SUCUMBÊNCIA
INTERESSE IMATERIAL
Sumário


I – Os interesses imateriais que possam estar associados aos litígios de trabalho não têm expressão no valor das ações, não sendo aplicável no âmbito do Código de Processo de Trabalho, a norma do artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;

II – Não tendo os interesses referidos no número anterior relevo em sede de cálculo do valor da ação, não poderão ser ponderados em termos de determinação do valor da sucumbência.

Texto Integral


Proc. n.º 19103/18.9T8LSB.L1.S1 (Revista)
4.ª Secção
LD\JG\CM

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Nos presentes autos de ação emergente de contrato de trabalho que AA intentou contra a CXI - Caixa Imobiliária, S.A., veio aquela deduzir os seguintes pedidos:
a) A Ré seja condenada a considerar justificadas, para todos os efeitos, as faltas ao trabalho da Autora no período de 9 de setembro de 2016 até 28 de março de 2018, com fundamento em incapacidade por doença;
b) Seja anulada, para todos os efeitos, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade aplicada pela Ré à Autora com fundamento nas faltas ao trabalho no período de 9 de setembro de 2016 até 28 de março de 2018;
c) A Ré seja condenada a pagar à Autora as retribuições correspondentes ao período de 19 de agosto de 2016 até 28 de março de 2018, a liquidar em execução de sentença;
d) A Ré seja condenada a pagar à Autora juros de mora, à taxa legal, sobre todas as retribuições em dívida, contados desde a data do seu vencimento até efetivo e integral cumprimento, a liquidar em execução de sentença.

Em 12 de setembro de 2018, a Autora desistiu do pedido formulado na al. c) do petitório, desistência que foi homologada por sentença proferida em 27 de setembro de 2018.

2 - Os autos prosseguiram os seus termos e, em 21 de fevereiro de 2019, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos demais pedidos deduzidos pela Autora.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente, mediante acórdão proferido em 20 de novembro de 2019 e que integrou o seguinte dispositivo:
«Perante tudo quanto se deixou exposto, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e consequentemente, decidem alterar a sentença recorrida, condenando a Ré CXI - Caixa Imobiliária, S.A. a:
a) Considerar justificadas, para todos os efeitos, as faltas ao trabalho dadas pela Autora AA no período compreendido entre 9 de setembro de 2016 e 28 de março de 2018, com fundamento em incapacidade por doença;
b) Anular, para todos os efeitos, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade aplicada à Autora AA, com fundamento em faltas injustificadas ao trabalho no período de 9 de setembro de 2016 e 13 de abril de 2017.
Decide-se ainda considerar prejudicada a pretensão de pagamento de juros de mora pela Ré à Autora e a que se alude na al. d) do pedido formulado na petição inicial.»

3 - Irresignada, veio a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a repristinação da sentença da 1.ª instância.

A admissão do recurso interposto foi rejeitada por despacho do relator de 9 de setembro de 2020.

Não satisfeita com esse despacho, louvando-se do disposto nos «artigos 652.º, n.º 3 e 679.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho» veio a Ré reclamar para a conferência  e requerer que sobre aquele despacho recaia um acórdão, o que fez, nos termos seguintes:

«A douta Decisão Singular não admitiu o recurso de revista interposto pela ora Recorrente, em síntese com a seguinte fundamentação:
“Ao contrário do que afirma a Ré, as “dimensões da sucumbência” que refere não têm qualquer expressão ao nível do cálculo do valor da sucumbência que está em causa.
Na verdade, há muito que a jurisprudência desta Secção se estabilizou no sentido de que os interesses imateriais que possam estar associados aos litígios de trabalho não têm expressão no valor das ações, não sendo aplicável no âmbito do Código de Processo de Trabalho a norma do artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ora, se os interesse imateriais não relevam em sede de determinação do valor da ação, é líquido que não poderão ser ponderados em termos de determinação do valor da sucumbência.
Deste modo o recurso pela Ré não poderá ser admitido por inverificação da sucumbência mínima exigida pelo art.º 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”
Ora,
O douto Acórdão recorrido, revogando a douta sentença proferida em 1.ª Instância, considerou justificadas as faltas e anulou, para todos os efeitos, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do contrato de trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
Dúvidas não há que na sucumbência da ora Reclamante cabe o montante da retribuição correspondente aos 30 dias de suspensão e, assim, se pode facilmente chegar ao montante que, muito bem, se refere na douta Decisão Singular: 1.055,00 € de retribuição base mensal, acrescida de 50,30 € a título de diuturnidades.
São aquelas as quantias que a Reclamante terá de pagar à Recorrida no caso de procedência da ação.
Mas poderá dizer-se que a sucumbência se limita àquela expressão pecuniária?
Salvo o devido respeito, a Reclamante entende que não e, nessa medida, discorda respeitosa, mas frontalmente do itinerário lógico seguido na douta Decisão Singular.
É que a sanção de suspensão por 30 dias tem como consequência não só a perda de retribuição, mas também a perda de antiguidade, além de constituir, crê-se que sem grande dúvida, antecedente disciplinar a registar no cadastro da Recorrida.
Pergunta-se pois: Quanto valem estes interesses que integram a sucumbência?
Ao invés de resumir a sucumbência da ora Reclamante à mera expressão da retribuição perdida pela Recorrida, parece à Reclamante que não pode deixar de se atender a que está em causa também a expressão imaterial da sucumbência. Daí que o valor da ação corresponda, sem que a Reclamante lhe tenha feito reparo, ao valor de 30.000,01 €.
Assim, estando em causa também interesses imateriais, há fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, devendo, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CPC ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, atender-se, para efeitos da admissibilidade do recurso, somente ao valor da causa.
É certo que na douta Decisão Singular se afirma a irrelevância, para o efeito do valor da ação e da sucumbência, dos interesses imateriais.
Todavia, salvo o elevado respeito, a Reclamante não pode concordar com esse entendimento pois, se é certo que o legislador consagrou a possibilidade de recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e do valor da sucumbência, em determinadas situações que elenca no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, parece à Reclamante, sempre salvo o elevado respeito, que essa previsão não preclude a aplicação do disposto no artigo 303.º do Código do Processo Civil.
De outra forma, não poderia determinar-se o valor da ação quando estivesse em causa interesse imaterial não previsto no elenco do mencionado artigo 79.º do Código do Processo do Trabalho.
Nem se vislumbra qualquer razão válida para desconsiderar, para o efeito da sucumbência, os interesses imateriais que, numa relação laboral, podem ser – e amiúde são - mais relevantes do que a estrita expressão pecuniária do decaimento
A douta Decisão Singular, ao decidir como decidiu, prejudica a Recorrente, que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 e 679.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, reclama, por esta via, para a conferência, requerendo que sobre a matéria de tal decisão recaia um acórdão.»

Integrou, na reclamação apresentada, as seguintes conclusões:

«1. Dúvidas não há que na sucumbência da ora Reclamante cabe o montante da retribuição correspondente aos 30 dias de suspensão e, assim, se pode facilmente chegar ao montante que, muito bem, se refere na douta Decisão Singular: 1.055,00 € de retribuição base mensal, acrescida de 50,30 € a título de diuturnidades.
2. São aquelas as quantias que a Reclamante terá de pagar à Recorrida no caso de procedência da acção.
3. A sanção de suspensão por 30 dias tem como consequência não só a perda de retribuição, mas também a perda de antiguidade, além de constituir, crê-se que sem grande dúvida, antecedente disciplinar a registar no cadastro da Recorrida.
4. Ao invés de resumir a sucumbência da ora Reclamante à mera expressão da retribuição perdida pela Recorrida, parece à Reclamante que não pode deixar de se atender a que está em causa também a expressão imaterial da sucumbência. Daí que o valor da ação corresponda, sem que a Reclamante lhe tenha feito reparo, ao valor de 30.000,01 €.
5. Estando em causa também interesses imateriais, há fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, devendo, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CPC ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, atender-se, para efeitos da admissibilidade do recurso, somente ao valor da causa.
6. Na douta Decisão Singular afirma-se a irrelevância, para o efeito do valor da ação e da sucumbência, dos interesses imateriais, porém, salvo o elevado respeito, a Reclamante não pode concordar com esse entendimento pois, se é certo que o legislador consagrou a possibilidade de recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e do valor da sucumbência, em determinadas situações que elenca no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, parece à Reclamante, sempre salvo o elevado respeito, que essa previsão não preclude a aplicação do disposto no artigo 303.º do Código do Processo Civil.
7. De outra forma, não poderia determinar-se o valor da ação quando estiver em causa interesse imaterial não previsto no elenco do mencionado artigo 79.º do Código do Processo do Trabalho.
8. Não se vislumbra qualquer razão válida para desconsiderar, para o efeito da sucumbência, os interesses imateriais que, numa relação laboral, podem ser - e amiúde são - mais relevantes do que a estrita expressão pecuniária do decaimento.
9. A douta Decisão Singular, ao decidir como decidiu, prejudica a Recorrente, que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 e 679.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, reclama, por esta via, para a conferência, requerendo que sobre a matéria de tal decisão recaia um acórdão.

Termos em que devem os autos ser submetidos à Conferência proferindo-se Acórdão que admita a Revista, seguindo-se os ulteriores termos até final.»

A recorrida não respondeu à reclamação apresentada.
II

1 – O despacho reclamado tem a seguinte fundamentação:

«Nos termos do art.º 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, «(…) o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida somente ao valor da sucumbência.» 
Daqui decorre que a nossa lei consagra um regime híbrido ou misto quanto à admissibilidade de recurso, pois que esta depende, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (differendum), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido, isto é, o benefício visado com a ação e com a reconvenção, dependendo a sua fixação dos critérios legalmente fixados para o efeito (artigos 296.º e seguintes do Código de Processo Civil).
Sucede, porém, que, conforme já referimos, a admissibilidade do recurso depende também da verificação de outro pressuposto, que é o do valor da sucumbência, na medida em que só é admissível recurso ordinário desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.
A exigência de uma sucumbência ou decaimento mínimo, como pressuposto da admissibilidade do recurso, mais não é do que uma intervenção “cirúrgica” – como lhe chamou Cardona Ferreira (Guia de Recursos em Processo Civil, 2010, Coimbra pág. 120, nota 99) – no regime dos recursos em Processo Civil com vista a restringir e filtrar as questões que devem ser consideradas merecedoras de serem submetidas à apreciação dos tribunais superiores, impedindo que sucumbências insignificantes (ou, como tal, consideradas pela lei) facultassem a interposição de recurso, porque - e só porque - o valor da causa excedia o valor da alçada do tribunal a quo.
A sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, ou a quem ela foi desfavorável.
Recordemos Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, Coimbra, pág. 343):
“(...) Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe o direito que deduziu em juízo ou não chegando a apreciar a sua existência (art.º 288.º), já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A sucumbência equivale, portanto, ao insucesso na lide – insucesso que não deixa de existir quanto ao Réu pelo facto de ele não ter contestado (...)”.
E, mais adiante, continua: “(...) Para a apreciação da sucumbência só interessa conhecer o preceito da sentença confrontado com a posição de cada um dos litigantes – isto é, o resultado do processo para cada um deles. A sentença não deixa de ser desfavorável a certa parte pelo facto de não ter atendido a todas as razões do adversário (...)”.
Sendo a decisão desfavorável, logo implicando perda ou prejuízo para uma das partes (ou para ambas), abre-se a via da respetiva impugnação perante o tribunal superior desde que a medida desse desfavor seja superior a metade da alçada do tribunal que a proferiu (e também desde que, obviamente, o valor da ação exceda o da alçada de tal tribunal).
Em anotação ao art.º 631.º, do Código de Processo Civil, Abrantes Geraldes (Ob. citada, p. 67) explica que: “(...) O vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objeto de decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão.
Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir (...).”
O valor da sucumbência é, portanto e em suma, o do prejuízo da decisão para a parte que decaiu, correspetivo do vencimento da parte vencedora; logo, por ele se afere, em regra, a medida do vencimento desta.
Significa isto que, sempre que a medida da sucumbência não exceda esse limite, a parte vencida está impedida de interpor recurso principal ou independente para apreciar e sindicar a respetiva decisão.
O valor da sucumbência relevante para a admissibilidade de recurso – superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida – deve ser aferido, em caso de recurso do acórdão da Relação para o Supremo, pela diferença entre o valor fixado no acórdão recorrido (da Relação) e o fixado na sentença de 1ª instância (se este não foi oportunamente impugnado pela parte que pretende interpor recurso de revista) e, no caso de recurso da sentença de 1ª instância para a Relação, pela diferença entre o valor fixado na sentença e o valor do pedido inicial.
Daí que, para efeitos de admissibilidade de recurso, o valor da sucumbência seja sempre aferido pelo valor dos interesses não atendidos na decisão ou acórdão de que se recorre (parte desfavorável da decisão).
Foi este o entendimento deste Supremo Tribunal nos Acórdãos de 27-02-1996 (Proc. 086893, relatado pelo Cons. Aragão Seia), 28-03-2006 (Revista n.º 4086/05 - 1.ª Secção, relatado pelo Cons. Pinto Monteiro) e de 22-11-2006 (Revista nº 06S2332 - 4.ª Secção, relatado pelo Cons. Sousa Grandão, todos acessíveis através de http://www.dgsi.pt).
Posto isto:
A 1.ª instância fixou à presente ação o valor de € 30.000,01 (cfr. despacho saneador proferido em 16-11-2019).
O valor da causa é, assim, superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação (art.º 44.º n.º 1 da Lei 62/2013, de 26 de agosto).
Dúvidas não restam, pois, de que se mostra preenchido o pressuposto da recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a que alude a 1.ª parte do n.º 1, do art.º 629.º, do Código de Processo Civil: o do valor da causa.
Sucede que, in casu, está em causa a eventual irrecorribilidade do acórdão da Relação para este Supremo Tribunal por parte da Ré com fundamento na não verificação do requisito relativo à sucumbência.
No acórdão recorrido entendeu-se considerar justificadas, para todos os efeitos, as faltas ao trabalho dadas pela Autora AA no período compreendido entre 9 de setembro de 2016 e 28 de março de 2018, com fundamento em incapacidade por doença (i) e anular, para todos os efeitos, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade aplicada à Autora AA, com fundamento em faltas injustificadas ao trabalho no período de 9 de setembro de 2016 e 13 de abril de 2017.
É contra este entendimento que a Ré, ora recorrente, se insurge.

Atentos os termos da condenação, podemos afirmar desde já que não se verifica aqui uma situação de “fundada dúvida acerca do valor da sucumbência”, pois ainda que não esteja concretamente determinada em termos de tradução monetária, certo é que, quer-nos parecer, se mostra possível “quantificar a sucumbência da ré” na justa medida em que o seu decaimento não excede o valor da retribuição mensal da Autora.
Com efeito, a “anulação da sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de retribuição” corresponderá tão somente ao montante da retribuição da Autora.
É esse o prejuízo da Ré.
Ora, analisado o recibo de vencimento da Autora junto aos autos como documento n.º 21 com a petição inicial constata-se que a remuneração base mensal ilíquida da Autora ascende a cerca de € 1.055,00, a que acrescem diuturnidades no montante € 50,30.
O mesmo é dizer que a sucumbência da recorrente não é superior a € 15.000,00.
*
Suscitado o contraditório relativamente à questão prévia acima referida, veio a Ré tomar posição sobre a mesma, nos termos seguintes:
«O douto Acórdão recorrido, revogando a douta sentença proferida em 1.ª Instância, considerou justificadas as faltas e anulou, para todos os efeitos, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do contrato de trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
Dúvidas não há que na sucumbência da ora Recorrente cabe o montante da retribuição correspondente aos 30 dias de suspensão e, assim, se pode facilmente chegar ao montante que, muito bem, se refere no douto despacho de Fls. : 1.055,00 € de retribuição base mensal, acrescida de 50,30 € a título de diuturnidades.
São aquelas as quantias que a Recorrente terá de pagar à Recorrida no caso de procedência da acção.
Mas poderá dizer-se que a sucumbência se limita àquela expressão pecuniária?
Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que não e, nessa medida, discorda respeitosa, mas frontalmente do itinerário lógico seguido no douto despacho de Fls.                                 .
É que a sanção de suspensão por 30 dias tem com consequência não só a perda de retribuição, mas também a perda de antiguidade, além de constituir, crê-se que sem grande dúvida, antecedente disciplinar a registar no cadastro da Recorrida.
Pergunta-se pois: Quanto valem estes interesses que integram a sucumbência?
Ao invés de resumir a sucumbência da ora Recorrente à mera expressão da retribuição perdida pela Recorrida, parece à Recorrente que não pode deixar de se atender a que está em causa também a expressão imaterial da sucumbência. Daí que o valor da acção corresponda, sem que a Recorrente lhe tenha feito reparo, ao valor de 30.000,01 €.
Assim, estando em causa também interesses imateriais, há fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, devendo, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CPC ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, atender-se, para efeitos da admissibilidade do recurso, somente ao valor da causa.»

Ao contrário do que afirma a Ré, as “dimensões da sucumbência” que refere não têm qualquer expressão ao nível do cálculo do valor da sucumbência que está em causa.
Na verdade, há muito que a jurisprudência desta Secção se estabilizou no sentido de que os interesses imateriais que possam estar associados ao litígios de trabalho não têm expressão no valor das ações, não sendo aplicável no âmbito do Código de Processo de Trabalho a norma do artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ora, se os interesses imateriais não relevam em sede de cálculo do valor da ação, é líquido que não poderão ser ponderados em termos de determinação do valor da sucumbência.
Deste modo o recurso pela Ré não poderá ser admitido por inverificação da sucumbência mínima exigida pelo art.º 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.»

2 – Analisada a reclamação apresentada, constata-se que o reclamante não adita quaisquer novos argumentos relativamente à posição inicialmente tomada em sede de audição prévia.
Insiste que a sucumbência no caso dos autos tem dimensões imateriais que devem ser incluídas no cálculo da sucumbência e sobre cujo valor há dúvida, pelo que se deveria atender apenas ao valor da causa para aferir da recorribilidade da decisão, nos termos do artigo 629.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
Esta argumentação foi ponderada no despacho impugnado nos seguintes termos:
«Na verdade, há muito que a jurisprudência desta Secção se estabilizou no sentido de que os interesses imateriais que possam estar associados ao litígios de trabalho não têm expressão no valor das ações, não sendo aplicável no âmbito do Código de Processo de Trabalho a norma do artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ora, se os interesses imateriais não relevam em sede de cálculo do valor da ação, é líquido que não poderão ser ponderados em termos de determinação do valor da sucumbência.
Deste modo o recurso pela Ré não poderá ser admitido por inverificação da sucumbência mínima exigida pelo art.º 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.»

O artigo 312.º do Código de Processo Civil dispõe que «[a]s ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01».
No entanto, o atual Código de Processo do Trabalho contém disposição expressa sobre a matéria. Trata-se do artigo 79.º, segundo o qual, «[s]em prejuízo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: a) [n]as ações em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho; b) [n]os processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional; c) [n]os processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais.»
Dir-se-á que o preceito transcrito se limita a estabelecer os casos em que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação, permitindo que o referido artigo 312.º seja analogicamente coligido para garantir a admissibilidade do recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo, a evolução adjetiva laboral sobre a questão mostra que não é assim, conforme resulta da doutrina sufragada no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2001, Revista n.º 1959/01 da 4.ª Secção, recentemente retomada no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de março de 2007, Revista n.º 274/07 da 4.ª Secção, cuja exposição se passa a acompanhar muito de perto.
Com efeito, a tese dos «interesses imateriais» era largamente acolhida na vigência do Código de Processo do Trabalho de 1963, que guardava absoluto silêncio sobre essa questão.

Já o Código de Processo do Trabalho de 1979 consignava, expressamente, no seu artigo 46.º, n.º 3, que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00».
Consagrou-se, assim, tese semelhante à do citado artigo 312.º.
Porém, o Código de Processo do Trabalho de 1981 veio contemplar solução diversa, apenas assegurando o recurso para a Relação ao estabelecer que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00».
Esta inversão legislativa, que veio contemplar uma solução idêntica à adotada na alínea a) do artigo 79.º do atual Código de Processo do Trabalho, suscitou a Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, 1996, p. 239), a anotação seguinte:
«De tudo isto resulta claro que, não obstante a natureza dos interesses em jogo nas ações em causa […], o propósito do legislador de 1981 foi o de assegurar sempre, em tais situações, recurso para a 2.ª instância. A partir daquele valor — alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00 — será de observar o regime geral das alçadas, especialmente o disposto nos artigos 305.º e 306.º do Código de Processo Civil e 74.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho.
Se a vontade do legislador tivesse sido a de garantir sempre recurso para o Supremo, bastar-lhe-ia, ou nada dizer, deixando que a jurisprudência continuasse a socorrer-se, subsidiariamente, do artigo 312.º do Código de Processo Civil, ou, no seguimento deste normativo e do artigo 46.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho de 1979, dizer que naquelas ações o valor nunca seria inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00.»
Fica assim demonstrado, como se afirma no citado acórdão de 14 de Novembro de 2001, «que o legislador de 1981 (e também o de 1999) se desligou da equiparação aos interesses imateriais do artigo 312.º do Código de Processo Civil, fazendo ele próprio a sua valoração dos interesses em causa para efeitos de recurso.

Deste modo, os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral não relevam no cálculo do valor das ações e por esse motivo são irrelevantes para a determinação do valor da sucumbência.

O decidido insere-se assim na linha de orientação estabilizada desta Secção, pelo que o despacho reclamado deve ser confirmado.

III

Em face do exposto acorda-se em indeferir a reclamação apresentada e em confirmar o despacho impugnado.
Custas pela Ré fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Junta-se sumário do acórdão.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pelo relator.

Lisboa, 11 de novembro de 2020


António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes
Chambel Mourisco