXIX.A testemunha M. C. referiu que o arguido nunca lhe pediu qualquer dinheiro. XCE a testemunha V. A. diz que realmente estranhou o arguido ter falado diretamente com ele, no entanto, também diz que não tinha contabilista. Logo o inspector tinha necessariamente de falar com o contribuinte. XCI.É ainda mencionado que relativamente a outras inspeções realizadas pelo arguido existe “uma abordagem dos contribuintes que excede a normal recolha de informações”. XCII.A Mmª. Juiz a quo esqueceu-se que os contactos ocorreram em estado de calamidade, pelo que o arguido tinha de obter as informações que precisava para prosseguir a inspeção, nem a deslocação física à empresa Por fim, XCIII. Não existe no processo uma qualquer denúncia ou auto que demonstre como se iniciou o procedimento criminal, sob pena de não haver processo. XCIV. As medidas de coação contendem com direito à liberdade e acesso a profissão consagrado no artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa acarretando consigo um insuportável risco de agressão da dignidade humana, principalmente quando se dirigem a um arguido na fase de inquérito, sobre o qual ainda não pende um juízo positivo de indícios suficientes. Face ao exposto XCV. Não estão cumpridos os requisitos gerais de aplicação das medidas de coação constantes do artigo 204.º do Código de Processo Penal. XCVI. E que não foram igualmente observados os princípios e regras que lhe estão subjacentes, designadamente, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, XCVII. Pelo que a aplicação das medidas de coação é considerada ilegal, por violação, entre outros, dos arts. 18.º, n.º 2, e 32. °, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e dos arts. 191.º, n.º 1, 193. ° e 199. ° do Código de Processo Penal.
TERMOS EM QUE DEVE decretada a nulidade das interceções telefónicas ocorridas depois de 18 de junho de 2019, do despacho que validou a detenção do arguido e do primeiro interrogatório judicial, bem como, das medidas de coação aplicadas. Caso assim não se entenda, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que revogue a suspensão de funções e a proibição de contactos aplicada ao recorrente e considere suficiente a medida de coação de tir, em respeito pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção. FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA.
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O recurso foi corretamente admitido.
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O ministério público quer na 1ª instância quer neste tribunal da Relação defendeu a manutenção da decisão.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal ( doravante CPP).
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Entretanto, em 28/10/2019, chegou aos autos a informação de que foi proferido em 1ª instância despacho que, deferindo requerimento do arguido, concluiu pela desnecessidade de manutenção da medida prevista no art.º 199.º do CPP e manteve apenas, para além do TIR, a medida de coação de proibição de contactos, por qualquer meio (pessoal, telefónico ou pelas redes sociais), com qualquer um dos intervenientes processuais (denunciante, testemunhas), de acordo com o disposto nos arts.º 191.º nº1, 193.º, 194.º, 195.º, 196.º e 200.º nº1 al. d), 204.º als.b) e c), 268.º nº 1 al. b) e 212.º nº 3 todos do CPP.
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Notificado para se pronunciar sobre se mantinha interesse na apreciação do recurso em face da alteração entretanto ocorrida, o arguido reafirmou o interesse no conhecimento das demais questões.
II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões que se define o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Analisando a síntese conclusiva temos que este tribunal é chamado a pronunciar-se sobre:
- a nulidade das escutas telefónicas;
- a ilegalidade da detenção fora de flagrante delito e do despacho que a validou;
- a nulidade do 1º interrogatório judicial;
- a falta de pressupostos legais exigíveis na aplicação das medidas de coação;
- a violação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e, bem assim, dos artigos 18.º nº 1 e 32.º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
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O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):
I.
I Validação da detenção Valido a detenção do arguido J. A., porquanto efetuada fora do flagrante delito, por autoridade de polícia criminal, ao abrigo do disposto no artigo 257.º, n.º 2, alíneas a) a c), do CPP. Mostra-se, igualmente, respeitado o prazo legal de apresentação do arguido para primeiro interrogatório judicial (cfr. 254.º, n.º 1, alínea a), do CPP). II. Factos concretamente imputados ao arguido: Mostram-se fortemente indiciados os seguintes factos: 1. O arguido J. A. desempenha as funções de Inspetor Tributário, nível 1, exercendo a sua atividade na Direção Geral de Finanças de Bragança. 2. No âmbito do desempenho das suas funções, no final do ano de 2018, o arguido procedeu a inspeção tributária da empresa T. F., que desenvolve atividade comercial na construção civil e venda de eletrodomésticos, gerida pelo denunciante T. F.. 3. A inspeção iniciada pelo arguido visava apurar se existia ou não uma disparidade entre o faturado e a real atividade da empresa, que teria reflexo em sede de tributação de IVA e IRS, entre os anos 2015 e 2017. Assim, 4. No dia 2 de abril de 2019, o arguido deslocou-se à sede da indicada empresa, sito na rua …, freguesia e concelho de ..., e apresentou ao denunciante um relatório provisório da inspeção. 5.º Do teor do relatório apresentado, constatava-se que haveria disparidades entre os valores declarados em sede de IRS e IVA e o efetivamente auferido e recebido, determinando, assim, uma correção da matéria tributável para cerca de 150 000 €, valor esse que não se coadunava com a estrutura da empresa. 6.º O denunciante, confrontado com o valor apresentado pelo arguido, ficou assustado, e pedia ao arguido como é que poderia impugnar tal valor, uma vez que se tratava de uma microempresa. 7.º Perante o desespero do denunciante, o arguido propôs-lhe que lhe baixaria o valor da correção caso o denunciante lhe entregasse a quantia de 5000€, devendo essa quantia ser entregue em numerário. 8.º Para tanto, o arguido combinou com o denunciante que este deveria contactá-lo telefonicamente no dia seguinte para que lhe entregasse a quantia solicitada. 9.º No dia 3 de abril de 2019, o arguido contactou o denunciante a questioná-lo se já tinha a quantia solicitada, ao que lhe foi respondido que não. Perante tal resposta, o arguido retorquiu-lhe: “Então vou fazer o meu trabalho e vou apresentar ao meu chefe amanhã”. 10.º No dia 4 de abril de 2019, o arguido deslocou-se à sede da identificada empresa e confrontou o denunciante questionando-o se já tinha o dinheiro para lhe entregar, ao que lhe foi respondido que não. Perante tal resposta, o arguido insistiu com o denunciante para que lhe entregasse essa quantia, dizendo-lhe as seguintes palavras: “então vou fazer o meu trabalho e vai doer muito”, concluindo “você tem o meu número de telemóvel, ligue quando quiser ou se lembrar de alguma coisa”. 11.ºEm junho de 2019, o denunciante foi notificado pela Direção da AT de Bragança da decisão final da inspeção, tendo sido determinado como valor a pagar pelo mesmo, resultante dos acertos dos anos 2015 a 2017 ao nível de IVA e IRS, o valor total de cerca de 14 000,00€, valor bastante inferior ao indicado pelo arguido, em abril de 2019. 12.º O arguido atuou da forma descrita com o propósito de obter benefícios a que bem sabia não ter qualquer direito, na quantia monetária solicitada, bem sabendo, que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Estado - A. T., que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas. 13.ºAgiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
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Em sede de interrogatório resultaram indiciados os seguintes factos atinentes às condições pessoais do arguido: 14.º O arguido aufere vencimento mensal médio líquido de 2.000 €. 15.º Vive com a mulher, em casa própria, e tem duas filhas, uma com 14 anos e outra com 19 anos, ambas estudantes, a cargo do casal. 16.º A filha mais velha estuda arquitetura na cidade do Porto, no que é ajudada pelos pais do arguido. 17.º A mulher do arguido trabalha como chefe de loja numa empresa do ramo alimentar, auferindo vencimento mensal médio líquido entre 900 a 1000 euros. 18.º O arguido tem como encargos mensais fixos, além dos decorrentes da normal subsistência do agregado familiar com a sobredita composição, o ressarcimento de empréstimo bancário contraído para a aquisição da sua habitação, no valor de 350 €mensais, e empréstimo para aquisição de um veículo motorizado, no valor de 124 €mensais. 19.º Tem dois veículos automóveis, de marca Opel e Mercedes, e o sobredito veículo motorizado de marca BMW. 20.º Tem como habilitações a licenciatura em ciências empresariais.
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Facto não indiciado: O valor referido em 5 era o valor a pagar pela entidade inspecionada. III. Elementos de prova: Os factos indiciariamente praticados pelo arguido resultam da conjugação do acervo probatório reunido nos autos, designadamente: 1. Denúncia de fls. 3 e ss.; 2. Relatório intercalar de fls. 265 e ss.; 3. Auto de busca e apreensão de fls. 409 e ss.; 4. Relatório intercalar de fls. 453 e ss.; 5. Decisão final da AT e guias de pagamento apenso 2; 6. Projeto e anotações da decisão e documentos contabilísticos apreendidos ao arguido, apenso 3. - Interceções telefónicas (transcrições e respetivos suportes magnéticos): anexo I e transcrições no anexo A. Testemunhas: 1. T. F., id. a fls.13 e 259, 2. M. H. fls. 7 e fls. 255; 3. A. R. fls. 26 e fls.256; 4. A. V. de fls. 262; 5. M. C., de fls. 446; 6. V. A. de fls. 448.
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A indiciação dos factos atinentes às condições pessoais do arguido resulta da valoração das declarações por ele prestadas em sede de interrogatório que, nesse particular, se nos afiguraram verosímeis, tanto mais que alheias à factualidade com relevância criminal, fator facilitador da sua sinceridade. A consideração como não provado do facto a que, nessa qualidade se aludiu resulta dos esclarecimentos prestados pelo arguido, em conjugação com o projeto de relatório de inspeção junto ao apenso 3. IV. Qualificação jurídica: Os factos supra elencados indiciam, no atual estado do inquérito, a prática pelo arguido, como autor material de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal. V. Das exigências cautelares À luz dos princípios constitucionais conformadores do sistema processual penal, as medidas de coação, enquanto restrições à liberdade de alguém que se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), não são, nem podem ser, uma forma de antecipação da responsabilização e punição penal e só se justificam como meio de tutela de necessidades de natureza cautelar, ínsitas às finalidades últimas do processo penal: a realização da justiça, através da descoberta da verdade material de um modo processualmente válido, e o restabelecimento da paz jurídica.
Como corolário do estatuído pelo artigo 193.º do CPP, a doutrina tem seguido o entendimento de que são três os princípios aí erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coação:
- O princípio da adequação, nos termos do qual se exige que a medida a selecionar deve ser a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto; - O princípio da proporcionalidade, dita que a medida deve atender à gravidade do crime e às sanções que se prevê venham a ser aplicadas; - O princípio da subsidiariedade, no que toca à medida mais gravosa e limitativa que é a da prisão preventiva, determinando que tal, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta (critério da ultima ratio). (S. Santos e Leal H., in Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957.) A todos acresce, ainda, o princípio da legalidade, previsto no artigo 191.º, n.º 1 do dito diploma e cujo corolário lógico é o da tipicidade e o caráter taxativo das medidas elencadas na lei. Para além dos princípios gerais enformadores da aplicação de uma medida de coação, a lei processual penal exige, ainda, para a generalidade das medidas que mais gravemente afetam direitos fundamentais dos arguidos que, das diligências efetuadas nos autos, resultem fortes indícios da prática do ilícito criminal subjacente à reação penal. Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, e conforme às regras da experiência e da vida, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida de um outro facto (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2007, proferido no processo n.º 07P4588, disponível em www.dgsi.pt). Assim, os fortes indícios são aqueles que incutem ao aplicador da medida de coação uma convicção séria de que os factos ocorreram da forma inferida e, deles resulta uma forte possibilidade de, em julgamento, ser imposta ao arguido uma pena ou uma medida de segurança. No demais, o artigo 204.º do Código de Processo Penal estabelece os requisitosgerais para a aplicação de medida de coação, cuja verificação, individual ou conjunta, no momento da aplicação da medida, é essencial como pressuposto prévio da respetiva aplicação. Tais requisitos respeitam à verificação, em concreto de: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
No caso concreto, a forte indiciação dos factos imputados ao arguido resulta da convicção formada a partir da valoração dos vários elementos probatórios já recolhidos nos autos e mencionados supra, sem olvidar, o facto de estarmos ainda em fase investigatória. Nesse particular, há que denotar que as declarações do arguido contrariam frontalmente a prática do ato objetivo essencial à verificação da responsabilidade criminal que lhe vem indiciariamente imputada. Em contraposição, a indiciação da sua ocorrência estriba-se essencialmente nas declarações prestadas quer pelo denunciante, quer pela filha deste, quer pela contabilista da empresa inspecionada, quer ainda nas declarações do seu superior hierárquico A. V., conjugadamente com os resultados das interceções telefónicas transcritas nos autos e da demais prova documental neles reunida. Nesta fase processual não tem o Tribunal quaisquer razões para que, em face das declarações prestadas pelo arguido, dar a elas maior credibilidade do que a se extrai da ponderação dos aludidos elementos probatórios, sendo certo ainda que, quanto ao procedimento adotado pelo arguido no decurso da ação inspetiva, designadamente o contacto direto com o contribuinte, foi o mesmo tido por anómalo pelo referido superior hierárquico, não podendo assim obter reforço nas regras da experiência comum e do normal devir em sede do exercício das competências funcionais atribuídas ao arguido. Outrossim, as escutas transcritas contrariam, parcialmente, as declarações do arguido, resultando delas – embora relativamente a outras inspeções por si realizadas – uma abordagem dos contribuintes que excede a normal recolha de informações e coloca em crise a transparência do seu procedimento no que se refere ao reporte de todas as informações aos seus superiores hierárquicos e, por fim, revelam um cuidado tido nas comunicações por via telefónica, o que, ainda que não respeitando inteiramente aos factos que lhe são, por ora, concretamente imputados, não se coaduna com uma atuação desprovida de qualquer mácula ou censura, atenta a ambiguidade das declarações ouvidas e as interpretações a que se sujeitam. Outrossim, não vislumbramos qualquer justificação para a atuação do denunciante - posto que não se indicia qualquer motivação para a denúncia de factos falsos e, muito menos, no momento temporal em que o fez – antes se nos afigurando enquadrada num contexto de indignação e inconformismo pelo comportamento ilícito empreendido pelo arguido.
Para efeitos da aplicação de medida de coação ao arguido há, pois, que considerar:
- O crime imputado ao arguido é doloso e abstratamente punido com pena de prisão 1 a 8 anos; - As exigências de prevenção geral são muito elevadas, tendo em consideração o bem jurídico protegido com a incriminação, o prestígio e a dignidade do Estado e de quem o representa, como pressupostos da sua eficácia e operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos, sendo altamente censurável, em termos comunitários, que alguém tire partido de uma especial posição para obter vantagens pessoais, num contexto de empobrecimento do tecido empresarial, sobretudo ao nível das microempresas e familiares, já a braços com uma elevada carga fiscal, exigências essas que reclamam dos tribunais uma reação eficaz; - Relativamente ao perigo de fuga, entendemos não resultarem dos autos ou do interrogatório efetuado a sua concretização; - Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, mantendo o arguido as funções que lhes estão adstritas, não vemos como possa afirmar-se o afastamento dessa possibilidade, posto que disporia o arguido de todos os meios para reiterar o delineado modus operandi, bastando para tanto reforçar a discrição de que já há evidências na prova recolhida. As declarações do arguido foram de perentória negação dos factos, pelo que não pode extrair-se delas qualquer juízo de autocensura, nem mesmo quanto aos procedimentos adotados, o que não endossa ao Tribunal um nível de confiança que permita afastar a possibilidade concreta da sua reiteração; - Mais entendemos verificado o perigo concreto de perturbação do inquérito e da instrução da causa, posto que a investigação ainda decorre, e não obstante os elementos apreendidos em sede de busca, o certo é que não é apenas conservação da prova documental que está em causa mas também a prova testemunhal já adquirida e a produzir, cuja obtenção e preservação da veracidade de impõe acautelar. - Por fim, a repercussão pública da atuação do arguido, a natureza do crime indiciado, o modo da sua execução, os traços de personalidade vindos de delinear, são suscetíveis de gerar na sociedade em geral e na população do meio em que o arguido se insere, em particular, preocupação e indignação, tornando essencial dar resposta aos anseios da comunidade, às fortes exigências de prevenção geral patentes nos autos. Os sobreditos perigos carecem de ser acautelados, mediante a aplicação de medidas de coação que, de forma eficaz, satisfaçam as exigências cautelares aludidas. Mostram-se, em concreto, preenchidos os requisitos gerais de aplicação de outras medidas de coação para além do termo de identidade e residência, previstos no artigo 204.º, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal. Face a tudo o exposto, atenta a moldura penal abstrata dos crimes indiciados, a probabilidade de o arguido vir a ser por ele condenado, a gravidade dos factos criminosos, entendemos, adequadas as medidas propostas pelo MP por necessárias e aptas a acautelar suficientemente os perigos verificados. VI. Decisão Pelo exposto, atenta a forte indiciação dos factos imputados ao arguido e a sua gravidade, a moldura penal abstrata aplicável ao crime em causa nos auto, a séria probabilidade de o arguido vir a ser por eles condenados, e as exigências cautelares que o caso impõe, determino que o arguido J. A. aguarde os ulteriores trâmites processuais, sujeito, para além do Termo de Identidade e Residência já prestado nos autos, às seguintes medidas de coação: - Suspensão do exercício das suas funções ou outras na AT, com a inerente revogação de todos os acessos a qualquer informação do âmbito profissional por meios informáticos; - Proibição de contactos, por qualquer meio (pessoal, telefónico ou por redes sociais), com qualquer um dos intervenientes processuais (denunciante, testemunhas) e, bem assim, com quaisquer contribuintes ou contabilistas com quem tenha estabelecido contacto no âmbito de ações inspetivas por si realizadas ou em curso, funcionários da AT, designadamente quaisquer superiores hierárquicos, a nível regional ou nacional (cfr. artigos 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 199.º, alínea a) , 200.º, n.º 1, alíneas d), 204.º, alíneas b ) e c) e 268.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal). Restitui-se o arguido à liberdade. Notifique (artigo 194.º, n.º 9, do Código de Processo Penal). Comunique à AT.
Apreciação do recurso.
Questão prévia.
Como se disse, já depois de remetido o recurso a este tribunal, veio o tribunal de 1ª instância a alterar o estatuto coativo do arguido, revogando a medida de coação de suspensão do exercício de funções. Assim, o presente recurso deixa de ter como objeto a apreciação da correção da imposição dessa concreta medida de coação.
Posto isto,
o recorrente veio, além do mais, invocar “a nulidade das interceções telefónicas ocorridas depois de 18/06/2019, do despacho que validou a detenção do arguido e do 1º interrogatório judicial, bem como das medidas de coação aplicadas”.
Mais requereu que, caso assim se não entendesse, fosse “o despacho recorrido substituído por outro que revogue as medidas de coação de suspensão de funções e de proibição de contactos aplicadas ao recorrente”.
Como é pacífico e já atrás ficou dito, é pelas conclusões do recurso que se afere o seu âmbito, exceto quanto às questões de conhecimento oficioso.
Mas as questões trazidas à apreciação do tribunal têm de ser aquelas que, decididas pelo tribunal recorrido, o foram de forma desfavorável para o recorrente, na medida em que os recursos se destinam a examinar decisões proferidas e não a obter ex novo decisões sobre questões não anteriormente colocadas.
Veja-se o que a este propósito é dito, por exemplo, pelo Ac. STJ de 04/12/2008 ( in www.dgsi.pt) ao afirmar que o tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não fossem presentes ao tribunal de que se recorre ou o Ac. também do STJ de 25/03/2010 ( in www.dgsi.pt) quando diz que os recursos, como remédios jurídicos que são não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso.
A primeira questão trazida à apreciação deste tribunal - a da nulidade das interceções telefónicas e consequente proibição da prova - não foi anteriormente, pelo menos formalmente, colocada à decisão do juiz a quo. No entanto, ao proferir a decisão recorrida, o tribunal a quo baseou-se em diversos meios de prova que elencou, entre os quais “as interceções telefónicas (transcrições e respetivos suportes magnéticos): anexo I e transcrição do anexo A”, o que autoriza a conclusão de que as julgou válidas, isto é, que as admitiu como meio de prova, pelo menos, implicitamente.
Assim sendo, apesar do caráter inovador dos argumentos utilizados pelo recorrente, entendemos dever ser feita a requerida análise sobre se as interceções telefónicas “posteriores a 18/06/2019” estão feridas de nulidade constituindo prova proibida.
Entende, o recorrente que a decisão de renovação das escutas, tomada em data posterior a 18/06/2019, violou os pressupostos materiais de admissibilidade de recurso a tal meio de prova, razão pela qual se encontra ferida de nulidade e, nessa medida, constitui prova proibida, na qual o tribunal a quo não podia basear a decisão que veio a tomar.
Vejamos, então, se assim é.
As escutas telefónicas, isto é, a interceção e gravação de conversas ou comunicações telefónicas enquanto meio de obtenção de prova, revestem caráter excecional (cfr. Faria Costa in Direito Penal da Comunicação, alguns escritos, Coimbra Editora,1998, 174: “ninguém duvida de que todo o regime de escutas telefónicas tem de ser entendido como verdadeiramente excecional” citado por Ana Raquel Conceição in Escutas Telefónicas, Regime Processual Penal, 69) e estão sujeitas a apertados requisitos para poderem ser consideradas legítimas, desde quem as pode ordenar (juiz) até quem as pode realizar (OPC) em que circunstâncias (no âmbito do processo penal), a quem e durante quanto tempo, tudo por forma a assegurar a sua validade processual enquanto meio de prova.
Dispõe o nº 1 do art.º 187 do CPP que “a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do ministério público quanto a crimes (…) seguindo-se o elenco dos crimes que as admitem.
Nos termos do nº 6 do mesmo art. 187º a interceção e gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de 3 meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respetivos requisitos de admissibilidade.
Nos termos do nº 8 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Este preceito veio a ser projetado no art.º 126.º do CPP (Métodos proibidos de prova) no qual encontramos quer as proibições absolutas (art.º 126.º nº 2) quer as proibições relativas (art.º 126.º nº 3), enquanto limites a acatar na necessidade de perseguição penal, dada a imperatividade de respeitar direitos fundamentais inalienáveis.
Assim, tão proibida é a prova que viola frontalmente direitos fundamentais (art.º 126º nºs 1 e 2) como a que desrespeita as formalidades exigidas por lei para a sua obtenção (art.º 126.º nº 3), quando tal desrespeito se traduz numa intromissão inadmissível na vida privada de alguém.
Situações há, contudo, em que no conflito de valores fundamentais há que dar prevalência a uns sobre outros, sob pena de não realização da justiça, na certeza, contudo, de que na ponderação dos interesses em jogo o interesse a salvaguardar há-de aparecer superior ao que tiver de ser sacrificado (art.º 34.º al. b) do Código Penal).
Daí que adquiram especial relevo na decisão de ponderação dos valores conflituantes os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da subsidiariedade, enquanto legitimadores da utilização das escutas, porque, já se sabe, a violação dos requisitos e condições de admissibilidade de uma escuta implica a nulidade da prova e, portanto, a impossibilidade da sua utilização e valoração.
Para que seja respeitado o princípio da proporcionalidade, para além da gravidade do crime, terá que se estar perante “uma possibilidade séria na obtenção de elementos de prova com relevância para os interesses da investigação criminal”; para que se respeite o princípio da necessidade ter-se-á que concluir que “os resultados probatórios almejados não podem ser alcançados por meio de obtenção de prova menos restritivo dos direitos fundamentais”, isto é, “a escuta telefónica só poderá ser utilizada quando outros meios se mostrem insuficientes ou inadequados”; a subsidiariedade, para além de resultar da sistematização legal (o posicionamento das escutas telefónicas em último lugar, vem reforçar a ideia de subsidiariedade”, ob cit, 89) implica que nenhum outro meio de obtenção da prova menos lesivo de direitos fundamentais, permita a concretização dos mesmos objetivos.
O recorrente entende que a decisão que ordenou as escutas após junho de 2019, viola os princípios da necessidade e da proporcionalidade, o que determina a sua nulidade.
Está em causa nos autos um crime de corrupção passiva p.p. art.º 373.º nº1 do CP, cuja denúncia partiu de um contabilista por acordo com o chefe da divisão de finanças de Bragança, tendo em Abril de 2019 a polícia judiciária sugerido ao ministério público a interceção de contactos telefónicos entre ofendido e arguido, por um período de 30 dias.
A necessidade decorria do teor das declarações do ofendido e outras testemunhas das quais resultava indiciada a prática do referido crime pelo arguido, bem como a possibilidade de existirem, daí em diante, contactos telefónicos entre ambos.
Aquando da realização do relatório intercalar, datado de 06/03/2020, foi sugerida pela PJ a emissão de mandados de busca e apreensão, a levar a efeito no gabinete afeto ao arguido nos serviços de inspeção tributária de Bragança, e bem assim, à residência do arguido; foi ainda solicitada autorização para pesquisa e apreensão em sistemas informáticos de equipamentos localizados nas buscas e renovada a necessidade de interceções telefónicas.
A justificação apresentada é do seguinte teor:
“Considerando que o suspeito tem o contacto telefónico do T. F. e que o contactou telefonicamente para lhe solicitar informações sobre a ação inspetiva e para lhe dar sugestões sobre como proceder nesse processo, é nossa convicção que o suspeito sabendo que está a ser investigado poderá novamente contactar o T. F. para trocar impressões com o mesmo sobre ações, diligências, acordos, desentendimentos e outras conversas havidas entre ambos durante a ação inspetiva. Por esse motivo, entendemos que se torna igualmente indispensável o recurso às interceções telefónicas pelo prazo de 30 dias aos telemóveis do suspeito J. A. (92…) e do denunciante (93…) e dessa forma proceder à recolha de prova e descoberta da verdade material. Ao mesmo tempo, o recurso às interceções telefónicas trata-se de um reconhecido meio de obtenção de prova que na presente investigação garantirá uma inquestionável perceção da realidade que de outra forma seria muito difícil ou mesmo impossível de obter. Pelas mesmas razões, reveste igual importância tomar conhecimento de outras conversas presenciais que possam ocorrer entre o suspeito e o denunciante”.
Segue-se a sugestão de: - Interceção pelo período de 30 dias ao telemóvel 92… e IMEI onde o mesmo se encontra operar, localização celular, e faturação detalhada com registo de traceback; - Interceção pelo período de 30 dias ao telemóvel 93… e IMEI onde o mesmo se encontra operar, localização celular, e faturação detalhada com registo de traceback; - Autorização para recolha de som “conversa entre presentes” a realizar em instalações ou veículos policiais e imagem dos eventuais encontros entre suspeito e denunciante. (…) Atendendo às elevadas suspeitas da prática do crime de corrupção passiva pelo suspeito, sugere-se ainda ao digno magistrado do ministério público titular da investigação que ordene a sua detenção para ser sujeito a 1º interrogatório judicial e eventual aplicação de medidas de coação.
Acatada a sugestão pelo ministério público, vieram a ser deferidas as interceções telefónicas, as buscas e demais diligências tiveram lugar em 03/06/2020 e o arguido foi detido fora de flagrante delito e sujeito a 1º interrogatório judicial no dia seguinte.
Das diligências de prova obtidas até ao momento em que foi solicitada e deferida, em março de 2020, a interceção de comunicações telefónicas do arguido decorriam já fundadas suspeitas da prática do crime pelo arguido, suspeitas essas que resultavam de diligências de prova de natureza diversa das interceções telefónicas (inquirição do ofendido T. F. da qual resulta indiciada a prática do crime desde a afirmação atribuída ao arguido “caso baixe o valor da correção, o que é que eu ganho em troca?”, até às referências a pedidos de dinheiro por parte do arguido, e bem assim, à posterior afirmação “você tem o meu número de telemóvel, ligue quando quiser ou se lembrar de alguma coisa”; da filha do ofendido, A. S., que referiu questões como se tinham conhecimentos influentes na GNR ou Finanças); de M. H. a quem T. F. deu conta de que o arguido lhe havia solicitado o valor de 5.000€ e que testemunhou a apresentação de três relatórios elaborados pelo arguido com valores de correição muito díspares (150.000€; 35.000€ e 14.000€); de A. V., diretor da IT de Bragança onde o suspeito exerce funções que se referiu aos valores de correição exagerados e às reservas que lhe mereceu uma inspeção efetuada pelo arguido a outra empresa de Bragança). Isto é, dos autos resultava como verosímil a prática pelo arguido do concreto crime que lhe estava a ser assacado, mas a natureza da prova até aí obtida era apenas testemunhal. É certo que os depoimentos estavam perfeitamente identificados, eram utilizáveis no processo, mas tornava-se necessário, até para assegurar uma diversidade de prova para além da testemunhal que muitas vezes é a mais falível, a obtenção de outras provas, podendo ser as escutas telefónicas de grande valia (se o foram, ou não, é questão diversa).
Portanto, o despacho que ordenou novamente a realização de interceções telefónicas mostra-se justificado, não viola os princípios da necessidade e da proporcionalidade, pelo que não estava o tribunal impedido de valorar a prova assim obtida, que não é proibida e, nessa medida, também não é nula.
Insurge-se também o recorrente contra a detenção fora de flagrante delito e o despacho que a validou, que entende serem nulos e acarretarem também a nulidade dos atos subsequentes v.g. do interrogatório e das decisões nele tomadas.
É do seguinte teor o despacho recorrido “valido a detenção do arguido J. A., porquanto efetuada fora do flagrante delito por autoridade de polícia criminal, ao abrigo no art..º 257.º nº 2 als. a) a c) do CPP”.
Dispõe o art.º 257.º do CPP que:1-Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efetuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público:
a) Quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria voluntariamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado; b) Quando se verifique, em concreto, alguma das situações previstas no artigo 204.º, que apenas a detenção permita acautelar; ou c) Se tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima. 2 - As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando: a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva; b) Existirem elementos que tornem fundados o receio de fuga ou de continuação da atividade criminosa; e c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.
Nos presentes autos, o mandado de detenção do arguido fora de flagrante delito foi emitido pelo ministério público e cumprido pela polícia judiciária.
Nele, o ministério público depois de referir os factos que, no seu entender, os autos indiciavam fortemente, consubstanciadores de “um crime de corrupção passiva para ato ilícito p.p. art.º 373.º nº 1 do CP”, justifica a sua emissão com o facto de o arguido “persistir na sua atuação delituosa”, identificando “um perigo concreto de o arguido continuar com os seus intentos contra terceiros e potenciais ofendidos”. Justifica ainda a emissão dos mandados com “o acesso privilegiado que o mesmo tem nas bases de dados da Autoridade Tributária” que permite concluir que “face aos factos indiciados o denunciado possa aceder às referidas bases de dados com intuito de ocultar ou dissimular possíveis meios de prova a recolher e assim destruir parte da prova ora recolhida, perturbando desta forma o normal desenvolvimento do inquérito.
E continua: Urge, pois, a tomada de medidas, ao nível do regime coativo do denunciado que acautelem o perigo do mesmo persistir com a sua atuação perigosa e por forma a evitar que a situação se agrave.
Face ao exposto, atento o evidenciado perigo de continuação de atividade criminosa e da perturbação do inquérito do denunciado e tendo em vista proteger a vítima e conseguir uma melhor comprovação dos factos, impõe-se: - A detenção fora de flagrante delito do arguido J. A. com vista à sua apresentação ao Mmo. Juiz de Instrução, para realização de interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação que permitam acautelar os perigos acima indicados, nos termos do art.º 257.º nº 1 als. a) e b) do CPP (cfr. Art.º 202.º nº 1 al. a) b) e 1º al. j) do mesmo código)”.
Entende o recorrente que, desde que a inspeção tributária terminou em junho de 2019, não houve qualquer facto novo que determinasse a emissão dos mandados de detenção, que não houve matéria relevante encontrada nas buscas, que não havia fundamento para que pudesse ser equacionada a eliminação/ocultação de provas até porque, com as buscas, já ficava assegurado que as provas não seriam destruídas, que todo o comportamento do arguido indiciava que se apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária e que não se verificavam os “requisitos cumulativos” apontados no nº 1 als. a) b) e c) do art.º 257.º do CPP, de onde resulta a ilegalidade do mandado de detenção, do despacho que o validou e do subsequente interrogatório e decisões nele tomadas.
Vejamos se assim é.
Antes de mais impõe-se corrigir o lapso que consta do despacho que valida a detenção “porquanto dele consta que foi efetuada fora do flagrante delito por autoridade de polícia criminal ao abrigo do art.º257.º nº 2 als. a) a c) do CPP”, quando não se trata da indicada situação, mas antes da detenção ordenada pelo ministério público, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 257º do CPP.
De facto, os pressupostos para efetivação da detenção são diferentes e nem a PJ deteve por sua iniciativa o arguido, nem os fundamentos invocados se enquadram nas referidas alíneas a) a c) do nº 2 do art.º 257.º do CPP.
Portanto, a validação da detenção enferma de manifesto lapso (a que certamente não será alheio o uso de minuta de outras diligências semelhantes), sendo evidente que onde consta 257.º nº 2 alínas a) a c) deverá constar art.º 257.º nº 1 b) e c) do CPP.
A questão que se põe é, então, a de saber se a detenção do arguido foi abusiva face a qualquer das alíneas do art.º do 257.º nº 1 do CPP.
Mas antes disso convém recordar a redação original do nº 1 do art.º 257 para, no confronto com a atual redação, se perceba se se está perante requisitos cumulativos como alega o recorrente, ou alternativos, como resulta do entendimento do ministério público, ao afastar a aplicação da al. a) do art.º 257.º nº 1.
Na sua redação inicial (resultante do DL 78/87 de 17/02) o nº 1 do art.º 257.º dispunha “fora do flagrante delito a detenção só pode ser efetuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do ministério público”.
Tratava-se de uma redação que permitia detenções surpresa (que chegaram a ser apelidadas de “detenções espetáculo”) merecedora de diversas críticas, razão pela qual veio a ser alterada pela lei 48/2007 de 29.08, nos termos da qual se passou a exigir para a detenção fora de flagrante delito que existissem fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária, no prazo que lhe fosse fixado.
Ficou, pois, claramente restringido o campo de aplicação da detenção fora de flagrante delito, mas cedo se verificou que punha em causa valores caros ao sistema processual penal como a segurança e a liberdade de terceiros, para além de ser incompatível com o art.º 144.º nº 1 (cfr. P.P. Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª Ed. Nota Prévia ao artigo 257.º ponto 6, pág. 704) e constrangedora da capacidade de atuação dos OPC e das autoridades judiciárias.
A correção da redação legal urgia (apesar dos seus efeitos terem sido atenuados para situações concretas pelo teor do art.º 95-A da lei 5/2006 de 23.02, alterada pela lei 17/2009 de 06.05 e art.º 30.º da lei 112/2009 de 16.09) e veio a ter lugar com a lei 26/2010 de 30.08, que alargou os fundamentos da detenção fora de flagrante delito, tendo, além do mais, revogado o referido art. 95-A da Lei 5/2006..
Isto é, como é dito por José Manuel Saporiti Machado da Cruz Bucho in Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, página 93 as alterações ao art.º 257 configuraram-se “ser inteiramente justificadas na medida em que passam a permitir a detenção fora de flagrante delito: - por ordem da autoridade judiciária quando existir perigo de fuga ou de continuação da atividade criminosa, ou quando a proteção da vítima o exigir; - por ordem de autoridades de polícia criminal também quando existir o perigo de continuação de atividade criminosa”.
Esta breve resenha da evolução legal permite perceber a razão pela qual se deve entender que os requisitos constantes das als. a) b) e c) do nº 1 do art.º 257 não são cumulativos, como defende o recorrente, mas alternativos.
Efetivamente, se fossem cumulativos e não invocando o ministério público, na emissão dos mandados, razões para considerar que o visado se não apresentaria voluntariamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe foi fixado, sendo até possível acreditar que o faria voluntariamente se notificado, não podia julgar-se válida a detenção. Mas não foi esse o fundamento invocado. O fundamento foi essencialmente (para além da invocada proteção da vítima, que verdadeiramente não se justifica) acautelar a possibilidade de continuação de atividade criminosa e sobretudo a de vedar o “acesso às bases de dados com o intuito de ocultar ou dissimular possíveis meios de prova a recolher, assim como, destruir parte da prova ora recolhida, perturbando o normal desenvolvimento do inquérito”.
Portanto, em resumo, foi o perigo de continuação de atividade criminosa e de perturbação do inquérito que determinou a detenção fora de flagrante delito.
Ora, tais perigos enquadráveis na al. b) do nº 1 do art.º 257.º do CPP, vieram, efetivamente, a ser identificados no despacho que aplicou as medidas de coação, já que foi precisamente com base no perigo de continuação de atividade criminosa e de perturbação do inquérito que foram aplicadas as medidas de coação ao arguido.
Entende, ainda, o recorrente que o perigo de continuação de atividade criminosa inexistia e que com as buscas efetuadas foi já assegurado que as provas não fossem destruídas, dissimuladas ou ocultadas, porque foi copiado o conteúdo dos discos dos computadores e apreendidos os documentos necessários com interesse para os autos.
Ocorre que se até se aceita que o perigo de continuação da atividade criminosa não está devidamente justificado, não deverá olvidar-se que a prova não é apenas documental e que se a detenção para interrogatório e imposição de medidas de coação se não efetuasse em momento subsequente às buscas, poderia vir a ser frustrado o objetivo pretendido alcançar, por ser humanamente compreensível alguma tentativa de afastar a imputada responsabilidade criminal (aliás, em coerência com a negação pelo recorrente dos factos indiciados), quer contactando testemunhas, quer dificultando o acesso à prova pela adoção de procedimentos que a surpresa da detenção sempre evita.
Deverá, então, concluir-se que, pelo menos sob o ponto de vista da investigação e dos perigos por esta identificados e pretendidos acautelar, a detenção do arguido não é ilegal por ter fundamento na al. b) do nº 1 do art.º 257.º do CPP, a qual basta para afastar a invocada nulidade da detenção fora de flagrante delito.
Invoca também o recorrente a nulidade do 1º interrogatório judicial fundando a invocação na circunstância de não ter tido acesso e conhecimento circunstanciado dos elementos constantes do processo que permitiram o juízo da indiciação efetuado e consequente aplicação das medidas de coação.
Dispõe o art.º 141 .º nº 4 do CPP que o juiz informa o arguido:
a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário; b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova; c) Dos motivos da detenção; d) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e e) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; ficando todas as informações, à exceção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.
E assim é porque, nos termos do nº 6 do art.º 194 do CPP, é nulo o despacho que venha a ser proferido e que não contenha a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo sempre que forem conhecidas as circunstâncias de tempo, lugar e modo, e bem assim, a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.
Acresce que, nos termos do nº 7 da mesma norma, sem prejuízo da ressalva feita na al. b) do nº 6 não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência, quaisquer factos ou elementos de processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a que se refere o nº 4 (e não 3 como consta da lei).
O recorrente insurge-se contra o facto de não ter tido acesso - através da pessoa do seu ilustre mandatário - aos elementos de prova indicados pelo ministério público “contendo provas que não estavam nos mandados de busca e que foram ocultados ao arguido” dando como exemplo “as declarações de duas testemunhas M. C. de fls. 446 e V. A. de fls. 448, relatórios intercalares constantes dos autos, fls. 267 e fls. 453”. Mais refere, que invocou tal omissão em sede de alegações e que “a audição das duas referidas testemunhas sobre a qual o arguido não se pode pronunciar, bem como os relatórios intercalares aos quais lhe foi negado o acesso vêm mencionados como elementos de prova no despacho que veio a aplicar as medidas de coação, não tendo o arguido sido sequer questionado sobre qualquer facto relacionado com esses dois contribuintes”.
Os autos não projetam a alegação do recorrente, uma vez que não basta alegar no final da diligência que não foi obtido ou que foi negado o acesso a determinados elementos de prova, é necessário que dos autos conste tal negação, porque non quod est in actis non est in mundo.
Do auto do interrogatório do arguido constavam os motivos da detenção, os factos concretamente imputados e as provas que indiciavam tais factos, identificadas e localizadas pelas folhas dos autos a que se encontram.
Ao arguido é - e foi - dado o direito de se pronunciar ou não, sobre os imputados factos e sobre as provas concretamente elencadas. É evidente que se o pretendesse, antes de prestar declarações poderia requerer a consulta dos autos e, caso lhe fosse negado, poderia, então, invocar a violação do princípio do contraditório e do direito de defesa subjacentes à invocação da nulidade que agora reclama.
Como nada consta que tenha requerido nos autos, também nada, portanto, lhe foi negado.
Assim sendo, não é agora atendível a invocação de que o seu direito à informação foi negado, razão pela qual a alegação de que é nulo o 1º interrogatório improcede.
Insurge-se ainda o recorrente contra a concreta imposição das medidas de coação, posição que é precedida da análise do teor de escutas telefónicas, concluindo que nada delas se retira que permita concluir pela prática pelo arguido do crime que lhe é imputado, o que determina a falta de pressupostos legais exigíveis na aplicação das medidas de coação.
Se é verdade que das escutas que pudemos analisar não se retira nada que verdadeiramente comprometa o arguido, o certo é que a prova é também testemunhal e documental e os indícios dela resultantes, pelo menos nesta fase inicial do processo, aconselhavam claramente a impor ao arguido as medidas de coação capazes de acautelar os perigos identificados.
Neste momento processual apenas se mantém a medida de coação de proibição de contactos com intervenientes processuais, pelo que se passará a analisar se tal medida de coação é ainda necessária, adequada e proporcional, porque caso o não seja deverá ser revogada.
Dispõe o artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Penal que:
1 - As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicada.
Como se disse no processo 9/16.2GBBRG-E.G1 (in www.dgsi.pt) é da conjugação desta norma com o artigo 204º do Código de Processo Penal que há-de retirar-se a conclusão de que a medida de coação é, antes de mais, necessária e adequada.
Necessária é a medida de coação sem a qual as exigências cautelares do processo ficam comprometidas; adequada é a medida que já e ainda se ajusta, isto é, que melhor se ajusta às exigências processuais, não podendo ser aplicada medida mais grave do que a que se já revelar apta a debelar os perigos que há que prevenir.
No artigo 204º encontramos, então, os perigos - iminentes, não meramente hipotéticos virtuais ou longínquos (usando a linguagem de Frederico Isasca in “A prisão preventiva e as restantes medidas de coação, Almedina, 2004) - a acautelar com a imposição de uma medida de coação, sendo certo que, nenhuma medida de coação pode ser imposta, à exceção do TIR, se em concreto não se verificar:
a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito (…) nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e c) perigo, em razão de natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
A decisão recorrida entendeu que o mais premente perigo a acautelar era o de continuação de atividade criminosa, ( já que se o arguido se mantivesse em funções disporia de todos os meios para reiterar o delineado modus operandi), situação agravada por não se retirar das declarações do arguido qualquer juízo de auto censura. Este perigo verdadeiramente não se identifica, como a revogação da medida de coação em 1ª instância permite concluir, mas não se pode esquecer que, como diz a decisão recorrida, não está apenas em causa a conservação da prova documental, mas também a testemunhal já adquirida e a produzir, cuja obtenção e preservação da veracidade se impõe acautelar, com a proibição de contactos.
Pode, então, concluir-se, que em face das invocadas razões, a aplicação da proibição de contactos imposta pelo Tribunal a quo não violou os princípios da necessidade e da adequação.
Mas também não violou o da proporcionalidade, ou da proibição de excesso (com consagração constitucional no nº 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa). Trata-se de um princípio que igualmente se encontra ínsito no artigo 193º do CPP.
Com ele se exige que a medida da coação seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada, reclamando “uma ponderação de todas as circunstâncias que em geral devem ser consideradas para a determinação da pena” - Cfr Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, 4ª edição, Verbo Editora, 2008, 304 -.
Certo é, contudo, que de modo nenhum, a aplicação de uma medida de coação pode ser usada como adiantamento de uma pena e que (fazendo nossas palavras do Professor Figueiredo Dias), as restrições à liberdade do arguido se têm de manter comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente.
Entende o tribunal a quo que se antevê a condenação do arguido pelo crime previsto pelo artigo 373º, nº 1 do CP. Trata-se de uma antevisão que é correta, caso se provem os factos já indiciados e que não é violadora do princípio da presunção de inocência.
Ora, de acordo com o princípio da proporcionalidade, a medida de coação deve ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada.
A gravidade do crime afere-se, desde logo, pela moldura prevista para o tipo incriminador, (a indiciada corrupção passiva é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos); afere-se ainda pelo relevo dos bens jurídicos violados. Como é sabido a lisura do procedimento e transparência da administração pública são valores socialmente muitíssimo relevantes e que, cada vez mais, a todos e a cada um cabe preservar, porque deles dependem verdadeiramente a justiça social e o bem estar comunitário.
É, pois, evidente que revogar totalmente as medidas de coação como pretendido pelo recorrente, que defende ser suficiente tão-só a sujeição a TIR, quando apenas se encontra proibido de contactar com outros intervenientes processuais, contribuintes ou contabilistas, se configura desadequado, até sob o ponto de vista do arguido, já que nega perentoriamente a atuação que lhe é imputada.
Não há, pois, que revogar a medida de coação que se mantém imposta, para além do TIR.
Assim sendo, o recurso improcede totalmente.
III. DECISÃO.
Em face do exposto decidem os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. A..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.
Notifique.