I - No que respeita à questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses, independentemente da dupla conforme, o recurso de revista é sempre admissível nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.
II - As nulidades da sentença/acórdão estão típica e taxativamente previstas no art. 615.º do CPC e nenhuma destas se refere ao erro de julgamento.
III - Quando o recorrente se limita a alegar fundamentos de revista excecional sem, todavia, nunca manifestar o intuito de interpor essa modalidade de revista, ainda que a título subsidiário, “falta a declaração de vontade para interposição da revista excecional, não podendo, como tal, conhecer-se do objeto do recurso (arts. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 3, do CPC)”.
IV - Impõe-se distinguir o regime da admissibilidade do recurso de revista previsto no art. 671.º e a disciplina delimitadora dos fundamentos desse recurso, consagrada, no art. 674.º do CPC.
V - Não se subsumindo o caso sub judice às hipóteses intencionadas pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (inter alia, procedimentos cautelares ou processos de jurisdição voluntária), a eventual contradição de julgados alegada não conduz, nesses termos, à admissibilidade de recurso de revista.
VI - Estando em causa um contrato internacional de transporte rodoviário de mercadorias, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, desde logo, do que resultar de convenções internacionais (v.g., CMR) ou dos regulamentos europeus (v.g., Regulamento (UE) n.º 1215/2012) e, depois, dos arts. 62.º e 63.º do CPC, sem prejuízo do que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do art. 94.º do CPC.
VII - O art. 31.º da CMR prevê que “[p]ara todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção”, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados por acordo das partes, à jurisdição do país no território do qual a) o réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) se situar o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a sua entrega.
VIII - A interpretação dada pelo TJUE aos preceitos correspondentes do Regulamento n.º 44/2001 e da Convenção de Bruxelas de 1968, entretanto substituídos, é válida igualmente para os do Regulamento n.º 1215/2012 quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas como equivalentes. A regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do “lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”. No contexto de um contrato de transporte de mercadorias, a propósito da questão de se saber se deve considerar-se como lugar de prestação do serviço, no sentido do art. 5.º, n.º 1, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 44/2001 (cuja interpretação dada pelo TJUE vale para o art. 7.º n.º 2, al. b), segundo travessão do Regulamento n.º 1215/2012), que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega da mercadoria mas também o lugar de expedição da mesma, o TJUE tomou já também posição concreta. Estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional, o art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.
IX - Pode até dizer-se que CMR contém regras de competência internacional especiais que prevalecem tanto sobre as do CPC como sobre as do Regulamento n.º 1251/2012.
I. Relatório
1. First Marine, S.A. instaurou, no Juízo Central Cível de …. – Juiz 0 – do Tribunal Judicial da Comarca de …, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra DSV Road A/S, peticionando, a final, a condenação da Ré no pagamento da quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros de 5%, desde a data da citação e até integral pagamento.
2. Alegou, para o efeito, ser titular de um direito de sub-rogação emergente do pagamento a terceiro, seu segurado, de indemnização decorrente da perda de mercadoria ocorrida em transporte contratado com a Ré, por culpa desta.
3. Citada, a Ré não apresentou contestação.
4. Por despacho de 27 de setembro de 2018, foram tidos como confessados os factos alegados pela Autora.
5. No prazo previsto no art. 567.º, n.º 2, do CPC, a Autora alegou, dando por reproduzido o teor da petição inicial.
6. Ulteriormente, a 11 de janeiro de 2019, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu sentença (cfr. fls. 130 a 135), nos termos da qual decidiu julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou a Ré DSV Road A/S a pagar à Autora First Marine, S.A. a quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano, desde a data da citação e até integral pagamento.
7. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação.
8. A Autora contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
9. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de ……, de 14 de novembro de 2019:
“Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante”.
10. De novo inconformada, a Ré DSV Road A/S interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
“1ª – Vem a presente Revista para o Supremo Tribunal de Justiça interposta do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença da 1ª Instância.
2ª O recurso (neste caso, a revista) é sempre admissível uma vez que tem por fundamento (de entre outras) a violação das regras de competência internacional, conforme conjugação do nº 3, 1ª parte, do artº 671º, e 629º, nº 2, ambos do CPC.
3ª A revista é ainda admissível porque a 1ª instância, embora em forma tabelar, haja considerado que “O Tribunal competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia” (Sic.), omitiu, por completo e absoluto, qualquer fundamentação.
4ª Mais do que “fundamentação essencialmente diferente”, na previsão e terminologia do nº 3 do artº 671º do CPC, a Relação fundamenta a decisão sobre uma questão que a 1ª instância não fez, pelo que não se trata de fundamentação diferente, mas antes de uma fundamentação única e em primeira apreciação!
5ª É contra-natura e o senso comum, constituindo “um indecifrável enigma e insólita bizarria” que a Recorrida tenha decidido vir abrigar-se debaixo do tecto da jurisdição dos tribunais portugueses.
6ª Os tribunais portugueses são incompetentes, em razão da competência internacional, para conhecer e julgar o caso em apreço, quer porque in casu se não verifica nenhum dos elementos de conexão previstos nos artºs 62º e 63º do CPC (nem as partes celebraram pacto atributivo de jurisdição), quer porque de acordo com as “Competências Especiais” previstas no artº 7º do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a jurisdição internacionalmente competente é a Dinamarca.
7ª Também não é aplicável ao presente caso o artº 31º da Convenção CMR.
8ª O elemento de conexão do “local do carregamento” é absolutamente inócuo e irrelevante para a caso em apreço, sendo que o expedidor, ou seja, a vendedora Syrache Mode que está sediada no local onde se deu o carregamento, não é parte na acção, tendo apenas vendido as mercadorias à empresa dinamarquesa Masai e recebido o preço, pelo que nada mais tinha a reclamar, nem reclamou.
9ª O litígio assenta num alegado incumprimento contratual decorrente do facto de parte das mercadorias não ter sido entregue ao destinatário, a empresa dinamarquesa Masai, local de entrega, o que nada tem a ver com o carregamento das mercadorias em Portugal!
10ª Ante as circunstâncias concretas do caso sub judice, é inequívoco que a jurisdição portuguesa não é a mais bem colocada para dirimir este litígio, não se vislumbrando que possa ter sido propósito do legislador facilitar o acesso aos tribunais portugueses por parte de cidadãos estrangeiros sem que exista um mínimo de conexão relevante.
11ª A Relação julgou improcedente este fundamento da apelação (incompetência absoluta dos tribunais portugueses), com base quer no artº artº 7º, nº 1, al. b), segundo travessão, do citado Regulamento nº 1215/2012, quer no artº 31º da Convenção CMR.
12ª A Relação não teve em consideração quer os princípios do Direito Privado Internacional, quer as regras que enformam a atribuição da competência internacional.
13ª As regras da competência internacional, e afora os casos em que os tribunais portugueses ou de outro(s) Estado(s)-Membro(s) da União Europeia são exclusivamente competentes (cfr. artº 65º do CPC e artº 24º do Regulamento 1215/2012), têm sempre por substracto fáctico um conflito de jurisdição (para o que aqui releva, em matéria civil ou comercial) entre dois ou mais Países/Estados-Membros, que reclama uma ponderação sobre qual das jurisdições é a mais bem colocada para dirimir um dado litígio.
14ª Salvo os casos de competência exclusiva pode afirmar-se que para que uma questão de competência internacional se coloque é mister, é requisito fundamental, que estejamos ante um litígio a dirimir entre cidadãos de dois ou mais Países/Estados-Membros.
15ª Carece de lógica, de racionalidade e de fundamento que se atribua jurisdição e competência aos tribunais portugueses para conhecer e julgar um pleito entre duas empresas dinamarquesas por incumprimento da obrigação da entrega das mercadorias na Dinamarca, sabendo-se, ademais, que a execução de uma sentença condenatória sempre terá de ser executada na Dinamarca!
16ª A Relação fez errado julgamento no enquadramento da questão sub judice na artº 7º, nº 1, al. b), segundo travessão, do Regulamento nº 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
17ª Em rigor até, a decisão da Relação está em oposição com o fundamento, pois que, considerando aplicável o segundo travessão da alínea b) do nº 1 do artº 7º do Regulamento nº 1215/2012, acabou por decidir em sentido contrário, ou seja, manifestamente contrário ou em contradição com a previsão da norma.
18ª Nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão que expressamente se invoca, com as legais consequências (cfr. artsº 666º, nº 1, e 615º, nº 1, alínea c), do CPC).
19ª O que está em causa na presente demanda, tal como a relação material controvertida vem configurada pela Apelada, é um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, que é um contrato de resultado que se materializa e concluiu com a entrega das mercadorias ao seu destinatário, que, no caso, devia ocorrer, como ocorreu (embora sem os cartões furtados), na Masai, em Copenhaga/Dinamarca.
20ª A Relação, ao considerar aplicável in casu o artº 7º, nº 1, al. b), do Regulamento nº 1215/2102, deveria ter considerado internacionalmente incompetentes os tribunais portugueses, por ser competente a jurisdição da Dinamarca, lugar onde, nos termos do contrato, o transporte devia ser prestado e concluído.
21ª À mesma conclusão se chega por via da alínea c) do nº 1 do artº 7º do Regulamento nº 1215/2012, que estatui que: “Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.
22ª De conformidade com as competências especiais da secção 2 do artº 7º do Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial os tribunais portugueses são incompetentes para conhecer e julgar o caso em apreço!
23ª E cumpre sublinhar que as disposições gerais do Regulamento nº 1215/2012 prescrevem que:
“1. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro” (artº 4º), e que:
“1. As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo (artº 5º).
24ª A revista é admissível também quanto à questão da falta de citação da Ré, aqui Recorrente.
25ª Em primeiro lugar, porque embora a 1ª instância, em forma tabelar, haja considerado a Ré “Regularmente citada”, omitiu por completo e absoluto qualquer fundamentação.
26ª É o Tribunal da Relação que, conhecendo da arguição daquela nulidade, confirma a regularidade da citação, mas desta feita com extensa fundamentação.
27ª Mais do que “fundamentação essencialmente diferente”, na previsão e terminologia do nº 3 do artº 671º do CPC, a Relação fundamenta a decisão sobre uma questão que a 1ª instância não fez, ou seja, não se trata de fundamentação diferente, mas antes de uma fundamentação única e em primeira apreciação!
28ª A citação é, segura e inequivocamente, um dos actos processuais de maior relevância e susceptível de gerar gravíssimas consequências se ocorrer a sua falta ou, se efectuada, for irregular ou nula por preterição de formalidades prescritas na lei, podendo conduzir, no limite, a uma condenação judicial assente e fundada numa suposta revelia absoluta do réu, como ocorreu in casu!
29ª A regularidade, validade, certeza e segurança de uma citação ordenada por um Tribunal de um Estado-Membro noutro Estado-Membro da UE, no caso, tribunal português na Dinamarca, não só constitui uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como tem subjacentes interesses de particular relevância social (cfr., alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do CPC).
30ª A Relação, e também a 1ª Instância, ao contrário do que se prevê nos artºs artigos 230º, nº 1(aplicável ex vi artº246º) e 569º, nº 1,ambos do CPC, considerou a citação efectuada sem que o aviso de recepção tivesse sido devolvido e incorporado nos autos, e que se iniciou e correu o prazo para a Ré contestar.
31ª Perante um acórdão proferido por uma Relação que sufraga um entendimento que afronta e contraria o que está previsto em normas legais expressas, é inquestionável que a apreciação da questão em apreço, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
32ª A Relação labora num outro erro de julgamento, pois que na subsunção que faz do caso em apreço ao artº 14º do Regulamento nº 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, descontextualiza e desfoca, por completo, a previsão legal e o sentido e o alcance da norma.
33ª O caso em apreço, pura e simplesmente, não é subsumível na previsão do citado artº 14º do Regulamento nº 1393/2007, não se contém na fattispecie legal dessa norma.
34ª O próprio TJUE, no acórdão citadono acórdão recorrido, convém em que o aviso de recepção da carta registada constitui um elemento de prova da recepção do ato judicial citado ou notificado, embora sustentando, do mesmo passo, que uma citação ou notificação pelos serviços postais não tem necessariamente de ser efetuada por carta registada com aviso de recepção, podendo sê-lo por documento equivalente.
35ª O TJUE entende que o meio alternativo de transmissão do ato deve apresentar o mesmo nível de certeza e de fiabilidade que uma carta registada com aviso de recepção, no que respeita tanto à recepção do acto pelo seu destinatário como às circunstâncias desta.
36ª Resulta do entendimento do TJUE sobre o campo de previsão do artº 14º do Regulamento nº 1393/2007 que os Estados-Membros, ao procederem directamente pelos (seus) serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, devem, em princípio, optar pelo recurso a carta registada com aviso de recepção.
37ª De onde resulta que é no momento em que tem de fazer directamente uma citação ou uma notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro que o Estado-Membro tem de optar por qual dos meios alternativos opta: fá-lo com recurso ao princípio-regra da carta registada com aviso de recepção? Ou recorre a outro meio alternativo ou substitutivo?
38ª Acontece que o Tribunal da 1ª Instância, para fazer a citação da Ré fez clara e inequívoca opção pela regra da carta registada com aviso de recepção, não tendo optado por meio “equivalente” e substitutivo ou alternativo.
39ª Se o Tribunal optou por esse meio, como optou, é manifesto e insofismável que apenas a devolução do aviso de recepção constitui elemento de prova certo e seguro de que a citação foi regularmente efectuada.
40ª Está vedado à Relação “juntar o melhor dos dois mundos” ou fazer uma espécie de “cocktail” dos procedimentos próprios e da soberania de cada um dos Estados-Membros, o de origem (Portugal) e o da citação (Dinamarca).
41ª Se o tribunal da 1ª Instância optou pela carta registada com aviso de recepção para citar a Ré, não podia tornar dispensável a devolução do mesmo, e, se este não foi devolvido, o que se impunha ao tribunal era que repetisse a citação, fosse novamente por carta registada com aviso de recepção ou com recurso a meio equivalente, podendo, ainda, pedir intervenção das autoridades competentes do Estado-Membro do local da citação, ou seja, a Dinamarca.
42ª Não tendo sido devolvido o aviso de recepção, e, por conseguinte e mais impressivamente, não se mostrando assinado o aviso de recepção que acompanhou a citação, não se inicia nem corre o prazo para o Réu contestar, como, inequívoca e inexoravelmente, flui do disposto nos artigos 230º, nº 1, aplicável ex vi artº 246º, e 569º, nº 1, ambos do CPC.
43ª Constitui uma realidade indiscutível e insofismável, à luz da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência portuguesas, e já agora das regras da experiência, que nenhum tribunal português aceitaria como válida e regular uma citação mandada efectuar em Portugal por carta registada com aviso de recepção se este não for devolvido ao tribunal! Ainda que que o funcionário dos CTT pudesse vir dizer que entregou a carta.
44ª Não tendo sido devolvido o aviso de recepção, estava vedado ao tribunal presumir que a citação foi feita regularmente, pois que não há citação por carta registada com aviso de recepção sem que este seja devolvido ao tribunal citante.
45ª O facto de o aviso de recepção não ter sido devolvido não deixa perceber o que terá ocorrido com a carta de citação: foi recusada a assinatura do aviso de recepção? a carta foi entregue à citanda? ou a um terceiro? se foi a um terceiro, foi-lhe feita advertência de que a devia entregar prontamente à citanda e referida a respectiva cominação? quem assinou o documento interno dos correios dinamarqueses constante dos autos? em que qualidade terá assinado esse documento? Representava a Ré?
Nada resulta dos autos que permita tirar conclusões, nem dar como provados quaisquer factos a este respeito.
46ª Não pode deixar de concluir-se que o acto de citação da Ré foi completamente omitido, ocorrendo nulidade de tudo quanto se processou depois da petição inicial, por a Ré não ter sido citada.
47ª Prevê, ainda, o nº 2 do artº 682º do CPC que “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º”.
48ª Decorre dos citados preceitos legais a admissibilidade da presente revista visando a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
49ª Tendo em conta as limitações/restrições legais para a interposição do recurso de revista, a Recorrente mantém, porque apenas só quanto a esses pode manter, este fundamento no que concerne aos factos constantes de 1, 2, 19 e 20 da Fundamentação de Facto.
50ª Os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são os documentos (8) juntos com a PI.
51ª A decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto aqui impugnadas (factos constantes de 1, 2, 19 e 20 da Fundamentação de Facto) deve ser a de dar esses factos como não provados.
52ª A constituição de sociedades, o seu objecto social e a sua sede estão sujeitas por lei a documento escrito, legalmente denominado por “Contrato de Sociedade”, como estabelece o artº 7º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
53ª Uma sociedade não tem existência jurídica sem a celebração do respectivo contrato de sociedade, ou, noutra formulação, sem contrato de sociedade não há sociedade, sendo certo, ademais, que do Contrato de Sociedade devem constar obrigatoriamente, de entre outros elementos, o seu objecto e a sua sede, conforme artº 9º, nº 1, do CSC.
54ª Nos termos do artº 5º do CSC, as sociedades só gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem.
55ª Nos termos do nº 1 do artº 3º do Código do Registo Comercial, a constituição das sociedades comerciais está sujeita a registo obrigatório.
56ª Não se aceita por absoluta falta de fundamento o entendimento que foi sufragado pela Relação no sentido de que a constituição e funcionamento da autora e ré se regem pela lei dinamarquesa e que para demonstração dos factos referentes à sede e ao objecto das sociedades autora e ré não exige a lei formalidade especial, nem pressupor que só possam ser provados por documento escrito.
57ª Invocar a Relação que as sociedades autora e ré se regem pela lei dinamarquesa só poderia ter algum efeito útil e procedente se ela, a Relação, conhecer essa lei e souber que a mesma, ao contrário da portuguesa, não exige a formalidade de documento escrito para a sua constituição, no caso o contrato de sociedade, e dispensa o registo definitivo do contrato pelo qual se constituem para gozarem de existência e personalidade jurídicas!
58ª A Relação nada refere sobre isso, nada refere sobre se conhece e domina ou não a lei dinamarquesa, pelo que não pode prevalecer um juízo que sempre será meramente opinativo, especulativo ou conjectural, sem qualquer relevância jurídica ou processual.
59ª O que não podiam as instâncias era dar como provados factos num processo judicial a correr termos em Portugal que, de acordo com a Lei Portuguesa, carecem de forma escrita, ou seja, factos para cuja prova se exige documento escrito, sem que essa prova haja sido feita.
60ª A falta de impugnação dos factos da P. I. é insusceptível de dar os factos 1 e 2 da Fundamentação de Facto como provados, sendo certo que nem sequer se trata de confissão judicial expressa e/ou escrita (cfr., a contrario, artº 364º, nº 2, do Código Civil)!
61ª A Relação, ao fazer o enquadramento desta questão, cita, acertada e correctamente, a alínea d) do artº 568º do CPC e o artº 364º do Código Civil, (“Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”) mas acaba por tomar decisão que está em oposição com esses fundamentos.
62ª Em rigor, o acórdão recorrido enferma de nulidade enquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão, nos termos conjugados do nº 1 do artº 666º e da alínea c) do nº 1 do artº 615º ambos do CPC, que expressamente se invoca com as legais consequências!
63ª A Relação não podia dar como provados os factos 19 e 20 da Fundamentação da Facto, concretamente, que a Masai Clothing celebrou com a autora, como seguradora, um contrato de seguro para cobertura dos riscos de perdas e danos ou de extravio resultantes do transporte de mercadorias (facto 19) e que aquela seguradora pagou à Masai € 117.137,89 que a sub-rogou nos direitos, faculdades e créditos sobre a ré, aqui Recorrente (facto 20).
64ª Os documentos 5 e 6 juntos com a Petição Inicial foram juntos em língua dinamarquesa, o nº 5, e em língua inglesa, o nº 6, sendo certo que não foi apresentada a sua tradução (cfr. artºs 133º e 134º do CPC).
65ª Não podiam, nem deviam, as Instâncias considerar esses documentos escritos em inglês e dinamarquês para dar como assentes e provados os factos 19 e 20 da Fundamentação de Facto, que devem ser tidos como não provados!
66ª A Relação considera que a 1ª instância “bastou-se com os documentos juntos sem a respectiva tradução, o que tem implícito um juízo de desnecessidade da sua tradução” (Sic.).
67ª Constituiria o mais puro dos arbítrios, e não mero poder discricionário, que os tribunais, seja ele qual for, pudessem dispensar a tradução de documentos em língua estrangeira, seja inglês, japonês, mandarim, russo ou dinamarquês, sem expressamente consignar nos autos não só que o tribunal tem por dispensável ou desnecessária a sua tradução, como fundamentar um tal despacho ou decisão.
68ª Como princípio e regra, temos que nos actos judiciais se usa a língua portuguesa, conforme dispõe o nº 1 do artº 133º do CPC, pelo que os documentos oferecidos e língua estrangeira carecem de tradução, devendo o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma parte, ordenar que o apresentante a junte, conforme dispõe o nº 1 do artº 134º do CPC.
69ª No caso de o juiz ter por dispensável ou desnecessária a tradução, deve dizê-lo de forma expressa e fazê-lo consignar fundamentadamente nos autos, assim possibilitando às partes exercer pronúncia e defesa sobre uma tal posição, o que não fez!
70ª Ter, agora, depois da sentença proferida, como implícito que, afinal, o tribunal teve por desnecessária a tradução, ofende os mais básicos princípios jurídicos, substantivos e processuais, para além de constituir um atropelo aos elementares direitos de defesa e de contraditório.
71ª Relembre-se que está em causa a celebração de um contrato de seguro (no ponto 5 da Fundamentação de facto) e uma sub-rogação (no ponto 6 da Fundamentação de facto).
72ª De acordo com o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16.04, que aprova o Regime
Jurídico do Contrato de Seguro, o segurador é obrigado a formalizar o contrato de seguro num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro, devendo a mesma ser datada e assinada pelo segurador e a apólice conter os elementos discriminados no artº 37º do mesmo decreto-lei (cfr., artº 32º do citado diploma).
73ª As citadas normas são absolutamente imperativas, não admitindo convenção em sentido diverso, como decorre do artº 12º, nº 1, do mesmo diploma legal.
74ª O argumento da Relação de que se têm de considerar esses factos provados mercê a revelia operante da Recorrente constitui uma flagrante violação quer da alínea d) do artº 568º do CPC quer o artº 364º do Código Civil, que dispõe que “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”.
75ª E não se obtempere com a circunstância de a Recorrida ter junto com a P.I. os docs. 5 e 6 para fazer prova desses factos, pois que os mesmos não foram traduzidos da língua dinamarquesa para a língua portuguesa, pelo que as instâncias não os tomaram, nem podiam ter tomado, em consideração, nem lhes deram, nem poderiam ter dado, qualquer crédito, sob pena de admissão e produção de prova nula!
76ª A Revista é ainda admissível com fundamento na contradição entre o acórdão proferido, e aqui recorrido, com, pelo menos, um outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, como nisso, aliás, convém e cita a própria Relação.
77ª Trata-se do Acórdão do STJ de 06.07.2006, in www.dgsi.pt , e que constitui o acórdão-fundamento, do qual aqui se junta cópia (cfr. Doc. 1).
78ª Os aspectos de identidade que determinam a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento resultam evidenciados no próprio acórdão recorrido, como se transcreve:
“Resumidamente, sobre o tema podemos elencar duas posições distintas:
i) Uma primeira, tem recusado a aplicação do art. 29º do CMR, por considerar que se não for provada a prática de conduta dolosa, mas tão só negligente, as causas exonerativas e limitativas da responsabilidade não devem ser excluídas, estribando-se para o efeito no facto de o nosso ordenamento jurídico não permitir a equiparação entre dolo e negligência.
A esse propósito, segundo o Ac. do STJ de 06.07.2006 (relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt, na esteira do acórdão do STJ de 17.05.2001 (relator Nascimento Costa), in CJ, T. II, p. 91, no caso de desaparecimento da mercadoria transportada as regras dos arts. 17.º e 23.º da C.M.R. só seriam de excluír se fosse permitido “(…) concluir com segurança que esse desaparecimento da mercadoria transportada as regras dos arts. 17º e 23.º da C.M.R., só seriam de excluir se fosse permitido “…” concluir com segurança que esse desaparecimento (das mercadorias) tenha resultado de acto voluntário do pessoal ao serviço da transportadora, susceptível de justificar o afastamento desse regime-regra (…)”, pois só nos casos de dolo ou falta equivalente – como sucede em ordenamento jurídico que tal contemple, como o francês, no caso da denominada negligência grosseira (faute lourde) – por parte do transportador, seria de aplicar art. 29.º da C.M.R.; no direito português, a equiparação da negligência grosseira ao dolo apenas teria surgido, pontualmente, como novidade, com a reforma processual civil operada em 1995/96, para o restrito efeito de condenação por litigância de má fé (cfr. art. 456º CPC), pelo que, havendo mera culpa do transportador, responderia este dentro dos limites estabelecidos no n.º 3 do art.º 23 da CMR.
ii) Uma segunda posição, expressa por exemplo no acórdão do STJ de 14/06/2011 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt, onde se entendeu que “uma falha que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”.
79ª O acórdão recorrido adere e sufraga a sua posição (que coincide e se identifica com a do Acórdão do STJ de 14.06.2011 que cita), nos seguintes termos:
“O fundamento em que se estriba esta segunda concepção enfatiza, assim, o princípio basilar erigido no nosso sistema jurídico de que também a mera culpa está abrangida pelo juízo de reprovavilidade que se erige como pressuposto da responsabilidade.
Propendemos para esta última corrente jurisprudencial porque julgamos ser a que melhor se coaduna com a letra e o espírito da Convenção.” (Sic.).
80ª A nossa discordância com este entendimento é total e absoluta, embora com todo o respeito pela jurisprudência quer do acórdão recorrido, quer da jurisprudência nele citada.
81ª Aliás, um dos arestos citados no acórdão recorrido (Ac. do STJ, de 30.04.2019, relatado pela Senhora Juíza-Conselheira Maria dos Prazeres Beleza), admite claramente a distinção entre dos dois conceitos e a relevância dessa distinção:
“…, de forma genérica e expressa – artigo 494º do Código Civil – , a lei portuguesa apenas prevê no âmbito da responsabilidade extra-contratual que o julgador possa fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade e atendendo a certos critérios que enumera – entre os quais se encontra o grau de culpabilidade do lesante –, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa; mas não se pode ignorar que o mesmo Código Civil considera relevante a distinção entre dolo e negligência em outros casos de responsabilidade contratual, (…), sendo naturalmente de responsabilidade contratual que estamos a falar, no caso; nem que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado por diversas vezes que a possibilidade de redução da indemnização, prevista no artigo 494º do Código Civil, é também aplicável no domínio da responsabilidade contratual.” (Sic., com sublinhados nossos).
82ª Os arestos citados no acórdão recorrido que entendem que a ordem jurídica portuguesa faz equiparação entre dolo e a mera culpa também no âmbito da responsabilidade contratual fazem-no por referência à imputação da responsabilidade, no sentido que o devedor que falta ao culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, abrangendo aqui “culposamente” a dimensão quer da mera culpa quer do dolo (cfr. artºs 798º e 799, nº 2, do CC).
83ª Na ordem jurídica portuguesa há norma expressa que prevê a “limitação da responsabilidade no caso de mera culpa”, como decorre do artº 494º do Código Civil, e de que a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza dá nota no acórdão citado do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2019.
84ª Conquanto que para a imputação da responsabilidade contratual o legislador se baste com a “culpa” lato sensu (abrangendo o dolo e a mera culpa), na fixação da inerente indemnização nada proíbe, antes se consigna, que se faça destrinça entre o dolo e a mera culpa, como se prevê expressamente no já citado artº 494º do CC, que se tem por aplicável à responsabilidade contratual.
85ª A norma do nº 1 do artº 29º da Convenção CMR, ao negar ao transportador o benefício das normas que excluem ou limitem a sua responsabilidade no caso de ter actuado com dolo, é perfeitamente compatível e harmónica com a ordem jurídica portuguesa.
86ª Ou seja, no caso de actuação com dolo, o transportador responde pela integralidade dos danos, de acordo com a teoria da diferença, nos termos do artº 29º da Convenção CMR; e, no caso da sua falta ser devida a mera culpa ou negligência, aplica-se o limite da responsabilidade do nº 3 do artº 23º da mesma Convenção (ver, por todos, os seguintes arestos jurisprudenciais: (Acórdão da Relação Porto, Proc. 403/11.2TBMAI.P1, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf); (Acórdão da Relação de Guimarães, Proc. 3381/11.7TBGMR.G1, in www.dgsi.pt/jtrg.nsf); (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2015), in www.dgsi.pt/jtrg.nsf):
“Dolo e mera culpa são duas figuras distintas, que não se confundem no âmbito da responsabilidade civil, pelo que a exclusão da aplicação da limitação de responsabilidade estabelecida no art.º 23, n.º 3, da Convenção CMR apenas ocorrerá caso o credor da indemnização logre demonstrar o dolo do transportador (art.º 342, n.º 1, do CC), não sendo bastante, pois, para tal efeito a simples não elisão da presunção de culpa referida em V.” (Revista n.º 4657/04 - 2.ª Secção Abílio Vasconcelos (Relator) Duarte Soares Ferreira Girão).
87ª Nenhum facto resultou provado de onde possa retirar-se ou extrair-se que o condutor previu ou prefigurou o furto como possível e se haja conformado com esse resultado, pelo que afastada fica uma sua conduta conscientemente culposa e, muito menos, grosseiramente negligente ou temerária.
88ª Impõe-se dizer que a Recorrente não apresentou qualquer justificação para a forma e modo como foi efectuada a paragem, muito simplesmente porque não foi válida e regularmente citada, e, mercê essa nulidade, não pôde deduzir contestação ou defesa, como acima se deixou invocado.
89ª Esse facto, por si só, não releva para apreciar a conduta do condutor do camião, se boa, meramente negligente ou grosseiramente negligente, pois que, para que esse facto pudesse ser procedentemente oposto à Recorrente, careceria da prova de um outro facto: o de que o condutor tinha conhecimento da existência dos dois parques vigiados na proximidade do local onde aparcou e pernoitou, o que não foi alegado, nem, obviamente, provado!
90ª Apenas foi alegado que dois outros parques vigiados existiam próximo
(seja lá essa a distância que for…), mas nada se alegou quanto ao conhecimento da Recorrente ou pelo motorista do camião dessa realidade/facto.
91ª Nenhum facto foi alegado nos autos, nem produzida qualquer prova, quanto à dimensão ou ao volume da frequência dos assaltos a cargas transportadas em veículos de transporte internacional.
92ª Se porventura se tratar de facto de que a Relação tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, deveria ter junto ao processo documento que comprovasse esse facto, em rigor um mero juízo conclusivo, o que não fez! (cfr. artº 412º, nº 2, do CPC).
93ª Não há qualquer estudo estatístico publicado, não é conhecida qualquer cifra ou percentagem da relação entre os furtos ocorridos anualmente em transportes internacionais por estrada e as centenas de milhão de transportes que anualmente (ao longo de todos os dias, semanas e meses) são efectuados.
94ª Os furtos ou roubos que ocorrem nas auto-estradas constituem um risco associado à deslocação/expedição de mercadorias e, como tal, correm por conta do expedidor ou do destinatário e não do transportador.
95ª Quem tem o ónus de fazer seguro de carga ou contra os riscos de furto e roubo de mercadorias é o expedidor ou o destinatário e não o transportador.
96ª Foi o que fez no caso em apreço o destinatário das mercadorias, que, a coberto do seguro, acabou por receber da seguradora o valor das mercadorias perdidas, mas, isso não faculta à seguradora vir alterar as regras do risco e exigir que seja a transportadora a assumi-lo!
97ª A Relação, e a 1ª instância, não podia avaliar com rigor e critério se a conduta do motorista foi a adequada e aquela que se lhe exigia.
98ª Basta pensar que tendo ele de pernoitar, atenta a natureza fisiológica do descanso, e tendo chegado a hora para o efeito e desconhecendo ele a existência dos 2 parques vigiados, a conduta diligente, cuidadosa e prudente que se lhe impunha era exactamente a tomou de parar ali, em vez de prosseguir estrada fora rolando sob o risco do desconhecido, o mesmo é dizer desconhecendo a existência de outra área de descanso próxima, vigiada ou não!
99ª O que resultou provado foi que o condutor do camião da transportadora Krosera UAB, que foi quem executou materialmente o transporte, imobilizou o veículo para pernoitar numa área de descanso numa auto-estrada em Espanha.
100ª Nada permite a conclusão que o tribunal a quo tirou de que o condutor não podia “ter deixado de admitir como possível o desaparecimento da mesma pelo furto, embora tenha confiado, levianamente, de que tal se não verificaria”!
101ª A Relação, e a 1ª Instância, decidiu errada e incorrectamente ao afastar o limite da indemnização a cargo do transportador previsto no artº 23º, nº 3, da Convenção CMR, por aplicação do artº 29º, nº 1, da mesma Convenção.
TERMOS EM QUE
deve ser dado provimento à presente Revista e, em consequência:
i) declarar-se a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecimento e julgamento da presente demanda por infracção das regras de competência internacional dos tribunais portugueses;
ii) declarar-se a falta de citação, e, por inerência, a nulidade de tudo quanto foi processado depois da petição inicial, por a Recorrente não ter sido citada;
EM TODO O CASO,
deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, dando como não provados os pontos 1, 2, 19 e 20 da Fundamentação de Facto, e, em consequência, julgar-se a acção improcedente, por não provada, e a Recorrente absolvida do pedido.
SE ASSIM SE NÃO ENTENDER,
deve declarar-se que a indemnização a pagar pela Recorrente à Recorrida está sujeita ao limite fixado no nº 3 do artº 23º da Convenção CMR”.
11. A Autora contra-alegou, expondo as seguintes Conclusões:
“1. A Autora na petição inicial requereu a condenação da Ré DSV no pagamento da quantia de € 117.137,89 acrescida de juros a 5%, desde a data da citação até integralmente pagamento, por indemnização decorrente da perda de mercadoria decorrente do transporte.
2. A Ré DSV foi regularmente citada, com a advertência da cominação legalmente imposta para a falta de contestação, e não contestou.
3. O Tribunal da 1ª Instância julgou a presente ação procedente por totalmente provada condenado a Ré DSV na quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano, desde a data da citação e até integral pagamento.
4. A Ré DSV interpôs recurso da decisão e a Autora contra alegou.
5. O Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida e mais uma vez a Ré DSV interpôs recurso.
6. O Tribunal português é internacionalmente competente por aplicação do artigo 31º n.º1 da Convenção CMR e do artigo 7.º n.º 1 alínea b) do Regulamento 1215/2012.
7. Para estarmos perante uma questão de competência internacional não é requisito fundamental que estejamos ante um litígio entre cidadãos de dois ou mais países há outros requisitos o lugar do cumprimento, o lugar do fato danoso…
8. No entender da Ré DSV o tribunal competente é o tribunal da Dinamarca na medida em que não existe pacto 47 atributivo entre as partes (arts. 62.º e 63.º do CPC), e o lugar do cumprimento da obrigação é unicamente o da entrega da mercadoria nos termos do artigo 7.º do regulamento 1215/2012, e não se aplicando o artigo 31.º da Convenção CMR.
9. Acresce que a Ré DSV alega nulidade do acórdão do Tribunal da Relação visto existir oposição entre fundamento e decisão nos termos do 666.º n.º 1 e 615.º n.º 1 alínea c) do CPC, isto é, ao aplicar o artigo 7.º n.º 1 alínea b) do regulamento 1215/2012 deveria ter considerado internacionalmente incompetente os tribunais portugueses por ser competente o tribunal da Dinamarca visto ser aí onde o transporte em causa devia ser prestado e concluído.
10.No entanto, “(…) tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição (…)”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (terceira Secção) de 11.07.2018.
11.O que significa que não existe nulidade na medida em que não há nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão do tribunal da Relação quanto à competência dos tribunais portugueses.
12.Os artigos 4.º e 5.º do Regulamento 1215/2012 não se aplicam à nossa hipótese em apreço.
13.O artigo 71º do regulamento 1215/2012 estipula que o mesmo não prejudica as Convenções em que os Estados membros são partes, e que em matérias especiais regulem a competência judiciária…
14.E, assim, face ao caso concreto aplicamos a Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR) que é uma Convenção especial.
15.Ora, ao abrigo do artigo 31.º da Convenção CMR a Autora pode escolher um dos vários elementos de conexão previsto no nº 1 desse artigo. Um desses elementos de conexão é o lugar de carregamento. Na nossa hipótese o lugar do carregamento (entenda-se lugar da tomada da mercadoria a cargo do transportador) da mercadoria foi em Esmeriz, Portugal.
16.Levando a que o Tribunal português seja internacionalmente competente ao abrigo da alínea b) do artigo 31, nº 1 da Convenção CMR.
17.A Ré DSV alega que o transporte de mercadorias internacional por estrada estabelece-se por uma relação de compra e venda em que o vendedor está sediado num país e o comprador noutro e por isso o legislador prevê que o mesmo possa ser dirimido pelo país onde ocorreu o carregamento (onde está o expedidor) ou no país previsto para a entrega (onde está o destinatário), e no caso em apreço nada disto se passa.
18.A presente ação é interposta pela seguradora da destinatária da mercadoria contra o transportador, ambas estão sedeadas na Dinamarca, isto é, há muitos litígios subjacentes ao transporte de mercadorias internacionais que não se referem unicamente ao comprador e vendedor. A realidade é muito mais rica do que a Ré DSV pretende.
19.Ora, a Ré DSV não faz uma correta aplicação da Convenção CMR.
20.Na verdade, a Convenção CMR não faz qualquer restrição desde logo no âmbito de aplicação, no seu artigo 1.º teve o cuidado de estipular que se aplica independentemente do domicílio e nacionalidade das partes.
21.Bem como, o próprio artigo 31º da Convenção CMR, estipula unicamente que a Autora pode recorrer às várias jurisdições previstas no artigo, não restringindo o seu âmbito nem conteúdo.
22.O artigo 31.º não impõe qualquer condição (por exemplo que o lugar do carregamento/ tomada de mercadoria tem que ser o lugar onde ocorreu o facto gerador do incumprimento) simplesmente afirma que o Autor, demandante, de acordo com sua vontade pode usar um dos elementos de conexão previstos no artigo.
23. A Autora e a Ré DSV estão sedeadas na Dinamarca e as mercadorias deveriam ter sido entregues nas Dinamarca, mas é inegável, também, que o carregamento da mercadoria foi em Portugal!
24.A Autora realça mais uma vez o Acórdão do Tribunal de Justiça (terceira Secção) de 11 de julho de 2018 que demonstra que, ao contrário do alegado pela Ré DSV, não só está em causa o lugar de entrega da mercadoria-Dinamarca, mas também o lugar de expedição da mesma, neste caso Portugal.
25.Face ao acima exposto, o Tribunal português é internacionalmente competente ao abrigo do artigo 31.º da Convenção CMR e do artigo o artigo 7.º n.º 1 alínea b) do regulamento 1215/2012.
26.A Autora entende que o recurso de revista não é permitido quanto à falta de citação da Ré DSV.
27.A Ré alega que lhe é permitido recorrer com este fundamento por duas razões: o Tribunal da Relação utilizou uma fundamentação essencialmente diferente e decidiu sobre uma questão que a 1ª Instância não o fez, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º CPC; e, também, por se tratar de uma questão cuja relevância jurídica é claramente necessária para a aplicação do direito, nos termos da alínea a) do artigo 672 do CPC tendo subjacentes interesses de particular relevância social, alínea b) do n.1 do 672.º do CPC.
28.O tribunal da 1ª Instância fundamentou a sua decisão nomeadamente no despacho de 27.09.2018, e como tal não é válido o argumento de que o Tribunal da Relação fundamentou a decisão sobre uma questão que a 1ª Instância não o fez.
29.Bem como não é verdade que o tribunal da Relação tenha utilizado uma fundamentação diferente, ambas as instâncias utilizaram os mesmos fundamentos legais.
30.A falta de citação da Ré não se subsume nem na alínea a) nem alínea b) do n.º1 do artigo 672.º do CPC e, como tal, esta questão não poderá ser objeto de recurso de revista.
31.Em ambas as alíneas estamos perante conceitos indeterminados.
32. A Ré DSV não alegou motivos para que a decisão do Tribunal da Relação, além de prejudicar os seus interesses, ponha em causa interesses mais vastos de particular relevo social.
33.A questão em causa não constitui uma questão de direito cuja solução não é pacífica na doutrina nem na jurisprudência; nem estamos perante uma questão de manifesta dificuldade ou complexidade; nem tem implícito a aplicação de uma norma ou instituto jurídico suscetível de interferir com a segurança, a tranquilidade ou a paz social em termos de poder descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito.
34.O Tribunal da Relação, bem como o tribunal de 1ª Instância, visto a Ré DSV estar sedeada noutro país da União Europeia, aplicou o Regulamento EU n.º 1393/ 2007, aplicando-se diretamente o mesmo a Portugal e à Dinamarca.
35.E segundo o artigo 14º do referido regulamento as citações ou notificações podem ser realizadas por carta registada com aviso de receção ou por qualquer outro meio, desde que este lhe seja equivalente.
36.Conforme acórdão do TJUE de 2 de Março de 2017 (Décima Secção) processo C-354/15, quanto ao artigo 14 do Regulamento “deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que – o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova. Incumbe ao órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, certificar-se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa”
37.E, nesse sentido, o tribunal da Relação, e bem, tal como aliás o tribunal da 1ª Instância, considerou que o documento interno do país do destino com a assinatura da Ré DSV - visto porvir dos serviços postais da Dinamarca é idóneo, válido, oferecendo o mesmo nível de certeza e de fiabilidade que a assinatura aposta no aviso de receção que acompanha a carta registada de citação.
38.O tribunal utilizou um documento equivalente que superou o extravio do A/R conforme já alegado.
39.Na ordem jurídica portuguesa a citação postal considera-se efetuada no dia em que o aviso de receção ou documento equivalente se mostrem assinados.
40.A Ré DSV não alegou fatos nem demostrou que não assinou o documento interno da Dinamarca e que não tenha efetivamente recebido a citação.
41.A Ré DSV foi regularmente citada e como tal não há nulidade de todo o processado após a petição inicial.
42.A Autora entende que a impugnação da decisão sobre a matéria de fato alegada pela Ré DSV não é passível de recurso de revista, na medida em que não se subsume à exceção prevista no n.º 3 do 674.º do CPC.
43.O STJ só conhece da matéria de facto quando a sua decisão se traduza no controlo da aplicação de disposições legais que exijam “certa espécie de prova para a existência do fato” ou que fixem “a força de determinado meio de prova”, conforme Acórdão de 15-04-15,
44. A Autora em relação ao facto n.º 1 e n.º 2 da lista dos fatos assentes dirá o seguinte:
45.Não se aplicam as regras do Código das Sociedades Comerciais português às sociedades dinamarquesas.
46.No caso em apreço o Tribunal da Relação não tem de conhecer a lei dinamarquesa, mas simplesmente que o mesmo não pode aplicar às Sociedades em causa as regras do Código das Sociedades Comerciais como a Ré DSV pretende.
47.As sedes e a atividade da Autora e da Ré não são um facto que a lei exija formalidade especial nem pressupõe que só possam ser provados por documento escrito nos termos do artigo 364 do CC.
55 48.Mas, na verdade os fatos n.º 1 e n.º 2 foram também devidamente provados documentalmente pelos vários documentos juntos pela Autora, bem como pela própria procuração da Ré DSV ao ilustre mandatário e nas alegações apresentadas pela Ré DSV onde reconhece esse fato.
49.O Tribunal da 1ª Instância, bem como o tribunal da Relação, consideraram como assentes e provados o fato n.º 1 e o n.º 2 por confissão e com reforço na prova documental de fls.12-48 verso.
50.Os fatos alegados pela Autora foram considerados provados nos termos do artigo 567.º do CPC e não se subsumem a alínea d) do artigo 568.º do CPC.
51.Os fatos n.º1 e n.º 2 da lista dos fatos assentes não se subsumem ao artigo 364.º do CC na medida em que a lei não exige documento escrito para a prova dos mesmos.
52.No que respeita aos fatos n.º 19 e 20 a Autora dirá o seguinte:
53.Conforme decidiu o Tribunal da Relação não é relevante se estão ou não redigidos em língua estrangeira, não tendo sido apresentado contestação apesar de a Ré DSV ter sido regularmente citada tem-se por confessados os fatos por força do n.º 1 do artigo 567.º
54.Ou seja, uma vez que não se trata de factos cuja prova exija documento escrito, os mesmos ter-se-iam como confessados, mercê da revelia operante.
55.Acresce que, conforme jurisprudência do STJ, os documentos em língua estrangeira não carecem de tradução quando os mesmos sejam de fácil compreensão para o fim a que se destinam, conforme por exemplo o acórdão http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/97301c7055e43b67802583080034dcfe?OpenDocu men.
56.De facto, à partida, nos termos do artigo 134.º do CPC, a Autora deveria ter junto a tradução dos referidos documentos.
57.No entanto, “ (…) Tem-se entendido que a tradução dos documentos escritos em língua estrangeira não é obrigatória, apenas se impondo, quando necessário, não sendo o caso quando se trata de uma língua em geral acessível ao comum dos falantes da língua portuguesa, como é o caso da língua inglesa.(…)”
58.Como tal, as instâncias poderiam fundamentar também tais fatos com base nos documentos em Inglês e dinamarquês.
59.Ainda que se entenda que se exija um documento escrito para a prova dos fatos 19 e 20, caindo na exceção do artigo 568.º alínea d) do CPC mais artigo 364.º do CC.
60.A verdade é que a Autora ao juntar aos autos com a pi os documentos n.º 5 e n.º 6 fez prova bastante dos mesmos.
61.Salientando a Autora que o documento n.º 5 demonstra que a apólice de seguro em causa esta devidamente assinada pela seguradora e datada.
62.Como o tribunal da Relação afirma: “(…) A Apelante considera incorretamente julgados os factos considerados assentes [por confissão e com reforço na prova documental de fls. 12-48 verso) sob os itens 1, 2, 3, 9, 10, 17, 19, 20, 22 e 23 da fundamentação de facto.(…)
63.Como aliás também o tribunal de 1ª Instância também afirmou: “ (…) Estão pois assentes, por confissão e com reforço na prova documental de fls. 12-48 verso os seguintes factos: (…)”
64.O que significa que os fatos 19 e 20 devem ser considerados provados.
65.No que respeita à questão da indemnização a pagar pela 58 Ré DSV à Autora estar ou não sujeita ao limite do n.º 3 do artigo 23. da Convenção CMR a Autora dirá o seguinte:
66.A jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça tem decidido, e bem, que salvo se o transportador provar uma das cláusulas de exclusão contidas nos artigos 17, nº 2 e 18 da Convenção CMR o transportador será totalmente responsável independentemente do seu grau de culpa e não pode limitar a responsabilidade uma vez que existe uma presunção de culpa da parte do transportador.
67.Isto inclui dolo, conduta intencional, negligência grosseira ou negligência leve, i.e., culpa em termos de direito civil, ou seja, a lei portuguesa considera igual para efeitos de quebra da limitação tanto a conduta intencional como a negligência.
68.Nesse sentido a Autora menciona vários acórdãos do artigo 135,º ao 141.º das presentes alegações que demonstram esta corrente.
69.O fundamento desta posição prende-se com o princípio que no nosso sistema jurídico também a mera culpa está abrangida pelo juízo de reprovação que é pressuposto da responsabilidade.
70.A equiparação entre dolo e mera culpa prevista no n.º1 do artigo 483 do CC, embora expressamente formulada para a responsabilidade extracontratual, se estende seguramente à responsabilidade contratual, abrangendo o conceito de falta culposa referida no artigo 798.º CC
71.Não se poderá sustentar que a presunção do n.º 1 do 799.º CC será ilidida com a demonstração que o incumprimento do devedor resultou de um ato negligente.
72.Ao conceito genérico de culpa para efeitos civis não interessa a distinção entre dolo e negligência que, atendendo aos momentos intelectivo e volitivo, estabelece uma graduação que vai do dolo direto à negligência inconsciente. Antes relevando como seu critério delimitativo, dentro da mera culpa, a referida diligência do bonus pater familias.
73.A Ré DSV ou faz prova de uma das cláusulas de exclusão contidas nos artigos 17.º nº 2 e 18.º da Convenção CMR ou, como transportador, será considerada totalmente responsável independentemente do seu grau de culpa (conduta intencional ou dolo ou negligência grosseira ou ligeira, i.e., culpa) e não poderá limitar a responsabilidade uma vez que existe uma presunção de culpa do lado do transportador.
74.Uma vez que a Ré não contestou, apesar de ter sido regularmente citada, não alegou nenhuma justificação (até de que o motorista não tinha conhecimento dos 2 parques vigiados mas que deveria ter) e nesse sentido o tribunal da 60 Relação não pode ponderar que não era exigível que o motorista estacionasse o camião num desses parques vigiados por a procura desses parques por em causa por exemplo as horas de descanso.
75.A frequência de assaltos a cargas transportadas em veículos de transporte internacional é um fato notório que não carece de prova nem de alegação, visto ser de conhecimento geral nos termos do n.º 1 do artigo 412.º do CPC.
76.A Ré DSV agiu com negligência grosseira quando estacionou numa área de descanso que não tinha nem vigilância sem segurança, tendo perfeita noção que a carga era valiosa e que estava protegida por um oleado que facilmente poderia ser cortado, e de acordo com a jurisprudência portuguesa atual, e com as decisões mais recentes dos tribunais portugueses sobre este tema, a Ré DSV não pode limitar a sua responsabilidade.
77.Nestes termos requer-se aos Excelentíssimos Venerandos Desembargadores que mantenham a decisão do tribunal da Relação quanto à não aplicação do limite previsto no artigo 23.º da Convenção CMR.
Nestes termos, e nos demais de direito que os Juízes Conselheiros doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se assim o acórdão do tribunal da Relação em conformidade com o acima exposto”.
12. A Ré DSV Road A/S, na sua interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de ….. de 14 de novembro de 2019, nas conclusões 17.ª, 18.ª, 61.ª e 62.ª das suas alegações, suscitou a(s) nulidade(s) da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos dos arts. 666.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. c) do CPC (cfr. fls. 255 e ss.):
“17ª Em rigor até, a decisão da Relação está em oposição com o fundamento, pois que, considerando aplicável o segundo travessão da alínea b) do nº 1 do artº 7º do Regulamento nº 1215/2012, acabou por decidir em sentido contrário, ou seja, manifestamente contrário ou em contradição com a previsão da norma.
18ª Nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão que expressamente se invoca, com as legais consequências (cfr. artsº 666º, nº 1, e 615º, nº 1, alínea c), do CPC)”
“61ª A Relação, ao fazer o enquadramento desta questão, cita, acertada e correctamente, a alínea d) do artº 568º do CPC e o artº 364º do Código Civil, (“Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”) mas acaba por tomar decisão que está em oposição com esses fundamentos.
62ª Em rigor, o acórdão recorrido enferma de nulidade enquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão, nos termos conjugados do nº 1 do artº 666º e da alínea c) do nº 1 do artº 615º ambos do CPC, que expressamente se invoca com as legais consequências!”
13. A Autora/Recorrida First Marine, SA. contra-alegou, pugnando pela inverificação das referidas nulidades do acórdão (cfr. fls. 316 e ss.).
14. Por outro lado, havendo a Ré/Recorrente apresentado alegações, a 17 de dezembro de 2019, sem ter comprovado o pagamento da taxa de justiça, o que também não fez nos 10 dias subsequentes à prática daquele ato processual, por despacho sumário do Senhor Desembargador relator, de 15 de janeiro de 2020, foi decidido que “por força da comprovação tardia do pagamento da taxa de justiça (que é o critério erigido como decisivo pelos normativos em apreço, irrelevando para o efeito a data do efetivo pagamento), não está a recorrente dispensada do pagamento da multa liquidada pela Secção” (cfr. fls. 306 e 307 – Ref.ª 6813259).
15. Notificada desse despacho, a Ré/Recorrente requereu que sobre a matéria objeto do referido despacho recaísse acórdão (cfr. Ref.ª 34571273).
16. A Autora/Recorrida não respondeu.
17. Em conferência, a 27 de fevereiro de 2020, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:
“Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
- em indeferir a arguição de nulidades do acórdão recorrido;
- em julgar improcedente a reclamação apresentada pela recorrente, confirmando a decisão singular do juiz relator reclamada.
Custas a cargo da reclamante, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC (art. 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela II anexa)”.
II. Questões a decidir
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
a) (in)admissibilidade do recurso;
b) a (in)competência internacional dos tribunais portugueses;
c) a falta – ou não - de citação da Ré;
d) a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
e) a sujeição – ou não - da indemnização a pagar pela Ré à Autora ao limite fixado no n.º 3 do art. 23.º da CMR.
III. Fundamentação
A) De Facto
O Tribunal de 1.ª Instância deu como provados os seguintes factos:
“1. A autora é uma companhia de seguros sediada na Dinamarca.
2. A ré é uma empresa de transportes e logística também sediada na Dinamarca.
3. A empresa Syrache Moda, Lda. vendeu vestuário à empresa Masai Clothing Company APS no valor total de 269.241,96 €, assim discriminado:
- 2084 unidades de túnicas e vestidos embaladas em 36 cartões pelo valor de 21.052,89 €, conforme fatura n.º 016/178 datada de 22.07.2016 (163000);
- 2445 unidades de casacos embaladas em 183 cartões pelo valor de 38.386,50 €, conforme fatura 016/179 datada de 22.07.2016 (163008);
- 3400 unidades de gravatas, leggings, polares e saias embaladas em 65 cartões pelo valor de 25.790,40 €, conforme fatura 016/180 datada de 22.07.2016 (163017);
- 2316 unidades de top e túnicas embaladas em 36 cartões pelo valor de 19.603,45 €, conforme fatura 016/181 datada de 22.07.2016 (163012);
- 2804 unidades de top e túnicas embaladas em 67 cartões pelo valor de 26.691,90 €, conforme fatura 016/182 datada de 22.07.2016 (163022);
- 3546 unidades de túnicas e blusas embaladas em 76 cartões pelo valor de 30.827,81 € conforme fatura 016/183 datada de 22.07.2016 (163006);
- 9909 unidades de top, túnicas, casacos, calças e saias embaladas em 345 cartões pelo valor de 106.889,10 € conforme fatura 016/184 datada de 22.07.2016 (163023);
Tudo, num total de 26.504 peças de vestuário embaladas em 808 cartões.
4. A compra e venda foi feita mediante Incoterm FOT, ou seja, o risco de perda e dano causado por terceiro corria por conta do comprador após a entrega da mercadoria ao transportador, competindo-lhe celebrar o seguro de transporte e o transporte da mercadoria.
5. A Masai Clothing Company APS acordou com a ré, que aceitou, efetuar o serviço de transporte da referida mercadoria desde Esmeriz, Portugal, até Copenhaga, Dinamarca, mediante o pagamento de um frete.
6. As 26.504 peças de vestuário embaladas em 808 cartões deveriam ter sido entregues à Masai Clothing Company APS, em Copenhaga.
7. No entanto, só chegaram ao destino 16.082 peças em 515 cartões.
8. A mercadoria foi carregada a 22.07.2016 nas instalações da Syrache Moda, Lda., em Esmeriz, Portugal.
9. Durante a viagem, no dia 23.07.2016, em Espanha, o condutor fez uma paragem num local na “Route of Europa”, auto-estrada N-1 Iruna Oka, para pernoitar, mais concretamente, numa área de descanso que não tinha videovigilância, não vigiado ou guardado.
10. Enquanto o condutor pernoitava no referido local desconhecido(s) acedeu(ram) ao camião e levou(aram) 293 cartões com peças de vestuário.
11. O condutor podia ter pernoitado em 2 parques vigiados perto da área/parque de estacionamento que escolheu para pernoitar, sabendo-se que um desses parques vigiados até tinha grades delimitativas da zona de estacionamento.
12. O atrelado era de lona, de fácil corte.
13. Apenas a porta do reboque era de metal.
14. O condutor sabia que a mercadoria não estava segura.
15. A 01.08.2016 apenas chegaram ao destino 515 cartões com 16.082 peças. 16. Quem efetuou materialmente o transporte foi a Krosera UAB.
17. A empresa Dan Inspektion APS realizou uma peritagem a 26 de outubro de 2016 elaborando o Survey Report 1608189, do qual resulta que:
- Da fatura 016/178 (163000): das 2084 peças a Masai só recebeu 2057; - Da fatura 016/179 (163008): das 2445 peças a Masai só recebeu 1899; - Da fatura 016/180 (163017): das 3400 peças a Masai só recebeu 1997; - Da fatura 016/181 (163012): das 2316 peças a Masai só recebeu 2153; - Da fatura 016/182 (163022): das 2804 peças a Masai só recebeu 601; - Da fatura 016/183 (163006): das 3546 peças a Masai só recebeu 501; - Da fatura 016/184 (163023): das 9909 peças a Masai só recebeu 6874.
18. No mesmo relatório foi concluído que “Indivíduo não identificado cometeu furto da
mercadoria quando o camião se encontrava numa área de descanso em Espanha. Estima-
se que, neste caso, é negligência grosseira da parte do transportador, uma vez que: 1) considera-se que a carga é considerada de marca e de carácter facilmente convertível e o condutor tinha conhecimento desse facto (está indicado no conhecimento que em caso de entrega à Masai Clothing) 2) o condutor optou por permanecer na área de descanso apesar de, de acordo com as informações, não existir videovigilância.”
19. A Masai Clothing Company APS celebrou com a autora um acordo de seguro que cobre riscos de perdas e danos ou de extravio resultantes do transporte de mercadorias.
20. Na qualidade de seguradora da Masai Clothing Company APS, a autora pagou, a 30.01.2017, a quantia de DKK 872.009,57 (correspondente a 117.137,89 €) à sua segurada, tendo esta sub-rogado na autora todos os seus direitos, faculdades e créditos sobre a ré.
21. A Masai Clothing Company APS pagou o frete contratado à ré.
22. Apesar de interpelada, a ré não indemnizou a Masai Clothing Company APS pelos prejuízos sofridos por esta, o que levou a Masai Clothing Company APS a fazer uso do seu seguro de transporte terreste junto da autora, que culminou no pagamento referido em 20.
23. A autora interpelou a ré para que a compensasse dos danos sofridos pela sua segurada Masai Clothing Company APS”.
B) De Direito
(In)admissibilidade do recurso
1. A Ré DSV Road A/S interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de novembro de 2019, que confirmou integralmente a sentença do Tribunal de 1.ª Instância que, por sua vez, julgou a acção totalmente procedente, condenando a Ré a pagar à Autora First Marine, S.A. a quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.
2. Nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível recurso de revista-regra ou normal de acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.
3. No caso em apreço, tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães confirmado integralmente e sem voto de vencido a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, importa verificar se, apesar da coincidência decisória das Instâncias, o recurso de revista é admissível.
4. A Ré/Recorrente, nas conclusões das suas alegações de recurso, suscita quatro questões que foram objecto de apreciação autónoma no acórdão recorrido:
a) a incompetência internacional dos tribunais portugueses;
b) a falta de citação da Ré;
c) a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
d) a sujeição da indemnização a pagar pela Ré à Autora ao limite fixado no n.º 3 do art. 23.º da CMR.
Incompetência internacional dos tribunais portugueses
No que respeita à questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses, uma vez que a Ré/Recorrente fundamenta o seu recurso na violação das regras de competência internacional, independentemente da dupla conforme, o recurso de revista é sempre admissível nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC. Não existem, pois, nessa parte, obstáculos à admissibilidade do recurso.
(In)verificação das nulidades do acórdão recorrido com fundamento no art. 615º, n.º 1, al. c) ex vi do art. 666º, n.º 1 do CPC
1. Importa, pois, apreciar previamente a nulidade do acórdão recorrido invocada pela Ré/Recorrente, decorrente de alegada oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusões n.os 17 e 18), uma vez que essa nulidade respeita à parte da fundamentação relativa à competência internacional dos tribunais portugueses.
2. Em conferência, a 27 de fevereiro de 2020, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu “indeferir a arguição de nulidades do acórdão recorrido”.
3. As causas de nulidade de acórdão (art. 666º, n.º 1 do CPC), são aquelas taxativamente enumeradas no art. 615.º, n.º 1 do CPC.
4. Segundo o art. 615.º, n.º 1, al.c), do CPC, a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
5. A oposição entre os fundamentos e a decisão consubstancia.se num vício lógico do acórdão.
6. “Se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”[1].
7. Não se trata de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real)[2].
8. O vício em apreço também não se confunde com o assim denominado erro de julgamento, id est, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem, tão pouco, a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes apenas sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[3].
9. Efetivamente, quando, embora indevidamente, o julgador entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição entre os fundamentos e a decisão geradora de nulidade. Contudo, se o raciocínio constante da fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for retirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a nulidade referida[4].
10. À causa de nulidade em apreço subjaz a ideia, num modelo formal da estrutura e do funcionamento da norma jurídica, de que o acórdão deve constituir um silogismo judiciário, em que a premissa maior é representada pela norma, a premissa menor pela situação concreta subsumível à previsão ou hipótese da norma e a conclusão pela consequência jurídica plasmada na estatuição da norma. Sendo a consequência lógica daquelas premissas, não deve existir qualquer oposição entre a decisão jurisdicional e os seus fundamentos[5].
11. Note-se, nesta sede, que o método axiomático-dedutivo ou modelo de raciocínio jurídico lógico-dedutivo - considerado insuficiente - baseado na subsunção silogística e na imputação nunca afastou total e definitivamente a retórica e a argumentação como partes constitutivas da atividade jurídica.
12. Diferentemente do inculcado pela Ré/Recorrente, não existe qualquer oposição entre os fundamentos, de facto e de direito, e a decisão do Tribunal da Relação vertida no acórdão de 14 de novembro de 2019, designadamente na parte em que “considerando aplicável o segundo travessão da alínea b) do nº 1 do artº 7º do Regulamento nº 1215/2012, acabou por decidir em sentido contrário, ou seja, manifestamente contrário ou em contradição com a previsão da norma” (conclusão 17.ª).
13. Com efeito, conforme o acórdão impugnado[6]:
“(…)
Mas mesmo que se entendesse que as regras constantes do art. 31º, n.º 1, da CMR não eram aplicáveis a esta ação, chegaríamos sempre à mesma conclusão, por aplicação das regras do Regulamento n.º 1215/2012.
Como já demos nota, a regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no artigo 7º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do «lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados».
E o Tribunal de Justiça considerou já que, em caso de pluralidade de lugares de prestação de serviços em Estados-Membros diferentes, há que, em princípio, entender por lugar de cumprimento o lugar que assegura a conexão mais estreita entre o contrato e o órgão jurisdicional competente, situando-se essa conexão, regra geral, no lugar da prestação principal (…).
A respeito da mesma disposição, em caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado-Membro com destino a outro Estado-Membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora, o Tribunal de Justiça, após ter analisado os serviços cuja prestação correspondia ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas, concluiu que os únicos lugares que apresentam uma conexão direta com os referidos serviços, prestados no cumprimento das obrigações decorrentes do objeto do contrato, são os de partida e de chegada do avião (…).
E, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias, como o que está em causa no processo principal, a propósito de saber se deve considerar-se como lugar de prestação dos serviços, no sentido do art. 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 44/2001 (cuja interpretação dada pelo Tribunal de Justiça vale, como se disse, para o atual art. 7º n.º 2, alínea b), segundo travessão do Regulamento n.º 1215/2012), que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega da mercadoria mas também o lugar de expedição da mesma, o Tribunal de Justiça tomou já também posição concreta, através do citado acórdão de 11/07/2018, processo C-88/17, Zurich Insurance plc, e Metso Minerals Oy contra Abnormal Load Services (International) Ltd, ECLI:EU:C:2018:558.
(…).
Aplicando ao caso concreto a interpretação aí firmada – estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional –, o art. 7.º, n.º 2, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.
Deste modo, a ré poderá ser demandada para pagamento da peticionada indemnização nos tribunais dos Estados onde, nos termos do contrato, deveria ser prestado o serviço, sendo que quer o lugar de carregamento, como o lugar da entrega da mercadoria se subsumem ao conceito de lugares de prestação do serviço de transporte, nos termos daquele normativo do Regulamento.
Assim, quer por aplicação das regras da Convenção CMR (art. 31º, n.º 1), quer do art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar o presente litígio”.
14. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27 de fevereiro de 2020, os verdadeiros motivos das objeções assinaladas pela Ré/Recorrente ao acórdão recorrido residem, essencialmente, no erro de julgamento invocado – como, aliás, resulta expressamente da 16.ª conclusão[7] – respeitante quer à subsunção dos factos às premissas normativas, quer à interpretação destas (art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento (UE) N.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial[8]).
15. Não está em causa a violação da lei processual por parte do julgador na prolação da decisão recorrida, conforme refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. O que a Ré/Recorrente visa, através da arguição da nulidade com base na contradição entre os fundamentos e a decisão, é, efetivamente, discutir a bondade da própria decisão.
16. Com efeito, as objeções suscitadas pela Ré/Recorrente não são subsumíveis à previsão normativa do art. 615º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, porquanto os fundamentos desenvolvidos no acórdão recorrido não se encontram em oposição com a decisão.
17. O mesmo se diga a propósito da segunda nulidade imputada ao acórdão recorrido, relativa à demonstração dos factos considerados como provados sob os n.os1 e 2. A Ré/Recorrente refere que a “Relação, ao fazer o enquadramento desta questão, cita, acertada e correctamente, a alínea d) do artº 568º do CPC e o artº 364º do Código Civil”, se bem que conclua ter sido tomada “decisão que está em oposição com esses fundamentos”.
18. Uma vez mais, o que poderá estar em causa é um erro de julgamento, traduzido numa errada subsunção dos factos à norma jurídica ou um erro na interpretação da norma, o que, se se verificasse, seria suscetível de determinar a revogação do acórdão impugnado. Contudo, tal não se confunde com a nulidade do próprio acórdão, com base no art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC. Trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
19. Reitera-se que as nulidades da sentença/acórdão estão típica e taxativamente previstas no art. 615.º do CPC e nenhuma destas se refere ao erro de julgamento.
20. Conclui-se, assim, pela improcedência das nulidades do acórdão recorrido arguidas pela Ré/Recorrente com fundamento no art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, ex vi do art. 666º, n.º 1, do CPC.
Falta de citação da Ré, impugnação da decisão sobre a matéria de facto e sujeição da indemnização a pagar pela Ré à Autora ao limite fixado no n.º 3 do art. 23.º da CMR.
1. No restante, compulsado o teor das decisões das Instâncias, verifica-se a existência de dupla conformidade, uma vez que, para além de o Tribunal da Relação ter confirmado integralmente, sem voto de vencido, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, a fundamentação do acórdão recorrido não é essencialmente diferente da que foi utilizada na 1.ª Instância.
2. Tem sido reiteradamente entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça que a “fundamentação essencialmente diferente”, a que se refere o art. 671.º, n.º 3, do CPC, “não se basta com uma qualquer dissemelhança entre uma e outra das fundamentações em confronto, antes se exigindo que essa diferença seja essencial, o que não é o caso se a Relação aplicou as mesmas regras jurídicas em que assentou a decisão emitida na sentença”[9].
3. Quanto à sua falta de citação, a Ré/Recorrente invoca que apenas o Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou a decisão que incidiu sobre essa questão. Porém, tal como a Autora/Recorrida refere nas suas contra-alegações, o Tribunal de 1ª Instância fundamentou a sua decisão no despacho de 27 de setembro de 2018.
4. As decisões de ambas as Instâncias assentam no mesmo quadro normativo. Com efeito, no que concretamente respeita à citação da Ré, que tem a sua sede na Dinamarca, tanto o Tribunal de 1.ª Instância como o da Relação aplicaram o disposto no art 14.º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros, cuja aplicação foi estendida à Dinamarca por meio de um acordo paralelo entre a União Europeia e a Dinamarca, aprovado por decisão do Conselho de 27 de abril de 2006, alterada por decisão de 30 de novembro de 2009. Consideraram as Instâncias que, nos termos dessa norma comunitária, além de outras formas de transmissão de actos, “os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente”. Concluíram que, apesar de não ter sido devolvido o aviso de receção que acompanhou a citação da Ré/Recorrente, mostra-se documentada a sua efetiva entrega ao destinatário, por cópia do documento interno do país de destino com assinatura do recetor da citação, aposta no momento da entrega (cfr. fls. 118, traduzida a fls. 125-126).
5. No que respeita à falta de citação da Ré, na conclusão n.º 29 das suas alegações de recurso, a Recorrente alega que “a regularidade, validade, certeza e segurança de uma citação ordenada por um Tribunal de um Estado-Membro noutro Estado-Membro da UE, no caso, tribunal português na Dinamarca, não só constitui uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como tem subjacentes interesses de particular relevância social (cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC).”
6. Apesar de alegar, na conclusão n.º 29, fundamentos de revista excecional previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, em lado algum do seu requerimento de interposição de recurso ou no texto das suas alegações, a Ré/Recorrente manifesta o intuito de interpor essa modalidade de revista, ainda que a título subsidiário. Na verdade, a Ré/Recorrente omite qualquer referência à revista excecional, sustentando sempre que é admissível a interposição de revista-regra ou normal.
7. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “o requerimento de interposição do recurso de revista excepcional deve ser prévio e formalmente distinto da respectiva motivação, nele se devendo cumprir o ónus enunciado no n.º 2 do art. 672.º do CPC, sob pena de rejeição do recurso” [10]; “sendo inadmissível a revista normal e não tendo o recorrente identificado o recurso como revista excecional, nem declarado no respetivo requerimento as razões desta, falta a declaração de vontade para interposição da revista excecional, não podendo, como tal, conhecer-se do objeto do recurso (arts. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 3, do CPC)”[11].
8. Por conseguinte, não tendo a Ré/Recorrente interposto recurso de revista excepcional, não se justifica sequer a remessa dos autos à Formação.
9. Por seu turno, no que toca à impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Guimarães manteve inalterada a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal de 1.ª Instância e com o mesmo fundamento, assente na confissão de tal factualidade em virtude da falta de apresentação de contestação por parte da Ré.
10. Defendendo a admissibilidade da revista com vista à alteração da decisão sobre a matéria de facto, a Ré/Recorrente invoca o n.º 2 do art. 682.º do CPC, segundo o qual: “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º”. Em seu entender, o Tribunal da Relação de Guimarães não podia considerar como provada por confissão a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 19 e 20 da fundamentação de facto, uma vez que estão em causa factos que apenas podem ser provados por documentos.
11. Pode, todavia, dizer-se que a Ré/Recorrente não distingue o regime da admissibilidade do recurso de revista previsto no art. 671.º do CPC, de um lado e, de outro, a disciplina delimitadora dos fundamentos desse recurso, consagrada, no art. 674.º do CPC.
12. Efetivamente, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “o art. 674.º do CPCivil nada tem a ver com a questão da admissibilidade deste recurso de revista. É que uma coisa é a admissibilidade da revista (assunto que é regulado pelo art. 671.º do CPCivil), outra coisa é aquilo que não pode ser objeto da revista, posto que esta seja admissível. No primeiro caso o recurso não chega a ser aberto (não se conhece do seu objeto), no segundo caso o recurso é aberto, apenas acontece que improcede se não se contiver dentro dos limites dos fundamentos legais da revista. Fala-se nisto para que fique claro que o presente recurso é havido como inadmissível apenas por estar formada uma situação de dupla conforme e não também por causa do disposto no referido art. 674.º, que, pois, nada tem a ver com o caso”[12].
13. Por último, quanto ao mérito da ação, a fundamentação das decisões das Instâncias é igualmente convergente, pois em ambas se considerou que o transportador é responsável pela perda total ou parcial que ocorrer entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega e que o incumprimento do contrato de transporte consubstancia um facto ilícito. Consideraram também que no caso de perda parcial da mercadoria transportada, o transportador que aja com negligência consciente e culpa grave não beneficia da exclusão ou limitação da responsabilidade civil prevista na CMR. Nestes moldes, ambas as Instâncias decidiram que a indemnização devida compreende o valor total da mercadoria perdida ou desaparecida.
14. Assim, a fundamentação das decisões do Tribunal de 1.ª Instância e do Tribunal da Relação não só não é essencialmente diversa como é essencialmente idêntica.
15. Ainda sobre a questão respeitante ao limite da indemnização, previsto no n.º 3 do art. 23.º da CMR, a Ré/Recorrente fundamenta a admissibilidade do seu recurso na contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2006 (Oliveira Barros, proc. n.º 1679/06), o que poderia ser subsumível ao art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC. A Ré/Recorrente juntou, com as suas alegações, uma mera impressão do referido acórdão disponível no sítio da DGSI, sem anexar, contudo, certidão comprovativa do respectivo trânsito em julgado. Este poderá, por analogia com a situação prevista no art. 688.º, n.º 2, do CPC, ainda assim, presumir-se. Apesar de no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, se prever apenas a contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação, entende-se que, por maioria de razão, será relevante, para integrar a sua hipótese, a contradição que se estabeleça com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[13].
16. Porém, importa apreciar se, no caso concreto dos autos, é ou não aplicável o disposto na norma do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, segundo a qual, “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (…) d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”
17. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que no “motivo estranho à alçada do tribunal” não se inclui a dupla conformidade de decisões prevista no art. 671.º, n.º 3, do CPC. Ou seja, “o recurso prescrito na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo STJ – como por exemplo, em sede de insolvência (art. 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (art. 66.º, n.º 5, do CExp) ou providências cautelares (art. 370.º, n.º 2, do CPC). Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações seria admissível uma revista ordinária, não havendo nenhuma necessidade de prover para a mesma situação uma revista excecional”[14].
18. Assim, a oposição de julgados prevista no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC permite a admissibilidade de recurso de revista quando está em causa um tipo de litígio relativamente ao qual o legislador excluiu, por princípio, o recurso de revista, como sucede nos casos exemplificados supra (procedimentos cautelares ou processos de jurisdição voluntária). Não é, porém, manifestamente o caso destes autos, em que o recurso ordinário é consentido, apenas obstando à admissibilidade do recurso de revista-regra ou normal a dupla conforme entre as decisões das Instâncias nos termos referidos[15].
19. Deste modo, não se subsumindo o caso sub judice às hipóteses mencionadas supra, a eventual contradição de julgados alegada pela Ré/Recorrente nunca conduziria à admissibilidade de recurso de revista, com base na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC. Esta norma não é, assim, aplicável ao caso concreto dos autos.
20. Aquela eventual oposição de julgados, invocada pela Ré/Recorrente, seria já suscetível de constituir fundamento do recurso de revista excepcional, nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC. Todavia, conforme referido supra, a Ré/Recorrente nunca manifestou no requerimento de interposição de recurso ou nas respetivas alegações qualquer vontade de intentar recurso de revista excepcional, nem nada mencionou a esse respeito, ainda que a título subsidiário para o caso de não ser admissível a revista-regra ou normal.
Em suma, o recurso de revista apenas é admissível no que respeita à apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses, nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, sendo, no mais, legalmente inadmissível por se verificar a dupla conformidade decisória entre o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação.
(In)competência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar o litígio sub judice
1. Está em causa um contrato de transporte rodoviário de mercadorias, regulado internamente pelo DL n.º 239/2003 de 4 outubro.
2. Mediante a celebração de um contrato de transporte rodoviário, uma das partes obriga-se perante outrem, via de regra o expedidor ou o destinatário, a deslocar, por veículos rodoviários, determinadas coisas (mercadoria) de um local para o outro. É, em geral, um contrato oneroso.
3. Trata-se de um contrato internacional, porquanto o ponto de partida (onde a mercadoria foi carregada – Esmeriz/Portugal) e o lugar de entrega (Copenhaga/Dinamarca) da mercadoria se situam em países diferentes. Está, por isso, sujeito à disciplina consagrada na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada Convenção (CMR - Convention de Transport International de Marchandises par Route) e não ao DL nº 239/2003.
4. A ação foi intentada por uma companhia de seguros sedeada na Dinamarca contra uma empresa de transportes e logística também sedeada na Dinamarca, tendo como causa de pedir a sub-rogação, emergente do pagamento a terceiro, segurado da Autora, de indemnização decorrente da perda (furto) de mercadoria ocorrida (em Espanha) em transporte rodoviário contratado com a Ré, por culpa desta, tendo sido o carregamento de mercadorias realizado em Portugal e devendo as mercadorias ser entregues na Dinamarca. Estamos, indiscutivelmente, perante um litígio emergente de uma relação jurídica plurilocalizada no espaço.
5. A “competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”[16].
6. De acordo com a maioria da doutrina, a competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial[17].
7. Por seu turno, conforme o art. 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26/08, a “lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais” e a “competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38.º, n.º 1).
8. Segundo o art. 59.º do CPC, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
9. Assim, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, desde logo, do que resultar de convenções internacionais (verbi gratia, CMR) ou dos regulamentos europeus (verbi gratia, Regulamento (UE) N.º 1215/2012) e, depois, dos arts. 62º e 63º do CPC, sem prejuízo do que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do art. 94º do CPC[18].
10. “Coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional directa impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (directa), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro”[19]. Muito diferentemente, “as regras que determinam a competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos” arts. 62º e 63º do CPC “são unilaterais, pois só fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras”[20].
11. Porém, a disciplina interna da competência internacional consagrada no CPC apenas se aplica quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do direito europeu, que é de fonte hierarquicamente superior, tal como também decorre do princípio do primado do direito europeu (art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; art. 8.º, n.º 4, da CRP; art. 59.º, 1ª parte, do CPC)[21].
12. O direito europeu constitui um sistema de normas disciplinadoras da vida jurídica da sociedade “europeia”, cuja aplicação se torna diretamente vinculativa na ordem interna dos Estados-Membros[22].
13. Na nossa ordem jurídica vigoram, assim, normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual, relevando para o caso sub judice:
13.1. O Regulamento (UE) N.º 1215/2012
Inicialmente, a Dinamarca não ficou nem vinculada e nem sujeita à aplicação deste Regulamento (arts. 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 sobre a posição da Dinamarca, anexo ao TUE e TFUE).
Porém, em observância do art. 3.º, n.º 2, do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca, de 19 de outubro de 2005, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, “a Dinamarca notificou à Comissão, por ofício de 20 de dezembro de 2012, a sua decisão de aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012”. Deste modo, este Regulamento é atualmente aplicado às relações entre a União Europeia e a Dinamarca[23].
Nos termos do décimo considerando do Regulamento N.º 1215/2012, o “âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial, com exceção de certas matérias bem definidas, em particular as obrigações de alimentos, que deverão ser excluídas do âmbito de aplicação do presente regulamento na sequência da adoção do Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (…)”.
No que respeita ao seu âmbito material ou objetivo de aplicação, o art. 1.º, n.º 1 dispõe que este se aplica “em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. (…)”.
Segundo a jurisprudência do TJUE, para assegurar, na medida do possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e das obrigações que decorrem do referido Regulamento para os Estados‑Membros e para as pessoas interessadas, não se deve interpretar o conceito de “matéria civil e comercial” como uma simples remissão para o direito interno de qualquer Estado. Trata-se antes de um conceito “específico, autónomo e exclusivo” do Regulamento, que tem de ser interpretado com referência, por um lado, aos objetivos e ao sistema do referido Regulamento e, por outro, aos princípios gerais resultantes das ordens jurídicas nacionais no seu conjunto[24].
No que concerne ao critério geral de competência, o Regulamento N.º 1215/2012, no art. 4º, n.º 1, estabelece que, “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.
Para esse efeito, o art. 63º, n.º 1, considera que uma pessoa coletiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal.
Tal como se refere nos considerandos (15) do preâmbulo do Regulamento, as “regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente”.
Todavia, mesmo que o réu tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia, ainda assim poderá ser demandado nos tribunais de um outro Estado-Membro ao abrigo das regras especiais de competência previstas nos arts. 7º a 25º do Regulamento.
Na verdade, o art. 5º do Regulamento estabelece que:
“1. As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2. Em especial, as regras de competência nacionais notificadas pelos Estados-Membros à Comissão nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea a), não se aplicam às pessoas a que se refere o n.º 1”.
Conforme o art. 6.º, se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do art. 18.º, n.º 1, do art. 21.º, n.º 2, e dos arts. 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro.
Daqui decorre que o Regulamento é aplicável sempre que o demandado tenha domicílio num Estado-Membro, ainda que o demandado não seja nacional do Estado em que se encontra domiciliado, nem tenha a nacionalidade de qualquer outro Estado-Membro.
Levando em linha de conta o Considerando (16) do preâmbulo do Regulamento, o “foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele (…)”.
Da conjugação daquela regra geral com as regras especiais de competência estabelecidas no Regulamento N.º 1215/2012 resulta que “(…) estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa (…). Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.°), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping”[25].
Ou seja, nas situações previstas na Secção 2 (arts. 5.º-9.º) – que estabelece regras especiais que atribuem competência a tribunais de Estados diversos do Estado de residência do réu, mas que não excluem a competência normal dos tribunais do último –, o autor pode optar entre o tribunal do Estado do domicílio do réu e o daquele Estado para que aponta o critério especial. Diversamente, nas situações elencadas nas Secções 3 a 7, a competência internacional é determinada unicamente pelas regras especiais aí estabelecidas.
Em matéria contratual, o art. 7º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012 prevê uma regra especial: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 1) a)Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b)Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestado”.
Sobre a questão da determinação do “lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que, no art. 7.º, n.º 1 do Regulamento N.º 1215/2012, tal como sucedia com o correspondente artigo 5.º, n.º 1, b), do Regulamento N.º 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, se encontra consagrado “um conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço) e relevantes para fundamentar uma conexão do contrato com um lugar que, por um lado, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado (cfr. considerando 16 do Regulamento nº 1215/2002) e, por outro lado e por isso mesmo, suficientemente segura para permitir determinar com certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão resultante do mesmo contrato (…)”[26].
Por fim, o art. 71.º do mesmo Regulamento, que regula as relações com convenções relativas a matérias especiais, em que os Estados-Membros são partes, dispõe que “1. O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados-Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões. 2. Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.º 1 deve ser aplicado do seguinte modo: a)O presente regulamento não impede que um tribunal de um Estado-Membro que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, nos termos de tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado-Membro que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar-se deve aplicar o artigo 28.º do presente regulamento; b)As decisões proferidas num Estado-Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial são reconhecidas e executadas nos outros Estados-Membros nos termos do presente regulamento. Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado-Membro de origem e o Estado-Membro requerido, estabelecer as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar-se o disposto no presente regulamento sobre reconhecimento e execução de decisões”.
13.2. A CMR
Esta Convenção visa regular uniformemente as condições do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em especial no que respeita aos documentos utilizados para este transporte e à responsabilidade do transportador.
Segundo o art. 1.º, a CMR “aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes”.
De acordo com o art. 31º da CMR, “1. Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual: a) O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições. (…)”.
Desta disposição decorre, designadamente, que o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, os do país do carregamento da mercadoria e os do lugar previsto para a entrega.
14. Sobre a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para dirimir litígios emergentes de contratos de transporte internacional de mercadorias por estrada, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já se pronunciou nos acórdãos referidos infra, abordando a questão da aplicabilidade da CMR em matéria de determinação do Tribunal competente em litígios que envolvam Estados Membros da União Europeia.
Assim,
No Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 28 de outubro de 2004, Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG contra Portbridge Transport International BV, Processo C-148/03, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht München (Alemanha), “Convenção de Bruxelas - Artigos 20.º e 57.º, n.º 2 - Falta de comparência do réu - Réu domiciliado no território de outro Estado contratante - Convenção de Genebra relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada - Conflito de convenções”, decidiu-se que:
“o art. 57.°, n.º 2, al. a), da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redação que lhe foi dada pela Convenção de 9 de outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, deve ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado no território de um outro Estado contratante foi demandado, pode declarar-se competente com base numa convenção especial de que o primeiro Estado seja igualmente parte e que contenha regras específicas sobre a competência judiciária, mesmo quando o réu, no âmbito do processo em causa, não se pronuncia quanto ao mérito”[27].
No Acórdão do TJUE (Grande Secção) de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland BV contra AXA Versicherung AG, Processo C-533/08, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), “Cooperação judiciária em matéria civil e comercial - Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Artigo 71.º - Convenções em matérias especiais celebradas pelos Estados-Membros - Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)”, decidiu-se que:
“1. O artigo 71.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção relativa a uma matéria especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.º, n.º 2, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978, e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.º, n.º 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis). 2. O Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 31.º da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada”[28].
No Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 19 de dezembro de 2013, Nipponkoa Insurance Co. (Europe) Ltd contra Inter-Zuid Transport BV, Processo C-452/12, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado por Landgericht Krefeld (Alemanha), “Cooperação judiciária em matéria civil e comercial - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Artigos 27.º, 33.º e 71.º - Litispendência - Reconhecimento e execução de decisões - Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR) - Artigo 31.º, n.º 2 - Regras de concurso - Ação de regresso - Ação de declaração negativa - Sentença declarativa negativa”, decidiu-se que.
“1. O artigo 71.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção internacional seja interpretada de uma forma que não assegure, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, o respeito dos objetivos e dos princípios que o norteiam. 2. O artigo 71.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação do artigo 31.º, n.º 2, da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, segundo a qual uma ação de declaração negativa ou uma sentença declarativa negativa num Estado-Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada a título do mesmo dano e entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado-Membro”[29].
No Acórdão do TJUE (Primeira Secção) de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition GmbH contra «Kintra» UAB, Processo C 157/13, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Lituânia) «Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 1346/2000 – Artigo 3.°, n.° 1 – Conceito de ‘ação ligada a um processo de insolvência e com ele estreitamente relacionada’ – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Artigo 1.°, n.° 2, alínea b) – Conceito de ‘insolvência’ – Ação para pagamento de uma dívida, proposta pelo administrador da insolvência – Dívida relativa a um transporte internacional de mercadorias – Relação entre os Regulamentos n.os 1346/2000 e 44/2001 e a Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR)”, decidiu-se que:
“1) O artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se integra no conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, a ação para pagamento de uma dívida decorrente de uma prestação de serviços de transporte, proposta pelo administrador da insolvência, designado no âmbito de um processo de insolvência de uma empresa, instaurado num Estado-Membro e dirigido contra o beneficiário destes serviços, estabelecido num outro Estado-Membro. 2) O artigo 71.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese em que um litígio se integre no âmbito de aplicação tanto deste regulamento como da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, um Estado-Membro pode, em conformidade com o artigo 71.º, n.º 1, do referido regulamento, aplicar as regras de competência judiciária previstas pelo artigo 31.º, n.º 1, desta convenção”[30].
15. O TJUE pronunciou-se sobre a interpretação do art. 5.º, n.º 1, al. b), segundo travessão (“Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, nos seguintes acórdãos:
No Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 11 de julho de 2018, Zurich Insurance plc e Metso Minerals Oy contra Abnormal Load Services (International) Ltd, Processo C-88/17, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus (Finlândia), «Reenvio prejudicial — Cooperação em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.º 44/2001 — Competência judiciária — Artigo 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão — Competência do órgão jurisdicional do lugar do cumprimento da obrigação — Lugar de prestação dos serviços — Contrato de transporte de mercadorias entre dois Estados Membros — Trajeto constituído por várias etapas e efetuado com diferentes meios de transporte”, decidiu-se que:
“O artigo 5.º, n.º1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados Membros em várias etapas, com escalas, e em que são utilizados diferentes meios de transporte, como o que está em causa no processo principal, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição”[31].
No Acórdão do TJUE (Quarta Secção) de 9 de julho de 2009, Peter Rehder contra Air Baltic Corporation, Processo C-204/08, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), «Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Artigo 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão - Regulamento (CE) n.º 261/2004 - Artigos 5.º, n.º 1, alínea c), e 7.º, n.º 1, alínea a) - Convenção de Montreal - Artigo 33.º, n.º 1 - Transportes aéreos - Pedidos de indemnização dos passageiros contra companhias aéreas em caso de cancelamento de voos - Lugar em que é realizada a prestação - Competência judiciária em caso de transporte aéreo de um Estado-Membro para outro Estado-Membro por uma companhia aérea estabelecida num Estado-Membro terceiro”, decidiu-se que:
“O artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado Membro com destino a outro Estado Membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora, o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado nesse contrato de transporte e no Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91, é aquele, à escolha do requerente, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do avião, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato”[32].
16. Sobre a matéria em apreciação no caso sub judice, o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou ainda, mas já decidiu, a propósito de um contrato de transporte aéreo, em que se discutia também a competência internacional dos tribunais portugueses, citando o acórdão do TJUE de 9 de julho de 2009, Peter Rehder contra Air Baltic Corporation, mencionado supra, que o tribunal competente é aquele, à escolha do demandante, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do voo, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato.
Assim,
“I - Ainda que esteja em causa acórdão da Relação que apreciou decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual, o recurso é admissível ao abrigo do art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC; com efeito, tendo como fundamento a violação das regras de competência internacional, trata-se de uma das situações em que o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da acção (cfr. art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC), sendo afastado o obstáculo da dupla conforme (cfr. ressalva inicial do n.º 3 do art. 671.º do CPC). II - Na resolução da questão da competência internacional, considera-se que o percurso metodológico adequado para o efeito implica: (i) determinar o instrumento normativo pertinente; (ii) identificar a norma ou normas aplicáveis; (iii) interpretar a norma ou normas identificadas. III - Tal como entendeu o acórdão recorrido, tendo em conta a data de propositura da presente acção (04-01-2018), deve ponderar-se a aplicabilidade das regras do Regulamento n.º 1215/2012, de 12-12 (Regulamento Bruxelas IBis) ou das regras da Convenção assinada em Lugano a 30-10-2007, relativa à “Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial” (Convenção de Lugano II). IV - Por interpretação a contrario do art. 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012, entende-se comummente que o critério geral para definir o âmbito espacial de aplicação daquele regime de direito europeu é o de que o demandado tenha domicílio no território de um dos Estados-Membros da UE. No caso dos autos, verifica-se ter a ré sede na Suíça, pelo que – de acordo com o disposto no art. 63.º, n.º 1, al. a), do Regulamento n.º 1215/2012 – não se encontra domiciliada no território de um Estado-Membro da UE; deste modo, por falta de inserção no respectivo âmbito espacial de aplicação, é de concluir pelo afastamento do regime do Regulamento n.º 1215/2012. V - No que respeita ao âmbito espacial de aplicação da Convenção de Lugano II, convenção que tem como objectivo primacial estender às partes contratantes os princípios do Regulamento n.º 44/2001 (antecessor do Regulamento n.º 1215/2012), nela se adopta (art. 4.º, n.º 1) uma regra equivalente à do art. 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012. Deste modo, sendo o âmbito espacial de aplicação da Convenção de Lugano II definido em razão de o demandado ter domicílio no território de uma das partes contratantes e encontrando-se a ré domiciliada no território da Suíça, Estado que é parte contratante da Convenção de Lugano II, confirma-se a inserção da presente lide no respectivo âmbito espacial de aplicação. VI - No presente recurso suscitam-se dúvidas sobre a inserção do caso sub judice no âmbito material de aplicação da Convenção de Lugano II, pretendendo a recorrente que, ao abrigo da previsão do n.º 1 do art. 67.º da mesma Convenção, seja antes aplicável a Convenção de Montreal – Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional que contém regras próprias de competência internacional (art. 33.º), que conduzem a um resultado distinto do que resulta da aplicação das normas da Convenção de Lugano II. VII - Ora, na actividade de interpretação e aplicação das normas da Convenção de Lugano II, encontra-se este Supremo Tribunal vinculado, ao abrigo do n.º 2 do art. 1.º do Protocolo n.º 2 à mesma Convenção, a respeitar a interpretação das normas equivalentes do Regulamento n.º 44/2001, tal como realizada pelo TJUE. VIII - No acórdão de 09-07-2009, proferido no Processo C-204/08 (Peter Rehder contra Air Baltic Corporation), relativo a um caso idêntico ao caso dos autos, em que estava em causa uma acção para, numa situação de “cancelamento” de voo, exercer o direito de indemnização previsto no art. 7.º do Regulamento n.º 261/2004, o TJUE resolveu a questão preliminar da delimitação entre o âmbito material de aplicação do Regulamento n.º 44/2001 e o da Convenção de Montreal, no sentido do afastamento desta última. IX - Assim, ainda que não se ignorem as objecções críticas feitas a esta orientação jurisprudencial do TJUE, sobretudo em razão do princípio da exclusividade ínsito no art. 29.º da Convenção de Montreal, considera-se que a norma do n.º 1 do art. 67.º da Convenção de Lugano II que ressalva as convenções especiais, sendo substancialmente idêntica à norma do n.º 1 do art. 71.º do Regulamento n.º 44/2001, deve ser interpretada de acordo com a orientação do acórdão do TJUE referido em VIII; em consonância, tendo o pedido do autor sido apresentado com base apenas no Regulamento n.º 261/2004, deve ser examinado à luz da Convenção de Lugano II. X - Estando em causa uma acção de responsabilidade por incumprimento de contrato de transporte aéreo, da aplicação conjugada das normas do art. 5.º, n.º 1, da Convenção de Lugano II, resulta a necessidade de determinar qual é o “lugar de cumprimento da obrigação do transportador” (al. a)), sendo que – uma vez que o contrato de transporte se integra na categoria mais ampla do contrato de prestação de serviços – esse lugar será “o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados” (al. b), segundo travessão). XI - Também quanto às dúvidas interpretativas das normas indicadas em X – e em razão da previsão do n.º 2, do art. 1.º, do Protoloco n.º 2 à Convenção de Lugano II –, se encontra este Supremo Tribunal, enquanto tribunal de um Estado-Membro da UE, vinculado a respeitar a interpretação que o TJUE fez de normas do Regulamento n.º 44/2001, desde que substancialmente equivalentes a normas daquela Convenção. XII - Tais dúvidas foram apreciadas e decididas pelo TJUE a respeito das normas equivalentes do Regulamento n.º 44/2001, no referido acórdão de 09-07-2009 (Peter Rehder contra Air Baltic Corporation), em sentido que, nos termos do Protocolo n.º 2 à Convenção, é aplicável à interpretação das normas da Convenção, a saber: o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado em contrato de transporte aéreo e no Regulamento n.º 261/2004 é aquele, à escolha do demandante, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do voo, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato; sem prejuízo da possibilidade de o demandante se dirigir ao tribunal do lugar do domicílio do demandado, que, no caso de pessoas colectivas, e de acordo com o art. 60.º, n.º 1, da Convenção de Lugano II, é o lugar da sede social, ou da administração central ou do estabelecimento social. XIII - Deste modo, no caso dos autos, para exercer o direito de indemnização previsto no art. 7.º do Regulamento n.º 261/2004, o autor podia optar por demandar a ré: (i) na jurisdição do lugar de partida do voo cancelado, a jurisdição portuguesa; (ii) ou na jurisdição do lugar do destino do mesmo voo, a jurisdição suíça, que, simultaneamente, é a jurisdição do lugar do domicilio da demandada. XIV - Conclui-se, assim, pela competência dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente acção”[33].
17. Pode dizer-se que caso em apreço cabe tanto no âmbito de aplicação da CMR como no do Regulamento N.º 1215/2012.
17.1. CMR
Trata-se de um litígio que tem por objeto um contrato de transporte de mercadorias por estrada, cujo local de carregamento ou recolha de mercadorias (a cargo do transportador) foi Esmeriz/Portugal, e o de entrega era Copenhaga/Dinamarca. Os critérios de aplicação da CMR, enunciados no seu art. 1º, estão assim observados.
Tendo em conta o disposto no art. 31º, n.º 1, al b) da CMR, quanto à determinação do foro competente para dirimir conflitos oriundos dos contratos de transporte internacional de mercadorias, assim como o facto de a mercadoria em causa ter sido carregada em território nacional, não restam dúvidas de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a apreciação do presente litígio[34].
Pode até dizer-se que CMR contém regras de competência internacional especiais que prevalecem tanto sobre as do CPC como sobre as do Regulamento N.º 1251/2012[35].
Não colhe a argumentação da Ré/Recorrente, no sentido de o art. 31º da Convenção CMR ser apenas aplicável aos casos em que a demanda pressupõe dois nacionais de dois Estados-Membros, o que impediria dois nacionais da Dinamarca de recorrer à jurisdição dos tribunais portugueses, tanto mais que a sentença a proferir por um dos Estados-Membro terá de ser executada no outro Estado-Membro.
Na verdade, o âmbito de aplicação (material) da CMR, estabelecido no art. 1º, n.º 1, não faz essa ressalva, e a sua parte final refere “independentemente do domicílio e nacionalidade das partes”.
Acresce que o art. 31º da CMR prevê, com toda a clareza, que “[p]ara todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção”, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados por acordo das partes, à jurisdição do país no território do qual a) o réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) se situar o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a sua entrega.
Confirma-se, pois, a interpretação do Tribunal da Relação de Guimarães – e também da Autora/Recorrida - no sentido de a CMR consentir que um dinamarquês intente uma ação contra outro dinamarquês nos Tribunais Portugueses, desde que se verifique um dos elementos de conexão previstos no art. 31.º: o local do carregamento da mercadoria transportada estar situado em Portugal.
É igualmente de rejeitar o entendimento da Ré/Recorrente de que o Autor apenas poderá optar pela jurisdição do país em cujo território estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria se o incumprimento culposo do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada imputado ao réu assentar nesse facto, o que no caso não se verificaria, em virtude de a imputação desse incumprimento culposo ter como fundamento único a ocorrência de um furto de parte das mercadorias ocorrido em Espanha, nada tendo a ver com o carregamento das mercadorias situado em Portugal.
De acordo com o art. 31º da CMR, para todos os litígios (e não apenas alguns) emergentes de transportes sujeitos a esta Convenção, os elementos de conexão das regras de competência internacional especiais são aqueles enumerados nas als. a) e b), que não preveem o local onde ocorreu o facto gerador de incumprimento. No que respeita às regras de competência judiciária, os fatores de conexão, além da residência habitual do réu, traduzem-se no lugar do carregamento da mercadoria ou no lugar previsto para a entrega. De resto, aquele preceito estabelece que “só poderá recorrer a essas jurisdições”.
Por conseguinte, o eventual recurso à jurisdição espanhola não só não estaria tutelado pela CMR, como estaria vedado pelo art. 31.º, n.º 1, al. b), in fine, da CMR.
17.2. Regulamento N.º 1215/2012
Os litígios emergentes do transporte de mercadorias por estrada entre Estados-Membros são outrossim “matéria civil e comercial”, na aceção do art. 1º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012. O transporte de mercadorias por estrada não integra, porém, os domínios, taxativamente enumerados, que são excluídos do âmbito de aplicação deste Regulamento.
O Regulamento n.º 1215/2012 substituiu o Regulamento n.° 44/2001 (o qual, por sua vez, havia substituído a Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial). A interpretação dada pelo TJUE aos preceitos correspondentes daquele Regulamento (44/2001) e daquela Convenção (de Bruxelas de 1968), entretanto substituídos, é válida igualmente para os do Regulamento n.º 1215/2012 quando as disposições desses instrumentos possam ser consideradas como equivalentes.
Na interpretação do art. 71º do Regulamento n.° 44/2001 (que equivale ao art. 71.º do Regulamento n.º 1215/2012), o Acórdão do TJUE (Grande Secção) de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland BV contra AXA Versicherung AG, Processo C-533/08 – mencionado supra -, esclareceu que essa norma não pode ter um sentido que esteja em conflito com os princípios basilares da regulamentação em que se integra. Consequentemente, não pode ser interpretado no sentido de que, num domínio abrangido por esse Regulamento, como o transporte de mercadorias por estrada, uma convenção especial, como a CMR, possa levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do mesmo Regulamento.
Em sentido idêntico se pronunciou o TJUE, conforme referido supra, no Acórdão de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition GmbH contra Kintra UAB, Processo C-157/13, a propósito da hipótese de um litígio se integrar no âmbito de aplicação tanto do Regulamento n.º 44/2001, como da CMR.
Por fim, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 11 de julho de 2018, Zurich Insurance plc e Metso Minerals Oy contra Abnormal Load Services (International) Ltd, Processo C-88/17, mencionado supra, o TJUE trilhou o mesmo caminho.
18. Pode assim concluir-se que, no caso dos autos, quer ao abrigo da CMR (art. 31.º), quer à luz do Regulamento n.º 1215/2012 – art. 7º, n.º 1, al. b) –, afigura-se que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do pedido da Autora/Recorrida[36].
Na verdade, decorre do art. 31º, n.º 1, da CMR que o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, do país do carregamento da mercadoria e do lugar previsto para a entrega.
Considerando que o carregamento da mercadoria transportada teve lugar em Esmeriz/Portugal, o Tribunal de 1.ª Instância tinha competência internacional para apreciar este litígio.
Mesmo que se entendesse que as regras constantes do art. 31.º, n.º 1, da CMR não se aplicam ao caso dos autos, alcançar-se-ia o mesmo resultado mediante a aplicação das regras do Regulamento N.º 1215/2012.
Conforme mencionado supra, a regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do “lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”.
19. No contexto de um contrato de transporte de mercadorias, como aquele que está em causa no processo principal, a propósito da questão de se saber se deve considerar-se como lugar de prestação do serviço, no sentido do art. 5.º, n.º 1, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 44/2001 (cuja interpretação dada pelo TJUE vale, como se disse, para o art. 7.º n.º 2, al. b), segundo travessão do Regulamento N.º 1215/2012), que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega da mercadoria mas também o lugar de expedição da mesma, o TJUE tomou já também posição concreta, no referido Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 11 de julho de 2018, Zurich Insurance plc e Metso Minerals Oy contra Abnormal Load Services (International) Ltd, Processo C-88/17.
Aí se explicitou que há:
“que constatar que, no quadro de um contrato de transporte de mercadorias, o lugar de expedição destas apresenta uma conexão estreita com o essencial dos serviços que resultam do referido contrato.
21 Com efeito, no âmbito de um transporte de mercadorias, é no lugar de expedição que o transportador deve executar uma parte importante da prestação de serviço estipulada, a saber, receber as mercadorias, acondicioná-las de maneira adequada e, de maneira geral, protegê-las para não serem danificadas.
22 O cumprimento defeituoso das obrigações contratuais ligadas ao lugar de expedição de uma mercadoria, como, nomeadamente, a obrigação de acondicionamento adequado, pode implicar um cumprimento defeituoso das obrigações contratuais no lugar de destino do transporte.
23 Logo, deve considerar-se como lugar de prestação, no sentido do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.º 44/2001, que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega mas também o lugar de expedição de uma mercadoria.
24 Esta solução responde à exigência de previsibilidade, na medida em que permite, quer ao demandante quer ao demandado, identificar os órgãos jurisdicionais do lugar de expedição e de entrega da mercadoria, tal como indicados no contrato de transporte, como órgãos jurisdicionais que podem ser chamados a decidir (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition, C-157/13, EU:C:2014:2145, n.º 41)”.
Assim, estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional, o art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 1215/2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição.
20. Deste modo, a Ré/Recorrente poderá ser demandada para pagamento da indemnização pedida nos tribunais dos Estados onde, nos termos do contrato, deveria ser prestado o serviço, sendo que quer o lugar de carregamento, como o lugar da entrega da mercadoria se subsumem ao conceito de lugares de prestação do serviço de transporte, nos termos daquele preceito do Regulamento N.º 2015/2012.
21. Recorde-se que, no caso de observância simultânea da regra geral do domicílio do réu e de uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral, tendo o autor a faculdade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial. A competência desses tribunais é, pois, alternativa. Verifica-se então uma situação de fórum shopping.
22. Como bem decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, quer por aplicação das regras da CMR (art. 31º, n.º 1), quer do art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento n.º 1215/2012, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar o presente litígio.
23. Fica, por isso, prejudicada, por inutilidade, a ponderação das normas de direito interno sobre competência internacional dos tribunais portugueses.
24. Consideramos, todavia, que, conforme mencionado supra, se aplica, em primeira linha, a CMR, de acordo com os arts. 59.º do CPC e 71.º, n.º 1, do Regulamento N.º 1215/2012, por conter normas especiais, normas que consagram uma disciplina nova ou diferente para o contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada .
IV – Decisão
Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso interposto por DSV Road A/S no que respeita à questão da (in)competência internacional para apreciar o litígio dos autos, confirmando-se o acórdão recorrido, e rejeita-se quanto ao restante.
Custas pela Ré/Recorrente.
Lisboa, 17 de novembro de 2020.
Sumário: 1. No que respeita à questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses, independentemente da dupla conforme, o recurso de revista é sempre admissível nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC. 2. As nulidades da sentença/acórdão estão típica e taxativamente previstas no art. 615.º do CPC e nenhuma destas se refere ao erro de julgamento. 3. Quando o recorrente se limita a alegar fundamentos de revista excecional sem, todavia, nunca manifestar o intuito de interpor essa modalidade de revista, ainda que a título subsidiário, “falta a declaração de vontade para interposição da revista excecional, não podendo, como tal, conhecer-se do objeto do recurso (arts. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 3, do CPC)”. 4. Impõe-se distinguir o regime da admissibilidade do recurso de revista previsto no art. 671.º e a disciplina delimitadora dos fundamentos desse recurso, consagrada, no art. 674.º do CPC. 5. Não se subsumindo o caso sub judice às hipóteses intencionadas pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (inter alia, procedimentos cautelares ou processos de jurisdição voluntária), a eventual contradição de julgados alegada não conduz, nesses termos, à admissibilidade de recurso de revista. 6. Estando em causa um contrato internacional de transporte rodoviário de mercadorias, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, desde logo, do que resultar de convenções internacionais (v.g., CMR) ou dos regulamentos europeus (v.g., Regulamento (UE) N.º 1215/2012) e, depois, dos arts. 62º e 63º do CPC, sem prejuízo do que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do art. 94º do CPC. 7. O art. 31º da CMR prevê que “[p]ara todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção”, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados por acordo das partes, à jurisdição do país no território do qual a) o réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) se situar o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a sua entrega. 8. A interpretação dada pelo TJUE aos preceitos correspondentes do Regulamento N.º 44/2001 e da Convenção de Bruxelas de 1968, entretanto substituídos, é válida igualmente para os do Regulamento n.º 1215/2012 quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas como equivalentes. A regra de competência especial em matéria de prestação de serviços, prevista no art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 1215/2012, designa como competente o órgão jurisdicional do “lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”. No contexto de um contrato de transporte de mercadorias, a propósito da questão de se saber se deve considerar-se como lugar de prestação do serviço, no sentido do art. 5.º, n.º 1, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 44/2001 (cuja interpretação dada pelo TJUE vale para o art. 7.º n.º 2, al. b), segundo travessão do Regulamento N.º 1215/2012), que assegura uma conexão estreita entre o contrato de transporte e o órgão jurisdicional competente não apenas o lugar de entrega da mercadoria mas também o lugar de expedição da mesma, o TJUE tomou já também posição concreta. Estando em causa um pedido de indemnização pela perda (ainda que parcial) de mercadoria num contrato de transporte internacional, o art. 7.º, n.º 2, al. b), segundo travessão, do Regulamento N.º 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados-Membros, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido daquela disposição. 9. Pode até dizer-se que CMR contém regras de competência internacional especiais que prevalecem tanto sobre as do CPC como sobre as do Regulamento N.º 1251/2012.
Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).
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[1] Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra, Almedina, 2017, p. 736.
[2] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 141; Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 690.
[3] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Coimbra, Almedina, 2015, p. 371.
[4] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil, Coimbra, Gestlegal, 2017, p. 383.
[5] Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, pp.258-259.
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão (art. 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC). Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques S. Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto), Lisboa, Quid Iuris, 2009, p. 117.
[6] Cfr. fls. 240 vº a 241 v.º dos autos.
[7] Menciona a Ré/Recorrente que a “Relação fez errado julgamento no enquadramento da questão sub judice na artº 7º, nº 1, al. b), segundo travessão, do Regulamento nº 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial”.
[8] Este Regulamento vigora desde 10 de janeiro de 2015 e revogou o Regulamento (CE) N.º 44/2001, de 22/12/2000, que, por sua vez, substituíra (parcialmente), desde 1 de março de 2002 a Convenção de Bruxelas de 27 de setembro 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
[9] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 2019 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 7223/12.8TBSXL-A.L1.S1 (“(…) II - Tem vindo a entender-se, de modo reiterado, neste STJ, que a “fundamentação essencialmente diferente” que releva para efeito de admissibilidade da revista não se basta com uma qualquer dissemelhança entre uma e outra das fundamentações em confronto, antes se exigindo que essa diferença seja essencial, o que não é o caso se a Relação aplicou as mesmas regras jurídicas em que assentou a decisão emitida na sentença. (…)”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2f2420a30419be18802584960058c1c1?OpenDocument; de 20 de fevereiro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 1003/13.0T2AVR.P1.S1 (“I - O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa. II - Assim sendo, só pode considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª instância. Ou, dito ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do perfilhado na 1.ª instância”) – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1003.13.0T2AVR.P1.S1; de 11 de fevereiro de 2020 (José Raínho), proc. n.º 152399/12.3YIPRT.P1.S2 (“(…) II - O que conta para efeitos do n.º 3 do art. 671.º do CPC é a presença de uma fundamentação essencialmente diferente, e não que não exista uma fundamentação “essencialmente igual”. E uma fundamentação pode perfeitamente não ser “essencialmente igual” e nem por isso ser essencialmente diferente. III - Como é jurisprudência reiterada do STJ, só se configura uma situação de fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito adotada na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que havia justificado e fundamentado a decisão proferida na 1.ª instância. IV - Verificando-se que as fundamentações do acórdão recorrido e da sentença da 1.ª instância assentaram basicamente em regras jurídicas identificáveis na LUCh, estando por isso as correspetivas decisões alicerçadas em percursos jurídicos similares, está formada uma dupla conformidade decisória impeditiva do recurso ordinário de revista. V - As nulidades de decisão só podem ser objeto de apreciação no recurso quando o recurso seja previamente admissível. Não constituem por si só fundamento para abrir um recurso, isto é, não tornam por si só admissível o recurso. VI - Não sendo o recurso admissível, as nulidades de decisão apenas autorizam a sua arguição junto do tribunal a quem se imputa o respetivo cometimento.”) – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:152399.12.3YIPRT.P1.S2.
[10] Cfr. Acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de janeiro de 2017 (Bettencourt de Faria), proc. n.º 898/14.5TYLSB-E.L1.S1.
[11] Cfr. Acórdãos da Formação do Supremo Tribunal de Justiça de apreciação preliminar de 19 de janeiro de 2017 (Bettencourt de Faria), revista excecional n.º 898/14.5TYLSB-E.L1.S1 (“O requerimento de interposição do recurso de revista excepcional deve ser prévio e formalmente distinto da respectiva motivação, nele se devendo cumprir o ónus enunciado no n.º 2 do art. 672.º do CPC, sob pena de rejeição do recurso.”) disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/09/revistaexcepcional2017.pdf; de 13 de abril de 2010 (Santos Bernardino), revista excepcional n.º 4589/08.8TBVNG.P1.S1 (“I - O art. 721.º, n.º 3, do CPC consagra o sistema da dupla conforme absoluta: havendo conformidade entre o decidido na 1.ª instância e o decidido na Relação, por unanimidade, é, em princípio, inadmissível a revista, com as excepções consagradas no art. 721.º-A do CPC. II - É de rejeitar o recurso cujo requerimento de interposição é omisso quanto à qualificação deste como de revista excepcional, não alude às normas que a esta dizem respeito, não contém a menor referência a qualquer dos fundamentos excepcionais mencionados no art. 721.º-A do CPC nem integra nenhum dos casos previstos no art. 678.º, n.º 2, do CPC. III - O facto de o recurso ter sido admitido na Relação não vincula o tribunal superior (art. 685.º-C do CPC)) – disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/revistaexcepcional2010.pdf; de 22 de abril de 2014 (Moreira Alves), revista excepcional n.º 1556/12.0TVLSB.L1.S1 (I - Não contendo o requerimento de interposição de recurso qualquer referência aos requisitos da revista excepcional impõe-se a rejeição liminar do mesmo. II - Verificando-se uma situação de dupla conforme, a revista regra não é admissível pelo que, por uma razão de economia processual, não se justifica ordenar a remessa dos autos à distribuição normal.”); Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2017 (Olindo Geraldes), Incidente n.º 1103/14.0TVLSB.L1.S1 (“I - Sendo inadmissível a revista normal e não tendo o recorrente identificado o recurso como revista excecional, nem declarado no respetivo requerimento as razões desta, falta a declaração de vontade para interposição da revista excecional, não podendo, como tal, conhecer-se do objeto do recurso (arts. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 3, do CPC). II - O requerimento de reforma ou retificação da decisão é, por efeito da preclusão, impróprio ou inadequado para o recorrente declarar a vontade de interpor revista excecional e de especificar as razões desta (art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC”); de 27 de setembro de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 634/15.9T8AVV.G1-A.S1 (“I - Prevalece actualmente na jurisprudência do STJ a tese segundo a qual é de equiparar à dupla conforme os casos em que o acórdão da Relação, não sendo inteiramente coincidente com a decisão da 1.ª instância, divirja dela em sentido mais favorável ao recorrente, tanto no aspeto quantitativo como no aspeto qualitativo. II - Não tendo os recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso referido-se minimamente à revista excepcional nem ali indicado como fundamento específico a contradição jurisprudencial, é de rejeitar a pretendida convolação de um recurso de revista interposto em termos gerais num recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC.”); de 17 de maio de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 394/11.5YHLSB.L1-A.S1 (I - O momento próprio para alegar fundamentos que justifiquem a admissão do recurso de revista excepcional é o da sua interposição (art. 672.º, n.os 1 e 2, do CPC).
II - Pelo que, limitando-se a recorrente a interpor recurso de revista para o STJ sob invocação do disposto no art. 671.º e ss. do CPC, omitindo que pretendia fazê-lo ao abrigo do art. 672.º do mesmo Código e sem que tenha alegado qualquer fundamento que justificasse a sua admissibilidade nesses termos, não pode colmatar essa falta de invocação oportuna através de reclamação para a conferência da decisão singular que confirmou a não admissão do recurso pela Relação.”).
[12] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de janeiro de 2020 (José Raínho), proc. n.º 1288/16.0T8CSC.L1.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1288.16.0T8CSC.L1.S1/.
[13] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de fevereiro de 2019 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2019 (Maria Clara Sottomayor), proc. n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1 (“I - Só é admissível recurso de revista excecional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência. II - O recurso prescrito na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo STJ – como por exemplo, em sede de insolvência (art. 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (art. 66.º, n.º 5, do CExp) ou providências cautelares (art. 370.º, n.º 2, do CPC). III - Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações seria admissível uma revista ordinária, não havendo nenhuma necessidade de prover para a mesma situação uma revista excecional. IV - A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário urna redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do CPC relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista.”) – disponível para consulta in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1ad94c0f8d97792c802584be0055114b?OpenDocument; de 28 de janeiro de 2020, (Maria Olinda Garcia)proc. n.º 10091/15.4T8VNF-C.G1.S2 (“I - O art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC não prescinde do requisito geral do valor da alçada para que o recurso possa ser admissível. A contradição de julgados só abre a porta ao recurso de revista caso se esteja perante um tipo de litígio relativamente ao qual o legislador excluiu, por princípio, o recurso de revista. Tal é o que acontece com os procedimentos cautelares (art. 370.º, n.º 2, do CPC) ou com os processos de jurisdição voluntária (art. 988.º, n.º 2, do CPC), mas desde que o valor do recurso exceda a alçada da Relação. II - Não cabendo o caso concreto nesse tipo de hipóteses, a eventual contradição de julgados nunca permitiria a existência de recurso de revista, com base na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC”); de 19 de junho de 2019 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 4680/08.0TBLRA.C2-A.S1 (“Não se aplica o fundamento de admissibilidade da revista normal previsto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, numa ação declarativa, sob a forma comum, em relação à qual não existe norma que estabeleça a inadmissibilidade do recurso por motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre.”); de 21 de março de 2019 (Hélder Almeida), proc. n.º 114/14.0TJLSB.E1-A.S1 (“I - No “motivo estranho à alçada do tribunal” a que alude o art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC não se inclui a dupla conformidade de decisões nos termos configurados no art. 671.º, n.º 3, do mesmo diploma legal. II - Tal interpretação não viola o direito à acção judicial garantido pelo art. 20.º da CRP, o art. 10.º da DUDH, o art. 6.º, n.º 1, da CEDH e o art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.”); de 11 de julho de 2019 (Fátima Gomes), proc. n.º 524/10.1TVLSB-C.L1.S1 (“I - O recurso de revista sobre acórdão da Relação que, após decisão final, se pronunciou sobre requerimento em que se pedia a fixação do valor tributário da acção em € 600 000 e, subsidiariamente, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça subsequente, apenas é admissível nos termos do art. 671.º, n.º 2, do CPC. II - O caso especial de admissão de revista sobre decisão reportada a questões processuais previsto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (para que remete o art. 671.º, n.º 2, al. a)) circunscreve-se a situações em que uma norma especial impede o acesso ao STJ por outra ou outras razões que não a alçada ou o tipo de decisão; não sendo esse o caso concreto, impõe-se rejeitar conhecer o objecto do recurso.”).
[15] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p.59.
[16] Cfr. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 198.
[17] Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1945, p. 111; Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 91; Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns, Lisboa, A.A.F.D.L., 1990, p. 139; José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, volume 1.ª, p. 129; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Coimbra, Almedina, 2017, p. 92; Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, pp. 183-184, 507-508.
[18] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes/ Luís Pires de Sousa Paulo Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2020, p. 91.
[19] Cfr. J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 173.
[20] Cfr. J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 174.
[21] Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Justiça da União Europeia de 8.09.2010, no processo C-409/06 (Winner Wetten GmbH contra Bürgermeisterin der Stadt Bergheim), publicado na Colectânea de Jurisprudência 2010-I-08015.
[22] Cfr. Rui Moura Ramos, afirmando que o direito europeu se caracteriza por ser um direito “inclusivo”, Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, II, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 146.
[23] Cfr. Jornal Oficial da União Europeia, L 79/4, de 21/03/2013.
[24] Cfr., neste sentido, acórdãos Meletis Apostolides contra David Charles Orams e Linda Elizabeth Orams, C-420/07, EU:C:2009:271, n.° 41 e jurisprudência referida; Cartier parfums — lunettes SAS e Axa Corporate Solutions assurances SA contra Ziegler France SA e o., C-1/13, EU:C:2014:109, n.° 32 e jurisprudência citada; Hi Hotel HCF SARL contra Uwe Spoering, C-387/12, EU:C:2014:215, n.° 24 e jurisprudência mencionada e flyLAL-Lithuanian Airlines AS contra Starptautiskā lidosta Rīga VAS e Air Baltic Corporation AS, C-302/13, ECLI:EU:C:2014:2319.
[25]Cfr. Marco Carvalho Fernandes, “Competência Judiciária Europeia”, in Scientia Iuridica, Tomo LXIV, n.º 339, Set/Dez., 2015, p. 417 e ss.
Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.pt/2017/11/jurisprudencia-735.html, de 23/11/2017, refere que o critério do domicílio do demandado (art. 2.º, n.º 1, Reg. 44/2001; art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) é sempre aplicável. Os critérios especiais - como é o caso daquele que se encontra estabelecido no art. 5.º, n.º 1, Reg. 44/2001 ou no art. 7.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 - são sempre alternativos em relação àquele critério geral: é o que resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012.
[26] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 143378/15.0YIPRT.G1.S1, com indicação de jurisprudência comunitária; de 5 de abril de 2016 (Fonseca Ramos), proc. n.º 27630/13.8YIPRT-A.G1.S1; de 3 de março de 2005 (Salvador da Costa), proc. n.º 05B316 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt; Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, Lisboa, AAFDL Editora, pp. 83-84.
[27] Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9E7CA96E67029419F7010D85D152CEC9?text=&docid=49269&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386346.
[28] Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=81174&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386479.
[29]Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=145907&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386539.
[30]Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=157352&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386616.
[31] Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203903&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386654.
[32] Disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=76299&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6386742.
[33] Cfr Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 262/18.7T8LSB-A.L1-A.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/21978319245a2930802584880054eef6?OpenDocument.
[34] Em sentido semelhante, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de março de 2019 (José Cravo), proc. n.º 42116/18.6YIPRT.G1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt. -, no qual se concluiu ser a Convenção CMR aplicável, em primeira linha, em conformidade com os arts. 59.º do CPC e 71.º, n.º 1 do Regulamento (UE) N.º 1215/2012.
[35] Cfr. Nuno Manuel Castello-Branco Bastos, Direito dos Transportes, Coimbra, Almedina, 2004, p. 152, refere que “a CMR contém regras de competência internacional especiais que prevalecerão sobre as do Código de Processo Civil, mas também sobre aquelas da Convenção de Bruxelas de 1968 ou do Regulamento comunitário n.º 44/2002, dito “Bruxelas I”, [este revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012] embora acabam por não divergir significativamente destes – cfr. art. 31º, n.º 1”.
[36] Vide, em sentido semelhante, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de março de 2019 (José Cravo), proc. n.º 42116/18.6YIPRT.G1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.