I – Embora repetindo o recorrente a argumentação que apresentou perante o tribunal da Relação, reproduzindo ipsis verbis o recurso da decisão de 1.ª instância, sem qualquer elemento novo, entende-se não ser de rejeitar o recurso por falta de motivação, considerando-se a motivação apresentada como sendo agora dirigida ao acórdão da Relação que confirmou a condenação no acórdão da 1.ª instância.
II – De acordo com o disposto no artigo 434.º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo da possibilidade de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código. A discussão relativa à matéria de facto e ao modo como as instâncias decidiram quanto aos factos e sobre a valoração da prova produzida, feita pelo recorrente, está, como este Supremo Tribunal vem afirmando, excluída dos seus poderes de cognição, não podendo, pois, constituir objecto do recurso.
III- O recurso interposto de uma determinada decisão não pode abranger questões que não constam dessa mesma decisão. Assim, reafirma-se a jurisprudência do STJ no sentido de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
IV - Configurando-se a questão agora trazida a debate como uma verdadeira questão nova que não foi submetida à apreciação do Tribunal da Relação de que se recorre e que, por isso mesmo, não foi aí apreciada, ela não poderá ser objecto de conhecimento no âmbito do presente recurso que, nesta parte, se rejeita por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP.
V - O recorrente impugna perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão de facto da 2.ª instância, apontando-lhe o erro notório na apreciação da prova, vício contemplado no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova.
VI – Ora, o STJ tem os seus poderes de cognição estrita e pontualmente fixados no artigo 434.º do CPP, limitados ao exclusivo reexame da matéria de direito, sendo-lhe defeso intrometer-se no reexame da matéria de facto, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.os 2 e 3, do CPP, ou seja, sempre que, além do mais, ocorram os vícios previstos no n.º 2.
VII - O recorrente, reeditando os fundamentos que invocou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação suscita o erro na fixação dos factos provados e dos factos não provados, invocando ao mesmo tempo o vício, enunciado no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, do erro notório na apreciação da prova. Ora, neste segmento do recurso que interpõe perante o STJ, o que o recorrente verdadeiramente pretende é impugnar a matéria de facto dado como assente pelo Tribunal da Relação, não aceitando a mesma e pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada.
VIII - Na medida em que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP.
IX - O erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, é um vício que se observa quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foi violado o princípio in dubio pro reo.
X - O erro notório na apreciação da prova tem pois que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença. Existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
XI - O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer.
XII - Devendo o princípio in dubio pro reo ser configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática.
XIII - Nesta perspectiva, como o STJ já entendeu, «a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.»
XIV - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República» (sublinhado agora).
XV – No âmbito do direito ao silêncio, o mesmo não implica que os co-arguidos não possam prestar declarações que envolvam os que se remeteram ao silêncio, tal como aqui sucedeu com a co-arguida, desde que seja assegurado o contraditório.
XVI - O quer nos remete já para a disciplina contida no artigo 345º, nº 4 do CPP, aqui respeitada, pois que o defensor do, tal como os demais sujeitos processuais, tiveram a oportunidade de inquirir a arguida em questão que respondeu a todas as instâncias que lhe foram feitas, o que legitima a sua valoração e torna perfeitamente incompreensível a alegação de que não existiu contraditório.
XVII - O arguido-recorrente foi condenado em 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão a qual foi confirmada, bem como a respectiva matéria de facto em que assentou, pelo Tribunal da Relação no acórdão agora sob recurso.
XVIII - De acordo com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º e, em conformidade com o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
XIX - Para este efeito, este Supremo Tribunal vem entendendo que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insusceptíveis de recurso para o STJ, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
XX - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no artigo 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades da decisão (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspectos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (v.g., o respeito pela regra da livre apreciação e pelo princípio in dubio pro reo ou proibições de prova), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares».
XXI - Nestes termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea e), 414.º, n.os 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP, é rejeitado o recurso interposto na parte que se reporta à matéria decisória, incluindo a respectiva pena, relativa ao crime de branqueamento de capitais por cuja prática foi o recorrente condenado.
XXII – No âmbito do crime de tráfico de estupefacientes agravado – artigo 24.º do DL n.º 15/93 –, não basta a simples existência de tráfico de estupefacientes num estabelecimento prisional para que automaticamente funcione a agravação. Necessário é que o tráfico, além de ocorrer aí, constitua um ilícito agravado relativamente agravado em relação ao “comum” por pôr em perigo a saúde daqueles que a lei quer especialmente proteger.
Existirá ilícito agravado, quando a disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, ou a intenção for meramente lucrativa ou quando a quantidade for significativa.
É a imagem global da situação que determinará o funcionamento da agravação ou não.
XXIII - O art.º 75, º do C. Penal estabelece os pressupostos da reincidência, de ordem formal e material que no código vigente à data da prática dos factos, estão perspetivados exclusivamente como uma causa de agravação da pena e não como na modificação típica, seja ao nível do tipo – de - ilícito ou do tipo - de culpa – conducente à aplicação ao agente da moldura penal cabida ao facto mas agravada no seu mínimo.
XXIV - A prática pelo arguido no decurso do cumprimento das penas de prisão por evasão rapto e extorsão, dos crimes de tráfico de estupefaciente agravado e de branqueamento basta para se concluir que as condenações não tiveram qualquer eficácia dissuasora, pois o arguido persiste na prática de crimes graves.
XXV - Uma tal reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de persistir na prática de crimes, insensível as anteriores condenações e ao cumprimento de penas de prisão, o que, logicamente, nos afasta da alegada situação de “um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas”.
XXVI – O recorrente, quando se insurge contra a declaração de perda das vantagens do crime fá-lo argumentando que não há prova de que tenha obtido qualquer vantagem, quando, da matéria de facto tida como assente, é indiscutível que as importâncias referidas, nomeadamente aquantia de 5.000,00 euros, derivaram da actividade criminosa de tráfico de estupefacientes.
I – RELATÓRIO
1. Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central …, datado de 18-11-2019, depositado na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se:
A – condenar o arguido AA:
- pela prática um crime de trafico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com à referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de dez anos de prisão;
- pela prática um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;
- Em cúmulo jurídico de tais penas, condená-lo na pena única de onze anos de prisão.
B – condenar a arguida BB:
- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, na pena de seis anos de prisão;
- pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
- Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-la na pena única de sete anos de prisão;
C – condenar o arguido CC, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º, e 76º, ambos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão;
D – condenar a arguida DD, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão.
Mais se decidiu,:
– no que aos objetos, produtos e vantagens do crime respeita, nos termos dos artigos 35º, 36º do DL 15/93, de 22/01, e 110º do Código Penal, declarar perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido, com o produto de corte, e ordenada a sua destruição, nos termos do art.º 62º, nº 6 do DL 15/93, de 22.01 e art.º 109º, do Código Penal;
– no que respeita aos restantes bens que se mostram apreendidos, uma vez que são produto do crime, foram utilizados na prática do crime ou foram adquiridos com as vendas do produto estupefaciente ou serem provenientes da mesma (os telemóveis J3 (2016) IMEI 35…25/77, contendo cartão SIM da Vodafone associado ao nº 91…64 e J5 SAMSUNG, IMEI’s 35…84 e 35…82, com o cartão SIM da Vodafone a que corresponde o n.º 91…70, preservativo(s), pelicula aderente, embalagens plásticas “Milka”, embalagem de batatas fritas MCENNEDY, vários pedaços de pelicula aderente, pedaço de fita adesiva amarela, envelope de cor branca, saco de nylon com a inscrição EE, vários pedaços de papel de alumínio, guardanapo de papel, caixas de cartão vazias: de chá “Auchan”; de pensos higiénicos “Carefree” almofada de espuma caso tenha subsistido à sua abertura ou o que desta restar, e quantias monetárias no valor de 11.640 €, declará-los perdidos a favor do Estado, nos termos do nº1, do artigo 35º do Dec-lei nº 15/93, de 22/01 e artigo 109º do Código Penal;
– condenar o arguido AA a pagar o valor de cinco mil euros ao Estado, por este valor resultar de vantagem que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem, nos termos do artigo 36º, do Dec-lei nº 15/93, de 22/.01.
2. Inconformados com a sobredita decisão, interpuseram os arguidos BB, CC, DD e AA, recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
3. Por acórdão de18-03-2020, o Tribunal da Relação deliberou:
– «rejeitar o recurso interposto pelo arguido CC na parte respeitante à impugnação da matéria de facto e questões associadas, negando-lhe provimento no demais questionado pelo mesmo e aqui apreciado, com a inerente confirmação do decidido nessa parte; e,
– negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e DD, em consequência do que, e na parte aqui questionada pelos sobreditos recorrentes, decidem igualmente confirmar o acórdão recorrido.»
4. Inconformado, recorre perante o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, rematando a respectiva motivação comas conclusões seguintes (transcrição):
CONCLUSÕES
1.- O Tribunal não conseguiu impôr-se à pressão e à revelia de quaisquer considerações de direito, exigia nos vários pelourinhos – os interessados e os desinteressados – as cabeças dos arguidos.
2.- O recorrente exerce este seu direito sem prejuízo do disposto no artº 409 (proibição de “reformatio in pejus”), isto é, sem possibilidade de modificação do já decidido em prejuízo do Arguido.
3.- Desde logo nos fixamos numa questão que se levantou na primeira sessão (propriamente dita) do julgamento (porquanto a primeira foi meramente preparatória dos actos e agendamento de sessões) quando o signatário desta peça questiona a uma das arguidas (BB) se esta sabia de quem era efectivamente o dinheiro (e naturalmente de quem era o produto estupefaciente em causa) quando foi interrompido na sua inquirição pela Exmª Srª Dra Juiz Presidente que proferiu de imediato a seguinte expressão: “De quem seria!” – isto sem que sequer tenha existido a audição de uma única testemunha e em interrupção daquele acto processual.
4.- Um dos pilares basilares que norteia a magistratura e a judicatura é o princípio da imparcialidade, e desta expressão resulta que imparcialidade não existiu, porquanto o Tribunal já possui um juízo pré feito anterior sequer à produção de prova.
5.- O princípio da imparcialidade do juiz repudia o exercício de funções judiciais no processo por quem tenha ou se possa objetivamente recear que tenha uma ideia pré-concebida sobre a responsabilidade penal do arguido, ideia essa espelhada ab initio por aquela antevisora e premonitória expressão: “De quem seria!”
6.- Está o processo viciado por violação desse mesmo princípio da imparcialidade, nesse sentido, os Acórdãos do STJ de 10 de abril de 2014, bem ainda os Acs. do TC 219/89, 114/95, 935/96, 528/97, 29/99, 357/99, 129/2007, 147/2011 e 444/2012; e a numerosa jurisprudência do STJ recenseada por Henriques GASPAR, CPP Comentado 133 ss. e 148 ss.
7.- Por outro lado tal falta de imparcialidade é manifestamente inconstitucional por atentar contra o Art. 203º CRP, o princípio do Estado de Direito (Art. 1.º CRP), resulta violado o princípio da presunção da inocência do arguido (Art. 32.º nº 2 da CRP), violação das garantias da defesa do arguido (Art. 32.º nº 1), como também o principio constitucional do acesso ao direito (Art. 20.º nº 1 da CRP), porquanto o julgamento já se encontrava realizado e o acórdão proferido antes de ter iniciado (violando assim, de igual modo, o princípio de que todos tem direito a um processo justo e equitativo plasmado no Art. 20.º nº 4 da CRP e no Art. 6.º da CEDH).
8.- O Estado Português já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão do caso 4687/11 por violação do Art. 6.º n.º 1 da CEDH (direito a um processo equitativo e imparcial).
9.- A interpretação do Art. 127.º CPP (livre convicção) no sentido de poder contemplar a utilização de presunção indiciária e arbitrária é inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência (Art. 32.º da CRP).
10.- Verifica-se erro notório na apreciação da prova (alínea c) do n.º 2 do art.º 410 do CPP), a qual, viciado pela falta de imparcialidade, porquanto não decorre de qualquer meio de prova no processo (documental) nem da prova testemunhal e confessional que o arguido AA não estivesse sob coacção quando pediu a BB para guardar o estupefaciente, pois que esteve mais de duas horas a implorar (chegando quase a chorar) e depois que esta anuiu teve que realizar um telefonema a alguém para dar conta dessa mesma anuência.
11.- Não decorre de qualquer meio de prova no processo (documental) nem da prova testemunhal e confessional que o arguido AA tenha prometido à arguida BB contrapartida monetária ou outra pelo facto de esta ter consigo a guarda do estupefaciente.
12.- Não decorre de qualquer meio de prova ou da própria prova que o arguido AA era o proprietário das importâncias pecuniárias nem tão pouco do estupefaciente que pediu a BB para guardar.
13.- Não existe qualquer prova de que AAtenha procedido a venda de droga dentro do E P de …, nem tão pouco que tenha entrado com droga por si ou por interposta pessoa dentro do E P de … e que a tenha posteriormente vendido. Nem em 04.07.2018 ou em data anterior ou em data posterior.
14.- Não existe prova de que AA tenha auferido as importâncias de 2.000,00€, 9.140,00€, 500,00€ e de 5.000,00€ por força do tráfico de estupefaciente, uma vez que o próprio Inspector FF refere que a heroína possui um valor de 450,00€/grama dentro do EP e (sem que qualquer prova se faça) o Tribunal sem qualquer suporte de prova dá como provado que tais importâncias se reportam a venda de 60gramas de estupefaciente, sem que se tenha provado que tal produto tenha entrado no EP, existe pois clamorosa violação do principio in dubeo pro reo ínsito no Art. 32.º nº 2 da CRP..
15.- Decorre da prova produzida em sede de julgamento pelo Sr Inspector FF que 60 gramas de heroína dentro do E P possuem um valor de 27.000,00€, o que não se logrou de todo encontrar nem na conta bancária nem possui qualquer espelho nas transferências e depósitos para a conta de BB.
16.- A arguida DD é interceptada pela PJ em 16.12.2018 pelo que os montantes que caíram na conta de BB (entre finais de Julho e Setembro) não podem pois por isso ser conexionados com aquele facto.
17.- Nenhuma das testemunhas de acusação refere que o arguido AA se dedica à venda de estupefaciente (quer dentro quer fora do EP), todas as testemunhas de acusação referem que os valores em causa se reportam a valores de jogos de cartas a dinheiro, a negócios de tabaco e a negócios de telemóveis dentro do E P (aliás nem ao negócio de telemóveis AA é conexionado pelas testemunhas).
18.- Resulta do relatório Social de AA uma personalidade e conduta completamente ex adversa àquela que o Acórdão condenatório perpassa.
18.- É descabido e não pode ser aceite que estando uma familiar de AA à porta de casa de seus pais que a arguida BB tenha deixado o alegado envelope com 5.000,00€ na caixa de correio e não tenha entregue àquele familiar.
19.- A matéria dada como provada nos pontos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 31, 32, 36, 37, 40, 41, 43, 44, 45, 48, não poderia ter sido dada como provado por plena falta de prova que o sustente (quer documental, quer testemunhal, quer confessional).
20.- Ao ter dado como provados os pontos referidos supra, e sem qualquer prova que os sustente, violou o Tribunal o princípio do in dubeo pro reo previsto no Art. 32.º nº 2 da CRP.
21.- Deveria ter sido dado como provado a alínea b) dos factos não provados por existir prova suficiente para tal nos autos, violando assim o princípio da convicção do julgador previsto no Art. 127.º CPP.
22.- A matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 31, 32, 36, 37, 40, 41, 43, 44, 45, 48, não poderia ter sido dada como provada por plena falta de prova que o sustente (quer documental, quer testemunhal, quer confessional.
23.- Provado ficou que o arguido ora recorrente não realizou qualquer acordo com o co-arguido CC, com a co-arguida DD e com a co-arguida BB, apenas a esta lhe pediu para guardar produto estupefaciente (chegando mesmo a implorar).
24.- Em relação aos depósitos em numerário e transferências não foram provados possuírem uma ligação directa ou indirecta ao facto de alegado tráfico de estupefacientes, até porque os valores não coincidem de todo (atente-se no depoimento do Inspector FF).
25.- Quanto ao exercício do Direito (Legal e Constitucional) ao Silêncio de que o arguido AA lançou mão, o Tribunal releva-o para efeitos de condenação, operando um in dubeo pro culpa, o que é de todo ilegal e inconstitucional por ofensa ao principio do estado de direito democrático (Art. 1.º e 2.º da CRP) , principio da legalidade (Art. 205.º CRP) e princípio do in dubeo pro reo (art. 32.º nº 2 da CRP).
26.- O silêncio é tido em ambos os Acórdãos como que um assumir de culpas quase que como se dispensasse de imediato à realização da diligência de discussão e julgamento e se passasse de imediato à leitura do Acórdão Condenatório. Pelo que deve ser considerada nulo o acórdão, por violação do princípio estruturante do nosso Processo Penal, da salvaguarda do Princípio do Direito ao Silêncio, previsto no Artigo 61.º nº 1, alínea c) do C.P.P. e Art.s 1.º, 2.º 205.º e 32.º n 2 da CRP.
27.- O próprio uso do direito ao silêncio advém do facto de o aqui arguido AA também ser arguido/suspeito no âmbito do processo 1763/18.2… que se encontra sob segredo de justiça, gozando, assim, do direito de “não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados” (Art. 61.º nº 1 al. c), Art. 343.º nº 1 al. c), e, Art. 345.º nº 1 todos do Código de Processo Penal, e, ainda, o princípio da não auto-incriminação o qual surge como uma emanação do catálogo dos direitos de defesa do arguido também na sua vertente de direito ao silêncio – principio esse que emana do Art. 32.º nº 2 e nº 10 CRP).
28.- Assenta o Acórdão condenatório exclusivamente nas declarações da arguida BB, contudo a valoração probatória dessas declarações tem uma limitação, constante do n.º 4 do Art. 345.º do C.P.P., de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio, sendo que na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, expressa no Acórdão n.º 524/97, de 14.07.1997 (D.R., II série, de 27.11.1997) trata-se de prova proibida e por isso nula (Acórdão da Relação de Évora, de 17-03-2015).
29.- A valoração de tais declarações contra o recorrente traduziu-se, assim, numa violação da garantia do contraditório, em desrespeito do disposto no artigo 345.º, n.º 4, do C.P.P., fundando-se numa interpretação normativa deste preceito legal e do citado artigo 357.º, n.º1, al. b), que, a nosso ver, contraria o artigo 32.º, n.º5, da Constituição da República e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e por isso inconstitucional.
30.- No sentido de que a valoração das declarações de co-arguidos é nula vide Acórdão da Relação de Lisboa datado de 19.07.2016 no âmbito do processo 79/15.0JAPDL.L1-5, Acórdão da Relação de Coimbra datado de 21-06-2017 no âmbito do processo 320/14.7GASPS.C1, Ac. Do STJ de 12.03.2008 in CJ, Acs. Do STJ, XVI, 1, 125.
31.- Por outro lado não é aceitável o livre arbítrio ou valorações puramente subectivas, fundadas em meras especulações, exigindo-se antes uma convicção raciona, objectivável e suficientemente motivada.
32.- A condenação adivinhava-se desde a primeira sessão porquanto a Mma Juiz logo na primeira sessão e sem que se fizesse qualquer prova, estando o signatário a inquirir a arguida BB acerca da propriedade do dinheiro e do estupefaciente, interrompe e refere “De quem seria!” – referindo-se ao arguido AA – sessão de 19.09.2019 entre 16:29:14 e 17:38:32, o que só por si gera nulidade de todo o julgamento pois que o Colectiva já tinha a condenação efectivada antes mesmo do julgamento iniciar. Violando assim os princípios do estado de direito democrático, da legalidade, de acesso ao direito, da defesa, do in dubeo pro reo ínsitos nos Art.s 1.º, 2.º, 20.º, 32.º, 32.º nº 2 e 205.º da CRP.
33.- A livre apreciação da prova em processo penal “[...] não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável” – neste sentido vide Acórdão n.º 1164/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. O que foi precisamente o caso dos autos, pois que não foi apreciada a prova de forma racional e critica, porquanto se o tivesse sido não se teria condenado AA no crime de branqueamento nem de tráfico agravado.
34.- Não existe qualquer prova no processo (e AA estava ser alvo de vigilância pela PJ) que tenha dado entrada de estupefaciente no EP de … em 04.07.2018, ou em qualquer outra data anterior ou posterior.
35.- A livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração «racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (..), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão» neste sentido Acórdão da Relação de Évora datado de 19.05.2015.
36.- Fundamentado a sua convicção apenas em juízos de prognose arbitrários encontra-se a condenação ferida de nulidade, e de inconstitucionalidade, uma vez que tal não é compatível com a presunção de inocência, consagrada no Art. 32.º n.º 2 CRP (o qual foi consagrado pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio a ter posterior acolhimento no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ), e ainda com o dever de fundamentar as decisões judiciais, imposto pelo Art. 205.º, n.º 1 CRP.
37.- O Art. 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio constante do Art. 32º n.º 1 da Constituição da República quando interpretado (como o foi no caso dos autos), no sentido de o tribunal poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referiu ter assistido e sequer discutidos ou ventilados na audiência de julgamento.
38.- Existe, pois, violação das regras que regulam o modo de formação da convicção, vide os Acórdãos do STJ de 06.05.2010 in CJ; do STJ, XVIII, 2, 181, Acórdão de 18.06.2009 processo 81/04.8PBBCG.S1; STJ de 12.11.2008 no âmbito do processo 08P3180, e, Acórdão de 15.01.2004 in CJ, Acs do STJ, XII, 1, 170.
39.- Por branqueamento “designam-se os meios através dos quais se escondem a existência, a origem ilegal ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo esses rendimentos de forma a que pareçam provir de origem lícita” ou, segundo outra tradução é “o processo através do qual se esconde a existência, a fonte ilegal ou a utilização ilegal de proveitos, e depois se disfarçam esses proveitos de forma a dar-lhes a aparência de legítimos”.
40.- Exige-se o preenchimento de certos requisitos, três etapas, designadas na terminologia inglesa habitualmente usada por “placemen”, “layering” e “integration” (fases de colocação, circulação e de integração). A primeira fase “placement” consiste nem mais nem menos do que na colocação dos capitais no sistema financeiro, seja em instituições financeiras tradicionais ou noutras. A segunda fase “layering” consiste na realização de várias transacções, com vista a criar várias «camadas» (“layers”) entre a origem real e a que se pretende visível, para assim dissimular a origem dos fundos.
41.- Resulta que no caso em concreto não resultam preenchidos os requisitos formais para que o Tribunal a quo tenha concluído pela existência e subsequente condenação pelo crime de branqueamento, porquanto a fase da “circulação” e da “integração” pura e simplesmente não existe.
42.- Não se realizou a mínima prova que seja sobre a proveniência de tais montantes depositados e transferidos na conta de BB que tivessem advindo do tráfico de estupefacientes ou de outra actividade criminosa, não resultou de qualquer prova testemunhal ou documental ou confessional, pelo que não poderia de todo ter sido dado como provado por clara ofensa aos mais elementares princípios constitucionais do in dubeo pro reo.
43.- “Branqueamento?” sem mais, pressupõe, actualmente, um facto ilícito típico (anterior, que tenha produzido vantagens ao agente, contudo nos autos não se faz qualquer prova desse facto ilícito anterior, devendo por isso ser absolvido desse crime AA - neste sentido veja-se Acórdão do STJ de 11.06.2014 proferido no âmbito do processo 14/07.0TRLSB.S1.
44.- Não se encontram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos desse tipo legal de crime devendo por isso ser absolvido o arguido AA na esteira do Ac. Da relação do Porto datado de 07.02.2007 no âmbito do processo 0616509, não basta o simples depósito em conta, de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes, para se poder concluir pela verificação do crime de branqueamento na modalidade prevista nº 3 do artigo 368.º- A CP.
45.- Contudo, mesmo que assim se não entendesse, o crime de branqueamento seria consumido pelo crime de tráfico como o prevê o Acórdão de Fixação de Jurisprudência proferido pelo STJ em 22.03.2007 no âmbito do processo 05P220.
46.- Violou o Art. 32º n.º 2 da C. R. P. o Tribunal ao condenar o arguido AA por este crime sem qualquer prova que o sustente.
47.- O recorrente foi condenado por um crime tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos Art.s 21 º, nº 1 e 24º, h) do Decreto de Lei nº. 15/93 de 22 de Janeiro, no que se não concede, porquanto que de toda a prova nos autos produzida, nada resultou em concreto e/ou com o necessário grau de probabilidade/convicção, de que se encontram verificados os contornos imprescindíveis à referida agravação, seja a introdução por si de estupefaciente dentro do EP de … . Encontra-se pois ferido de nulidade por violação do principio da livre convicção do julgador e do principio in dubeo pro reo.
48.- O arguido AA não pode ser condenado como reincidente porque de toda a factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a sua recidiva se explica por o Recorrente não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado.
49.- Não existe demonstração da existência de tal conexão, pelo que se não basta uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada na douta sentença recorrida, além de ir contra o referido entendimento predominante, é mesmo inconstitucional, por violação, nomeadamente, dos artigos 18.º nº2, e, 205.º nº l da Constituição da República Portuguesa.
50.- A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, o que sucedeu nos presentes autos pois que o Colectivo se limitou a remeter para o registo criminal do arguido.
51.- A mera referência a que a ou as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime, por ser meramente conclusiva - encerrando mesmo uma conceptualização jurídica -, é insuficiente, devendo tal pressuposto ser integrado por factos concretos - cfr. v.g., Acs de 12-7-2006. proc.º n.º 2682/06-5ª, rel Carmona da Mota, de 22-0-2006, proc.º n.º 1790/06-5ª, rel. Santos Carvalho, de 22-6-2006, proc.º n.º 1714/04-5ª, rel. Alberto Sobrinho, de 25-5-2006, proc.º n.º 1616/06, rel. Costa Mórtagua, de 12-1-2006, proc.º n.º 4133/05, rel. Pereira Madeira.
52.- Não existe qualquer prova cabal que o arguido AA tenha logrado obter vantagem de 5.000,00€ (ou de qualquer outro montante) e que esta tenha, por sua vez, tenha resultado directamente de qualquer infracção nos precisos termos em que estabelece o regime que se ancora nos Art.s 35.º e 36.º do Dec Lei 15/93 de 22.01. Não estando preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do Art. 35.º do Dec Lei 15/93 de 22.01.
53.- Dos depoimentos nenhuma das testemunhas referiu que os depósitos e ou transferências tivessem advindo de qualquer tipo de negócio que envolvesse produto estupefaciente, ou que se destinassem ao arguido AA.
54.- A este ponto deve operar o princípio constitucional in dubeo pro reo plasmado no Art. 32.º nº 2 da CRP e deixar de condenar o recorrente no pagamento ao Estado de tal importância.
55.- O Acórdão de que ora se recorre, realiza todo um esforço de raciocínio de modo inverso, como se referiu parte desde logo que o arguido AA é culpado e daí advém de imediato a questão da total inversão do ónus da prova - tal qual “O Processo” de Kafka.
56.- Estamos perante uma total inversão do ónus da prova, uma vez que o arguido não depõe contra si próprio, não faz prova dos ilícitos, mas deverá justificar a proveniência do produto estupefaciente que solicitou a BB para guardar (mesmo quebrando o segredo de justiça). Viola assim, o Acórdão recorrido o disposto no artigo 410° n° 2 alínea a), b) e c) do CPP, bem ainda o Art. 32.º nº 2 da CRP (violação do princípio in dubeo pro reo e, do principio do direito à não autoincriminação).
57.- É inconstitucional a interpretação que se faz do art. 126.º E 127.º ambos do C.P.P. e 349.º do C.C no sentido de que basta a prova meramente indiciária para promover a condenação por crime de branqueamento de capitais, por ofensa ao art. 32.º nº 2 da CRP que estabelece o principio da presunção da inocência;
58.- É inconstitucional a interpretação que se faz no Acórdão agora em crise no sentido de que o exercício do direito ao silêncio serve como forma indiciária de confissão dos factos e de condenação do arguido por ofensa ao artigo 32.º nº 2 da CRP;
59.- O silêncio é um DIREITO em caso algum pode prejudicar o arguido assim reza o artigo 61º, nº 1, alínea c) do C.P.P., pelo que a interpretação que se retira do acórdão condenatório é inconstitucional por atentar contra o princípio in dubeo pro reo, e, o direito à não auto incriminação 32.º da CRP
60.- A interpretação dos Art.s 127.º CPP no sentido vertido no Acórdão de que o exercício do direito ao silêncio por parte do arguido obstaculiza ao juízo de prognose positiva é inconstitucional por violação dos princípios de igualdade, da presunção de inocência do arguido, bem ainda, o principio da legalidade, principio do estado de direito, e o principio do direito de defesa previstos nos art.s 1.º, 13.º, 3.º, 32.º nº 1, e, 32.º nº 2 todos da CRP
61.- A interpretação do art. 127.º CPP (livre convicção) no sentido de poder contemplar a utilização de presunção indiciária é inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência (art. 32.º nº 2 da CRP).
Termos em que se requer seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogado o Acórdão da Relação ora recorrido, em consonância com as soluções preconizadas na motivação do presente recurso, assim se fazendo a habitual
JUSTIÇA!
5. Respondeu o Ministério Público, dizendo a final da motivação que, «Sem formular conclusões, propendemos pela total rejeição do recurso interposto pelo arguido AA».
6. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que se transcreve:
1 - AA, arguido e ora recorrente, foi condenado por acórdão, de 18/11/2019, do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal …, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 21, nº 1 e 24, al. h), do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A, anexa àquele diploma, com a agravante da reincidência, nos termos do disposto nos arts 75 e 76, do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão; e pela prática um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, com a agravante da reincidência, nos termos do disposto nos artigos 75º e 76º, do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; e em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 11 anos de prisão.
Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 18/03/2020, lhe negou provimento e manteve integralmente a decisão de 1ª Instância.
Ainda inconformado, interpôs recurso para este Supremo Tribunal, renovando as questões que suscitara perante o Tribunal da Relação do Porto.
2 - Assim, insiste que a decisão de 1ª Instância violou os princípios da imparcialidade, da presunção de inocência, da livre apreciação da prova e in dubio pro reo. Continua a questionar a decisão sobre a matéria de facto, indicando os factos provados e não provados de que discorda e argumenta que o Tribunal incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c), do nº 2, do art. 410, do CPP.
Afirma, ainda, que o Tribunal valorou as declarações da co-arguida BB violando o disposto no nº 4, do art. 345, do CPP e que valorou negativamente o facto de o recorrente não ter prestado declarações sobre os factos, numa clara afronta ao seu direito ao silêncio.
Pretende que a violação destes princípios determina a nulidade da decisão.
Argumenta, ainda, que o Tribunal ao interpretar o disposto no art. 127, do CPP, no sentido de que o mesmo contempla a “presunção indiciária e arbitrária”, fez uma interpretação inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência, previsto no art. 32, nº 2, da C.R.P.
Questiona, depois, o enquadramento jurídico dos factos, considerando não estarem preenchidos os elementos que determinaram a agravação do crime de tráfico de estupefacientes, mas também os elementos constitutivos do crime de branqueamento de capitais.
Insurge-se, também, quanto à valoração dos factos que levaram a que se considerassem verificados os pressupostos da circunstância agravante da reincidência, que considera insuficientes.
Insurge-se, ainda o recorrente contra a declaração de perda e ou vantagem nos termos do que dispõem os arts 35 e 36, do DL nº 15/93, porque não há prova de que o recorrente tenha logrado obter de 5000,00 euros e que esta tenha resultado directamente de qualquer infracção.
3 - O Magistrado do Mº Pº no Tribunal da Relação do Porto apresentou resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
4 - O recorrente, como atrás se referiu, reedita perante este Supremo Tribunal as questões que suscitou perante o Tribunal da Relação, mormente as relativas à sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto – considerando que determinados factos, que enuncia, deviam ser dados como não provados e outros, dados como não provados, deveriam ter sido considerados provados, argumentando que a prova produzida foi valorada incorrectamente e com violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo. Imputa, ainda, à decisão recorrida o vício previsto no art. 410, nº 2, al. c), do CPP – erro notório na apreciação da prova.
Porém, a reapreciação da matéria de facto não cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do disposto no art. 434, do CPP, que estatui: “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo de se conhecer oficiosamente de qualquer um dos vícios da sentença, previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, caso se verifiquem.
Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso sobre matéria de direito conhece oficiosamente dos vícios da sentença que se verifiquem, mas o recurso que incida sobre tais vícios, porque se reconduz à impugnação da matéria de facto, extravasa os seus poderes de cognição.
5 - Acresce que não se verifica qualquer vício previsto no nº 2, do art. 410, do CPP, designadamente o invocado – erro notório na apreciação da prova.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20/10/2011, (Proc. 36/06.8GAPSR.S1, in www.dgsi.pt), “Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, tratando-se de vícios da decisão e não do julgamento.”
Têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, como impõe o nº 2, do art. 410, do CPP e “não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.º do CPP.” - (Simas Santos e Leal Henriques in Recursos Penais, 8ª edição, pg. 82).
“O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto, esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto;..” (Simas Santos e Leal Henriques, obra citada).
Por outro lado, o erro previsto na al. c), do referido art. 410, tem de ser notório, ou seja, patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida (Ac. STJ de 12.03.2009 e 4.12.2008, citados por Simas Santos e Leal Henriques in Recursos Penais, 8ª edição, pg. 82.).
Ora, o recorrente não demonstra, através do texto da decisão, a existência desse erro, questiona sim a apreciação e valoração da prova produzida em audiência feita pelo Tribunal, que considera errada, o que configuraria, a verificar-se, erro de julgamento.
Com efeito e seguindo, ainda, o ensinamento da jurisprudência do STJ, “o erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127, do CPP” - (Ac. STJ de 12/03/2009, proc.08P3781, in dgsi.pt.).
6 - Da análise da decisão também não resulta que o Tribunal recorrido tenha violado os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo e por força deste o da presunção de inocência.
Antes resulta que o Tribunal recorrido fez uma apreciação crítica e racional da prova, fundada nas regras da experiência e da lógica, em obediência ao princípio consagrado no art. 127, do CPP. E também não resulta que se tenha instalado, ou devesse ter instalado, qualquer estado de dúvida no espírito do julgador, relativamente a qualquer facto dado como provado.
A aplicação do princípio in dubio pro reo pressupõe esse estado de dúvida, uma dúvida que tem de ser insanável, por inultrapassável e a sua violação só pode ser aferida quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida (o “non liquet”), decidiu contra o arguido, o que não ocorre no caso.
7 - Mas a eventual violação destes princípios configuraria, também, uma questão relativa à decisão sobre a matéria de facto.
Como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 16-05-2007 - In CJ (STJ), T2, pág.182-: “III. A violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido.
IV. Posto que, saber se o Tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, a mesma exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto Tribunal de revista e, do exame dos acórdãos impugnados decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.”
8 - O recorrente suscitou todas essas questões perante o Tribunal da Relação do Porto que as analisou com rigor e explicitou e fundamentou as ilações que retirou, concluindo,
nomeadamente, não haver qualquer dúvida quanto aos factos impugnados, antes a certeza da sua verificação e essa decisão sobre a matéria de facto é definitiva.
E não se diga que dessa forma se ofende o direito ao recurso. Tal como se consignou no Sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 21/12/2011, proc. 130/10.0GCVIS.C1.S1, “VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa: mas a garantia constitucional, como é assente, fica assegurada na substância com a previsão e o direito ao recurso em um grau, não exigindo um segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição.”
9 - O Tribunal recorrido apreciou, igualmente, as questões suscitadas pelo recorrente relativas à verificação da agravação do crime de tráfico de tráfico de estupefacientes, também ao preenchimento dos elementos constitutivos do crime de branqueamento de capitais, bem como dos pressupostos da reincidência e demonstra de forma inequívoca a sua verificação.
Acresce que a discordância do recorrente assenta no seu entendimento de que não foi feita prova dos factos que integram os elementos constitutivos quer do crime de branqueamento quer das referidas circunstâncias agravantes, factos esses que integram o elenco dos factos provados, dados como assentes pela decisão recorrida e não em qualquer diversa interpretação do direito.
Assim, também este segmento do recurso se reconduz à pretensão do recorrente de uma vez mais sindicar a decisão sobre a matéria de facto.
E, do mesmo modo, quando se insurge contra a declaração de perda das vantagens do crime fá-lo argumentando que não há prova de que tenha obtido qualquer vantagem.
10 - Também não se verifica a interpretação contrária à Constituição dos arts 126 e 127 do CPP, como preconiza o recorrente, desde logo porque a decisão recorrida não interpretou as referidas normas no sentido que o recorrente considera, não tendo qualquer sustentabilidade a argumentação desenvolvida pelo recorrente.
7. Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, o recorrente apresentou resposta.
8. Com dispensa de vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos
Considerou o Tribunal colectivo, com integral confirmação pelo Tribunal da Relação, provado que (transcrição):
1. O arguido AA estava preso em cumprimento da pena de prisão, desde 1995, encontrando-se à data dos factos infra no Estabelecimento Prisional de …, desde 2013.
2. Neste período de reclusão, o arguido AA decidiu dedicar-se à introdução e comercialização de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional.
3. Para concretizar o seu propósito, em data não concretamente apurada, mas anterior a dezembro de 2017, o arguido AA decidiu abastecer-se de estupefacientes junto de um antigo recluso do E. P. de …, GG, também conhecido como “HH”, com quem o arguido AA coincidiu, naquele estabelecimento prisional, no período de reclusão situado entre … .03.13 e … .04.17, data em que GG foi libertado.
4. Para levar a cabo tal atividade de venda de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, o arguido AA contou com a colaboração de outros indivíduos, nomeadamente os arguidos BB, CC e DD.
5. Os arguidos BB e AA são “amigos” – tendo-se conhecido no decurso de visitas da arguida ao E. P. de …, onde o arguido AA se encontrava em cumprimento de pena - e comunicavam entre si, pelo menos, por telefone e telemóvel (não obstante a situação de reclusão do arguido AA), utilizando este arguido nomeadamente os números: 91…73, 91…39 e 91..04, e a arguida BB, o número: 91…64.
6. Por sua vez, os arguidos CC e DD são casados entre si, encontrando-se o arguido em cumprimento de pena por crime de roubo no Estabelecimento Prisional de …, desde abril de 2016, onde travou conhecimento com o arguido AA.
7. Para introduzir o estupefaciente no estabelecimento prisional, o arguido AA acordou com a arguida BB que esta guardasse e detivesse na sua disponibilidade produto estupefaciente para, seguindo as instruções daquele, posteriormente remeter tal produto por via postal para terceiros, que depois providenciavam pela sua introdução no Estabelecimento Prisional de … .
8. Já no interior do Estabelecimento Prisional, o arguido AA acordou com reclusos, nomeadamente com o arguido CC, que estes colaborariam na receção do estupefaciente na prisão, através das respetivas visitas (no caso do arguido CC, a sua mulher, a arguida DD), bem como na sua posterior comercialização, evitando o arguido AA ter qualquer estupefaciente na sua posse, de modo a não ser conexionado com tal atividade.
9. O arguido AA, no período de 1 de dezembro de 2017 a 4 de dezembro de 2017 obteve uma licença administrativa de curta duração, tendo neste período contactado o GG – utilizador do telemóvel com o n.º 91…60 - para tratarem de assuntos relacionados com a aquisição de uma grande quantidade de estupefacientes pelo arguido AA, que este depois introduzia parcelarmente no estabelecimento prisional de … .
10. O arguido AA, no período de 29 de junho de 2018 a 4 de julho de 2018, obteve uma nova licença administrativa de curta duração, tendo durante esse período ido viver para casa dos pais em …, na localidade de … .
11. Neste período, o arguido AA encontrou-se, pelo menos duas vezes, na cidade da … com GG, para tratarem de assuntos relacionados com a aquisição de estupefaciente.
12. Durante estes encontros, o arguido AA recebeu quantidade não apurada de produto estupefaciente de GG.
13. Na posse deste produto estupefaciente, após contacto telefónico, no dia 1 de julho de 2018, cerca das 15h00, a solicitação do arguido AA, este e a arguida BB encontraram-se na …, nas imediações do Bar …, onde, conforme acordado, aquele lhe entregou esse mesmo produto estupefaciente (heroína) e ainda produto de “corte”, para esta guardar e enviar de forma parcelar a quem o arguido lhe indicasse, e, posteriormente ser introduzido no estabelecimento prisional.
14. Nessa altura, o arguido AA deu ainda instruções à arguida BB sobre como preparar, “cortar” e embalar o estupefaciente, (heroína) bem como da necessidade de se encontrarem de novo no dia de regresso do arguido ao E. P. de … – 0… .07.18 -, ocasião em que a arguida, após preparar parte do estupefaciente, que lhe foi entregue conforme as instruções do arguido, lho entregaria, devidamente dissimulado, na Estação de Comboios de …, em …. .
15. Assim, no dia … de julho de 2018, conforme acordado entre ambos os arguidos AA e BB, encontraram-se na Estação de Comboios de …, cerca das 13h00, onde esta lhe entregou duas embalagens – com a forma de “chouriços” -, com cerca de 30g de estupefaciente (heroína) cada.
16. Ainda durante este encontro, com o propósito de dissimular os lucros auferidos com a atividade de venda de estupefacientes e não ser conotado com tal atividade, o arguido AA acordou com a arguida BB utilizar a sua conta bancária n.º 67…04 do Novo Banco, o que esta aceitou, mediante contrapartida de valor não apurado, recebendo ali as quantias depositadas por terceiros (nomeadamente reclusos do Estabelecimento Prisional e familiares destes) para pagamento do estupefaciente adquirido ao arguido AA.
17. Após este encontro em …, os arguidos AA e BB seguiram viagem de comboio de … até …-Porto, onde ocuparam lugares separados e, durante a viagem, encontraram-se durante algum tempo na zona do bar do transporte ferroviário.
18. A arguida BB saiu do comboio em … e o arguido AA seguiu até …, onde deu entrada no Estabelecimento Prisional às 16h58, desse dia.
19. Após o regresso do arguido AA ao estabelecimento prisional, este, por contacto telefónico, manteve conversações com a arguida BB, no sentido de esta controlar a sua conta bancária e conferir os depósitos/transferências que ali eram efetuados a mando daquele, bem como proceder ao respetivo levantamento e, posterior, ocultação na sua habitação, com o propósito de quando o arguido AA obtivesse nova licença de saída aquele valor lhe fosse entregue.
20. Durante vários meses do ano de 2018, a arguida BB permitiu a utilização da sua conta bancária para fazer circular e ocultar os proventos relacionados com a atividade de venda de estupefacientes desenvolvida pelos arguidos.
Assim:
- no dia 31 de julho de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 3.750€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, nesse mesmo dia, procedido, no balcão da agência, ao levantamento da quantia de 3.500€;
- no dia 1 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 700€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, nesse mesmo dia e no dia seguinte, procedido a quatro levantamentos, através de multibanco e no balcão da agência, da quantia total de 700€ (200€+200€+200€+100€);
- no dia 9 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA;
- no dia 19 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 335€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA;
- no dia 20 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 1.000€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA;
- no dia 30 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, nesse mesmo dia, procedido a dois levantamentos, através de multibanco, da quantia total de 400€;
- no dia 31 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 530€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, nesse mesmo dia, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 2.000€;
- no dia 4 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 70€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, no dia 7 de setembro, procedido ao levantamento de tal quantia;
- no dia 10 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 930€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, nesse mesmo dia e no dia 12 de setembro, procedido a quatro levantamentos de 200€ cada um;
- no dia 17 de setembro de 2018, foram efetuados dois depósitos bancários na conta n.º 67…04 da arguida BB, no valor de 1.500€ cada um, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido AA, tendo a arguida BB, no dia 20 de setembro, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 3.000€.
21. Ainda em data não concretamente apurada, mas situada durante o verão de 2018, o arguido AA, de modo não apurado, enviou para a arguida BB a quantia monetária de 5.000€, em numerário, que lhe foi deixada dentro de um envelope em branco, na sua caixa do correio.
22. Na posse de tal quantia monetária e segundo as instruções do arguido AA, a arguida BB deslocou-se a … e dirigiu-se a casa dos pais do arguido AA, sita na Rua …, n.º 13, …, naquela cidade, e ali colocou na caixa do correio daquela residência tal quantia monetária.
23. Na sequência da colaboração alcançada por AA, este no decurso do mês de dezembro de 2018, incumbiu a arguida BB de proceder ao doseamento de duas porções de heroína, cada uma com 30 gramas, fazer o seu embalamento e remeter por correio para destinatário por si indicado.
24. A arguida BB, cumprindo as instruções do AA, remetidas por SMS, anotou o nome e destinatário que lhe foi por este indicado e providenciou pela remessa via CTT, tendo previamente efetuado o doseamento das porções de heroína, como pretendidos por aquele.
25. No dia 4 de dezembro de 2018, cerca das 14h30, na concretização do acordado com AA, a arguida BB deslocou-se à loja do CTT no …, … e procedeu à remessa de um volume que continha duas embalagens com cerca de 30 gramas de heroína, cada uma, e que tinha como destinatário DD, residente na Rua …, 3…4 – … – …, a qual a rececionou, conforme acordado com CC, que colaborava com AA.
26. No dia … de dezembro de 2018, pelas 14h31, quando DD ia para a visita do seu marido, o arguido CC, no Estabelecimento Prisional de … onde este se encontrava recluso em cumprimento de pena de prisão, na execução do que com ele acordou, transportava nos seus genitais uma embalagem de heroína, que lhe pretendia entregar, de acordo com as instruções daquele, dadas pelo arguido AA.
27. Todavia, antes de concretizar a visita, a arguida foi abordada por inspetores da PJ e foi encontrada na posse de uma embalagem com heroína, com o peso líquido de 29,064g, que trazia no interior do seu órgão genital envolta num preservativo.
28. Na mesma altura, a arguida DD tinha ainda na sua posse um telemóvel marca “Samsung”, modelo “Galaxy J5”, com os IMEI’s 35…84 e 35…82, com o cartão SIM da Vodafone a que corresponde o n.º 91…70, e dois bilhetes de comboio, de ida e volta, …/…, pelas 11h40, e …/…, pelas 22h08, datados de 16.12.2018, um no valor de 10,70€ e outro no valor de 5,40€.
29. Nesse mesmo dia, pelas 16h30, na residência da arguida DD, sita na Rua …, 3…4, …, …, foi encontrado, no quarto da arguida, no guarda-fatos:
- dentro de uma caixa de cartão, duas embalagens de bolachas, marca “Milka”, uma vazia e a outra, contendo preservativo(s) e um volume cilíndrico de heroína, com o peso líquido de 29,418g – tudo embrulhado em papel de cor acastanhada, parte de uma embalagem de encomenda postal, com selos e carimbos dos CTT, nome e morada do remetente:
- II, R. …, n.º …, …, e
- nome e morada da destinatária “DD, Rua …, n.º 3…4, …, …”, através da qual lhe foi remetido o estupefaciente, pela arguida BB, conforme instruções do arguido AA.
30. Este produto estupefaciente constituía o remanescente da heroína remetida pelo correio pela arguida BB no dia 4 daquele mês.
31. A heroína encontrada na posse e na residência da arguida DD destinava-se a ser entregue ao arguido CC, durante as visitas a realizar-lhe no Estabelecimento Prisional de …, conforme as instruções deste as quais as recebia do arguido AA, e seria posteriormente comercializada no interior daquele mesmo estabelecimento prisional.
32. Desde, pelo menos dezembro de 2017 que AA, iniciou o estabelecimento de contatos no exterior do E. P de …, adequados, a que com a ulterior colaboração dos demais arguidos, através de contatos por ele diretamente estabelecidos ou por interposta pessoa, todos viessem a tomar parte no plano que gizou de introduzir e distribuir produto estupefaciente dentro do Estabelecimento Prisional de … .
33. No dia 28 de fevereiro de 2019, pelas 07h00, no interior da residência da arguida BB, sita na Rua …, n.º 4…3, …, …, foi encontrado:
- na cozinha: dentro de um armário superior, uma pequena caixa de chá, da marca “Auchan”, contendo no seu interior, envolto em papel de alumínio e película aderente, heroína, com o peso líquido de 37,608g; pendurado no puxador da porta, um saco em nylon, de cor preta, com a inscrição “EE” (saco este idêntico ao que a arguida utilizou para transportar a encomenda que enviou via CTT no dia 4 de dezembro de 2018);
- na casa de banho: num móvel/estante, ao lado da banheira, dentro de um saco de plástico transparente, envolto em papel de alumínio e guardanapo de papel, a quantia de 2.000€, em notas de valor facial de 20,00 euros; no interior do móvel do lavatório, dentro de uma caixa de pensos higiénicos da marca “Carefree”, a quantia de 9.140€, fracionada em 7 notas de valor facial de 100€, 83 notas com o valor facial de 50€, 178 notas com o valor facial de 20€ e 73 notas com o valor facial 10€.
- no quarto da arguida: em cima da mesinha de cabeceira, um computador portátil, da marca “HP Compact”, com o n.º de série 5CB1371CCM, respetiva bateria e cabo de alimentação, bem como a pasta de acondicionamento e transporte; um telemóvel da marca “Samsung”, modelo J3(2016), como IMEI35…25/77, contendo cartão SIM da “Vodafone”, associado ao n.º de contacto 91…64, utilizado pela arguida nos contactos com o arguido AA, na atividade de venda de estupefaciente;
- noutra mesinha de cabeceira, no interior de uma das gavetas, uma agenda do ano de 2016, com a inscrição “A minha agenda Proteste”, com valores manuscritos, nas datas de 28 de março a 07 de abril. Ainda nesta agenda, foi encontrado: um segmento de folha, com diversos manuscritos, de cor preta e azul, com indicações de meses e valores numerários, sendo o valor final de 9.140€; 2 talões referentes a levantamentos de 2.000€ e 3.000€, respetivamente, da conta 67…04, do “Novo Banco”; um segmento de folha, com as inscrições a preto “II… DD”; uma folha quadriculada, tamanho A5, com inscrições em azul “JJ”, sendo a primeira mãe do arguido AA; na mesma gaveta, um envelope branco, sem qualquer inscrição, contendo no seu interior 25 notas com o valor facial de 20€, perfazendo o valor total de 500€.
34. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, a arguida BB tinha na sua posse, no interior da carteira que trazia ao tiracolo:
- um cartão andante, com o n.º 129 …30 4 U; um cartão de comboios de Portugal “SIGA”, com o n.º 118 … 22 4UC; duas faturas simplificadas de carregamento de transportes intermodais …, com os números FS TIP01M0611…2.1/0…92 e FS TIP01M0611….01/01…97; uma fatura/recibo do consórcio “PAGAQUI”, com o n.º 1002…00/2041.
35. Também no dia 28 de fevereiro de 2019, pelas 09h45, foi encontrado na residência da mãe da arguida BB, sita na Rua …, 3…1, casa 2, em …:
- no quarto que está afeto à arguida nesta residência, no interior de uma almofada, no meio da espuma, uma embalagem de batatas fritas, da marca “MCENNEDY”, envolta em película aderente, e uma embalagem de cor amarela, formato cilíndrico, envolta em fita adesiva, contendo:
- heroína, com o peso líquido de 494,000g; heroína, com o peso líquido de 183,565g; heroína, com o peso líquido de 48,156g;
- paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 908,46g – produto este utilizado pelos arguidos – AA e BB - na preparação e corte do estupefaciente.
36. O estupefaciente encontrado na residência da arguida BB e da mãe desta pertencia ao arguido AA que o destinava à venda, tendo-lhe prestado colaboração nos sobreditos termos a arguida BB e os demais arguidos.
37. Também o dinheiro encontrado na residência da arguida BB pertencia ao AA e era por esta guardado e oculto de acordo com as instruções daquele.
38. Ainda no dia 28 de fevereiro de 2018, pelas 07h30, na cela n.º … do E. P. de …, ocupada pelo arguido CC foi encontrado:
- uma agenda do ano 2014, com a inscrição “Agenda jovem”, com diversas anotações de contactos e números bancários, relacionados com a atividade de venda de estupefacientes;
- um pedaço de papel de fotografia, em formato retangular, com o manuscrito “1000…33”.
39. Também neste dia 28 de fevereiro de 2018, pelas 07h30, na cela n.º … do E. P. de …, ocupada pelo arguido AA foi encontrado:
- uma folha de jornal “Diário de …”, do dia 19.12.2018, página 5, referente a notícia com o título “Detida quando levava heroína para a cadeia” – referente à detenção da arguida DD.
40. Os arguidos AA, BB, CC e DD, nos seus respetivos empreendimentos, agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que transportavam, detinham, guardavam e introduziam, para venda, no interior do estabelecimento prisional de …, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
41. Os arguidos agiram conjugando esforços e com tarefas repartidas, com o propósito de introduzirem e venderem estupefacientes no interior do estabelecimento prisional. Sabiam ainda que a posse, detenção, transporte, guarda e venda de tais produtos é proibida por lei.
42. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
43. O arguido AA ao determinar que os pagamentos do estupefaciente que lhe era adquirido fosse pago através de depósitos e transferências para a conta bancária da arguida BB, agiu de forma livre e consciente, com o intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro em causa.
44. Sabia o arguido que as quantias monetárias depositadas e transferidas para a conta da arguida BB tinham origem na atividade de venda de estupefaciente a que se dedicava, querendo com este comportamento escamotear a sua verdadeira origem, na intenção final de evitar responder pelas consequências jurídicas dos seus atos, e sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
45. A arguida BB, por sua vez, também agiu de forma livre e consciente, sabendo que as quantias monetárias pertencentes a AA, depositadas e transferidas para a sua conta e por aquela guardadas, resultavam direta e necessariamente da venda de estupefacientes, e, não obstante aceitou, mediante contrapartida económica de valor não apurado, guardá-las e ocultá-las, com o intuito de dissimular a natureza, origem e titularidade das vantagens de tal atividade criminosa.
46. Mais sabia a arguida que a sua conduta era proibida por lei.
47. Além de outras condenações anteriores constantes da transcrição infra do CRC.
- o arguido AA, por decisão de 22.04.05, transitada em julgado e proferida no proc. n.º 725/01.3 … do ….º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, foi condenado pela prática, em 24.12.01, de um crime de evasão, na pena de 18 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, por decisão de 20.12.05, na pena única de 13 anos de prisão. Esta pena está a ser cumprida de forma sucessiva relativamente a outras que cumpriu ininterruptamente desde 16.05.95, na sequência de uma condenação na pena de 20 anos de prisão pela prática de três crimes de homicídio qualificado.
- o arguido CC, por decisão de 07.03.16, transitada em julgado e proferida no proc. n.º 12/15.0 … do Juízo Central Criminal de … – J…, foi condenado pela prática, entre 13.12.14 e 19.01.15, dos crimes de roubo, sequestro e coação, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, que cumpre desde 20.01.15.
48. Apesar das condenações sofridas e das penas de prisão que cumpriam, os arguidos AA e CC continuaram a praticar crimes, revelando com tal comportamento que as penas sofridas e o tempo de prisão cumprido, não tiveram, sobre aqueles, qualquer efeito dissuasor.
49. Do relatório social do arguido AA consignou-se: “AA nasceu na freguesia de …, …, sendo o mais velho de três irmãos, cujo processo de desenvolvimento decorreu num contexto familiar estruturado pautado por valores e normas sociais.
AA iniciou as atividades escolares em idade normal, sendo referenciado como um aluno de avaliação satisfatória e com um comportamento dentro dos padrões normativos, transmitindo uma imagem adequada ao nível do relacionamento interpessoal estabelecido com os pares, professores e outros intervenientes do sistema escolar.
Após a conclusão do 7º ano de escolaridade optou pela continuidade da frequência escolar em regime noturno, não tendo concluído o 3º ciclo do ensino básico.
Aos 16 anos de idade deu início a atividade laboral de …, onde se manteve até ser chamado para o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório integrado nas tropas especiais, como … . Após o cumprimento destes serviços durante 18 meses, decidiu emigrar para a …, na tentativa de uma mais fácil ascensão económica, país onde residiam os tios (vitimas), que o acolheram, e onde se manteve durante 4 anos a trabalhar como … .
Em … de 1995 o arguido foi preso preventivamente, indiciado pela prática de crimes de homicídio qualificado (tios e primo), factos ocorridos num período em que se encontrava de férias em Portugal e pelos quais veio posteriormente a ser condenado numa pena de 20 anos de prisão.
Desde o início do cumprimento de pena o arguido já passou por vários Estabelecimentos Prisionais, entre os quais …, PJ …, …, …, …, …, tendo neste ultimo protagonizado uma fuga e permanecido evadido de 24.12.2001 a 05.04.2002, período durante o qual praticou novos crimes e foi condenado numa pena de 13 anos, por evasão, rapto, extorsão e detenção de arma classificada como arma de guerra, no âmbito do processo 725/01.3… da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, a qual cumpre desde 24.04.2008, e por despacho superior de 05.04.2002, na sequência destes factos, foi atribuída a AA a medida de escolta policial, nas deslocações ao exterior, assim como a sua colocação em secção de segurança.
Em 20.10.2017 foi cessada esta medida, tendo como fundamento a decisão do TEP de … que, em sede de conselho técnico ocorrido em 03.10.2017, foi concedida ao arguido a primeira saída jurisdicional pelo período de 3 dias, que passou junto dos pais em …, e foi colocado em regime aberto no interior em 15.11.2017.
À data dos factos pelos quais AA está acusado nos presentes autos, beneficiou de saídas jurisdicionais e encontrava-se recluído no Estabelecimento Prisional de … . Mantinha um comportamento pontualmente irregular, onde se ressaltam a aplicação de algumas sanções disciplinares menos gravosas e esteve laboralmente ativo na lavandaria e no salão de vendas em diversos períodos de tempo.
Face aos factos pelos quais o arguido se encontra acusado, no presente processo, o mesmo não se mostrou disponível para os analisar criticamente, postura que manteve relativamente aos crimes pelos quais foi condenado e se encontra a cumprir pena de prisão.
Na sequência dos factos relativos ao presente processo, as medidas de flexibilização da pena, supramencionadas, vieram a ser cessadas em 03.05.2019, vindo transferido para a Secção de Segurança do Estabelecimento Prisional de …, em 21.06.2019.
Durante a permanência neste setor tem mantido uma conduta sem registos disciplinares.
Em relação ao futuro o arguido projeta manter a residência no meio social de origem, junto dos progenitores, demonstrando estes, disponibilidade para o apoiarem.
[…] [[1]]
53. A arguida BB confessou, parcialmente, mas com relevância os factos imputados, dos quais se declarou arrependida não constando do seu CRC nada.
54. A arguida DD confessou, parcialmente, os factos imputados, dos quais se declarou arrependida, não constando do seu CRC nada.
55. Do CRC do arguido AA consta que este sofreu as seguintes condenações: PCC nº 262/96 do Tribunal Judicial da Comarca de …, por decisão transitada em julgado proferida em 27.09.96, na pena única de 20 anos de prisão; por triplo homicídio, factos de 10.08.95; PCC nº 205/02.5… do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, por decisão transitada em julgado em 21.11.2003, proferida em 23.05.2003, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão por factos praticados em 3.04.2002, por Rapto e Extorsão; PCS nº 5/2002.7 … do 2º Juízo do Tribunal de …, decisão transitada em julgado por factos de 2002, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, processo onde foi levado a cabo o cúmulo jurídico das penas, destes autos com o do processo 205/02 0… estando em cumprimento de 12 anos e 6 anos de prisão, transitado em 2.12.2004; PCS 725/01.3… do …º juízo Criminal do Tribunal de …, por decisão de 22.04.2005, transitada em 24.05.2006, na pena de 18 meses pelo crime de Evasão, praticado em 16.05.95, onde foi realizado cúmulo jurídico das penas sendo condenado na pena única de 13 anos de prisão.
56. […][2].
Tendo sido considerada não provada a seguinte matéria de facto:
«Da discussão da causa não se lograram provar outros factos que assumam relevância para a decisão da causa ou que com os provados ou não provados estejam em contradição ou por ainda encerrarem matéria genérica, conclusiva ou de direito, designadamente:
a. A arguida BB visitava o arguido AA no Estabelecimento Prisional de …, e constava na sua lista de visitantes no Estabelecimento Prisional de … .
b. A arguida BB ignorava que o produto estupefaciente lidado e cuja guarda lhe foi confiada se destinava a ser introduzida no Estabelecimento Prisional de … .
c. A arguida BB ignorava a proveniência do dinheiro, entregue, depositado ou transferido para a sua conta bancária.
d. A arguida DD recebeu instruções diretas de AA ou as que recebeu sabia virem deste ou ainda quem era a arguida BB, conforme plano concertado entre os arguidos.
e. Desde pelo menos do mês de dezembro de 2017 que todos os arguidos concertados visavam com a sua atuação introduzir e distribuir estupefacientes dentro do E.P. de … .
f. O produto estupefaciente encontrado e por isso apreendido na residência identificada em 29, apresentava-se acondicionado dentro de um preservativo.
g. A arguida DD empreendeu a conduta assente por causa dos seus problemas financeiros, mas ainda dos problemas financeiros dos seus pais, em particular da saúde da mãe, para fazer face ao custo de intervenções cirúrgicas de urgência em instituições de saúde privada (C…) desta para o qual a família não tinha capacidade financeira.
h. A arguida DD colocou baixa para ajudar a mãe e dar assistência à família deixando de receber qualquer vencimento.
i. A arguida DD substituiu a mãe no trabalho por esta prestado na casa de pessoas e entregou a esta todo o valor ganho, durante todo o longo período da sua recuperação, fazendo para além dos trabalhos da mãe, outros serviços de limpeza.
j. Os pais de DD discutiam constantemente porque o pai não conseguia pagar as operações da mãe na … .
k. A arguida DD sentia-se constrangida por ir trabalhar e deixar os filhos na casa dos pais, sobrecarregando-os com mais despesas, impossíveis de suportar.
l. A arguida DD teve alguns episódios de desmaio devido ao facto de ser diabética e trabalhar em excesso.
m. A arguida DD vivia num “stress” diário por não saber como poder ajudar os seus familiares sentindo-se culpada por dar despesa aos pais, por os filhos passarem o dia na casa dos avós.
n. A arguida DD apercebia-se da agressividade da vida dentro da prisão que o seu marido tinha de suportar, fazendo-a temer que algo de mal lhe acontecesse, por isso acedeu a transportar o estupefaciente nas condições impostas.
o. O filho menor de cinco anos da arguida DD sofre muito com a sua ausência.»
2. Delimitação do objecto e âmbito do recurso
2.1. Constitui jurisprudência consolidada que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objecto do recurso.
Está em causa neste recurso um acórdão do Tribunal da Relação, que confirmou integralmente um acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª instância e manteve as penas parcelares, uma delas não superior a 5 anos de prisão e, bem assim, a pena única de 11 anos de prisão imposta ao arguido-recorrente AA.
Examinando as conclusões do recurso interposto, há a salientar a circunstância de ele retomar, repetindo-a praticamente na íntegra, a argumentação aduzida no recurso que o arguido havia interposto para a Relação, ignorando que o que está aqui e agora em causa é a concreta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência do recurso que oportunamente foi interposto da decisão da primeira instância.
Ora, o objecto de qualquer um destes recursos é necessariamente distinto.
Limitamo-nos a constatar esta situação, sem outras consequências quanto à sua rejeição, com este fundamento, por concedermos que o recorrente persiste na mesma linha argumentativa, num condicionalismo que, acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-05-2016, proferido no processo n.º 6796/136796/13.2TDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção[3], se considerou que, «numa perspectiva benévola, pode-se considerar uma eventual persistência da mesma crítica que já fora dirigida à decisão de primeira instância por considerar que se mantêm as razões anteriormente deduzidas. A rejeição do recurso representaria neste condicionalismo uma insuportável desproporcionalidade perante a irregularidade praticada».
Tem-se em consideração igualmente a orientação de uma corrente jurisprudencial, acolhida, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-02-2015 (Proc. n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção), que entende que a repetição/renovação da motivação não deve ser equiparada à sua falta, não estando prevista a possibilidade de rejeição do recurso nesta situação.
Enfim, como se afirma no acórdão de 12-07-2018, proferido noprocesso n.º 74/16.2JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Lopes da Mota), [r]epetindo o recorrente a argumentação que apresentou perante o tribunal da Relação, reproduzindo ipsis verbis o recurso da decisão de 1.ª instância, sem qualquer elemento novo, entende-se, todavia, não ser de rejeitar o recurso por falta de motivação, considerando-se a motivação apresentada como sendo agora dirigida ao acórdão da Relação que confirmou a condenação no acórdão da 1.ª instância».
Seguindo-se a orientação jurisprudencial do acórdão deste Supremo Tribunal de 29-4-2015, proferido no processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1 – 3.ª Secção (Relator Cons. Raul Borges), e da demais jurisprudência nele citada, entende-se não ser de rejeitar o recurso por falta de motivação, considerando-se a motivação apresentada como sendo agora dirigida ao acórdão da Relação que confirmou a condenação no acórdão da 1.ª instância.
Por outro lado, cumpre lembrar que, de acordo com o disposto no artigo 434.º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo da possibilidade de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código.
A discussão relativa à matéria de facto e ao modo como as instâncias decidiram quanto aos factos e sobre a valoração da prova produzida, feita pelo recorrente, está, como este Supremo Tribunal vem afirmando, excluída dos seus poderes de cognição, não podendo, pois, constituir objecto do recurso.
Não é admissível, sublinha-se, num recurso que vem interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto empreendida pelo recorrente.
2.2. Prosseguindo, quanto ao âmbito do recurso, o recorrente, reeditando conclusões tiradas no recurso que interpusera para o Tribunal da Relação, suscita as seguintes questões já certeiramente elencadas no acórdão recorrido:
«se a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, gerador da sua nulidade, tendo sido preterido o princípio “in dubio pro reo”, impondo-se a renovação de prova, ao que acresce ter sido ainda violado o direito ao silêncio de alguns arguidos, valoradas indevidamente as declarações de co-arguido, violado o princípio da livre apreciação da prova, ocorrendo ainda preterição do princípio da presunção da inocência, sobressaindo inversão do ónus da prova e nulidade por falta de fundamentação entre o nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou, a par de algumas inconstitucionalidades;
[…] se não estão preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos do crime de branqueamento de capitais […];
se não estão verificados em concreto os contornos imprescindíveis à imputada agravação ;
se não deverá manter-se a imputada reincidência ;
se não existe prova cabal que permita sustentar a imputada vantagem patrimonial supostamente alcançada […] (sublinhados agora)».
Todas estas questões foram colocadas no recurso que o arguido AA interpôs perante o Tribunal da Relação do Porto e que, como já se disse, agora reedita.
A única questão nova agora suscitada respeita à alegada «falta de imparcialidade», supostamente, de um dos juízes do Tribunal Colectivo.
3. Questão nova: da invocada falta de imparcialidade
3.1. A única questão nova agora suscitada tem que ver com a alegada «falta de imparcialidade», supostamente, de um dos juízes do Tribunal Colectivo.
Contudo, esta é, efectivamente, questão nova, que não foi não suscitada para apreciação do Tribunal recorrido, pelo que não poderá ser, agora, conhecida.
É esse o uniforme entendimento jurisprudencial, bem expresso já no acórdão deste Supremo Tribunal de 24-10-2012, proferido no processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1 – 3.ª Secção[4]:
[o] recurso interposto de uma determinada decisão não pode abranger questões que não constam dessa mesma decisão. Assim, reafirma-se a jurisprudência do STJ no sentido de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.»
Configurando-se a questão agora trazida a debate como uma verdadeira questão nova que não foi submetida à apreciação do Tribunal da Relação de que se recorre e que, por isso mesmo, não foi aí apreciada, ela não poderá ser objecto de conhecimento no âmbito do presente recurso que, nesta parte, se rejeita por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP.
Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-03-2017, proferido no processo n.º 582/05.0TASTR.E1.S1 – 3.ª Secção:
«Os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas.
Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre.
Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas.»
Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida.
Citando-se MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «[no] direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados»[5].
No mesmo sentido ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, «[os] recursos ordinários destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas. Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita a questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de suscitar ou de apreciar questões de conhecimento oficioso»[6].
O acórdão citado dá nota do «entendimento constante do STJ, sobre a natureza e função processual do recurso, de que este não pode ter como objecto a decisão de questões novas, constituindo apenas um remédio processual que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objecto de decisão do tribunal de que se recorre. Em fórmula impressiva: no recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas», referenciando vasta jurisprudência, já consolidada, sobre este tópico.
Perante o exposto, rejeita-se o recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP, quanto à questão referente à invocada falta de imparcialidade de magistrado membro do Tribunal Colectivo.
3.2. Diga-se, entretanto, inexistir qualquer fundamento válido para sustentar a alegada falta de imparcialidade, devendo lembrar-se que o agora recorrente teve a possibilidade de requerer o afastamento do juiz, ou juízes, se entendesse que a sua intervenção no processo for susceptível de colocar seriamente em causa os valores da imparcialidade e da isenção, como a lei processual previne nos seus artigos 39.º a 47.º.
De acordo com o disposto no artigo 44.º do CPP , a recusa é admissível até ao início da audiência ou posteriormente, até à sentença, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência.
Como sublinha HENRIQUES GASPAR, em comentário ao artigo 44.º, «Os meios previstos na norma, que são instrumentos da imparcialidade, não podem ser utilizados a todo o tempo, como estratégia eventualmente escolhida (e guardada) pelos interessados para utilizar no momento que entendessem oportuno: a lei previne o uso do meio como elemento da “teoria dos jogos” no processo […. A lei pressupõe que, até esses momentos do processo, os interessados estão já na disponibilidade de todos os elementos que lhes permitam a percepção sobre a existência de motivo «sério e grave» que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz»[7].
Ora, independentemente da justeza do seu fundamente, o recorrente não suscitou, atempadamente e na forma processualmente adequada, o incidente de recusa pelo que sempre seria manifestamente inviável, infundada e despropositada a invocação agora da violação do princípio da imparcialidade.
4. Impugnação da matéria de facto provada e não provada. Violação do princípio da livre apreciação da prova. Erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo.
4.1. O recorrente impugna perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão de facto da 2.ª instância, apontando-lhe o erro notório na apreciação da prova, vício contemplado no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova.
Como já se referiu, o Supremo Tribunal de Justiça tem os seus poderes de cognição estrita e pontualmente fixados no artigo 434.º do CPP, limitados ao exclusivo reexame da matéria de direito, sendo-lhe defeso intrometer-se no reexame da matéria de facto, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º n.os 2 e 3, do CPP, ou seja, sempre que, além do mais, ocorram os vícios previstos no n.º 2.
Daí resulta que, convocando o acórdão deste Supremo Tribunal de 04-07-2013, proferido no processo n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 – 3.ª Secção, ao recorrente é vedado erigir a divergência factual com o decidido, a convicção adquirida nesse domínio, em fundamento de recurso para este Supremo Tribunal, porque não teve contacto à vista com as provas, do qual deriva, após a sua produção, reexame e análise crítica, a convicção probatória do Tribunal, que não tem que coincidir com a da parte, modelada, como bem se entende, à luz do seu interesse, a fixação do acervo factual.
Tal papel incumbe às instâncias às quais é viabilizado aquele contacto, numa relação apelidada já de proximal, pela aproximação aos meios de prova, particularmente ao testemunhal, cuja especificidade, pela forma multifacetada de prestação, é essencialmente apreensível, mais na 1.ª instância do que na 2.ª instância, esta podendo conhecer de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º, do CPP, contudo o seu julgamento se cinge aos pontos de facto indicados no condicionalismo do artigo 412.º, n.º3, do CPP
E a Relação fecha, em definitivo, como regra, o ciclo do conhecimento da matéria de facto, seja por aquele conhecimento limitado, seja ainda pelos poderes de modificabilidade que lhe são outorgados no artigo 432.º, alíneas a), e c), seja pelo conhecimento oficioso dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
«E neste último âmbito, lê-se ainda no acórdão que se vem seguindo, parificadamente com o reconhecido para este STJ, na observância do AFJ, de 19.10.95, in DR, Série A, de 28.12.95, atenta a natureza de tais vícios, de gravidade, comprometendo a lógica do decidido, a credibilidade das decisões judiciais ante os seus destinatários próximos e a comunidade mais ampla de cidadãos, que aguarda dos tribunais, decisões acertadas e justas, só assim se lhes impondo na sua missão de julgar
Essas anomalias situam-se ao nível da matéria de facto, da lógica jurídica, são impeditivas de bem se decidir, viciando o silogismo judiciário, criando disfuncionalidades, incoerência interna nos termos da decisão, como se decidiu nos Acs. deste STJ, de 7.12.2005, CJ, Acs. STJ, XIII; T III, 224 e de 29.3.2006, in P.º n.º 651/06 -3.ª Sec.
O STJ quando conhece oficiosamente, dessas anomalias, em revista alargada, mantém-se, ainda, portanto na sua esfera de competência específica, enquanto definindo o direito em última instância, porque seria incompaginável com essa função proferir decisão de direito sobre uma base factual afectada por esses vícios, desde que resultem do texto da decisão recorrida por si só, sem recurso a elementos exteriores, ou em conjugação com as regras da experiência comum, aquilo que é usual acontecer, com probabilidade forte de ser evento normal.
[…]
Só, pois, por razões excepcionais, o STJ conhece de tais vícios, sendo, até, jurisprudência sua, com foros de pacificidade, a de que o recorrente, tendo-se a Relação pronunciado sobre tais vícios, está impedido de os reapreciar a pedido expresso no recurso intentado (cfr., entre muitos outros, os Acs. de 24.3.2003, CJ, STJ, XXVIII, T1, 166, pág. 236 e de 25.1.2006, P.º n.º 2981/05, 3.ª Sec.), Lourenço Martins, O Instituto dos Recursos, RMP, 94, 2003, págs. 81. e 82.»
Esta jurisprudência tem sido seguida reiteradamente afirmada.
Como nos expressamos no acórdão de 12-07-2018, proferido no processo n.º 172/17.5S7LSB.L1.S1 – 3.ª Secção:
«O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conforme dispõe o artigo 434.º do CPP, somente reaprecia matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento (oficioso) dos vícios previstos no artigo 410.º, n.os 2, als. a) a c), e 3, do CPP.
Desta feita, ao STJ está-lhe vedado proceder à análise crítica da prova testemunhal ou documental produzida nos autos, substituindo-se às instâncias na valoração dos meios de prova e na fixação da matéria de facto provada e não provada. Veja-se neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, Proc. n.º 4356/06 - 5.ª Secção:
“I. Tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. II. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido”.
Como repetidamente este Supremo Tribunal tem entendido, e aqui se reitera, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de que o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer oficiosamente.
Constituindo jurisprudência sedimentada e pacífica deste Supremo Tribunal que os vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça e que este tribunal deles somente conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice [[8]].
Posto isto, não é admissível um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para este tribunal, na parte em que convoca a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), quer no quadro dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício).
Assim quanto à impugnação da matéria de facto, estando em causa erro-vício há-de cingir-se ao texto da decisão recorrida, eventualmente em conjugação com as regras de experiência comum, por sua vez o erro-julgamento verifica-se quando há erro na apreciação da prova com base em elementos externos ao texto da decisão, como é o caso de confronto da prova testemunhal ouvida em audiência de julgamento.»
O recorrente, reeditando os fundamentos que invocou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação suscita o erro na fixação dos factos provados e dos factos não provados, invocando ao mesmo tempo o vício, enunciado no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, do erro notório na apreciação da prova.
Ora, neste segmento do recurso que interpõe perante este Supremo Tribunal, o que o recorrente verdadeiramente pretende é impugnar a matéria de facto dado como assente pelo Tribunal da Relação, não aceitando a mesma e pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada.
Na medida em que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP.
4.2. Poderia ponderar-se apenas conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.os 2 e 3, do CPP, porque o conhecimento destes vícios não constitui mais do que uma válvula de segurança a utilizar naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correcta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou ainda por assentar em premissas que se mostram contraditórias e por fim quanto se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas.
Ora, o Tribunal da Relação examinou com profundidade a possibilidade da modificação da matéria de facto no âmbito do alegado vício do erro notório na apreciação da prova e da própria insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tratamento que merece a nossa inteira concordância.
E assim, pode ler-se no acórdão recorrido:
«É consabido, e pacífico, que os vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, e tal como resulta do próprio teor daquele preceito, terão de resultar apenas do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum [[9]].
Ora, analisando a motivação recursiva, é notória a supra alegada confusão, pois que o recorrente alega a existência de dois vícios, o de erro notório na apreciação da prova e o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, este ainda confundível com aquilo que, na sua versão, seria a insuficiência de prova, limitando-se, em ambos os casos, à sua singela alegação no seio da supra referida impugnação alargada da matéria de facto e, por isso, sem uma qualquer fundamentação que, em concreto, alicerçasse uma tal alegação.
Ora, a total falta de argumentação de suporte impossibilita ontologicamente a sua apreciação, já que não é possível apreciar o que pura e simplesmente não existe.
Apesar disso, até por se tratar de vícios de conhecimento oficioso, como antes se referenciou, e recordando que o erro notório na apreciação da prova “… existirá … sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio” [[10]], e que o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorre “… quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” [[11]] cremos linear que nenhum deles aqui não ocorre, já que a decisão recorrida contém um acervo de factos percetível, sem distorções entre si, perfeitamente suficiente e suportado por uma motivação que os explicita de uma forma clara, racional e coerente, logo, perfeitamente cabal e plausível e, por isso, não arbitrária, mas apenas diversa da que pretendia o recorrente, divergência que, contudo, está devida e exaustivamente explicitada na correspondente fundamentação da convicção ali inserta, aqui, por economia, tida como renovada, remetendo-se, pois, para a sua leitura.»
O invocado vicio, previsto no art.° 410° n.° 2 al. c) CPP é de conhecimento oficioso, tem de emergir evidenciado "do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum".
Importa assim que da mera leitura da decisão se evidencie uma incongruência entre a matéria que resultou provada ou não provada e a fundamentação que a sustenta, uma desconformidade que é detectável no texto da decisão, sem necessidade de recurso a quaisquer outros elementos do processo, que ali emerge evidenciada porque contende com o que se entende ser a decorrência lógica, ditada pelas regras da experiência e do normal acontecer.
In casu, porém, como se reconhece no acórdão recorrido, nenhum erro transparece do texto da decisão proferida pelo Tribunal Colectivo, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra o desrespeito por prova legalmente vinculativa ou tarifada que tivesse sido desprezada, ou não investigada pelo tribunal.
O Tribunal Colectivo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada e não provada, de forma minuciosa, com critérios lógicos e objectivos, e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente.
Reafirmando ideia já expressa, tal como decorre da letra da lei, qualquer um dos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410° do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum, deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
O erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) daquele preceito, é um vício que se observa quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova tem pois que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença. Existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
Ocorre o vício, quando se dão por provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica normal, traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foi violado o princípio in dubio pro reo.
Ora, não logramos encontrar tal vício numa averiguação oficiosa, pelo que a impugnação de facto não poderá proceder com base neste concreto fundamento.
O recorrente discorda com a forma como a prova foi considerada relativamente aos concretos pontos da matéria de facto (provada e não provada) que ficaram apurados, visando afinal pôr em causa o processo de valoração da prova efectuado pelas instâncias, pretendendo que a mesma prova seja valorada de acordo com a sua própria apreciação, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga, conforme artigo 127° do CPP, e não de acordo com a apreciação que dela fazem os destinatários da decisão.
Pois que, como é do conhecimento geral, a prova é apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consignado no citado artigo 127º do CPP: «[…] a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Livre apreciação essa repete-se, que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos, expressos através da motivação, que determina dessa forma uma convicção racional.
Convocando novamente o que a este propósito é afirmado no acórdão recorrido:
«Quanto à forma como o princípio da livre apreciação da prova foi encarado pelo tribunal recorrido, basta atentar na motivação da matéria de facto para se perceber que o tribunal formou a sua convicção de uma forma válida, racional e devidamente fundamentada, sem colidir com a presunção de inocência, nem com o dever de fundamentar as decisões judiciais, afirmações estas que o recorrente aduz de forma que pode considerar-se temerária, já que a motivação em sede de facto explicita, em pormenor, as razões da factualidade firmada, incluindo uma análise crítica da prova exaustiva e perfeitamente aceitável em face das mais elementares regras da experiência comum, pelo que, e também por este prisma, nenhuma censura nos merece o decidido, inexistindo uma qualquer inconstitucionalidade material, mormente as alegadas pelo recorrente, devendo relembrar-se ainda que, conforme já antes se anotou, o acórdão recorrido também não padece do alegado vício de erro notório na apreciação da prova, claramente.
Resta acrescentar que também não se vislumbra que tenha existido a propalada inversão do ónus da prova, nem que tenha sido minimamente beliscado o princípio “in dubio pro reo”[[12]].
Em suma, e conforme procurou demonstrar-se, não pode afirmar-se que a análise encetada pelo tribunal recorrido foi efetuada à revelia da lei, com preterição das regras da experiência comum, ou dos invocados princípios da livre apreciação da prova, da presunção de inocência e “in dubio pro reo,”, e/ou que impunha uma decisão diversa, tal como o exige o artigo 412º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal, pelo que deverá manter-se.»
Reafirmando:
A fundamentação que consta do acórdão do Tribunal Colectivo, na parte relativa à motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, contém a indicação expressa dos meios de prova tomados em consideração, aí se dando conta da relevância atribuída a cada um deles, mostrando-se coerente, lógica e feita de acordo com as normas legais e as regras da experiência comum.
Sendo que a discordância do arguido, ora recorrente, é meramente intelectual e não se prende com qualquer vício da decisão, que não existe.
Ora, como se sabe, tal discordância em relação ao decidido não releva em termos de recurso, sendo unânime a jurisprudência dos nossos Tribunais no sentido de que se o recorrente se limita a dar a conhecer a sua versão dos factos que deveriam ser dados como provados ou não provados, sem que a deficiência resulte do texto da decisão e seja susceptível de configurar um vício, então essa alegação não pode conduzir à procedência do recurso.
Podemos, pois, concluir que se mostram bem julgados todos os factos objecto da acusação imputados ao arguido, ora recorrente, e por ele impugnados, de acordo com as provas produzidas e analisadas, conjugadamente, com as regras da experiência comum, não se colocando qualquer dúvida sobre o acerto da decisão, em função de toda a prova produzida e examinada pelo Tribunal Colectivo para formar a sua convicção.
Em conclusão, não padece, pois, a decisão recorrida do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP, pelo que também terá que improceder a impugnação da matéria de facto assente nesta base, suscitada pelo arguido.
Da leitura dos termos da decisão, não ressalta qualquer erro notório na apreciação da prova, qualquer manifesta ilogicidade no contexto decisório, apresentando-se a mesma decisão como um todo coerente e lógico racional.
O recurso é, pois, de rejeitar nesta parte.
4.3. Da alegada violação do princípio in dubio pro reo
Alega o recorrente que, ao dar como provados determinados factos que que indica, «sem qualquer prova que os sustente, violou o Tribunal o princípio do in dubeo pro reo previsto no Art. 32.º nº 2 da CRP».
Quanto à pretensa violação, ou não consideração, do princípio in dubio pro reo, retomando o desenvolvimento efectuado nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 27-04-2017, proferido no processo n.º 452/15.4JAPDL.L1.S1 - 3.ª Secção, e de 02-05-2018, proferido no processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 - 3.ª secção[13]:
O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer.
O princípio in dubio pro reo significa, segundo PAULO DE SOUSA MENDES, que «a dúvida sobre os pressupostos de facto da decisão a proferir deve ser valorada a favor da pessoa visada pelo processo»[14].
De acordo com este princípio, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, «o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida»[15]. A dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada, prossegue a mesma autora, de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-01-2014 (Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção), associou-se a este princípio a natureza exclusiva de «princípio referente à prova dos factos, ligado à sua valoração pelas instâncias, com o fundamento de que escapam a este STJ a refracção das provas na convicção do julgador, os elementos influentes na sua formação que só ele pela sua subtileza, atenção, emoção e inteligência pode apreender, proporcionados pela oralidade e imediação. O princípio valia ao nível da dúvida razoável com relação aos factos, desde que se alcançasse que o tribunal incorreu naquele estado e não o declarou seja porque não atentou na sua sucumbência seja porque era uma consequência de erro notório na apreciação da prova e não extraiu a consequência derivada da sua infracção.
O princípio serve para controlar o procedimento do tribunal quando teve dúvidas em termos de matéria de facto e não para controlar as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve.
Não se pense, no entanto, que tudo o que diz respeito à aquisição da matéria da facto se cinge a esta natureza porque todo o processo aquisitivo da matéria de facto envolve a observância de normas e a convicção probatória não é uma consequência do arbítrio e de um processo irracional, pois que o princípio obedece a uma orientação normativa, envolvente da convicção probatória em moldes de esta ser motivada e objectivada».
Assim, como se refere no acórdão que se vem citando:
«Baseado no princípio constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º n.º 2, da CRP), constituindo um limite normativo da livre convicção probatória, assume vertente de direito, passível de controle deste STJ, quando ao debruçar-se sobre o conjunto dos factos, procura detectar se se decidiu contra o arguido, não declarando a dúvida evidente já porque esta resultava de uma valoração emergente da simples texto da decisão recorrida por si ou de acordo com as regras da experiência, de acordo com aquilo que é usual acontecer, já por incurso em erro notório na apreciação da prova.- cfr. Ac. do STJ, de 8.7.2004, P.º nº 111221/04 - 5.ª Sec.
Nesta conformidade este STJ tem afirmado, nem sempre com uniformidade, o seu teor de princípio de direito, por ele controlável, de afirmação de regra de decisão, pilar de uma convicção sã e escorreita, que só o é quando o juiz ele próprio já não tem dúvidas, no dizer de Eberardt Schmidt, pois que se se lhe suscitam várias possibilidades que, conscientemente, não logra remover, trilha ainda o caminho da incerteza, deve actuar o princípio».
Neste conspecto, devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática.
Daí que, para PAULO DE SOUSA MENDES, o princípio só diz respeito à prova da questão-de-facto[16].
Nesta perspectiva, como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-04-2011 (Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1 – 3.ª Secção), «a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República» (sublinhado agora).
Em sentido muito próximo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-06-2012 (Proc. n.º 442/08.3GALSD.P1.S1 - 5.ª Secção»[17]:
«O STJ, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito (art. 434.º do CPP). Se a alegação da violação do princípio in dubio pro reo e, por essa via, do princípio da presunção da inocência, constitui, em certa perspectiva, uma questão de direito, já está fora dos poderes de cognição do STJ, por constituir questão de facto, a alegação de que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos e que a resolveu contra o arguido».
Em suma, como lapidarmente se refere no acórdão de 29-05-2013, proferido no processo n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido».
Ora, compulsadas, tanto a decisão recorrida, como também a decisão da 1.ª instância, não se detecta, tendo em atenção nomeadamente, a fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados.
A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados.
Como não é manifestamente o caso, «o recorrente só pode pretender que, apesar de o Colectivo da 1.ª instância [tal como o Tribunal da Relação] não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido» (acórdão de 27-02-2014 (Proc. n.º 160/10.2GCVFR.S1 - 5.ª Secção)[18]. Mas isso, lê-se neste acórdão, «não constitui qualquer vício da decisão recorrida, mas antes discordância do recorrente para com ela».
Ora, a divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal recorrido é irrelevante.
Como também, a este propósito, se considera no acórdão de 06-12-2006, proferido no proc. n.º 06P3651 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, por forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, posto que, saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista».
Ora, a decisão proferida, tendo em conta o seu teor, mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, não contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro, que seja patente para qualquer cidadão.
É consonante, logicamente interligada e inteligível para qualquer cidadão comum a factualidade provada e não provada e nestes termos não deixa margem para qualquer dúvida na sua apreciação da prova.
Não tendo o Tribunal a quo baseado a sua convicção em raciocínios ou juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios ou com desrespeito das regras sobre o valor da prova vinculada e dos princípios da prova, nem havendo qualquer dúvida insanável, não é possível concluir também pela violação do princípio in dubio pro reo.
Da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou a certeza da prática pelo arguido dos factos dados como assentes, (em especial, dos impugnados), pelo que não cabe falar em violação do princípio in dubio pro reo, que apenas é suscitado quando ocorram dúvidas insuperáveis de prova de determinados factos.
Não ocorreu, pois, no caso vertente, qualquer violação ou desconsideração do princípio do in dubio pro reo, reafirmando-se que a decisão recorrida não evidencia qualquer dúvida em relação a qualquer facto e, concretamente, em relação aos pressupostos fácticos da legítima defesa invocada pelo recorrente (ou do seu excesso), questão que se vai de imediato apreciar.
4.4. Persistindo o recorrente quanto à alegada relevância do silêncio, exercício de que «lançou mão», dada pelas instâncias «para efeitos de condenação», cumpre dizer que no acórdão recorrido a questão foi correctamente apreciada em termos que integralmente secundamos. Aí se lendo que:
«Ainda adentro da discussão da matéria de facto, queixava-se o recorrente de que o tribunal valorou, em seu desfavor, o seu direito ao silêncio e que, por outro lado, valorou indevidamente as declarações da arguida BB, em desrespeito pelo consignado no artigo 345º, nº 4, do CPP, e por se tratar de uma verdadeiro testemunho, além da sua incoerência.
Mas sem razão alguma.
Quanto ao direito ao silêncio, inquestionável, o mesmo não implica que os co-arguidos não possam prestar declarações que envolvam os que se remeteram ao silêncio, tal como aqui sucedeu com a co-arguida BB, desde que seja assegurado o contraditório.
O quer nos remete já para a disciplina contida no artigo 345º, nº 4 do Código de Processo Penal, aqui perfeitamente respeitada, pois que o defensor do aqui recorrente, tal como os demais sujeitos processuais, tiveram a oportunidade de inquirir a arguida em questão que respondeu a todas as instâncias que lhe foram feitas, o que legitima a sua valoração e torna perfeitamente incompreensível a alegação de que não existiu contraditório.»
Prosseguindo,
Estabilizada e consolidada a matéria de facto relevante, há que enfrentar as questões suscitadas que se enquadrem no âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal no âmbito deste recurso.
Para tanto, cumpre ainda tratar de uma questão prévia que agora se suscita e que tem que ver com a irrecorribilidade da matéria decisória relativa ao crime de branqueamento de capitais.
4.5. Inadmissibilidade do recurso quanto à matéria decisória relativa ao crime de branqueamento de capitais
O arguido-recorrente foi condenado em 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão a qual foi confirmada, bem como a respectiva matéria de facto em que assentou, pelo Tribunal da Relação no acórdão agora sob recurso.
De acordo com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.
De acordo com o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
Para este efeito, este Supremo Tribunal vem entendendo que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insusceptíveis de recurso para o STJ, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
Esta irrecorribilidade, como se considera, na linha de jurisprudência firme deste Tribunal, no acórdão de 19-06-2019, proferido no processo n.º 19/14.3 GCVRL.G1 – 3.ª Secção, que o agora relator subscreveu como adjunto, «abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão) tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades da decisão (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspectos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (v.g., o respeito pela regra da livre apreciação e pelo princípio in dubio pro reo ou proibições de prova), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares».
Nestes termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea e), 414.º, n.os 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b),do CPP, é rejeitado o recurso interposto na parte que se reporta à matéria decisória, incluindo a respectiva pena, relativa ao crime de branqueamento de capitais por cuja prática foi o recorrente condenado.
5. Do mérito do recurso
5.1. O crime de tráfico de estupefacientes agravado
O recorrente não se conforma com a imputada agravante, «porquanto – afirma (conclusão 47.ª) – que de toda a prova produzida nada resultou em concreto e/ou com o necessário grau de probabilidade/convicção, de que se encontram verificados os contornos imprescindíveis à referida agravação, seja a introdução por si de estupefaciente dentro do EP de …».
O Tribunal Colectivo integrou a actividade de tráfico empreendida e desenvolvida pelo agora recorrente e demais arguidos no tipo agravado do artigo 24.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, coma seguinte fundamentação que, pela sua inegável correcção jurídica, colhe, no essencial, a nossa concordância[19]:
«Do Tráfico de estupefacientes
Artigo 21º Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, 1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. 2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização. 4 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos.
Art.º 24º, Agravação, nº 1 al. h) As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: h) A infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações;
É possível distinguir diversos bens jurídicos protegidos com a incriminação do tráfico de estupefacientes, tais como: a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes. Há mesmo quem acrescente, proteção da própria humanidade, se encarada a sua destruição a longo prazo. Contudo, todos eles podem ser englobados num bem mais abrangente: a saúde pública em geral.
Mas, para além, da saúde geral, a saúde da coletividade, “entendida como conjunção e síntese das boas condições físicas e psíquicas dos cidadãos” (F. Soto Nieto, “El delito de tráfico ilegal de drogas”, Madrid, 1989, pag. 2, citado por Lourenço Martins, in Droga e Direito, Aequitas, Editorial Notícias, 1994, pag 122), está também em causa com a incriminação do tráfico de estupefacientes, a proteção da economia do Estado, que pode ser completamente subvertida nos seus princípios.
Passando, agora, à análise da natureza do crime de tráfico, podemos dizer que se trata de um crime de perigo abstrato.
Jescheck distingue, de uma forma clara, os crimes de dano dos crimes de perigo e, dentro destes, os crimes de perigo concreto dos crimes de perigo abstrato. Afirma o autor que : “En los delitos de lesión el tipo requiere un daño del objeto protegido de la acción, mientras que en los delitos de peligro basta, como resultado de la acción, el riesgo de lesión. (…) De los delitos de perigo concreto hay que diferenciar los de peligro abstrato. Estos constituyen, respecto a los de peligro concreto, un estadio anterior, cuyo merecimiento de pena viene dado ya por la peligrosidad general de una acción para determinados bienes jurídicos. La creación del propio peligro no pertenece aquí al tipo”, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, Cuarta Edición, Editorial Comares - Granada, 1993, pag. 238.
Veja-se a respeito dos crimes de perigo o nº 31 do preâmbulo do C.P., onde se afirma que: “A lei penal relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstrato) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. (…) Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. (…) o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a proteção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta”.
Aplicando o exposto ao crime em análise, podemos dizer que se trata de um crime de perigo abstrato, pois não exige para a sua consumação o dano ou o perigo de dano de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas somente a perigosidade da ação para as espécies de bens jurídicos protegidos[[20]].
Esclarecida a natureza do crime, vamos passar a analisar os seus elementos, do tipo base quer objetivos, quer subjetivos.
São elementos objetivos do crime previsto no art.º 21º o cultivo, a produção, a extração, a venda, a detenção, cedência (entre muitas outras situações também previstas pelo legislador); sem autorização; fora dos casos previstos no art. 40º (consumo); de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
A heroína integra a Tabela I-A anexa a esse diploma legal.
Este tipo base constante do art.º 21º, cujos elementos acabados de identificar pode ser agravado (caso se verifiquem as circunstâncias referidas no art.º 24º); e pode ser privilegiado (caso concorram as circunstâncias indicadas nos art.ºs 25º e 26º).
Na parte que interessa o art.º 24º, nº 1 al. h) As penas previstas nos artigos 21.º (…) são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: h) A infração tiver sido cometida (….) em estabelecimento prisional, (…); Isto é, “locais especiais”: pune-se a quebra da relação de confiança, que merecem certas instalações e locais e as suas imediações, nos quais o agente desenvolve as atividades ilícitas, “primafacie”, aqueles locais onde existem atividades de reclusão entre outras como clínicas, sociais, educativas, e que se preserva o valor da saúde e da vida ou sua recuperação e não de vícios. O agente deste crime, pode ser qualquer pessoa e não apenas quem ali se encontra por razões funcionais. Todavia a ratio desta agravante não é pacífica, no sentido de saber se a mesma diz respeito ao local dos crimes ou ao perigo acrescido que o crime representa para as pessoas usuárias desses locais.
Explicitando, assim para uns a agravação refere-se ao local e tão só a este e não diretamente ao meio humano envolvente, sustentando que sendo o crime de tráfico um crime de perigo abstrato, é óbvio que esse perigo se presume também para as pessoas concretas que no perímetro do local onde se encontram. Isto é a matriz jurídica do tipo legal não muda em função da qualificação (ou da desqualificação). Se o tipo base configura um crime de perigo abstrato, o tipo qualificado, salvo disposição expressa em contrário, não se transfigura num crime de perigo concreto. Assim e nos casos polémicos de tráfico em estabelecimentos prisionais, carece de fundamento dizer-se, como se tem dito, que não se aplica esta alínea, porque não se provou a disseminação ou intenção de disseminar a droga pelos restantes reclusos, na medida em que, o que o tipo pune é tão-somente o perigo de disseminação pelos reclusos (já agora, não só pelos reclusos, mas por todos os usuários do estabelecimento, como guardas, médicos, assistentes sociais, pessoal administrativo, visitas, etc.) e não a disseminação concreta. Os tipos legais dos crimes de perigo assentam em presunções naturais, (no caso, o perigo de disseminação no interior do estabelecimento, onde se perseguem objetivos de prevenção e reinserção social ínsitos no cumprimento das penas) não se demonstrando a presunção, no rigor dos termos, deverá é absolver-se o arguido (e não condená-lo por um tipo menos grave).
No entanto de acordo com esta corrente interpretativa da agravação e no que à alínea h) diz respeito a simples prova de um recluso deter droga, que não se destina ao seu consumo, dentro de um estabelecimento prisional, revela-se o necessário e suficiente para firmar a presunção natural de que a destina ao tráfico e à disseminação nesse local, privado que está da liberdade de desenvolver qualquer outra atividade prevista no tipo base, que não seja essa.
A outra corrente, não admitindo, o local, como agravação automática, exige que a se olhe para o meio humano envolvente exigindo que a droga se destine a ser disseminada, no interior do estabelecimento prisional.
Ao nível do STJ quanto à alínea h) deste art.º 24°, no que toca à sua aplicação ao tráfico nos estabelecimentos prisionais, está instalada alguma polémica. Uma corrente, mais objetiva, nega a possibilidade de o subsumir ao crime atenuado do art.º 25° sempre que a infração for cometida dentro de estabelecimento prisional, por "impossibilidade lógica" ou "contradição nos termos". Outra, refutando o caráter "automático" do funcionamento da agravante, tendo em conta a teleologia da circunstância qualificativa em causa, admite essa possibilidade [[21]] em conta a teleologia da circunstância qualificativa em causa. É a esta última que aderimos como se passa a explicitar; o DL nº 15/93 construiu, a par de um crime “comum” de tráfico de estupefacientes, o do art.º 21º, um crime “agravado” o do nº 24º, e dois crimes “atenuados” os dos art.º s 25º e 26º, onde adotou a técnica legislativa onde é a ilicitude, por exasperação ou mitigação, e não a culpa, que determina a modificação da moldura penal.
Ao proceder-se à análise concreta da al. h) do art.º o 24, a primeira ideia que surge é que o acréscimo de ilicitude está aparentemente relacionado com o lugar da prática do tráfico de estupefacientes, no entanto uma leitura mais atenta alerta-nos que os estabelecimentos prisionais aparecem ao lado e a par de outros lugares, todos eles frequentados por segmentos de população relativamente aos quais o Estado sente um acrescido dever de providenciar para evitar o consumo, a circulação ou disseminação de estupefacientes.
Assim, é em função das vítimas que ali se encontram, e não do território/local, ou da natureza pública dos locais onde o Estado quer ver a sua autoridade exercida, que radica o fundamento da agravação.
Afigura-se-nos assim, ter sido preocupação do legislador evitar a circulação de estupefacientes onde estão pessoas com particulares fragilidades e a quem cumpre defender, isto é (ex-) dependentes de estupefacientes em tratamento ou em recuperação, por se tratar de pessoas marginalizadas, por serem militares, relativamente aos quais se exige uma especial preparação física e disciplina específica, ou por serem jovens e assim haver necessidade de evitar a iniciação e a eliminação de drogas entre eles. E também os reclusos são naturalmente entendidos como uma população merecedora de uma disciplina específica, tendo em conta precisamente o elevado número de consumidores toxicodependentes encarcerados e a necessidade de políticas especiais para combater o fenómeno.
Assim, o intuito do legislador, com a agravante da al. h) do art.º 24º, é a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de setores específicos da população, por estarem mais expostos aos perigos de contacto com os estupefacientes. Sendo essa a razão da agravante modificativa e não o desrespeito pela autoridade do Estado, natural é que a agravação só deva funcionar quando a conduta traduz um perigo acrescido para a saúde daquelas populações.
Isto é, não basta a simples existência de tráfico de estupefacientes num daqueles lugares, no caso no estabelecimento prisional, para que automaticamente funcione a agravação. Necessário é que o tráfico, além de ocorrer aí, constitua um ilícito agravado relativamente agravado em relação ao “comum” por pôr em perigo a saúde daqueles que a lei quer especialmente proteger.
Existirá ilícito agravado, quando a disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, ou a intenção for meramente lucrativa ou quando a quantidade for significativa.
É a imagem global da situação “sub iudice” que determinará o funcionamento da agravação ou não.
Assim cotejados os factos resulta para este tribunal coletivo estarmos perante uma situação em que a imagem global do facto exige o funcionamento da Agravação do artigo 21º, tanto quanto é certo que a disseminação de cerca de 60 gramas de heroína, no verão de 2018 é uma evidência a qual tem subjacente uma intenção meramente lucrativa, e que não poderá deixar de ser considerada uma quantidade é significativa de uma droga, dura, - heroína – dirigida para as pessoas reclusas, a qual foi adequada a gerar valor acima dos 16.000€, - dos quais foram apreendidos 11.640€ - pois já haviam sido entregues 5.000€ - produto da venda do tráfico da heroína no interior do estabelecimento prisional de … .
Este tráfico de estupefacientes era promovido por AA com a colaboração de BB, que preparou a heroína para dar entrada naquele E.P no verão de 2018, sendo certo que a esta data já CC e DD colaboram nesta atividade de tráfico de estupefacientes, pois esta última fez depósitos bancários do produto da venda do estupefaciente no interior do EP na conta bancária de BB, de que AA é beneficiário, nos valores de 1.000€ em agosto e 930€ em setembro, colaboração esta apenas possível através da colaboração do seu marido, CC no interior do E.P de … com AA na comercialização da heroína no seu interior.
No entanto a atividade não ficou por aqui porque em dezembro de 2018 o perigo de disseminação de heroína na quantidade liquida de 29,064g pelos reclusos ocorreu, mas não se concretizou porque DD foi detida em flagrante delito, a fazer o transporte na zona genital daquela heroína, quando ia fazer a visita a CC, seu marido, a quem iria fazer a sua entrega para ser comercializada no interior do EP de …, a qual pertencia a AA.
De facto, naquele mês AA instruiu BB para preparar duas porções de heroína, com o peso cerca de 30g cada - (29,064g apreendidas nos genitais de DD e 29,418g apreendidas na residência) o que esta fez e seguindo as instruções daquele enviou pelos CTT para DD, a fim de ser introduzida no E.P. de … .
Isto é, à DD foram apreendidas para serem introduzidas no E.P. de … duas porções de heroína com o peso líquido total de 58,482 gramas, que eram da propriedade de AA, quantidade capaz de gerar no interior do E.P. de … o valor de cerca de 18.000€.
Para além do mais (a acrescer àquele) e no exterior (designadamente residências de que tinha disponibilidade) guardava BB, heroína, pertença de AA, com o peso liquido de 725,721gramas, e ainda produto de corte- com o peso de 908,46g, para preparação e manuseamento da heroína, com vista a gerar mais lucro pela junção de paracetamol e cafeína, estupefaciente cujo valor aproximado num E.P. poderá chegar de acordo com as induções e deduções resultantes das regras da experiencia ao valor de 150.000€. Este estupefaciente encontrado na posse de BB, era destinado à venda por AA, sendo este o dono do mesmo colaborando com ele, nos termos dos factos assentes os demais arguidos.
Os arguidos AA, BB, CC e DD, nos seus respetivos empreendimentos, agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que transportavam, detinham, guardavam e introduziam, para venda, no interior do estabelecimento prisional de …, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
Os arguidos agiram conjugando esforços e com tarefas repartidas, com o propósito de introduzirem e venderem estupefacientes no interior do estabelecimento prisional. Sabiam ainda que a posse, detenção, transporte, guarda e venda de tais produtos é proibida por lei.
Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
Em face do exposto e porque não se fez prova de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, teremos de extrair as consequências jurídicas dos factos praticados pelos arguidos, uma vez que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos para a sua punição, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado.»
Este entendimento foi acolhido muito recentemente em acórdão proferido no processo n.º 74/17.5JACBR.C1.S1 – 3.ª Secção (inédito), relatado pelo agora relator, onde, revisitando-se considerações que tecemos no acórdão de 12-10-2016, proferido no processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª Secção, e após se transcrever o artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, na redacção do artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 16 de Julho, se lê:
«Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 07-07-2009 (Proc. n.º 52/07.2PEPDL.S1 - 3.ª Secção, a razão de ser da agravação quando a conduta tem lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta, ou, como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 8-02-2006 (Proc. n.º 3790/05 - 3.ª Secção):
“A razão de ser da agravante (…) reside, como bem se compreende, no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional.
Estes objectivos são inerentes à pessoa dos presos e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance dos que não chega. Não que tal distinção releve para efeitos e consumação do crime. O tipo legal contenta-se com a simples detenção do estupefaciente, por parte dela e com as regras da autoria moral, quanto a ele. Não é aqui que está a importância desta distinção.
Onde ela está é na atenção que merece, para efeitos de averiguação da gravidade, o facto de o haxixe nunca ter entrado na zona onde vivem os reclusos. Esteve sempre longe, quer do arguido, quer dos outros a quem podia chegar a notícia da disponibilidade do estupefaciente e que o podiam comprar ou, até, simplesmente, ver consumir. Não saiu da posse da arguida e esta era um mero " correio " entre quem lho entregou e o filho que lhe daria a utilização que se refere nos factos provados.
De fora fica apenas a intensidade negativa que resulta de, quer o arguido, quer a arguida, terem desafiado a autoridade prisional, de terem tido a ousadia de agirem directamente contra uma instituição especialmente respeitada quanto a comportamentos delituosos, nos quais, naturalmente, se inclui a introdução de droga.
Mas esta ousadia chocou contra a segurança que, atentos os fins que prossegue, a própria instituição tem que ter. A droga foi apanhada no controle, com as consequências legais daí derivadas.
Temos aqui uma realidade que contribui para o afastamento da agravante qualificativa».
Ainda noutro registo, a finalidade prosseguida com a agravação de que tratamos será, segundo o acórdão de 02-05-2007 (Proc. n.º 1013/07 - 3.ª Secção), a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes e não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios - cfr. ainda a este propósito, os acórdãos citados no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-09-2012, já mencionado: de 06-06-2006 (Proc. n.º 2034/06 - 5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204, e de 28-06-2006 (Proc. n.º 1796/06 - 3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (a razão de ser da agravante reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção e reinserção ínsitos ao cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional; o mencionado desrespeito decorre do grau de disseminação da droga por outros reclusos ou pela quantidade de droga em causa).
A circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador. É este o entendimento dominante, podendo citar-se, neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal referenciados no citado acórdão de 26-09-2012, que se vem acompanhando: de 14-07-2004 (Proc. n.º 2147/04 -3.ª Secção; de 30-03-2005 (Proc. n.º 3963/04 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 224; de 21-04-2005 (Proc. n.º 1273/05 - 5.ª Secção; de 28-06-2006 (Proc. n.º 1796/06 - 3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (a agravante resultante do tráfico ocorrer em estabelecimento prisional não é de aplicação automática); de 06-07-2006 (Proc. n.º 2034/06 - 5.ª Secção; de 12-10-2006 (Proc. n.º 2427/06 - 5.ª Secção; de 29-11-2006 (Proc. n.º 2426/06 - 3.ª Secção; de 02-05-2007 (Proc. n.º 1013/07 - 3.ª Secção; de 12-07-2007 (Proc. n.º 3507/06 - 5.ª Secção; de 16-01-2008 (Proc. n.º 4638/07 - 3.ª Secção); de 06-11-2008 (Proc. n.º 2501/08 - 5.ª Secção; de 21-01-2009 (Proc. n.º 4029/08 - 3.ª Secção (a detenção de droga, no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso, em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime).
É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento.»
Ora, perante a factualidade provada, condensada no trecho do acórdão da 1.ª instância, supra transcrito, no que particularmente releva para o exame da questão agora em apreço precisamente no caso presente, os arguidos AA, BB, CC e DD, nos seus respetivos empreendimentos, agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que transportavam, detinham, guardavam e introduziam, para venda, no interior do estabelecimento prisional de …, sempre com a intenção de obter contrapartida económica. Numa organização e numa logística provadas, os arguidos desenvolveram a actividade de tráfico de estupefacientes num meio onde as fragilidades psíquicas e sociais são muitas (solidão, inactividade, necessidade de reconhecimento pelos outros reclusos e de pertença a um grupo, até para a segurança própria), pelo que não se pode afastar a agravante prevista no citado artigo 24.º , n.º 1,alínea h),do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
É, pois, nosso entendimento que a conduta do arguido-recorrente foi correctamente qualificada jurídico-penalmente, sendo indiscutível a prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado.
5.2. Da reincidência
Insiste o recorrente que «não pode ser condenado como reincidente porque de toda a factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a sua recidiva se explica por o Recorrente não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado» e que «[n]ão existe demonstração da existência de tal conexão, pelo que se não basta uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada na douta sentença recorrida (conclusões 48.ª e 49.ª).
Sem razão, porém.
Em total concordância com o que se afirma, a este propósito, no acórdão recorrido:
«No que ora importa reter, estipula o artigo 75º do Código Penal que:
“1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.
Cremos pacífico que deste normativo decorre que “… constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação»:
- que o crime agora cometido seja doloso;
- que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão superior a 6 meses;
- que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança”, e que, “… Além daqueles pressupostos formais a verificação da reincidência exige, ainda, um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”[[22]].
Cremos igualmente pacífico que “… A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, assenta, essencialmente, numa maior culpabilidade e censurabilidade do agente pelo facto de, apesar de já ter sido anteriormente condenado, insistir em praticar novo crime, persistindo em delinquir” e que “… Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional: o primeiro tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais; o segundo reitera a conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade”[[23]].
De tudo isto cientes, e revisitando o decidido, o tribunal anotou a propósito deste recorrente que “O arguido AA mostra-se acusado ainda como reincidente (circunstância modificativa agravante) por ter sido condenado por decisão de 22.04.05, transitada em julgado em 24.05.2006 e proferida no proc. n.º 725/01.3 … do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática, em 24.12.01, de um crime de evasão, na pena de 18 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, por decisão de 20.12.05, onde estão incluídos crimes de Rapto, Extorsão praticados no período de Evasão, e roubo na pena única de 13 anos de prisão.
Esta pena está a ser cumprida de forma sucessiva relativamente a outras que cumpriu ininterruptamente desde 16.05.95, na sequência de uma condenação na pena de 20 anos de prisão pela prática de três crimes de homicídio qualificado, as quais não constituíram, suficiente advertência para afastar da criminalidade.
O art.º 75, º do C. Penal estabelece os pressupostos da reincidência, de ordem formal e material que no código vigente à data da prática dos factos, estão perspetivados exclusivamente como uma causa de agravação da pena e não como na modificação típica, seja ao nível do tipo - de – ilícito ou do tipo – de culpa – conducente à aplicação ao agente da moldura penal cabida ao facto mas agravada no seu mínimo.
(…)
Assim, constituí pressuposto material que “a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”. É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê o fundamento para a censura e portanto para a culpa apurada relativa ao facto cometido pelo reincidente (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português; As consequências jurídicas do crime, pág.268).
Daqui resulta que se exija, para a conclusão de direito da verificação em concreto de reincidência, com respeito pelo principio do contraditório, de que a condenação ou condenações anteriores não constituíam suficiente prevenção do crime, sendo, por isso essencial que conste da acusação que o crime imputado não é crime simples, mas sim crime a punir pela regra da reincidência, não bastando apenas a referência da prática de crimes de determinada natureza num domínio temporal preciso, sendo necessária ainda uma comprovação factual, isto é, um factualismo concreto que, com respeito pelo contraditório, autorize a estabelecer, em termos inequívocos a relação entre a falha de insuficiência dissuasora da condenação anterior e a prática de novo crime. Com efeito a reincidência não opera automaticamente.
Ora a prática pelo arguido no decurso do cumprimento das penas de prisão por evasão rapto e extorsão, dos crimes de tráfico de estupefaciente agravado e de branqueamento basta para se concluir que as condenações não tiveram qualquer eficácia dissuasora, pois o arguido persiste na prática de crimes graves”.
Em face de tal factualidade, que tem como suporte o que consta dos pontos 47 a 49 dos factos provados, a única ilação a retirar, que, contrariamente ao que vem alegado, vai de encontro ao pulsar jurisprudencial, e utilizando as palavras do próprio recorrente, é a de que uma tal reiteração radica exactamente na sua personalidade, onde se enraizou um hábito de persistir na prática de crimes, insensível as anteriores condenações e ao cumprimento de penas de prisão, o que, logicamente, nos afasta da alegada situação de “um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas”.
Assim sendo, cai por terra todo o alegado pelo mesmo, pois que notoriamente contrariado pela supra referida factualidade, inexistindo aqui uma qualquer inconstitucionalidade, mormente por violação dos invocados artigos 18º, nº 2, e 205º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Não procede, pois, este capítulo do recurso, manifestamente.»
Prevalecendo-nos destas considerações, improcede igualmente o recurso neste segmento.
5.3. Da vantagem patrimonial.
Sustenta, por fim, o recorrente que «Não existe qualquer prova cabal que o arguido AA tenha logrado obter vantagem de 5.000,00€ (ou de qualquer outro montante) e que esta tenha, por sua vez, tenha resultado directamente de qualquer infracção nos precisos termos em que estabelece o regime que se ancora nos Art.s 35.º e 36.º do Dec Lei 15/93 de 22.01. Não estando preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do Art. 35.º do Dec Lei 15/93 de 22.01. (conclusão 52.ª) e que «Dos depoimentos nenhuma das testemunhas referiu que os depósitos e ou transferências tivessem advindo de qualquer tipo de negócio que envolvesse produto estupefaciente, ou que se destinassem ao arguido AA», devendo operar aqui, afirma ainda, «o princípio constitucional in dubeo pro reo plasmado no Art. 32.º nº 2 da CRP e deixar de condenar o recorrente no pagamento ao Estado de tal importância.»
Sobre este tópico, pode ler-se no acórdão do Tribunal Colectivo:
«Perda de objetos e de Vantagens do crime
A propósito desta matéria, e sob a epígrafe "Perda de objetos”, dispõe o art.º 35°, nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de janeiro que:
“São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos".
Logo acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal:
“As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado”.
Por seu turno prescreve, o art.º 36° daquele diploma legal, sob e a epigrafe "Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto:
“1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infração prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado ( ... ) os objetos, direitos e vantagens que, através da Infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.”
Ficam nos autos os meios de prova - por conterem apontamentos, os CD´s de suporte de digitalização de processo, de recolha de imagens e fotogramas em vários locais, de extratos de contas bancárias, interrogatórios exames periciais a telemóveis, com correio eletrónico, e de escutas aos Alvos, folha de jornal, agendas – jovem e proteste- talões, segmentos de folhas com anotações, papel de cor castanha com selos e carimbos dos CTT e manuscritos com os nomes de II, DD e JJ.
Ora, no caso vertente e considerando tais preceitos legais, há que declarar, desde logo perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido, com o produto de corte, e ordenada a sua destruição, nos termos do art.º 62º, nº 6 do DL 15/93, de 22.01 e art.º 109º, do Código Penal.
No que respeita aos restantes bens que se mostram apreendidos, nos autos uma vez que são produto do crime, foram utilizados na prática do crime ou foram adquiridos com as vendas do produto estupefaciente ou serem provenientes da mesma - os telemóveis J3 (2016) IMEI 35…25/77, contendo cartão SIM da “Vodafone” associado ao nº 91…64 e 5SAMSUNG,IMEI’s 35…84 e 35…82, com o cartão SIM da Vodafone a que corresponde o n.º 911959070, preservativo, pelicula aderente, embalagens plásticas “Milka”, embalagem de batatas fritas MCENNEDY, vários pedaços de pelicula aderente, pedaço de fita adesiva amarela, envelope de cor branca, saco de nylon com a inscrição EE, vários pedaços de papel de alumínio, guardanapo de papel, caixas de cartão vazias: de chá Auchan; de pensos higiénicos “Carefree” almofada de espuma caso tenha subsistido à sua abertura ou o que desta restar, e quantias monetárias no valor de 11.640€) declaro-os perdidos a favor do Estado, nos termos do nº1, do art.º 35º do DL 15/93, de 22.01 e art.º 109º, do Código Penal.
Mais se condena o arguido AA a pagar o valor de 5.000€ ao Estado por este valor resultar de vantagem que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem, nos termos do artigo 36º, do DL 15/93, de 22.01.
No que diz respeito aos seguintes bens apreendidos cartões andante, um cartão de comboios de Portugal “SIGA”, duas faturas simplificadas de carregamento de transportes intermodais …, uma fatura/recibo do consórcio “PAGAQUI”, com o n.º 1002…0/204, um computador portátil, da marca “HP Compact”, com o n.º de série 5CB1371CCM, respetiva bateria e cabo de alimentação, bem como a pasta de acondicionamento e transporte proceda à entrega ao seu dono o que deve ficar consignado em auto, nos termos do art.º 186º, do CPP, sendo o prazo para os reclamar 90 dias a contar do transito em julgado desta decisão.»
Esta decisão obteve respaldo no acórdão recorrido, aí se consignando que:
«Começando por salientar a fundamentação contida no acórdão recorrido na parte em que é condenado na perda de cinco mil euros, por se considerar que esse valor resultava de vantagem derivada da infracção, o recorrente alega depois que não existe qualquer prova cabal de que tenha logrado obter essa vantagem e de que esta tenha resultado directamente da actividade criminosa de tráfico de estupefaciente, nos termos legalmente exigíveis, conforme especifica, contexto em que entendia que também quanto a este ponto deve operar o princípio constitucional “in dubio pro reo”, porquanto, na sua tese, não se realizou qualquer prova bastante que permitisse ao tribunal aferir que tais importâncias derivassem da actividade criminosa de tráfico de estupefaciente, não colhendo de todo que ele tenha feito, por si ou por interposta pessoa, entrar produto estupefaciente no estabelecimento prisional em questão.
[…]
Apreciando.
Este item recursivo está completamente votado ao insucesso.
Com efeito, a base argumentativa radica na alegada falta de prova da proveniência da quantia em questão, mormente por via do princípio “in dubio pro reo”, ou seja, numa persistente discussão da matéria de facto que é contrariada pela factualidade tida como assente e já antes mantida.
Assim sendo, resta concluir pela total e manifesta improcedência desta concreta pretensão.»
Novamente exprimimos a nossa concordância com o decidido nas instâncias.
Na verdade, como bem sublinha a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer e, bem assim, no acórdão sob recurso, o recorrente, «quando se insurge contra a declaração de perda das vantagens do crime fá-lo argumentando que não há prova de que tenha obtido qualquer vantagem».
Ora, da matéria de facto tida como assente, é agora indiscutível que as importâncias referidas, nomeadamente aquantia de 5.000,00 euros, derivaram da actividade criminosa de tráfico de estupefaciente, improcedendo, também neste segmento, o recurso interposto.
III - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
1. Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA quanto à reapreciação da matéria de facto, nomeadamente no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º do CPP, por inadmissibilidade, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, do CPP.
2. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea e), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP, o recurso interposto pelo mesmo arguido quanto à matéria decisória respeitante ao crime de branqueamento de capitais e respectiva pena aplicada;
3. Quanto ao mais, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com 7 UC de taxa de justiça.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 21 de Outubro de 2020
(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Tem voto de conformidade da Ex.ma Juíza Adjunta, Conselheira Conceição Gomes
Manuel Augusto de Matos (Relator)
_________
[1] Porquanto não são recorrentes, omitem-se os relatórios sociais do arguido CC e das arguidas BB e DD.
[2] Omite-se o constante do CRC do arguido (não recorrente) CC.
[3] Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais acórdãos que se citarem sem outra indicação quanto à fonte.
[4] Disponível, como os demais que se citarem sem outra menção, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[5] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 395.
[6] Recursos em Processo Civil, Novo Regime (DL 303/2007, de 24-08), Almedina, 2008, p. 23, e Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014 – 2.ª Edição, Almedina, pp. 92-93.:
[7] ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA, ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 147.
[8] Neste sentido, vide, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13-11-2014, Proc. N.º 249/11.0PECBR.C1.S1; de 07-05-2014, Proc. N.º 250/12.7JABRG.G1.S1; de 18-06-2014, Proc. n.º 659/06.5GACSC.L1.S1; de 02-10-2014, Proc. n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1; bem como os acórdãos, acessíveis in www.stj./jurisprudencia/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2014, de 13-02-2014, Proc. n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1; de 27-02-2014, Proc. n.º 1572/11.0JAPRT.P1.S2; de 10-04-2014, Proc. n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1; de 14-05-2014, Proc. n.º 42/11.0JALRA.C1.S1; de 18-09-2014, Proc. n.º 1299/09.2PBLRA.C1.S1; de 25-09-2014, Proc. n.º 384/12.8TATVD.L1.S1.
[9] A título meramente ilustrativo, veja-se o do Ac. do STJ datado de 23/09/2010, relatado por Souto Moura, a consultar in http://www.dgsi.pt, no qual se refere que é pacífica a jurisprudência do STJ no tocante aos vícios em questão terem de resultar do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as sobreditas regras da experiência comum.
[10] Citação do Ac. do STJ, datado de 18/10/06, relatado por Santos Cabral, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 917.
[11] Vide Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit., pág. 914
[12] Remete-se para a nota de rodapé n.º 6, onde se lê: «O que vale por dizer que não se vislumbra que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou que a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova materializou-se numa decisão contra o mesmo, que não era suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção – citação do acórdão do STJ, datado de 07/04/2010, relatado por Pires da Graça, consultado http://www.dgsi.pt, constituindo apenas um de entre muitos outros que elucidam de forma similar o referenciado conceito ali expresso.»
[13] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais.
[14] Lições de Direito Processual Penal, 2015, Almedina, p. 222.
[15] Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 171.
[16] Ob. e loc. cits.
[17] Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2012.
[18] Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2014.
[19] Trechos destacados e sublinhados no original.
[20] Cf. neste sentido, Ac. TC de 06-11-91, BMJ, nº 411, pag. 56 e ss.; Ac. TC de 07-06-94, DR, II, nº 249 (27-10-94), pag. 10892 e ss.; Ac. STJ de 18-02-86, BMJ, nº 354, pag. 331; Ac. STJ de 30-04-86, BMJ, nº 356, pag. 166 e ss.; AC. STJ de 02-05-90, BMJ, nº 397, pag. 128 e ss.; AC. STJ de 27-06-91, BMJ, nº 408, pag. 381 e ss.; Ac. STJ de 12-12-91, BMJ, nº 412, pag. 206 e ss..
[21] Acs. do STJ de 14.7.2004, Proc. n.º 2147/04, 3.4 Secção; 24.11.2004, Proc. n.º 03239/04,3.4 Secção; 30.3.2005, Proc. 963/04,3.4 Secção; 8.2.2006, Proc. n.º 3790/05,3.4 Secção; 14.3.2006, Proc. n:4413/05, 5.4 Secção; 28.6.2006, Proc. n. 01796/06,3.4 Secção; 29.11.2006, Proc. n. 02426/06,3.4 Secção.
[22] Citação do sumário do acórdão do STJ, datado de 29/02/2012, extraído das anotações ao artigo 75º do Código Penal da PGD Lisboa.
[23] Citação do sumário do acórdão deste TRP, datado de 06/02/2013, igualmente extraído das anotações ao artigo 75º do Código Penal da PGD Lisboa.