DOCUMENTO PARTICULAR
DOCUMENTO AUTENTICADO
ASSINATURA A ROGO
VALOR PROBATÓRIO
DECLARAÇÕES DE PARTE
CONFISSÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


I - Um documento particular autenticado assinado a rogo sem ter sido lido o seu conteúdo ao subscritor/rogante nos termos do art. 373.º, n.os 3 e 4, do CC e art. 154.º, n.º 2, do CN, apenas pode valer como meio de prova livre.

II - A equiparação da força probatória à dos documentos autênticos de um documento particular autenticado não faz prova plena do seu conteúdo.

III - As declarações de parte que não contenham uma confissão escrita de factos desfavoráveis não têm força probatória plena, sendo apreciadas livremente pelas instâncias.

IV - Fora as intervenções (excepcionais) previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC, não cabe nas atribuições do STJ, enquanto tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação.

Texto Integral


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Processo n.º 866/18.8T8ALM.L1.S1[1]

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:

I. Relatório

AA e mulher BB instauraram a presente acção declarativa, com processo comum, contra CC, DD e EE, todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:
a) a condenação dos Réus a reconhecer a existência do crédito dos Autores sobre a herança aberta por óbito de FF e GG no montante de € 37.409,84;
b) a condenação dos Réus a reconhecer a existência do crédito do Autor marido sobre a herança aberta por óbito de FF e GG no montante global de € 16.024,37;
c) e a condenação dos Réus, na qualidade de herdeiros de GG e FF, no pagamento aos Autores da quantia de € 28.057,38, acrescida dos legais juros de mora computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, bem como a condenação dos Réus, na qualidade de herdeiros de GG e FF, no pagamento ao Autor marido da quantia de €12.018,28, acrescida dos legais juros de mora, computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:

Em 24/1/1997, faleceu FF, no estado de casado com GG, deixando como herdeiros o cônjuge e quatro filhos - o ora autor e os réus.

Da herança de FF fazia parte uma dívida aos autores, no montante de Esc. 7 500 000$00 (€ 37 409,84), correspondente a um empréstimo que fizeram a FF e a GG, para a realização de obras num determinado prédio urbano, pertencente a estes últimos. Conforme declaração de dívida junta, a dívida seria liquidada através da doação do prédio aos autores, logo que fosse emitida licença de utilização do prédio. Porém, os mutuários faleceram (sendo a GG em 23/1/2013), sem que tivesse sido obtida a licença de utilização e outorgada a doação. Acresce que, por testamento, a GG deixou em legado, aos seus filhos, todos os imóveis que integravam a herança do falecido marido e o património da testadora, tendo o aludido prédio sido deixado à 1.ª ré.

 Além disso, ainda em vida dos seus pais, o autor pagou a quantia de Esc. 331 585$00 (€ 1 653,94), correspondente a honorários e despesas referentes a uma acção de justificação especial da propriedade de um determinado prédio (pertencente em compropriedade aos seus pais e a mais duas outras pessoas) e a uma acção de aquisição de propriedade por usucapião do mesmo prédio, quantia que o autor pagou a título de empréstimo aos seus pais, coautores nessas acções. Após o óbito de FF e ainda em vida da GG, foi outorgada escritura de divisão desse prédio entre os comproprietários, tendo sido o autor a suportar as respetivas despesas, no valor de € 6 515,71. E, após o óbito do seu pai, o autor suportou todas as despesas com o seu processo sucessório, no valor de Esc. 391 310$00 (€ 1 951,85). O autor também pagou o IMI dos imóveis que integravam o acervo hereditário e o património da GG, nos anos de 2013 a 2016, no valor total de € 4 351,72, as despesas do funeral da GG, no valor de € 1 700,00, de que recebeu € 214,93 da segurança social, e, finalmente, as despesas notariais referentes ao averbamento do óbito de GG, no valor de € 45,58.

A responsabilidade dos réus pelos encargos das heranças afere-se pela proporção das suas quotas nas heranças. Assim, quanto à quantia de € 37 409,84 (empréstimo no valor de Esc. 7 500 000$00), os réus devem ser condenados no pagamento de € 28 057,38. Quanto à quantia de € 16 024,37 (total dos restantes créditos dos AA. sobre as heranças), os RR. devem ser condenados no pagamento de € 12 018,28. Tudo acrescido dos juros legais.

Os réus contestaram, arguindo a nulidade por erro na forma de processo e invocando a prescrição do alegado crédito de 7.500.000$00, bem como impugnaram as dívidas alegadas, concluindo pela improcedência da acção.

Os autores responderam pugnando pela propriedade do meio processual utilizado e pela interrupção da prescrição, concluindo como na petição inicial.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a arguição da nulidade por erro na forma de processo e se relegou para final a apreciação da excepção da prescrição. Foi fixado o objecto do litígio, foi indicada a matéria de facto assente e foram enunciados os temas de prova.

           

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que concluiu com o seguinte dispositivo:

Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) condeno os Réus, na qualidade de herdeiros de GG, a reconhecerem a existência do crédito do Autor sobre a herança da falecida GG no valor de € 1.530,65, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

b) absolvo os Réus dos restantes pedidos deduzidos pelo Autor;

c) custas a cargo do Autor e Réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Réus.

Interposto recurso de apelação pelos autores, o Tribunal da Relação, em acórdão proferido por maioria, com um voto de vencido, deliberou:

“Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

a) Altera-se a alínea a) do dispositivo da sentença, condenando-se os RR., na qualidade de herdeiros de GG e de FF, a reconhecerem a existência do crédito do A. sobre a herança dos falecidos GG e FF, no valor de € 16 003,87 (dezasseis mil e três euros, oitenta e sete cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;

b) No mais, confirma-se a sentença recorrida.

As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo dos apelantes e dos apelados, na proporção do respetivo decaimento (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC), sem prejuízo das alterações decorrentes do apoio judiciário de que os RR. beneficiam (art.º 26.º n.ºs 6 e 7 do RCP).”

Ainda não conformados, os autores/apelantes interpuseram recurso de revista e apresentaram as correspondentes alegações que terminaram com as seguintes conclusões:

                “1. Os Recorrentes interpõem o presente Recurso do douto Acórdão de fls…. proferido pela Veneranda Relação ……, que julgou a Apelação parcialmente procedente, concluindo, porém, que o crédito sobre a herança na quantia de Esc 7 500 000$00 permanecia não provado, absolvendo-se, nesse segmento, os Recorridos do pedido.

2. Houve, porém, um voto vencido, do Venerando Juiz Desembargador Pedro Martins, que, em súmula, considerou provado o aludido crédito de Esc 7 500 000$00, o que levaria a que os Recorridos fossem condenados, como herdeiros, a reconhecer que a herança devia aos Recorrentes ¾ da referida quantia.

3. Perfilhando a mesma posição do Venerando Juiz Desembargador Pedro Martins, entendem os Recorrentes que tal dispositivo enferma de erro no julgamento de direito, discordando do efeito jurídico atribuído no Acórdão recorrido ao documento de fls. 180.

4. De facto, há que atender, desde logo, ao teor da declaração constante do documento T dos factos provados, assim como ao teor do documento DD lavrado pelo notário, que é o verso do documento T e do qual resulta que o notário presenciou a assinatura a rogo dos pais do A., aqui Recorrente, que consta daquele documento.

5. Por outro lado, os devedores/pais estavam presentes.

6. Acresce que resultou provado que a assinatura a rogo foi feita por uma pessoa de confiança e amiga do devedor/pai, como é reconhecido pela Recorrida CC.

7. Não desconsiderando, a este respeito, as declarações de parte do Recorrente, que foram corroboradas por tudo isto.

8. Em suma, do ponto de vista da substancial, resulta assente que a referida dívida foi

reconhecida por FF e GG na declaração junta a fls. 180 dos autos, datada de …… de 1993, mencionada no facto provado sob a alínea T).

9. Já do ponto de vista formal, verifica-se que as assinaturas apostas na declaração de dívida junta como documento a fls. 180 dos autos foram reconhecidas notarialmente, o que significa que, neste caso, estamos perante um documento autenticado, que foi confirmado em 26 de Agosto de 1994, perante autoridade provida de fé pública, que atestou que o dito documento exprimia a vontade real de FF e GG.

10. Por conseguinte, nos termos do artigo 375.º, n.º 1, do Código Civil, as assinaturas apostas no sobredito documento a fls. 180, e atribuídas a FF e GG, têm-se por verdadeiras, e, por ser um documento autenticado, o mesmo faz prova plena das declarações aí consignadas e atribuídas a FF e GG, nos termos do artigo 377.º do Código Civil.

11. Contrariamente ao entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, a confirmação do rogo perante a entidade autenticadora não tinha de ser certificada através da expressão “confirmo o rogo”, bastando que da declaração aposta no documento de autenticação resultasse claro que o rogante no acto declarou que o documento a autenticar foi efectivamente assinado a seu rogo (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-12-2017, proferido no âmbito do processo n.º 1111/16.6.T8FIG.C1, acessível em www.dgsi.pt).

12. No caso vertente, os rogantes, FF e GG, deslocaram-se

pessoalmente ao Cartório Notarial e declararam perante a Notária ser sua vontade a sua assinatura a rogo no documento a fls. 180, declarando, perante a Notária, que não sabiam assinar.

13. Ademais, e contrariamente ao defendido no Acórdão sob recurso, a falta de aposição de impressão digital não constitui uma nulidade formal do acto notarial, porquanto tal formalidade não é exigida nos artigos 154.º e 155.º do CN.

14. Mercê do exposto, as assinaturas de FF e de GG, feitas a rogo e apostas no documento a fls. 180, são válidas.

15. Por conseguinte, o documento em causa é provido de prova plena formal quanto às declarações atribuídas a FF e a GG.

16. Por conseguinte, a dívida de € 37.409,84 existe e continua por liquidar e que faz parte das heranças de FF e de GG.

17. Em conformidade, andou mal o Tribunal a quo no Acórdão recorrido, porquanto, atento o exposto, deveria a presente acção proceder na sua integralidade, devendo, em consequência, os Recorridos ser condenados no pedido.

18. Consequentemente, deverá, salvo melhor opinião, revogar-se o douto Acórdão recorrido no segmento que confirmou a Sentença da 1.ª Instância no que respeita à dívida reconhecida no documento de fls. 180 dos autos, substituindo-se o mesmo por douto Acórdão que julgue a presente acção totalmente procedente, reconhecendo a existência da mencionada dívida e que a mesma integra o acervo hereditário de FF e de GG.

O douto Acórdão sob censura violou, entre outros, o seguinte preceito legal:

- Artigos 342.º, n.º 2, 2097.º, 2091.º, n.º 1, e 2139.º do Código Civil.

- Artigo 414.º do C.P.C.

- Artigos 154.º e 155.º do CN.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o Magnânime Supremo Tribunal de Justiça dar provimento ao presente recurso, e, por via dele, revogar o Acórdão recorrido por douto Acórdão favorável in totum às alegações dos Recorrentes, nos termos  acima melhor aduzidos,

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!”

Os réus contra-alegaram pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.

            Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir  consiste em saber se houve violação do direito probatório material relativamente ao facto dado como não provado sob o n.º 1, por não considerar a força probatória do documento autenticado de fls. 36 e 180 e as declarações de parte do autor.

II. Fundamentação

1. De facto

No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos (indicando-se aqui a negrito os que foram alterados na sequência da impugnação da decisão de facto):

A - No dia …… de 1997 faleceu FF, no estado de casado com GG, sob o regime da comunhão geral de bens, com última residência em .........., Rua ……, Vivenda ……, n.º.., ...........

B - Tendo deixado como únicos herdeiros, sua cônjuge sobreviva, GG, e quatro filhos, AA, CC, DD e EE.

C - Na …. Repartição de Finanças de …. foi apresentada, na sequência do óbito de FF, a relação de bens junta a folhas 15 verso a 18 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta:

“Relação de bens, que apresenta GG, viúva, contribuinte fiscal ………, na qualidade de cabeça de casal, na herança aberta por óbito de seu marido, FF, ocorrido em 24.1.1997, contribuinte fiscal nº ……, morador que foi na Vivenda…, Quinta …., .........., ……….

Activo

Bens Imóveis

Verba nº 1

1/3 do prédio rústico e urbano denominado ……, e sito no .........., concelho de .........., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de .........., sob o n.º …/…., e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º .. da Secção…, da freguesia da .......... e o prédio urbano nele edificado, inscrito na matriz sob o art.º ... da freguesia da .........., cujo averbamento de …..em seu nome, foi pedido em ……97.

Verba nº 2

Prédio urbano, sito na .........., .........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº ……, e inscrito na matriz da freguesia da .......... sob o artº. …º.

Verba nº 3

Prédio urbano, sito na .........., .........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº …, e inscrito na respectiva matriz sob o artº. …º da freguesia da ...........

Verba nº 4

Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artº. … da freguesia da ...........

Verba nº 5

Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana, sob o artº. …º da freguesia da ...........

Verba nº 6

Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artº. …º da freguesia da ...........

Verba nº 7

Prédio urbano, sito na .........., .........., omisso na matriz, mas participado pelo modelo 129, em nome de FF, e aí entregue em 05.03.1993.

Passivo

Verba nº 1

(…)

Pel´A Cabeça de Casal

AA”.

D – Na 3ª Repartição de Finanças de .......... foi ainda apresentado um aditamento à relação de bens a que alude a alínea C), junto a folhas 18 e 19 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte teor:

GG, viúva, contribuinte fiscal nº …, vem apresentar aditamento à relação de bens, por morte de seu marido FF, que deu lugar, nessa Repartição de Finanças, à instauração do processo sucessório nº.

Activo

Bens Móveis

Verba nº 8

1 tractor agrícola, muito usado, marca Internacional, matrícula …-…-.., a que atribui o valor jurado de noventa mil escudos.

Passivo

Verba nº 2

1 declaração de divida, contraída com AA e mulher BB, na importância de Esc. 7.500.000$00, conforme fotocópia autenticada do referido documento, que junta, com assinaturas reconhecidas pelo Cartório Notarial de .........., em ……1994, e recibo comprovativo do pagamento do Imposto Selo, na Tesouraria da Fazenda Pública de .........., em ……1994 ………………………...7.500.000$00

O total do passivo passa a ser de Esc.: 7.621.800$00.

(…)

Pela Cabeça de Casal,

AA”.

E – O falecido FF, em ……. de 1978, havia prometido comprar, juntamente com HH e II, o prédio identificado sob a verba nº 1 constante do documento vertido na alínea C), a JJ, KK e a LL.

F - Tendo o falecido FF pago integralmente o preço e entrado na posse de uma terça parte do prédio, na qual havia edificado os prédios identificados nas verbas nº 4 e 7 constantes do documento vertido na alínea C).

G – Como a escritura do identificado prédio não se realizou por motivos imputáveis aos promitentes vendedores, FF e GG, juntamente com os referidos HH e II, instauraram Acção de Justificação Especial de Propriedade do prédio em causa, a qual correu os seus termos no extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal de ...........

H – A acção a que alude a alínea G) foi julgada procedente por sentença de 25 de Janeiro de 1996, cuja cópia se encontra junta a folhas 19 a 20 verso dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e mediante a qual foi reconhecido aos justificantes, FF, HH e II, a aquisição por usucapião do direito de propriedade relativamente ao imóvel rústico e urbano, denominado .........., sito no .........., Concelho de .........., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º …, presentemente, art.º … da Secção “..”, da freguesia da .........., bem como do prédio urbano nele edificado e inscrito na respectiva matriz sob o art.º …, ambos descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº …, fls. 95 Vº do Livro B-2 da freguesia da .........., de forma a possibilitar-lhes a obtenção do registo, a seu favor, do direito de propriedade sobre esses prédios na Conservatória do Registo Predial (nº 4 do art.º 4º do Decreto-Lei nº 284/84 de 22 de Agosto; artigos 116/2/3 e 34/2, ambos do Código de Registo Predial).

I – Após o óbito de FF, e em consequência da procedência da acção a que aludem as alíneas G) e H), foi outorgada, em 30 de Junho de 2005, escritura de divisão de coisa comum do prédio misto, sito na .........., .........., na freguesia de .........., concelho de .........., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de .......... sob a ficha dois mil quinhentos e três – .........., registado a seu favor, na proporção de um terço para HH, um terço para os segundos II, pela inscrição G-dois e de um/terço para os terceiros em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição ……, inscrito na matriz cadastral sob o artigo … da Secção .. – .........., com o valor patrimonial de 3.942,55€ e atribuído de cinco mil euros, que totaliza o valor de quinze mil euros.

J – No âmbito da escritura a que alude a alínea I) o imóvel foi dividido em três novos prédios:

- Prédio um – rústico com a área de vinte mil e quinhentos metros quadrados, a confrontar do Norte com ................, do Sul com HH e II e ................, do nascente com HH e II e do poente com ..................., no valor de cinco mil euros;

- Prédio dois – misto com a área de dez mil e duzentos metros quadrados, com a parte urbana incluída, a confrontar do Norte

com ................, do sul com MM, do nascente com Estrada Pública e do poente com GG e outros, no valor de sete mil quatrocentos e oitenta e sete euros e oitenta cêntimos;

-Prédio três – rústico com a área de dez mil e trezentos metros quadrados, a confrontar do norte com GG e outros e ................, do sul com ............................., do nascente com MM e do poente com ..................., no valor de dois mil e quinhentos e doze euros e vinte cêntimos.

L – Os três prédios a que alude a alínea J) através da escritura constante da alínea I) foram adjudicados nos seguintes termos: a HH, NN, II e OO, em comum, os prédios números dois e três; e a GG, AA, EE, CC e DD, em comum e sem determinação de parte ou direito, o prédio número um.

M - O prédio identificado na alínea C), sob a verba nº 2 está actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n.º…… da freguesia da .......... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …………. da .......... e .......... sob o artigo ….

N - O prédio identificado na alínea C), sob a verba nº 3 está actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n.º…. da freguesia da .......... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …. da .......... e .......... sob o artigo ….

O – A herança aberta por óbito de FF nunca foi objecto de partilha, permanecendo indivisa.

P – GG faleceu no dia ……. de 2017, tendo deixado como seus únicos herdeiros AA, CC, DD e EE.

Q - GG, outorgou por testamento público lavrado em …… de 2009, junto a folhas 33 verso a 25 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta:

“(…)

Disse a outorgante:

“Sou efectivamente viúva e tenho quatro filhos.

Nestas circunstâncias formulo as minhas disposições de última vontade, pela seguinte forma:

1. À minha filha CC, casada, lego por conta da minha quota disponível o direito que tenho no prédio urbano sito na .........., inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da .........., concelho de ...........

2. À minha filha DD, divorciada, lego por conta da legítima, o direito que tenho nos prédios urbanos sitos na .........., nºs 3 e 4, inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos … e …. da freguesia da .........., concelho de ...........

3. Ao meu filho EE, casado, lego por conta da legítima o direito que tenho no prédio urbano sito na .........., nº ..., inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da .........., concelho de ...........

4. Ao meu filho AA, casado, lego por conta da minha quota disponível, o direito que tenho nos prédios urbanos, sitos na .......... e na .........., inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos …. e …. da freguesia da .........., concelho de ...........

Dou assim por concluído este meu testamento, que é o primeiro que faço.”

(…)”.

R - Todos os herdeiros de GG aceitaram a herança aberta por seu óbito, começando cada um a administrar como se fosse seu os prédios que a falecida GG lhes legou no testamento a que alude a alínea Q), nomeadamente habitando tais prédios ou arrendando o mesmo a terceiros fazendo suas as rendas recebidas.

S - Até à presente data, a herança aberta por óbito de GG, não foi objecto de partilha.

T – Do documento junto a folhas 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:

Declaração

Nós abaixo assinados FF e GG, casados um com o outro, sob o regime da comunhão geral de bens, ambos residentes na .........., Vivenda …, .......... – .........., Bilhetes de identidade respectivamente nºs ……. e nº …, contribuintes fiscais nºs ………. e nº ……, da Rep. de Finanças do Concelho de .........., declaramos que:

Devemos ao nosso filho AA e mulher BB, a quantia de Esc 7.500.000$00, referentes a obras de construção e despesas de conservação que ficaram a cargo destes e que foram realizadas no prédio urbano, sito na .........., .........., freguesia da .......... inscrito na matriz predial urbana sob o art…. da freguesia da .......... e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de .......... sob o nº …. a fls. 168vº do livro B-51 da freguesia da ...........

Porquanto:

Foi por nós autorizada a posse do referido prédio, para valer como o preceituado no art. 1251º CC e segs., naqueles aplicáveis ao instituto da posse de boa fé, para que o casal acima referido nele tivesse a sua residência permanente desde …… de 1978. Mais declaramos que são da nossa responsabilidade todas as despesas referentes a obras de benfeitorias necessárias e úteis, que os possuidores entendam ser necessárias em vista à boa utilização e conservação do prédio.

Declaramos ainda que só não foi feita a escritura pública de doação, porque o prédio ainda não possui licença de utilização.

Pelo que, nós nos comprometemos a que, assim que seja passada a licença de utilização pelos serviços camarários respectivos, procedermos à dita Escritura Pública de Doação, caducando assim nessa mesma data esta presente declaração.

Feito em duplicado, em .........., aos ……. de 1993, indo ser assinado pelos declarantes, e a fotocópia dos Bilhetes de Identidade dos intervenientes neste acto ficará junta à presente declaração.

Sr. FF

Dª GG (põe o dedo por não saber assinar)

A rogo de FF e de GG por não saberem assinar

(…)”.

U – Os Autores nunca receberam o montante de esc: 7.500.000$00.

V - Em vida de FF e GG, foi instaurada, em ……de 1993 uma Acção de Justificação Especial da Propriedade do prédio misto sito na .........., .........., na freguesia da .........., concelho de ...........

X - E, em ……. de 1994, foi instaurada a subsequente Acção de aquisição da propriedade por Usucapião.

Z - Por conta das referidas acções judiciais, contabilizaram-se a título de honorários e despesas da Advogada, o montante de esc: 663.170$00 (€ 3.307,88).

AA – O Autor pagou todas as despesas referentes ao funeral de GG no valor de €1.700,00 (mil e setecentos euros), tendo, apenas, sido reembolsado no valor de €214,93 (duzentos e catorze euros e noventa e três cêntimos) pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

BB – O Autor pagou ainda todas as despesas notariais referentes ao averbamento do óbito de GG no respectivo testamento, no valor de €45,58 (quarenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos).

CC – O Autor, através de mandatário, enviou aos Réus, que receberam, as cartas juntas a folhas 57 verso a 66 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

DD – Por referência ao documento a que alude a alínea T) consta do documento junto a folhas 180, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o seguinte:

Reconheço a assinatura retro de PP feita na minha presença pelo signatário, bem como, foi o rogo de FF e de GG, pessoas cuja identidade verifiquei por exibição dos respectivos bilhetes de identidade nºs …, …. e …. emitidos em ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., o primeiro e o último pelo CICC em ……… e o segundo pelos Serviços de Identificação Civil em …., tendo os rogantes declarado não saber assinar. Primeiro Cartório Notarial de .........., 26-8-94.

(…)”.

EE – O falecido FF não sabia ler e escrever, mas sabia assinar o seu nome, sendo que desde 02 de Fevereiro de 1994 deixou de poder assinar.

FF – A falecida GG não sabia ler e escrever e não sabia assinar o seu nome.

GG - O Autor pagou em nome dos falecidos FF e GG a quantia de esc: 331.585$00 (€1.653,94), referente a metade da quantia a que alude a alínea Z), porquanto o pagamento da outra metade era da responsabilidade dos outros titulares.

HH - Após o óbito de FF, o Autor suportou todas as despesas a título de honorários e despesas da Advogada, referentes ao processo sucessório do seu falecido pai, no valor global de esc: 391.310$00 (€ 1.951,85).

II - Durante o cabecelato de GG, foi iniciado, com o consentimento dos demais co-herdeiros da herança aberta por óbito de FF, o processo de divisão da propriedade do prédio misto sito na .........., .........., freguesia da .........., concelho de ...........

JJ – O Autor também liquidou o Imposto Municipal sobre Imóveis dos prédios urbanos que integram o acervo hereditário de FF e dos prédios de que GG era proprietária, referente a:

i) Ano de 2013, no valor de €1.146,98;

ii) Ano de 2014, no valor de €1.013,23;

iii) Ano de 2015, no valor de €986,62;

iv) Ano de 2016, no valor de €1.204,89

LL – Eliminada.

MM) - As despesas com o constante da alínea II) foram pagas na íntegra pelo Autor, no valor total de € 6.513,71 (seis mil quinhentos e treze euros e setenta e um cêntimos).

            E foram dados como não provados:

1 - Da herança de FF fazia e faz parte uma dívida aos Autores no montante de esc: 7.500.000$00 (sete mil e quinhentos contos), passivo este que foi aceite por todos os herdeiros do falecido.

2 - As assinaturas apostas no documento a que alude a alínea T) foram a rogo em virtude do falecido FF não saber assinar.

3 - A licença de utilização a que alude a alínea T) nunca foi obtida porque os falecidos FF e GG nunca diligenciaram pela sua obtenção.

4 – As quantias a que aludem as alíneas GG), HH), II) e JJ) e MM) foram posteriormente pagas ao Autor pela falecida GG em dinheiro.

5 - O Autor recebeu da Ré DD. uma moto-enxada a gasolina no valor de €400,00 e uma roçadora a gasolina no valor de €170,00 por conta da sua quota parte na despesa do funeral a que alude a alínea AA).

6 – Ao Autor foram pagas as quantias a que aludem as alíneas AA) e BB).

2. De direito

Os recorrentes, servindo-se do voto de vencido que entendeu estar provada a existência da dívida de 7.500.000$00, com base na declaração constante do documento referido na alínea T) dos factos provados, autenticado no seu verso, nos termos que constam do documento aludido em DD) da fundamentação de facto, e nas declarações de parte do autor, insurgem-se contra a decisão de facto, na parte em que a Relação deu como não provado o facto n.º 1, invocando a força probatória plena do documento de fls. 180 e as declarações de parte do autor/recorrente.

Pugnam, assim, por uma autêntica alteração da matéria de facto.

Porém, sem razão.

O Tribunal da Relação, na reapreciação que fez na sequência da impugnação da matéria de facto, relativamente à matéria aqui em causa, manteve-a como não provada, tecendo as seguintes considerações:

“…

Esse tema da prova reporta-se à alegação dos AA. de que o A. teria emprestado aos pais a quantia de esc. 7 500 000$00 para a realização de obras numa casa destes.

Nas suas declarações o A., embora de forma algo confusa, explicou que tinha iniciado uma obras de ampliação na casa do pai e que a dada altura apareceu a fiscalização da Câmara Municipal, que lhe disse que tinha de apresentar um projeto, antes de continuar a obra. Meteu o projeto na Câmara em 1988, e ainda lá anda. Entretanto um senhor que estava lá na obra, o Sr. PP., disse ao pai do A. que uma vez que o A. andava ali com aquele trabalho era melhor “tu fazeres um papel ao rapaz porque depois vêm os outros irmãos dizer que isto é deles”. “Foram a uma doutora, fizeram o tal papel”. Quanto à veracidade da dívida, o A. disse que “a obra está feita” e que tinha faturas do dinheiro que lá gastara. No que concerne ao papel que foi passado para comprovar a dívida, disse que “isso foi tratado com uma doutora”, não tendo assistido à sua elaboração e assinatura. Esclareceu que o PP que figura no papel como tendo assinado é o tal PP que aconselhou o pai a fazer o papel. A R. CC, perguntada se conhecia o Sr. PP (que figura no dito documento), disse que sim, e que lhe parecia que esse senhor já havia falecido. Tendo sido perguntada se essa pessoa era da confiança do seu pai, disse que sim: “Era, era, era amigo do meu pai.”

Para prova da dívida invocada os AA. apresentaram a “declaração” constante a fls 36. Trata-se de uma fotocópia, tendo mais tarde os AA. apresentado a fotocópia constante a fls 180, que corresponde ao verso da aludida declaração.

Não tendo sido levantadas dúvidas acerca da fidelidade das fotocópias (segundo se percebe pela gravação da audiência final, a mandatária forense dos AA. apresentou na audiência o original) o original apresenta-se como um documento particular autenticado, na medida em que relativamente a ele houve intervenção do notário (art.º 377.º do CC) – sem prejuízo da análise que adiante se fará acerca da sua efetiva força probatória.

A “declaração” junta aos autos poderá servir de prova, por confissão, da obrigação de restituição da quantia alegadamente entregue pelo A. a seus pais, decorrente da nulidade do negócio (artigos 352.º, 355.º n.º 1, 358.º n.º 2, 376.º n.ºs 1 e 2 do CC – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 12.12.2017, publicado em D.R., I série, n.º 35, de 19.02.2018).

Vejamos então a força probatória do aludido documento.

Trata-se de uma declaração de dívida imputada aos pais dos A. e RR., onde no lugar das assinaturas constam os nomes manuscritos daqueles e ainda a assinatura “PP”, com a menção “a rogo, por não saberem assinar”. No verso da declaração consta a declaração notarial reproduzida na alínea DD) da sentença, ou seja:

“Reconheço a assinatura retro de PP feita na minha presença pelo signatário, bem como, foi o rogo de FF e de GG, pessoas cuja identidade verifiquei por exibição dos respectivos bilhetes de identidade nºs ……, ……. e ……. emitidos em ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., o primeiro e o último pelo CICC em…… e o segundo pelos Serviços de Identificação Civil em …, tendo os rogantes declarado não saber assinar. Primeiro Cartório Notarial de .........., ……1994.”

A autenticidade formal do documento não foi questionada. Assim, por força do disposto no art.º 371.º n.º 1 do CC, presume-se, com força legal plena, que o funcionário notarial assistiu à aposição da assinatura por PP, que confirmou junto de FF e de GG que essa assinatura era aposta no documento por sua vontade, que estes lhe declararam que não sabiam assinar e que o funcionário confirmou a identidade dessas três pessoas.

O art.º 373.º do CC estipula o seguinte:

“1- Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não poder assinar.

2- Nos títulos emitidos em grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode a assinatura ser substituída por simples reprodução mecânica.

3- Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor.

4- O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante”.

Provou-se que FF e GG não sabiam ler nem escrever (alíneas EE) e FF)). Por outro lado, GG não sabia assinar o seu nome (alínea FF)) e FF, à data da subscrição do aludido documento, não podia assinar (alínea EE)).

Assim, estavam reunidos os pressupostos para que os declarantes solicitassem a assinatura do documento por outrem. Mas, dada a sua vulnerabilidade (analfabetos que eram), a subscrição exigia a intervenção de um terceiro dotado de especial credibilidade, que confirmasse o desejo de subscrição do documento por parte do declarante e o seu conhecimento do conteúdo do documento, isto é, que garantisse que o conteúdo da declaração expressa no documento correspondia à vontade do subscritor/declarante. Daí a necessária menção de que o documento seja lido ao subscritor (cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 21.5.2014, processo 676/12.6TTFUN.L1-4, em www.dgsi.pt). Ora, in casu, falta a menção de que o documento foi lido aos subscritores. Daí que, como diz a lei, a subscrição não os obrigasse. Isto é, tudo se passa como se, além de não ter sido por eles redigido, o documento não estivesse assinado por eles.

O escrito junto aos autos apenas poderá valer como meio de prova de apreciação livre (art.º 366.º do CC).

O que supõe que poderá conduzir à prova da alegada entrega de Esc. 7 500 000$00 pelo A. aos seus pais, a título de empréstimo (embora nulo por falta de forma legal), se nesse sentido se conjugar com outros meios de prova.

Ora, o A. nas suas declarações não mencionou nenhum empréstimo, mas sim despesas que teve com obras de ampliação da casa do seu pai, que ele próprio (o A.) empreendeu, em termos que não ficaram claros.

As RR. negaram a existência de tal dívida. Mais disseram que a mãe lhes disse que não havia qualquer dívida.

Na primeira relação de bens que o A. elaborou, em nome da sua mãe, por óbito do seu pai, para apresentar nas Finanças, não figura a aludida dívida (fls 16 e 17). Só mais tarde, na forma de aditamento, é que essa dívida foi relacionada perante as Finanças, mas sempre com a assinatura do A. (fls 18 e 18 v.º). Nas declarações de cabeça-de-casal prestadas por GG no inventário (iniciado, mas não acabado) respeitante à herança do seu marido, tal dívida não foi mencionada (fls 149 v.º e 150). Finalmente, os AA. apresentaram na audiência final, como prova do tema da prova respeitante a esta matéria, as testemunhas QQ e RR. Ora, essas pessoas apenas depuseram sobre obras que haviam efetuado para o A. e para a sua mãe, todas após o falecimento do pai do A..

De tudo isto resulta uma situação de dúvida, a qual se resolve em detrimento dos AA., sobre quem recai o ónus da prova (artigos 342.º n.º 1 do CC e 414.º do CPC)”.

Os recorrentes insistem na força probatória plena da mencionada declaração, constante do documento de fls. 36, autenticada nos termos que constam de fls. 180 [cfr. alíneas T) e DD) da fundamentação de facto].

É pacífico que estamos perante um documento particular autenticado, cuja autenticidade formal não foi questionada (cfr. art.º 363.º, n.º 3 do Código Civil).

Coloca-se, aqui, a questão da sua força probatória.

Enquanto documento particular autenticado, substancialmente, pouco difere dos documentos autênticos notariais, razão pela qual se lhes equipara, nos termos do art.º 377.º do Código Civil que dispõe:

Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto”.

Acontece, porém, que a assinatura do documento particular foi aposta a rogo dos declarantes, por não poderem ou não saberem assinar.

Nestes casos, “a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor”, nos termos do n.º 3 do art.º 373.º do Código Civil, acrescentando o n.º 4 que “o rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante” (sublinhado nosso).

Por sua vez, o art.º 154.º do Código do Notariado, sob a epígrafe “assinatura a rogo”, também estabelece:

“1 - A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar.

2 - O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.

Ora, no presente caso, não consta dos factos provados, nomeadamente do termo de autenticação referido na alínea DD), que o documento autenticado tenha sido lido aos subscritores/rogantes.

Faltando este requisito legal, tal documento só pode ser livremente apreciado pelo tribunal, nos termos do art.º 366.º do Código Civil, como fez o tribunal “a quo”, no acórdão recorrido.

Ainda que assim não se entendesse e se considerasse equiparada a força probatória à dos documentos autênticos, a força probatória do mencionado documento jamais permitiria concluir pela veracidade do conteúdo da declaração que o mesmo contém.

Com efeito, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivos, bem como dos que neles são atestados com base na percepção do documentador, sendo que o mero juízo pessoal dele apenas vale como elemento sujeito à livre apreciação do tribunal (art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil).

No presente caso, o Oficial público limitou-se a presenciar o rogo dos rogantes e a assinatura do signatário, bem como a reconhecer a assinatura deste e a atestar que os rogantes lhe declararam que não sabiam assinar.

Nada mais. Nada presenciou sobre o conteúdo da declaração, nem ela foi feita na sua presença.

Por isso, o invocado documento não pode ter força probatória plena quanto ao seu conteúdo que, de resto, não lhe foi atribuído no voto de vencido a que os recorrentes se alcandoraram para sustentar este recurso, já que se serviu também das declarações de parte do autor.

Os recorrentes também referenciaram tais declarações de parte, afirmando que corroboraram o seu entendimento.

Mais uma vez, sem razão.

As declarações de parte não confessórias, como é o caso, não têm força probatória plena, sendo apreciadas livremente pelo tribunal.

É o que resulta do art.º 466.º, n.º 3, do CPC que dispõe:

O tribunal aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Sabe-se que a “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (cfr. art.º 352.º do Código Civil).

A confissão judicial deve ser escrita e só esta tem força probatória plena contra o confitente (art.º 358.º, n.º 1, do Código Civil).

A confissão judicial que não seja escrita é apreciada “livremente em tribunal” (n.º 4 do citado art.º 358.º).

Assim, em termos legais, as declarações de parte só têm força probatória plena quando houver confissão escrita de factos desfavoráveis ao confitente, sendo as declarações  livremente apreciadas pelo tribunal, na parte em que não representem confissão.
Neste sentido decidiu-se no acórdão deste STJ de 26/9/2017, 1.ª Secção, proferido na revista n.º 13769/13.3T2SNT.L1.S2[3], em cujo sumário se pode ler:
“(…)
III - As «declarações de parte» prestadas na audiência de discussão e julgamento ficam sujeitas ao princípio da livre apreciação de prova, na parte em que não representem confissão reduzida a escrito.”

Não estamos perante confissão escrita de factos desfavoráveis em que se possa falar de força probatória plena contra o confitente. Além de nada resultar nesse sentido, não consta da acta que tenha havido confissão, visto que não foi reduzido a escrito o depoimento nessa parte, como devia, caso a tivesse havido (art.º 463.º, n.º 1, do CPC).

Logo, situamo-nos no âmbito do princípio da liberdade de julgamento, o qual “faculta ao tribunal apreciar livremente as provas e fixar a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvaguardando os casos excecionais em que a apreciação livre deve ceder perante a exigência de formalidade legal, de documento ou de prova já plenamente efetuada.”[4]

É pacífico que as declarações de parte, porque submetidas ao indicado princípio da liberdade de julgamento, podem e devem ser atendidas como meio de prova complementar em relação a outros produzidos nos autos.

Não se ignora que, no que tange à livre valoração das declarações de parte, a doutrina e a jurisprudência não são unívocas, assumindo três posições essenciais, a saber: “tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, tese do princípio de prova e tese da autossuficiência ou valor autónomo das declarações de parte”[5].

Ainda que se aderisse a esta tese, por ser a solução mais ajustada, entendendo que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, não poderíamos considerar aqui tais declarações pela simples razão de que, não fazendo prova plena, é da competência exclusiva das instâncias a sua apreciação, estando-nos vedada a sua reapreciação.

Assim, quer o documento particular autenticado, quer as declarações de parte do autor, não fazendo prova plena, são de livre apreciação pelas instâncias, e só delas, estando-nos vedada a sua reapreciação.

É ao Tribunal da Relação que compete, em última instância, julgar de acordo com a sua íntima e livre convicção, fazendo o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (n.º 1 do art.º 662.º do CPC).

Os únicos limites à livre apreciação da prova constam do art.º 607.º, n.º 5, do CPC onde se prevê que ela não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

No presente caso, não estamos perante qualquer uma destas situações, acabadas de referir: o facto controvertido e aqui posto em causa (a alegada dívida de 7.500.000$00) não exige ser provado por formalidade especial, nem está plenamente provado por documento, acordo ou confissão das partes.

Por isso, tal facto encontrava-se sujeito à livre apreciação da prova pelo Tribunal da Relação, a quem competia julgá-lo de acordo com a sua própria convicção e mediante a reapreciação da prova produzida, nomeadamente a que se encontra gravada, como fez. Nessa medida, o Tribunal a quo podia atribuir à prova produzida - incluindo os elementos probatórios invocados pelos recorrentes - o valor probatório que entendesse, de acordo com a sua própria convicção e no âmbito da sua autonomia decisória.

A prova a que se referem os recorrentes estava, na verdade, sujeita à livre apreciação pelo Tribunal da Relação, tal como tinha estado pela 1.ª instância. E estando em causa prova sujeita a livre apreciação, o juízo formulado pela Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º. n.º 1, do CPC é definitivo, não podendo ser modificado pelo Supremo Tribunal de Justiça[6].

Sendo definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, não cabe no âmbito do recurso de revista, nem nos poderes do Supremo Tribunal, analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, como pretendem os recorrentes.

Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça apenas intervém no domínio da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art.º 674.º do CPC.

Assim, o fundamento da revista previsto nesta norma visa a intervenção (excepcional) do Supremo, no plano dos factos, quando tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Fora esta intervenção (excepcional), escapa, pois, aos poderes cognitivos do STJ apreciar a bondade da decisão de facto, cabendo essa missão ao Tribunal da Relação, que sobre a mesma decide em definitivo.

Deste modo, a intervenção do STJ no domínio dos factos está reservada ao campo da designada prova tarifada ou vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório (citado art.º 674.º n.º 3).

É o que temos vindo a decidir[7] e tem sido entendido, de forma unânime, neste Supremo, como se pode ver nos processos a que se reportam os sumários que aqui se reproduzem na parte relevante, como segue:

 “(…)

II - Não cabe recurso para o STJ da matéria de facto, nem pode este dizer se a Relação decidiu bem ou mal quando alterou os factos provados e não provados, sustentando a sua posição em prova testemunhal e prova documental sujeitas à livre apreciação – não sendo situação elencada nos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC – e não havendo exigência legal, para a prova dos factos alterados, de meio de prova com força tabelada ou mais exigência do que os tomados em consideração. (…)”[8]

 

“I - A discordância da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nas provas produzidas, a mesma formou não é sindicável pelo STJ, desde que não enquadrável nas excepções previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC. 

(…)”[9]

 

“I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (n.º 4 do art. 662.º do CPC), a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova (…)”[10].

“I - A função do STJ, como tribunal de revista, está essencialmente ligada à reapreciação de questões de direito, pressuposta a fixação da matéria de facto pelas instâncias.

II - O STJ, mesmo quando esteja em causa matéria de facto, apenas pode ser confrontado com questões de direito, pois é nesse campo que se justifica o acesso ao terceiro grau de jurisdição.

III - Não é da vocação do STJ entrar na apreciação de aspetos que estão ligados à materialidade, a não ser naqueles casos excecionais em que a delimitação da matéria de facto provada ou não provada esteja viciada por algum erro de direito no que concerne à consideração ou desconsideração do valor tarifado de certos meios de prova.

IV - Tendo a Relação, tanto na fixação da matéria de facto, como na formulação dos juízos probatórios sobre os factos provados, se contido nos estritos limites do princípio da livre apreciação dos meios de prova sem valor pleno, está vedada a intervenção do STJ.”[11]

 

Não estando em causa factos para os quais a lei imponha meios de prova pré-determinados (“prova tarifada”) e não detendo os elementos probatórios indicados pelos recorrentes força probatória que exclua ou anule a demais prova produzida, forçoso é concluir que o Tribunal recorrido não violou qualquer norma de direito probatório material, não podendo obter aqui a pretendida alteração quanto à existência da dívida, dada como não provada sob o n.º 1 acima transcrito.

Consequentemente, não podem obter o reconhecimento da alegada dívida de 7.500.000$00, por depender da prova do respectivo facto pelos autores/recorrentes, cujo ónus lhe competia, como bem se disse no acórdão recorrido, nem que a mesma integra o acervo hereditário de FF e de GG, não se mostrando violadas as normas indicadas.

Destarte, o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

Sumário:
I. Um documento particular autenticado assinado a rogo sem ter sido lido o seu conteúdo ao subscritor/rogante nos termos do art.º 373.º, n.ºs 3 e 4 do CC e art.º 154.º, n.º 2, do CN, apenas pode valer como meio de prova livre.
II. A equiparação da força probatória à dos documentos autênticos de um documento particular autenticado não faz prova plena do seu conteúdo.
III.  As declarações de parte que não contenham uma confissão escrita de factos desfavoráveis não têm força probatória plena, sendo apreciadas livremente pelas instâncias.
IV. Fora as intervenções (excepcionais) previstas no art.º 674.º, 3, do CPC, não cabe nas atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar a revista e manter o acórdão recorrido.

*

Custas pelos recorrentes (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

*

STJ, 17 de Novembro de 2020

           Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.

            Fernando Augusto Samões (Relator)

            Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

            António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)


___________________________
[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Cível de Almada - Juiz 2.
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Relatado pelo Conselheiro Hélder Roque e subscrito pelos Adjuntos Roque Nogueira e Alexandre Reis.
[4] Fernando Pereira Rodrigues, in Os Meios de Prova em Processo Civil, 2015, Almedina, pág. 18.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 532.
[6] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/9/2018, proferido no processo n.º 33/12.4TVLSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[7] Cfr., designadamente, os nossos acórdãos de 9/4/2019, processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1 e de 1/10/2019, processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e ainda de 3/3/2020, processo n.º 3936/17.6T8PRT.P1.S1 em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[8] De 26-03-2019 - Revista n.º 25293/15.5T8LSB.L1.S1 - 1.ª Secção - Fátima Gomes (Relatora) e em que o aqui Relator interveio como 2.º Adjunto.
[9] De 06-06-2019 - Revista n.º 3416/14.1T8GMR-A.G1.S1 - 7.ª Secção António Joaquim Piçarra (Relator) *
Olindo Geraldes e Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi/jstj.
[10] De 01-10-2019 - Revista n.º 379/15.0T8GRD.C2.S1 - 1.ª Secção -Acácio das Neves (Relator) e em que são Adjuntos o aqui Relator e a 1.ª Adjunta.
[11] De 17-10-2019 - Revista n.º 2168/08.9TVLSB.L2.S1 - 2.ª Secção - Abrantes Geraldes (Relator), Tomé Gomes e Maria da Graça Trigo.