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AECOP
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário
Não obstante a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) de valor não superior a € 15.000,00 apenas comportar dois articulados, caso o réu pretenda excepcionar a compensação de créditos, deve ser admitida a dedução de pedido reconvencional, cabendo ao Juiz adequar o processado (547.º CPC).
Texto Integral
Apelação n.º 66423/19.1YIPRT-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B…, Ld.ª, com sede em …, apresentou requerimento de injunção contra C…, S.A., com sede em Guimarães, no pagamento da quantia de € 4.505,30, de que € 4.442,13 corresponde a capital, e o remanescente a juros de mora.
Alegou para tanto, e em síntese, que no exercício da sua actividade comercial, obrigou-se em 03 de Agosto de 2018, obrigou-se perante a requerida à execução de serviços de eletricidade na empreitada por esta levada a cabo sob a designação “Remodelação das Instalações Sistema Contra Incêndios – Loja D…”, em conformidade com o projecto constituído pelo caderno de encargos, memória descritiva, peças desenhadas e com as instruções do director de obra presente no local.
Em contrapartida, a requerida obrigou-se a pagar a quantia de € 16.400,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, caso fosse devido, sendo acordado que, mensalmente, até ao dia 25 do mês a que respeitasse, se procederia à medição da obra executada, após o que esta emitiria a respetiva factura em conformidade com o valor da obra realizada, a qual deveria ser paga no prazo de 30 dias.
Em Outubro de 2018, em execução do contratado, a requerente deu início à realização da obra, tendo-se nesse mesmo mês procedido à medição dos trabalhos realizados, e em 16.11.2018, emitida a factura 18/81, no valor de € 4.272,27, entregue à requerida, que, em 24.12.2018, procedeu ao seu pagamento parcial, pelo valor de € 4.058,66.
Em 29.11.2018, foi acordado entre as partes, fazer um aditamento ao contrato, pelo qual foram acrescentados trabalhos.
Em Novembro de 2018, procedeu-se à medição da obra realizada nesse mês, e em conformidade, a requerente, em 03.12.2018, emitiu a factura 18/86, no valor de € 6.213,56, e entregou-a à requerida, que, em 25.02.2019, procedeu ao pagamento parcial, pelo valor de € 5.802,88.
Em Janeiro de 2019, procedeu-se à medição da obra realizada nos meses de Dezembro/2018 e Janeiro/2019, e em conformidade, a requerente, em 19.02.2019, emitiu a factura 19/13, no valor de € 1.926,48, e entregou-a à requerida, que, em 04.04.2019, procedeu ao pagamento parcial, pelo valor de € 1.830,16.
Em Fevereiro de 2019, procedeu-se à medição da obra realizada nesse mês, e em conformidade, emitiu em 08.04.2019, factura 19/26, no valor de € 3.821,52, e entregou-a à requerida, que nada pagou.
Em Maio de 2019, a requerida procedeu à resolução do contrato, encontrando-se em dívida o valor peticionado.
A requerida deduziu oposição, alegando que, de acordo com a cláusula 8.ª do contrato de subempreitada celebrado com a requerente, ao valor de cada factura seria deduzido o correspondente a 5% a título de garantia de boa execução da obra, caso não fosse apresentada garantia on first demand equivalente a 5% do valor dos trabalhos adjudicados, e que seria devolvida à requerente dois anos após a recepção provisória da obra.
E que as facturas apresentadas pela requerente não reflectiam esse desconto, razão por que procedeu ao seu pagamento parcial.
A última factura não foi paga por que a requerida entendeu não ser devida por a requerente não ter cumprido nem os prazos parciais, nem o prazo geral, tendo abandonado a obra sem concluir os serviços nem eliminar os defeitos que foram denunciados e que enuncia. O que a obrigou a recorrer a terceiros para eliminar os defeitos e concluir a obra, depois de ter resolvido o contrato.
Ao abrigo da cláusula 11.ª, que prevê, por cada dia de atraso, uma multa de montante igual a 3‰ (três por mil) do valor global do contrato, não podendo, no entanto, exceder 10% do mesmo, considera-se credora da quantia € 1.640,00.
Deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da A. no pagamento dessa quantia, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção e procedência da reconvenção, com a condenação da requerente /reconvinda no pagamento da quantia de € 1.640,00, acrescida de juros vencidos e vincendos; caso assim não se entenda, e se julgue que a requerida/ reconvinte é devedora da quantia peticionada ou parte dela, deve operar-se a compensação, condenando-se a requerida apenas no remanescente que se apurar.
A injunção foi distribuída como acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias (limite igual ou inferior à alçada da 1.ª instância).
Face à dedução de excepções e do pedido reconvencional, foi proferido o seguinte despacho:
Não obstante o disposto no artigo 3.º do regime anexo a que se refere o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ao abrigo do disposto nos artigos 547.º e 6.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, notifique a A. para, querendo, se pronunciar quanto às excepções invocadas pela Ré (cfr. o artigo 3.º, n.º 4 do CPC).
Deverá ainda, dentro de igual prazo, pronunciar-se, querendo, acerca da admissibilidade da reconvenção deduzida.
A requerente apresentou um requerimento concluindo, o que ao caso releva, pela inadmissibilidade da dedução de reconvenção.
Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, na dedução da competente oposição, veio a R. em sede de reconvenção requerer a condenação da A no pagamento da quantia de €1.640,00 relativo a multa contratual pelo atraso na execução da subempreitada.
Notificada para, querendo, responder, veio a A pugnar pela inadmissibilidade de reconvenção no âmbito dos presentes autos, mais impugnando o alegado.
*
Da Reconvenção O procedimento de injunção tem sede legal no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, definindo-o o artigo 7.º neste termos: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro [actualmente Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio]».
Traduz-se, em suma, num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a quinze mil euros, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito, a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso directo à acção executiva. O artigo 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98, de 1.09) reporta-se ao “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio [para o qual se considera actualmente feita a remissão prevista no art.º 7.º do DL 269/98, de 1/09, face ao disposto no artigo 13.º do DL 62/2013, de 10/05], define como seu âmbito de aplicação “pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais”, excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo:
“a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do artigo 3.º do citado DL 62/2013, de 10/05, define «transacção comercial», como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração».
Finalmente, o artigo 10.º do mesmo diploma legal (DL 62/2013, de 10/05), estabelece o seguinte regime de “Procedimentos especiais”: «1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.».
Decorre dos dispositivos legais citados que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento:
a) de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (artigo 1.º do diploma preambular citado);
b) ou, independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013 de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013 de 10/05.
Debate-se nos autos um crédito reclamado pela requerente, no montante de € 4.505,30.
Tal valor é crucial para a definição da tramitação dos autos no que se reporta à viabilidade do pedido reconvencional.
Com efeito, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor:
i) nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a €15.000,00, em que tenha sido deduzida oposição, segue os termos do processo comum (art.º 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio);
ii) nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superiores a €15.000,00, a forma de processo especial (art.º 3.º a 5.º do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro).
Face ao seu valor, o presente procedimento corre termos na forma de ação especial, tramitando-se de acordo com o regime processual aprovado pelo DL 269/98, 1.09.
Ora, a R. vem formular, na presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, e conforme supra aludido, pedido reconvencional.
“A reconvenção constitui um instrumento jurídico que reflecte, além do mais, a consagração do princípio da economia processual, permitindo que, mediante determinado circunstancialismo, possam reunir-se num mesmo processo, pretensões materiais contrapostas (...)” (A. Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil”, vol. II)
Todavia, a reconvenção não tem cabimento no âmbito da tramitação das acções especiais a que vimos de aludir. De facto, citando Salvador da Costa “a lei confina essa forma de processo especial unicamente a dois articulados, a petição inicial e a contestação. (…) Daí resulta a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver ou da estrutura do litígio em causa” (in A Injunção e as
Conexas Acção e Execução, 6.ª Edição, Almedina, 2008, p. 87).
Nesse sentido veja-se o teor do Ac TRP de 24.01.2018, in www.dgsi.pt, que se passa a transcrever “I-A jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00). II - No que respeita às ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00) prevalece o entendimento de que não é viável a reconvenção. III - A questão, que já não era pacífica, assumiu crescente complexidade face à imperatividade do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC (que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação), suscitando um problema acrescido: o facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa, de especial para comum”.
A jurisprudência dos tribunais superiores também vem sustentando este entendimento (neste sentido: Ac. R.L. de 12/11/2015 – Relator: Jorge Leal – Proc. n.º 138557/14.0YIPRT.L1-2; Ac. R.P. de 30/5/2017 – Relator: Rui Moreira – Proc. n.º 28549/16.YIPRT.P1; Ac. R.C. de 7/6/2016 – Relator: Fonte Ramos – Proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1; e Ac. R.E. de 3/12/2015 – Relator: Bernardo Domingos – Proc. n.º 51776/15.9YIPRT.E1).
Face ao exposto, indefere-se o pedido reconvencional formulado pela Ré, por inadmissibilidade legal do mesmo.
Inconformada, apelou a R., apresentando as seguintes conclusões: 1.ª. O presente recurso de apelação vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que indeferiu o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente, julgando-o legalmente inadmissível.
2.ª.Pelos motivos que adiante passarão a expor-se, a Recorrente C…, S.A. não pode concordar com a decisão do Tribunal Recorrido.
PORQUANTO,
3.ª. Ressalvado o devido respeito por opinião diversa, julga-se, modesta mas firmemente, que a reconvenção deduzida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias é legalmente admissível, devendo, por conseguinte, admitir-se a invocação da compensação de créditos pretendida.
SENÃO VEJAMOS:
4.ª. Em termos genéricos, a injunção é um processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo extrajudicial, na sequência de uma notificação para pagamento, sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição de o requerido não deduzir oposição.
5.ª. Não obstante, sendo deduzida oposição, o procedimento de injunção transmuta-se em processo declarativo, que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor:
i) nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a EUR 15.00.00 [quinze mil euros], em que tenha sido deduzida oposição, segue os termos do processo comum, nos termos do disposto no n.? 2, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 62/2013;
ii) nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superiores a EUR 15'000.00 [quinze mil euros] segue a forma de processo especial, de acordo com o preceituado nos artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 269/98 e no n.º 4, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 62/2013.
6.ª.ln casu, tendo sido reclamado um crédito no montante de EUR 4.505.30 [quatro mil quinhentos e cinco euros e trinta cêntimos], deduzida oposição, o presente procedimento passou a seguir os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, tramitando-se de acordo com o regime processual aprovado pela Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
ORA,
7.ª. Feito este brevíssimo enquadramento, desnudemos a vexata quaestio que aqui clama solução, e que se manifesta na seguinte interrogação: será viável. no procedimento especial em causa. a dedução de pedido reconvencional. nomeadamente visando a realização da compensação de créditos?
8.ª. A aplicação do regime previsto na alínea c), do n.º 2, do artigo 266.º, do Código de Processo Civil, que impõe que a compensação deve ser deduzida por via da reconvenção - às ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos tem sido abundantemente abordada na doutrina e na jurisprudência.
COM EFEITO,
9.ª. Postula o supra citado normativo, sob a epígrafe «Admissibilidade da reconvenção», que a reconvenção é admissível, designadamente, quando «o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.»
10.ª. A generalidade da doutrina reconhece que o texto legal revela que o legislador pretendeu que, sempre que o réu se afirme como credor do autor e pretenda obter o reconhecimento do seu crédito na ação em que é demandado, deverá formular pedido reconvencional, independentemente do valor dos créditos compensáveis, seja para obter a compensação de créditos (e a sua inerente absolvição total ou parcial do pedido), seja para obter a condenação do autor no pagamento do valor em que o seu crédito exceda o do autor - neste sentido, cfr. Paulo Pimenta, in "Processo Civil Declarativo», 2.ª Edição, 2017, Almedina, pp. 202/203.
POIS BEM,
11ª. A matéria da invocação da compensação em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada pelo Decreto-Lei n.º 269/98 foi debatida por Miguel Teixeira de Sousa, no blogue do Instituto Português de Processo Civil, em 26 de Abril 2017, numa publicação com o título "AECOPs e compensação".
12. ª. Na referida publicação ensina o Professor que: «Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269198, de 119). Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial. pelo que. como qualquer processo especial. são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias. como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.º. n.º 1. CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.º CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC. parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.»
13ª. E continua referindo que: «Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.»
14.ª. E acrescenta que: «Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs - nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções. Contra este argumento existe. no entanto. um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis. essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.º. al. h). CPC): ora. como é evidente. não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar. com isso. a instauração de uma execução que. de outra forma. poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos. ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.»
15.ª. E finaliza: «Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário. cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.» - cfr. https://blogippc.blogspot.com/2017/04/aecops-e-compensacao.html. Os relevos e sublinhados são nossos.
16ª.Estaposição é igualmente sufragada por PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, que explicam que:
«(...) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (artigo 847.º, n.º 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (artigo 584.º) - bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no artigo 3.º, n.º 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito. com vista à sua compensação. tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa - onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender - permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.» - cfr. «Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil» - Vol. I, 2ª ed., 2014, pp. 259.
17ª. Também a jurisprudência dos tribunais superiores vêm entendendo que no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos (quer exceda ou não o contra crédito) por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, sendo que para tal deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual, consagrados nos artigos 547.º e 6.º, do CPC, de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional - neste sentido, vide, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/06/2017 (relator Júlio Gomes), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2018 (relatora Fernanda Proença) e de 31/01/2019 (relatora Maria Purificação Carvalho), Acórdão da Relação do Porto de 13/06/2018 (relator Rodrigues Pires) e de 24.01.2018 (relator Carlos Querido) e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.10.2018 (relatora Cristina Coelho), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
18ª. Com pertinência, veja-se o Acórdão desta Relação, de 13.06.2018, proferido no âmbito do processo n.º 26380/l7.0YIPRT.P1, no qual os Venerandos Juízes Desembargadores decidiram que: «Neste contexto, confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, consideramos, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.»
19ª. E continuam, explicando que: «Este entendimento é de adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98. de 1.9. (...) Sucede que esta forma de processo especial só comporta dois articulados, razão pela qual, no seu âmbito, é de concluir não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, solução que, aliás, inteiramente se harmoniza com as ideias de simplificação e celeridade que presidiram ao seu aparecimento. Ora, a circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória. Tal solução, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no actual Cód. do Proc. Civil com a redacção conferida ao art. 266º, nº 2, nº 2, al. c). Com efeito, como já atrás sublinhámos, a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional, sem embargo de o réu, não deduzindo ou não podendo deduzir reconvenção, fazer valer o seu direito de crédito em acção autónoma, o que, neste caso, sempre teria de fazer, mesmo no regime anterior, caso pretendesse obter o pagamento de um contra-crédito de valor superior ao autor, uma vez que no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269198 não é admissível reconvenção." Em sentido idêntico ao que acabámos de expor, que jurisprudencialmente se perfila como maioritário, há ainda que ter em atenção os Acórdãos da Relação de Coimbra de 7.6.2016 (proc. nº 139381/13.2YIPRT.C1), da Relação de Guimarães de 22.6.2017 (proc. nº 69039/16.0 YIPRT.G1), da Relação de Évora de 9.2.2017 (proc. nº 89791/15.0 YIPRT.E1) e da Relação do Porto de 30.5.2017 (proc. nº 28549/16.6YIPRT.P1), todos disponíveis in www.dgsi.pt.»
20ª.Eacrescentam que: «3. No entanto, esta posição, que, ancorada na atual lei processual, veda no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 a possibilidade de invocação da compensação de créditos, tem vindo, pelos resultados incómodos a que conduz, a ser objeto de apreciação crítica no plano doutrinal, designadamente por parte de Miguel Teixeira de Sousa. (...) A incomodidade que resulta da solução que, com apoio na lei processual, tem sido maioritariamente seguida, foi também refletida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2017 (proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, disponível in www.dgsi.pt.), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário: "I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior. II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça. III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor".
Escreve-se no mesmo acórdão: "Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade - aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que "a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece" (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4.265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000, 00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção - e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor - o credor de €4.265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos. A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa"»
21ª. Finalizam os Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação decidindo que:
«(...) Mas, acima de tudo, serão razões de justiça material as que deverão ser convocadas a favor da admissibilidade da reconvenção. como forma de viabilizar a compensação de créditos. mesmo quando o inicial procedimento de injunção se reporta a quantia inferior a metade da alçada do tribunal da relação. É, com efeito, de questionar que a reconvenção seja de admitir quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da relação, por força da sua transmutação em processo comum, e não o seja quando o seu valor é inferior àquele marco. Por outro lado. também não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção. quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução. conforme decorre do art. 729º. al h) do Cód. do Proc. Civil. Como pertinentemente afirma Miguel Teixeira de Sousa está a permitir-se a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível e, deste modo, a economia de custos que se visa como uma AECOP acabaria afinal por converter-se num desperdício de recursos. É que em vez de uma única ação teremos duas. Prosseguindo, há ainda a referir que, se nos encontramos numa forma de processo em que é vedada a dedução de reconvenção, tal ficou a dever-se à autora que unilateralmente escolheu essa via processual, sendo ainda de registar que o contra-crédito invocado pela ré se situa no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora. A autora reclama da ré o pagamento de uma quantia correspondente a diversos bens que lhe forneceu, ao passo que a ré sustenta que esses mesmos bens lhe foram fornecidos com atraso significativo, situação que a levou a proceder à aplicação de penalidades decorrentes das condições gerais de adjudicação. Pretende assim compensar o valor dos bens fornecidos com as penalidades em que autora incorreu pelos atrasos verificados nesse fornecimento. O art. 547º do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe "adequação formal" diz-nos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma os atas processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. Deste modo, em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017 e alterando o presente relator a sua anterior posição sobre a matéria expressa no Acórdão da Relação do Porto de 12.5.2015, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao demandado de no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção. devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.» - nossos relevos e sublinhados.
22.ª. No mesmo sentido, decidiram os Senhores Juízes Desembargadores da Relação de Guimarães, por Acórdão de 31.01.2019, proferido no processo n.º 53691/18.5YIPRT.A-Gl, explicando que: «Afigura-se-nos de frágil sustentabilidade o entendimento de que a proibição de reconvenção se extrai da existência de apenas dois articulados e do escopo de celeridade que presidiu à criação dos procedimentos em causa. A celeridade é um valor inerente a qualquer procedimento processual, não apenas a estes, e a ilação extraída da existência de apenas dois articulados contraria frontalmente o princípio da adequação processual, consagrado no art. 547 do C. P. Civil, com o qual se pretende evitar que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo. (...) Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional. Deste modo, (...) entendemos que deve ser dada a possibilidade ao demandado de no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.»
23.ª. E concluem que: «A aplicação do princípio da adequação processual, consagrado no art.º 547 do C. P. Civil, pretende evitar que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo. Se o/a demandado/a no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional com vista a permitir uma solução iusta do litigio evitando-se assim a instauração de outra acção. À economia de custos alia-se a economia de meios/recursos apreciando numa única acção o que deveria ser decidido em duas acções.» - nossos relevos e sublinhados.
ORA,
24.ª. Valendo-nos das considerações e ensinamentos supra expostos à questão supra suscitada - será viável, no procedimento especial em causa. a dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos? - não poderá deixar de responder-se afirmativamente.
25.ª. Valendo-nos das mesmas considerações e ensinamentos supra expostos, somos forçados a concluir que a solução sufragada no despacho recorrido privilegiou "obstáculos" teórico-processuais-formais retardantes, em detrimento da realização do direito material.
26.ª. Uma decisão que assenta num tal fundamentalismo formal em prejuízo do fundo ou do material, ainda que possa vestir-se de legalidade, não é, seguramente, uma decisão justa.
27.ª E sendo o direito a arte do bom e do justo - ius est ars bani et aequi - não pode fundar-se numa interpretação autista da lei, mas antes numa ponderação ampla e sensata das premissas apresentadas a juízo, com vista à solução mais eficaz da contenda, e não a uma "pseudo-solução", que em vez de pôr termo ao litígio vai proliferando-o em "co-ações", umbilicalmente ligadas entre si.
COM EFEITO,
28.ª. Não sendo admitida a reconvenção, a Recorrente terá de exigir em outra ação - o que fará - o pagamento que entende ser-lhe devido no âmbito da mesma relação jurídica da invocada pela Autora, e, isso sim, subverte completamente a lógica da celeridade, simplificação e descongestionamento que tanto se apregoa na atividade jurisdicional.
29.ª. Uma decisão quer-se célere mas eficaz, simplificada mas completa, desburocratizada mas rigorosa, de outro modo, não poderá falar-se de Justiça, porque lhe falta eficiência, e lhe sobra "ilusão estatística".
ACRESCE QUE,
30.ª. A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor.
31.ª. E como se disse, a pretensão compensatória invocada na reconvenção atem-se no âmbito da mesma relação jurídica da invocada pela Autora. Logo, é, em absoluto e a todos os títulos, conveniente e adequado apreciar e decidir conjuntamente, no mesmo espaço temporal, as duas pretensões.
32.ª. Pode dizer-se que é, até, uma questão de "ecologia jurídica": o juiz deve abster-se de interpretações radicais (das normas jurídicas) que "poluem" a justa composição do litígio. Ao invés, deve fazer uso da autonomia que lhe é concedida e esforçar-se por dirimir todas as questões conexas que lhe são suscitadas, assim alcançando a justiça material, otimizando recursos.
ASSIM,
33ª. Pelo vindo de expor, não podem restar dúvidas que no caso sub jutiice, fazendo uma interpretação justa e adequada, é admissível a reconvenção, integrada pelos princípios da adequação formal e da economia processual, bem como o dever de gestão processual que impende sobre o juiz.
34.ª.Nestes termos e nos demais que V.Exas. doutamente suprirão, deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo de acordo com os fundamentos supra expendidos, revogando-se a decisão em crise e substituindo-a por uma outra que admita a reconvenção deduzida, e consequente invocação da compensação de créditos pretendida, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
2.Fundamentos de facto
Os factos relevantes constam do relatório.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º
4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se numa acção especial para o cumprimento de obrigação pecuniária de valor não superior a € 15.000,00 pode ser deduzido pedido reconvencional para excepcionar a compensação de créditos.
A apelante apresentou requerimento de injunção pedindo a condenação do apelado na quantia € 4.505,30, acrescida de juros vincendos, a que a apelada deduziu oposição, formulando pedido reconvencional a fim de operar a compensação com um crédito de que se arroga titular no montantes de € 1.640,00.
O Decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que estabeleceu medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011, permite que, em caso atraso do pagamento em transações comerciais, o credor recorra à injunção, independentemente do valor da dívida, afastando o limite máximo previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro (valor não superior a € 15.000,00 — artigo 1.º).
No entanto, em caso de dedução de oposição, a solução consagrada pelo legislador varia em função do valor:
— Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum (artigo 10.º, n.º 2);
— As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação (artigo 10.º, n.º 4).
No caso vertente, sendo o valor inferior a metade da alçada do Tribunal de 1.ª instância, a injunção apresentada passou a seguir os termos da acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias, que comporta apenas dois articulados: o requerimento inicial e a oposição.
Por essa razão, entendeu o despacho recorrido não é admissível a dedução de pedido reconvencional, ficando inviabilizada a defesa através da invocação da compensação, atento o disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), CPC.
Segundo este normativo, a reconvenção é admissível Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
No âmbito do direito pregresso, consolidara-se na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a compensação deveria ser actuada pela via da excepção quando o contracrédito invocado pelo réu fosse igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor, e pela via reconvencional nos restantes casos, em que o réu pedia a condenação do autor no remanescente.
Para mais desenvolvimentos acerca da polémica, veja-se Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 3.ª edição, pg. 124 e ss.; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, pgs. 185 e ss.; Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Almedina, vol. II, pgs. 159 e ss., e jurisprudência aí citada.
Não podendo o legislador alhear-se desta polémica, tem-se entendido maioritariamente que pretendeu afastar aquela posição, consagrando o sistema de compensação –reconvenção.
Em sentido contrário, Lebre de Freitas, op. cit., pg. 132, concluindo que, “pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa”. E também Ferreira de Almeida, op. cit., pg. 164.
Secundamos o entendimento que foi propósito do legislador romper com a entendimento que se consolidara no âmbito da legislação pregressa, adoptando a tese da compensação-reconvenção, em detrimento da tese da compensação-excepção, caso contrário, não se justificaria a alteração da redacção do artigo.
Outras razões, de ordem material, justificam a opção do legislador.
Enquanto as demais excepções peremptórias (prescrição, caducidade, novação, pagamento, perdão, dação em cumprimento) se reportam necessariamente à relação material em que o autor alicerça a sua pretensão, a compensação pode basear-se numa relação material autónoma, distinta (cfr. Paulo Pimenta, op. cit., pgs. 183).
Nessa circunstância, por que a apreciação da excepção de compensação implica a apreciação dessa relação material distinta da que foi alegada pelo autor, justifica-se a dedução de pedido reconvencional: configurando-se a reconvenção como uma acção cruzada, deve ser enunciada a causa de pedir e formulado o correspondente pedido (pedido de compensação ou de pagamento do excesso do contracrédito), permitindo não só uma melhor apreciação da causa subjacente ao pedido de compensação, como também maiores garantias de defesa àquele contra quem é contraposta a compensação, através da apresentação da réplica (artigo 584.º CPC), em alternativa à solução menos satisfatória prevista no artigo 3.º, n.º 4, CPC: resposta no início da audiência de julgamento.
Foi isto que o legislador consagrou no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), CPC.
É, aliás sintomático que este normativo diga que deve ser deduzida reconvenção quando o réu pretenda o reconhecimento de um crédito — quer para obter a compensação, quer para obter o pagamento o valor em que o crédito invocado excede o do autor —, quando no artigo 274.º CPC pregresso se dizia “quando se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.”
Por outro lado, esta solução ultrapassa problemas que se poderiam suscitar a nível da formação do caso julgado. Recorde-se que, nos termos do artigo 91.º, n.º 2, CPC, a apreciação da excepção de compensação sem a formulação de pedido reconvencional não produz caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.
Assente a necessidade de recurso à via reconvencional para dedução da compensação, segue-se a questão de saber se numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada da 1.ª instância é possível ao réu deduzir a excepção de compensação.
Com efeito, comportando esta acção apenas dois articulados (requerimento de injunção e contestação, sendo esta notificada ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência final — cfr. artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, ex vi artigo 17.º, n.º 1, Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro), não é admissível a dedução de reconvenção.
Alguma jurisprudência considera inadmissível a dedução da excepção de compensação nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00, sublinhando que tal não se coadunaria com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual.
Neste sentido:
— acórdãos da Relação do Porto, de 10.02.2011, Telles de Menezes, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 241148/09.7YIPRT.P1; de 02.05.2015, Eduardo Pires, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 143043/14.5YIPRT.P1 (posição entretanto revista); de 30.11.2015, Correia Pinto, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 869/14.1TBMAI.P1; de 20.05.2017, Rui Moreira, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 28549/16.6 YIPRT.P1;
— acórdão da Relação de Coimbra, de 07.06.2016, Fonte Ramos, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1, excepto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor;
— acórdãos da Relação de Guimarães, de 27.04.2017, Beça Pereira, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 10412/16.2YIPRT.G1; de 22.06.2017, Ana Cristina Duarte, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 69039/16.0YIPRT.G1; de 17.12.2018, Maria Luísa Ramos, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 47652/18.1YIPRT-A.G1;
— acórdão da Relação de Évora, de 30.05.2019, Isabel Peixoto Imaginário, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 81643/18.8YIPRT-A.E1.
— Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, pgs. 189 e ss..
Outros defendem que, na impossibilidade de formulação de pedido reconvencional, deve ser admitida a dedução da compensação através da dedução de excepção.
Neste sentido:
— acórdão da Relação de Lisboa, de 05.07.2018, Carlos Oliveira, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 87709/17.4YIPRT.L1-7 (Excepcionalmente, admite o funcionamento da compensação como exceção peremptória, nomeadamente se o crédito do réu for confessado sem discussão, ou quando não se coloquem questões relativas à sua certeza, liquidez ou exigibilidade, e em todos os casos em que a tramitação especial e simplificada do processo não restrinja de forma relevante, quer o exercício do direito de ação para reconhecimento desse contracrédito, quer o correspondente direito de defesa da contraparte);
— acórdão da Relação de Coimbra, de 16.01.2018, Maria João Areias, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1, quando, cumulativamente a forma de processo escolhida unilateralmente pelo autor não comporta a dedução de pedido reconvencional, a compensação já foi declarada extrajudicialmente, e o contra-crédito se movimenta no âmbito da mesma relação jurídica;
— acórdão da Relação de Guimarães, de 17.12.2018, Alcides Rodrigues, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 107776/18.0YIPRT-C.G1;
Solução pouco satisfatória, não só por que apenas é viável se o contra-crédito for de valor igual ou inferior ao crédito do autor, mas sobretudo por contrariar frontalmente a opção do legislador. Para além dos problemas a nível da formação de caso julgado (cfr. artigo 91.º CPC).
Miguel Teixeira de Sousa, em artigo publicado no Blog do IPPC, em 26.04.2017, sob o título “AECOPs e compensação” sustentou a possibilidade de dedução de pedido reconvencional nas acções especiais para cumprimento de obrigações de valor não superior a € 15.000,00, sob pena de incongruência: se não se admitir que o réu deduza reconvenção para excepcionar a compensação, ele irá invocá-la em sede de oposição à execução que lhe venha a ser instaurada (cfr. artigo 729.º, alínea h), CPC), assim frustrando a economia de recursos subjacente a esta forma processual.
Atenta a existência de apenas dois articulados, caberá ao Juiz, através dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cfr. art. 6.º e 547.º CPC), proceder aos ajustes necessários para a tramitação do pedido reconvencional.
A favor deste entendimento militam ainda razões de justiça material.
O acórdão do STJ, de 06.96.2017, Júlio Gomes, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, alerta para o prejuízo que decorre para o réu a quem não é permitida a compensação: o de ter de suportar o risco da insolvência do seu devedor.
Se é certo que isso ocorre em todas as situações em que não é admissível a reconvenção por outras razões, já não será aceitável que isso suceda quando se trata de um obstáculo de natureza processual, facilmente ultrapassável
Aliás, o próprio artigo 266.º, CPC, no seu n.º 3 prevê uma situação em que se permite ao Juiz ultrapassar a limitação decorrente da diferença de forma de processo.
Assim, de acordo com este normativo, Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde o pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
O artigo 37.º, que versa sobre os obstáculos à coligação, diz nos n.ºs 2 e 3 e ss.: 2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.
A perda da celeridade que caracteriza a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 é compensada pela obtenção de uma decisão mais justa e que propicia ganhos processuais, evitando quer a instauração de uma acção autónoma para o réu satisfazer o seu contra-crédito, quer a oposição à execução para compensação do seu crédito (artigo 729.º, alínea h), CPC), aqui com o inconveniente de apenas se poder compensar crédito de valor igual ou inferior ao crédito exequendo, por não ser admissível o pedido reconvencional nos embargos de executado.
Neste sentido:
— acórdão da Relação de Lisboa, de 16.06.2020, Micaela Sousa, www.dgsi.jtrp.jtrl, proc. n.º 77375/19.8YIPRT-A.L1-7;
— acórdãos da Relação do Porto, de 04.06.2019, Maria Cecília Agante, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º58534/18.0YIPRT.P1; de 13.06.2018, Eduardo Pires, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 26380/17.0YIPRT.P1 (revê posição anterior); de 24.01.2018;
— acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31.01.2019, relatora Maria Purificação Carvalho, processo 53691/18.5YIPRT.A-G1; e de 17.12.2018, Fernanda Proença Fernandes, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 110141/17.3YIPRT.G1.
Em síntese: não obstante a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 apenas comportar dois articulados, caso o réu pretenda excepcionar a compensação de créditos, deve ser admitida a dedução de pedido reconvencional, cabendo ao Juiz adequar o processado ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 547.º CC.
Nessa conformidade, procede a apelação.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que seja admitida a reconvenção, e adequado o processado em conformidade.
Custas pela apelada (artigo 527.º, n.º 2, CPC).
Porto, 10 de Novembro de 2020
Márcia Portela
Carlos Querido
José Igreja Matos