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INUTILIDADE
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
TERCEIRO DEVEDOR
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO
PROPORCIONALIDADE DA PENHORA
Sumário
I - A inutilidade e a impossibilidade superveniente da lide, prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. II - Na oposição à execução a que se refere o n.º4, do art.º 777.º do CPC, o terceiro devedor pode impugnar a existência do crédito e, verificando-se que não existia, “responde pelos danos causados, nos termos gerais, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à oposição”. III - Não é líquido que o crédito penhorado exista, posto que a prosseguir a presente oposição sempre poderá o aqui terceiro devedor [..], com os fundamentos que invocou na oposição, vir a lograr demonstrar a sua inexistência. IV - O acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora se resolve está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade. A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda. V - Como resulta do art.º 784. n.º 1, al. a), CPC, a violação do princípio da proporcionalidade justifica a oposição do executado, ou seja, o executado pode deduzir oposição à penhora, através do incidente regulado no art.º 785.º, do mesmo diploma legal, com fundamento na extensão com que foi realizada a penhora. VI - Foi o que aconteceu neste processo principal de execução, incidente que veio a proceder, tendo sido levantada a penhora do alegado crédito do devedor [..] sobre [..] – alegadas verbas que aquele executado tinha a receber ao abrigo de protocolo celebrado entre ambas –, mas que como se deixou explicado, não é líquido que exista., o que se traduz num resultado idêntico à inexistência do crédito prevista no n.º4, do art.º 777.º do CPC. VII - Assim, com que base se continuará a dizer que o crédito existe, quando já não há penhora sobre o alegado crédito? E, qual seria a utilidade em manter a presente instância a fim de ir discutir se o mesmo existe, tanto mais que o crédito do exequente sobre o devedor principal está devidamente garantido pela penhora que foi mantida, razão que determinou o levantamento – por excesso – do alegado crédito sobre terceiro que esteve na origem desta execução.
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 940/06.3TTVNG-B.P1
SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO
I.1 O Município B…, executado na execução contra si instaurada por C…, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho B… - Juiz 1, veio nos termos do disposto no art.º 728.º, 856.º e 784.º -A, do CPC, apresentar requerimento deduzindo oposição à execução e à penhora.
Alega, no essencial, não ser devedor originário da quantia exequenda, visando o exequente cobrar coercivamente através de si o montante que consta do requerimento executivo, com fundameno na alegada falta de resposta a notificações da agente de execução para penhora de créditos e para pagamento de créditos.
Porém, sem razão, posto que Município B… respondeu à notificação para penhora de créditos, em 30-07-2018, informando que “(..) não existem créditos penhoráveis do Executado sobre o Município B…”, assim como prestou os esclarecimentos necessários. De igual modo, em 22 de Agosto de 2018, respondeu à notificação para pagamento de crédito, informando estar legalmente impedida de tal e esclarecendo as razões.
Pugna pela procedência da oposição com os legais efeitos.
Admitida a oposição, foi citado o exequente.
O exequente apresentou contestação, contrapondo, também no essencial, que a ação executiva principal advém do contrato de trabalho desportivo celebrado em 17.01.2001 entre o Exequente C… e o Futebol Clube B…, provindo a divida originária dos créditos salariais e prémios de jogos devidos ao Exequente.
A presente execução instaurada nos próprios autos, ao abrigo do artigo 777.º, n.º 3 do CPC decorre de uma penhora de crédito detido pelo Executado originário Futebol Clube B… junto do Município B…, que para o Exequente constitui um crédito sobre terceiros de que aquele é titular e, por tal motivo, suscetível de penhora.
Não tendo o devedor do Executado (o Município), apesar de notificado nos termos do artigo 773.º CPC, negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação, o que implicou a sua aceitação nos exatos moldes da sua indicação à penhora, nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito, de acordo com o disposto no número 777.º CPC, colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu.
É verdade que o Executado não era devedor originário da quantia exequenda, mas face ao incumprimento da ordem de penhora de crédito que lhe foi dirigida pela Sra. Agente de Execução, colocou-se numa situação relapsa que confere ao Exequente a possibilidade legal de fazer reverter a execução contra si.
Embora objetivamente tenha existido um ofício onde foram prestadas algumas informações pelo Município, o Executado não deu cumprimento ao que lhe foi exigido e fê-lo fora do prazo de 10 (dez) dias legalmente previsto no n.º 3 do artigo 773.º do CPC.
Conclui, pugnando pela improcedência da oposição. I.2 O incidente seguiu a sua tramitação, vindo a Tribunal a quo a proferir a decisão seguinte: - «1. No âmbito de incidente de oposição à penhora entretanto deduzido pela primitiva Executada, foi proferido despacho (fls. 11 do apenso “C”) que determinou o imediato levantamento da penhora efectuada sobre o mencionado crédito. Face a este circunstancialismo, coloca-se a questão de saber se ocorreu ou não a impossibilidade superveniente da presente lide (execução e respectivos embargos). Notificados para se pronunciarem sobre tal questão, a Executada defendeu a tese da impossibilidade superveniente da lide; enquanto o Exequente, em resposta a tal requerimento, defendeu a tese oposta. Cumpre decidir. 2. Com todo o respeito por posição diversa, é meu entendimento firme que se verifica efectivamente a impossibilidade superveniente da presente lide. Senão vejamos. A execução que esteve na origem da instauração dos presentes embargos de executado foi movida pelo Exequente contra o Município B…, ao abrigo do disposto no artigo 777º nº 3 do Código de Processo Civil. Com efeito, na primitiva execução o Exequente nomeou à penhora, entre outros créditos, as verbas que a Executada tinha a receber da Câmara Municipal B… ao abrigo de protocolo celebrado entre ambas. Porém, notificada nos termos e para os fins do artigo 773º do Código de Processo Civil, a Câmara Municipal B… nada disse ou respondeu. Daí que o objectivo único e exclusivo desta segunda execução, tal como resulta daquele supra citado artigo 777 nº 3 do Código de Processo Civil, seja o de exigir directamente ao devedor o cumprimento da prestação que ele reconheceu (por presunção derivada da sua conduta omissiva) mas não pagou. Ora, reconhecendo-se no processo principal que a obrigação do pagamento da prestação em causa pela Câmara Municipal B… deixou de existir (por força do levantamento da penhora), então não faz qualquer sentido que a mesma continue obrigada perante a Exequente no âmbito desta segunda execução. Aliás, o nº 4 do artigo 777º do Código de Processo Civil prevê expressamente que se o devedor, na oposição à execução contra ele instaurada pelo Exequente, lograr demonstrar a inexistência do crédito, o mesmo apenas ficará responsável pelos danos causados, nos termos gerais, e se o exequente tiver expressamente feito valer na contestação o direito à indemnização. Ou seja, demonstrando-se a inexistência do crédito, então o executado deixa de responder pelo mesmo, passando apenas a ter de indemnizar o exequente pelos danos que a sua conduta omissiva lhe tenha causado, caso este assim o requeira na contestação dos embargos. Assim sendo, faz todo o sentido que numa situação como a que se verifica nos presentes autos (que é a da penhora ter sido levantada e, portanto, ter deixado de existir), em tudo similar àquela, seja de aplicar a mesma solução. Por outro lado, analisada a contestação deduzida pelo Exequente nestes embargos de executado, facilmente se conclui que o mesmo não invocou o direito ao recebimento de qualquer indemnização pelos danos que lhe foram causados pela Câmara Municipal B…. Por tudo o exposto, é de concluir que se verifica efectivamente a impossibilidade superveniente da lide da execução instaurada pelo Exequente contra a Câmara Municipal B…, bem como dos embargos de executado por esta deduzidos. 3. Nestes termos e com tais fundamentos, declaro extinta a instância da execução movida a fls. 70 e seguintes (bem como dos presentes embargos de executado), por impossibilidade superveniente da lide. Custas pelo Exequente – artigo 536º nº 3 do Código de Processo Civil. Notifique. DN. (..)». I.3Inconformado com esta decisão o exequente interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
I. Vem o ora Recorrente interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal a quo versando, o mesmo, sobre matéria de facto, por incorretamente julgada;
II. O Recorrente entende que a decisão proferida no âmbito do apenso “C” – oposição à penhora deduzida pelo Executado originário Futebol Clube B… – é absolutamente irrelevante para os presentes embargos,
III. Uma vez que as matérias em causa naquele apenso e no presente apenso são completamente distintas.
IV. A decisão proferida no apenso “C”, em nada influencia o andamento dos autos principais de execução, nem os presentes embargos deduzidos pelo Município.
V. Não será, portanto, de aplicar a ambos solução similar, uma vez não existindo no presente apenso qualquer fundamento legal que possa determinar a extinção da execução, por impossibilidade superveniente da lide.
Termos em que, balizado o objeto do recurso e atentos os fundamentos do mesmo, deve a sentença ser revogada nos termos ora pretendidos. I.4 O recorrido Município B… apresentou contra-alegações, que sintetizou nas conclusões seguintes:
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Conclui pugnando pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida. I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, não tendo emitido parecer na consideração de o mesmo não ser devido, atenta a natureza processual da questão discutida. I.6 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento. I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pelo recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente.
FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação do recurso relevam os factos resultantes do relatório, bem assim o teor da decisão proferida no apenso C, referida no início da decisão recorrida, que se passa a transcrever: [..]. 1.1. – “Futebol Clube B…”, executada nos autos principais, veio deduzir incidente de oposição à penhora, previsto no artigo 784º do Código de Processo Civil, pedindo que seja ordenado o levantamento das penhoras ali efectuadas sobre uma série de créditos, melhor descritos no artigo 2º do requerimento inicial. Alegou para tal, em síntese, que o valor do imóvel também penhorado é mais do que suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda, pelo que a penhora dos créditos se afigura desnecessária. 1.2 – Devidamente notificado para tal fim o Exequente não respondeu. Cumpre decidir. 2 – Uma vez que o Exequente não respondeu, e ao abrigo do disposto no artigo 293º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 785º, n.º 2 do mesmo diploma, consideram-se confessados todos os factos alegados no requerimento inicial. Assim sendo, e para além dos factos já demonstrados documentalmente, está demonstrado que: - O imóvel penhorado tem um valor de mercado superior a 1.000.0000,00€ (artigo 6º); - A penhora dos créditos indicados pelo Exequente impede a Executada de continuar a dar formação a mais de 600 jovens que ali praticam as modalidades de D…, F…, G… e E… 3. O artigo 784º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil permite a oposição à penhora quando, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, este venha suscitar questões que obstem à admissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou à extensão com que ela foi realizada. No caso do presente, o crédito exequendo ascende neste momento a um valor glogal de cerca de 14.000€, sendo que o imóvel penhorado tem um valor de mercado de cerca de 1.0000.000€. Assim sendo, é manifesto que este imóvel, só por si, é mais do que suficiente para garantir o crédito exequendo (a que acresce ainda o valor dos demais bens moveis nomeados pelo Exequente). Logo, e tal como alega a Executada, a penhora dos demais créditos de que a mesma é titular sobre terceiros afigura-se desnessária e desproporcionada, excedendo largamente o crédito que visa garantir. O que, necessariamente, viola o disposto no artigo 735º nº3 do Código de Processo Civil. Apenas resta, portanto, julgar a integral procedência da presente oposição. 4. Nestes termos e com tais fundamentos, julgo procedente, por provada, a presente oposição à penhora, em consequência do que determino o imediato levantamento das penhoras efectuadas sobre cada um dos créditos indicados no artigo 2º do requerimento inicial (verbas protocoladas com a Câmara Municipal C…, com a Federação Portuguesa de D…, com a Federação Portuguesa de E…, com a Federação Portuguesa de F… e com a Federação Portuguesa de G…; e depósitos bancários existentes em contas abertas em nome da Executada).
II.1 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A questão colocada para apreciação pelo recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente.
A inutilidade e a impossibilidade superveniente da lide, actualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio [José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512].
No mesmo sentido, mas por outras palavras, no Acórdão do STJ, de 25.3.2010 [Proc.º 2532/05.5TTLSB.L1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt], elucida-se o seguinte:
-«A impossibilidade da lide ocorre por morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo, ou por extinção de um dos interesses em conflito. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cf., sobre esta temática, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 367-373, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 510-512, e ainda CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 280-282)».
A instância extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Mas o facto susceptível de determinar a extinção da instância por inutilidade ou por impossibilidade da lide deve ser superveniente, isto é a sua verificação deve ocorrer depois da constituição da instância. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil ou impossível.
Neste mesmo sentido, lê-se no sumário do Acórdão do STJ de 15/03/2012 [Proc.º n.º 501/10. 2TVLSB.S1, Conselheiro Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.pt] o seguinte: 1) A alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil prende-se com o princípio da estabilidade da instância que se inicia com a formulação de um pedido consistente numa pretensão material com solicitação da sua tutela judicial (pretensão processual) aquele de corrente de um facto jurídico causal (essencial ou instrumental) da qual procede (causa de pedir). 2) A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que inviabilizam o pedido, não em termos de procedência/mérito mas por razões conectadas com o mesmo já ter sido atingido por outro meio não podendo sê-lo na causa pendente. 3) Torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade se sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito.
(..)». II.1.1 Prosseguindo. Afigura-se pertinente começar por a contextualizar a questão que se coloca sob apreciação, fazendo o enquadramento legal relevante.
Como mencionado na fundamentação da decisão recorrida, na execução movida contra o devedor Futebol Clube B…, o exequente nomeou à penhora, entre outros créditos, as verbas que aquele executado tinha a receber do Município B… ao abrigo de protocolo celebrado entre ambas.
Na sequência dessa nomeação, foi dado cumprimento ao artigo 773.º 1, do CPC, tendo o devedor Município B… sido notificado de que o crédito em causa ficava à ordem do agente de execução, procedeu-se à penhora desse crédito (em paralelo com a penhora dos outros bens e créditos nomeados).
No pressuposto de que o Município B…, apesar de notificado, nada disse, o exequente assumiu que aquela entidade reconheceu a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora (art.º 773.º4, CPC) e, como não procedeu subsequentemente ao seu depósito, instaurou a acção executiva objecto do presente incidente de oposição (art.º 777.º , n.º1, al. a) e n.º 4, do CPC).
Acontece que o executado Município B… deduziu a presente oposição à execução e penhora, sustentando que respondeu à notificação para penhora de créditos, em 30-07-2018, informando que “(..) não existem créditos penhoráveis do Executado sobre o Município B…”, assim como prestou os esclarecimentos necessários. De igual modo, em 22 de Agosto de 2018, respondeu à notificação para pagamento de crédito, informando estar legalmente impedida de tal e esclarecendo as razões”.
Como se observa no acórdão da Relação de Lisboa de 28-10-2020 [Proc.º327/03.0TTTVD-F.L1-4, Desembargadora Manuela Fialho, disponível em www.dgsi.pt], o efeito cominatório previsto no artº 773º/4 do CPC produz efeitos no âmbito do processo executivo em que é efetuada a notificação do devedor para efeitos de penhora de créditos. Mas instaurada execução contra tal devedor ao abrigo do disposto no artº 777º/3 do CPC, pode o mesmo, no âmbito dessa nova execução, em sede de oposição, discutir a existência do crédito [no mesmo sentido, entre outros – todos disponíveis em www.dgsi.pt- , Ac. TRL de 23-11-2011, proc.º 1573-B/2002.L2-2, Desembargador Ezagüy Martins; Ac. TRL de 24-10-2019, proc.º 16556/15.0T8LSB-B-L1-6, Desembargadora Gabriela Martins; Ac. TRG de 11-01-2018, Proc.º 3060/14.3T8VNF-B.G1 , Desembargadora Margarida Sousa].
Em suma, na oposição à execução a que se refere o n.º4, do art.º 777.º do CPC, o terceiro devedor pode impugnar a existência do crédito e, verificando-se que não existia, “responde pelos danos causados, nos termos gerais, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à oposição”.
Portanto, não é líquido que o crédito penhorado exista, posto que a prosseguir a presente oposição sempre poderá o terceiro devedor Município B…, com os fundamentos que invocou na oposição, vir a lograr demonstrar a sua inexistência.
Atentemos agora na execução movida pelo exequente contra o devedor Futebol Clube B…, no qual nomeou à penhora aquele crédito.
Como decorre do princípio geral estatuído no n.º 1 do art.º 601.º do CC. “Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (..)”.
Em linha com esse princípio, o art.º 735.º do CPC, vem dispor no n.º 1, que “ Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”, para depois, no n.º3, estabelecer:
-«A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor».
A propósito do princípio enunciado nesta disposição, o Acórdão desta Relação, de 16-04-2013 [Proc.º n.º 3234/09.9T2AGD-C.C1, Desembargador Henrique Antunes, disponível em www.dgsi.pt], ancorando-se no invocado ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa [Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, págs. 641 e 642, e Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, págs. 33 e 34], elucida o seguinte:
- […] o acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora se resolve está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade. A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda. A agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património. Essa ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta[3]».
Como resulta do art.º 784. n.º 1, al. a), CPC, a violação do princípio da proporcionalidade justifica a oposição do executado, ou seja, o executado pode deduzir oposição à penhora, através do incidente regulado no art.º 785.º, do mesmo diploma legal, com fundamento na extensão com que foi realizada a penhora.
Foi o que aconteceu neste processo principal de execução -, em que é exequente o aqui recorrente C… e executado Futebol Clube B… -, incidente que veio a proceder nos termos constantes da decisão proferida no apenso C e transcrita nos factos provados, tendo-se concluído:
-« (..) tal como alega a executada, a penhora dos demais créditos de que a mesma é titular sobre terceiros afigura-se desnecessária e desproporcionada, excedendo largamente o crédito que visa garantir. O que, necessariamente, viola o disposto no art.º 735.º n.º3, do Código de Processo Civil. Apenas resta, portanto, julgar a integral procedência da presente oposição.
(..) em consequência do que determino o imediato levantamento das penhoras efectuadas sobre cada um dos créditos indicados no artigo 2.º do requerimento inicial (verbas protocoladas com a Câmara Municipal B… (…)».
É perante este quadro que o tribunal a quo entendeu que se colocava a questão de saber se ocorreu ou não a impossibilidade superveniente da presente lide (execução e respectivos embargos), vindo a concluir: “(..) Ou seja, demonstrando-se a inexistência do crédito, então o executado deixa de responder pelo mesmo, passando apenas a ter de indemnizar o exequente pelos danos que a sua conduta omissiva lhe tenha causado, caso este assim o requeira na contestação dos embargos. Assim sendo, faz todo o sentido que numa situação como a que se verifica nos presentes autos (que é a da penhora ter sido levantada e, portanto, ter deixado de existir), em tudo similar àquela, seja de aplicar a mesma solução. Por outro lado, analisada a contestação deduzida pelo Exequente nestes embargos de executado, facilmente se conclui que o mesmo não invocou o direito ao recebimento de qualquer indemnização pelos danos que lhe foram causados pela Câmara Municipal B…. Por tudo o exposto, é de concluir que se verifica efectivamente a impossibilidade superveniente da lide da execução instaurada pelo Exequente contra a Câmara Municipal B…, bem como dos embargos de executado por esta deduzidos».
Pois bem, com o devido respeito pela posição do recorrente, a decisão proferida no apenso C não “ é absolutamente irrelevante para os presentes embargos”.
Com efeito, se foi levantada a penhora sobre o alegado crédito do devedor Futebol Clube B… sobre Município B… – alegadas verbas que aquele executado tinha a receber ao abrigo de protocolo celebrado entre ambas –, mas que como se deixou explicado, não é líquido que exista, tal traduz-se num resultado idêntico à inexistência do crédito prevista no n.º4, do art.º 777.º do CPC.
E, se assim é, com que base se continuará a dizer que o crédito existe, quando já não há penhora sobre o alegado crédito?
Por outro lado, qual seria a utilidade em manter a presente instância a fim de ir discutir se o mesmo existe?
De resto, não esqueçamos, quando é igualmente seguro que o crédito do exequente sobre o devedor principal está devidamente garantido pela penhora que foi mantida, razão que determinou o levantamento – por excesso – “das penhoras efectuadas sobre cada um dos créditos indicados no artigo 2.º do requerimento inicial”, entre elas as “verbas protocoladas com a Câmara Municipal B…”, que esteve na origem desta execução.
Em conclusão, acompanha-se o tribunal a quo na decisão recorrida, inexistindo fundamento para a procedência do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º2, CPC).
Porto, 23 de Novembro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes