CONTRATO DE EMPREGO-INSERÇÃO
TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário

O Tribunal do Trabalho é materialmente competente para a apreciação das questões relativas ao contrato de emprego-inserção +, celebrado nos termos da Portaria nº 128/2009, de 30 de Janeiro.

Texto Integral

Processo nº 4627/19.9 T8MAI.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório
B…, residente na …, nº .., união de freguesias …, Santo Tirso, com apoio judiciário deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, com sede na Rua …, nº .., …, Santo Tirso.
Formula o seguinte pedido:
a) Ser declarada a ilicitude da cessação do contrato celebrado com a Autora com os efeitos previstos na lei;
b) Condenar a Ré a pagar à Autora quantia de € 5.030,64 (cinco mil e trinta euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de bolsa de ocupação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese: A Autora celebrou com a Ré, um contrato denominado “Emprego-Inserção +”; Face à prestação do trabalho, a Autora tinha direito a receber uma bolsa de ocupação mensal de montante igual ao valor do indexante dos Apoios Sociais (fixado em 419,22€), acrescido de pagamento de refeição ou subsídio de alimentação referente a cada dia de atividade; Em 14 de Dezembro de 2018, pelas 14h30m, a Autora escorregou e caiu desamparada no chão da cozinha do local onde prestava serviço, batendo de imediato com braço direito no solo e fraturando o pulso direito; A Autora teve alta médica da Seguradora no dia 8 de Março de 2019; De modo que, A Autora apresentou-se de imediato ao serviço da Ré para exercer as funções que lhe foram atribuídas nas instalações daquela; Ficou salvaguardo por instruções do médico ortopedista que, caso ocorresse alguma recaída, deveria a Autora o contactar para lhe ser atribuída nova baixa médica; O que, infelizmente, veio a suceder; A Autora ficou assim novamente incapacitada em 14 de Março de 2019, continuando à data de hoje incapacitada para exercer atividade profissional; Em 8 de Julho de 2019, obteve alta médica e regressou ao seu posto de trabalho; Aquando do retorno ao trabalho, foi-lhe transmitido verbalmente pela Dra. Susana Curralo, Diretora de Serviços da Ré, que o contrato que os vinculava tinha cessado.
Foi designada e realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré veio contestar, invocando a incompetência absoluta do Tribunal e a caducidade do contrato. Alega que: não existe nenhuma relação jurídica laboral entre a A. e a R.; Não dispondo, por isso, o Tribunal, competência em razão da matéria para o conhecimento da presente questão; Resulta ainda claramente do nº 1 da Cláusula 7ª que “o contrato emprego-inserção + cessa no termo do prazo que foi fixado (...)”, E, do nº 1 da Cláusula 8ª que “o primeiro outorgante deve informar o IEFP, IP da intenção de renovação, ou não, do contrato emprego-inserção +, comunicando a decisão obrigatoriamente por escrito ao segundo outorgante, com a antecedência mínima de 8 dias úteis em relação ao termo do respetivo prazo, sob pena de caducidade do mesmo”. Impugna o alegado pela autora e pede a condenação desta como litigante de má fé.
A autora respondeu, pugnando pela improcedência da excepção de incompetência do tribunal, bem como do pedido de condenação por litigância de má fé.
Foi proferido despacho saneador/sentença, no qual se decidiu a final: “nos termos do estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 126º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, e 96º, al. a), 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nº 2 e 577º, al. a), todos do C.P.C. ex vi do disposto no art. 1º, nº 2, al. a) do CPT, julgo procedente, por provada, a excepção de incompetência em razão da matéria invocada pela Ré e em consequência declaro o presente Juízo do Trabalho materialmente incompetente para conhecer da presente acção e consequentemente absolvo a Ré da instância”. “Não se anota qualquer litigância de má fé por parte da Autora.”
Fixou-se à acção o valor de € 12.530,64.
Inconformada interpôs a autora o presente recurso de apelação, concluindo:
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A ré não apresentou alegações.
O Ilustre Procuradora Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista nos autos, não emitindo parecer em virtude de o recurso dizer respeito “a questão eminentemente processual”.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A única questão a resolver prende-se com a competência (ou incompetência) do Tribunal de Trabalho para conhecer o presente litígio.

II.Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão importa considerar o que consta do relatório e o acordo assinado pelas partes, com o seguinte teor:
“CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO+
Celebrado no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção+
Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção e outros Desempregados elegíveis
(Portaria nº 128/2009, de 30 de Janeiro, alterada pelas Portarias nº 294/2010, de 31 de maio, nº 164/2011/ de 18 de abril, nº 278-H/2013, de 31 de dezembro, nº 20-B/2014, de 30 de janeiro e regulamentada pelo Despacho nº 1573-A/2014, de 30 de janeiro ou Decreto-Lei nº 290/2009, de 12 de outubro, alterado pela Lei nº 24/2011, de 16 de junho e pelo Decreto-Lei nº 131/2013, de 11 de setembro e regulado pelo Despacho Normativo nº 18/2010, de 29 de junho)
Entre C…, com sede em RUA …, .., Concelho SANTO TIRSO, Distrito de PORTO, Pessoa Colectiva nº ………, representado por D…, na qualidade de Presidente da Direção, como primeiros outorgante, B…, portador do documento de identificação nº …….., residente em …, .. …. – … …, Concelho de SANTO TIRSO, Distrito de PORTO, Contribuinte nº ………, como segundo outorgante, é ajustado o presente contrato, no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção+, que sujeitam às cláusulas seguintes:

CLÁUSULA 1ª
(Objecto)
1. O primeiro outorgante obriga-se a proporcionar ao segundo outorgante, que aceita, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de OUTROS TRABALHADORES DOS CUIDADOS PESSOAIS E SIMILARES NOS SERVIÇOS DE SAÚDE, no âmbito do Projeto por si organizado e aprovado em 2014/09/15, no âmbito da Portaria nº 128/2009, de 30 de Janeiro, alterada pelas Portarias nº 294/2010, de 31 de maio, nº 164/2011/ de 18 de abril, nº 278-H/2013, de 31 de dezembro, nº 20-B/2014, de 30 de janeiro e regulamentada pelo Despacho nº 1573-A/2014, de 30 de janeiro, pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, adiante designado por IEFO, IP, nos termos da supra mencionada medida.
2. O primeiro outorgante não pode exigir ao segundo outorgante o desempenho de tarefas que não se encontrem no projeto aprovado, e as atividades a desenvolver não podem corresponder ao preenchimento de postos de trabalho.
CLÁUSULA 2ª
(Local e Horário)
A prestação de trabalho socialmente necessário, referida no número 1 da cláusula primeira, terá lugar no(a) Rua …, nº .., …. – … …, STS e realizar-se-á de acordo com o horário que legal e que convencionalmente está em vigor para o sector de atividade onde se insere o projeto da Medida contrato emprego-inserção + (devendo decorrer a tempo completo) e conforme acordado entre as partes no presente contrato, ou seja, de 37 a 40 horas
CLÁUSULA 3ª
(Direitos dos beneficiários do rendimento de inserção e outros desempregados)
1. O segundo outorgante tem direito a receber do primeiro outorgante:
a) Uma bolsa de ocupação mensal de montante igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (fixado em 419,22€);
b) Refeição ou subsídio de alimentação referente a cada dia de atividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na sua falta, ao atribuído aos trabalhadores que exerçam funções públicas:
c) O pagamento das despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de atividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projeto;
d) Caso o primeiro outorgante não assegure o transporte entre a residência habitual e o local da atividade, deve pagar as despesas de transporte no montante equivalente ao custo das viagens realizadas em transporte coletivo ou, se não for possível a sua utilização, subsídio de transporte mensal no montante máximo de 12,5% do IAS, salvo situações excepcionais e devidamente fundamentadas, a apreciar pelo IEFP;
e) Um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício de trabalho socialmente necessário;
2. O primeiro outorgante compromete-se a respeitar as condições de segurança e saúde no trabalho a que estiver obrigado nos termos legais e convencionais do sector de atividade em que se integra.
3. O segundo outorgante disporá de um período até ao limite de horas correspondentes a 4 dias por mês, para efetuar diligências de procura ativa de emprego, devendo comprovar a efetivação das mesmas.
CLÁUSULA 4ª
(Deveres dos beneficiários do rendimento social de inserção e outros desempregados elegíveis)
São deveres do segundo outorgante:
a) Aceitar a prestação de trabalho necessário no âmbito do projeto, desde que aquele reúna, cumulativamente, as seguintes condições;
a1) Seja compatível com a capacidade física e com a qualificação ou experiência profissional do segundo outorgante;
a2) Consista na satisfação de necessidades sociais ou coletivas ao nível local ou regional;
a3) Permita a execução das tarefas de acordo com as normas legais de higiene, e segurança e saúde no trabalho;
a4) Não corresponda ao preenchimento de postos de trabalho nos quadros de pessoal do primeiro outorgante.
b) Tratar com urbanidade o primeiro outorgante, seus representantes e demais colaboradores, bem como os outros participantes no projeto;
c) Guardar lealdade ao primeiro outorgante, designadamente, não transmitindo para o exterior informação de que tenha tomado conhecimento durante a execução do projeto;
d) Utilizar com cuidado e zelar pela boa conservação de equipamentos e demais bens que lhe sejam confiados, pelo primeiro outorgante ou seus representantes, no decurso de execução do projeto;
e) Responder, pela forma e no prazo solicitado, a todos os inquéritos relativos ao projeto formulados pelo Serviço de Emprego, após a sua conclusão;
f) Comparecer nos serviços do IEFP, IP, sempre que for convocado;
g) Aceitar emprego conveniente e/ou formação profissional considerada relevante para a integração no mercado de trabalho, caso lhe venha a ser proposto pelo IEFP, IP no decorrer do projeto.
CLÁUSULA 5ª
(Faltas e seus efeitos)
1. As faltas podem ser justificadas ou injustificadas nos termos gerais aplicáveis à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante.
2. As faltas injustificadas determinam sempre o desconto na bolsa de ocupação mensal atribuída, correspondente ao período de ausência.
3. Constitui causa de rescisão do presente contrato a ocorrência de:
a) Mais de cinco faltas injustificadas seguidas ou interpolada;
b) Faltas justificadas durante quinze dias consecutivos ou interpolados.
4. As faltas justificadas não retiram ao segundo outorgante o direito à bolsa de ocupação mensal, correspondente aos dias em falta, sem prejuízo do disposto no número anterior.
5. O segundo outorgante terá direito ao recebimento da bolsa de ocupação mensal, quando seja acionado o seguro, durante o período de falta por motivo de acidente.
6. As faltas por motivo de convocatória pelo IEFP, IP tendo em vista a obtenção de emprego oi a frequência de ações de formação profissional, são consideradas faltas justificadas.
CLÁUSULA 6ª
(Suspensão do contrato)
1. O segundo outorgante pode suspender o contrato por motivo de doença, maternidade ou paternidade durante um período não superior a seis meses.
2. Durante a suspensão do contrato não é devida pelo primeiro outorgante ao segundo outorgante, bolsa de ocupação mensal e os restantes apoios previstos.
3. O primeiro outorgante pode suspender o contrato por facto a ele relativo, nomeadamente, por encerramento temporário do estabelecimento onde decorre a atividade, por um período não superior a 1 mês.
4. A suspensão do contrato depende de autorização do IEFP, IP, concedida no prazo de 5 dias úteis após o pedido do primeiro ou do segundo outorgante, o qual deve ser formalizado por escrito, indicando o fundamento e a duração previsível da suspensão, com a antecedência mínima de 8 dias úteis ou, quando tal for manifestamente impossível, até ao dia seguinte ao facto que deu origem ao pedido de suspensão.
CLÁUSULA 7ª
(Cessação e resolução do contrato emprego-inserção +)
1. O contrato emprego-inserção + cessa no termo do prazo que foi fixado ou, ainda, quando o segundo outorgante:
a) Obtenha emprego conveniente ou inicie uma ação de formação profissional;
b) Recuse emprego conveniente ou uma ação de formação profissional;
c) Utilize meios fraudulentos nas suas relações com o IEFP, IP, ou com o primeiro outorgante;
d) Passe à situação de reforma;
e) Perca o direito ao rendimento social de inserção, por força do disposto no Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de junho, nomeadamente, nas situações de alteração de rendimentos.
2. No caso de cessação do presente contrato, por motivos de passagem à situação de reforma ou de integração em ação de formação profissional, através da outra entidade que não o IEFP, IP, o segundo outorgante obriga-se a comunicar, por escrito, ao primeiro outorgante com a indicação do fundamento e com a antecedência mínima de oito dias.
3. A violação grave e reiterada dos deveres do segundo outorgante confere ao primeiro outorgante o direito de rescindir o presente contrato, cessando imediatamente todos os direitos dele emergentes.
4. O primeiro outorgante pode proceder à resolução do presente contrato se o segundo outorgante:
a) Utilizar meios fraudulentos nas suas relações com o primeiro outorgante;
b) Faltar injustificadamente durante cinco dias consecutivos ou dias interpolados;
c) Faltar injustificadamente durante quinze dias consecutivos ou interpolados;
d) Desobedecer à instruções sobre o exercício da atividade, provocar conflitos repetidos ou não cumprir as regras e instruções de segurança e saúde no trabalho;
e) Não cumprir o regime de faltas das ações de formação prévia quando previstas no projeto.
5. A resolução do contrato por qualquer dos motivos referidos no número anterior deve ser comunicada, por escrito, ao segundo outorgante, com a indicação do fundamento e com a antecedência mínima de oito dias.
CLÁUSULA 8ª
(Renovação)
1. O primeiro outorgante deve informar o IEFP,IP da intenção de renovação, ou não, do contrato emprego-inserção +, comunicando a decisão obrigatoriamente por escrito ao segundo outorgante, com a antecedência mínima de 8 dias úteis em relação ao termo do respetivo prazo, sob pena de caducidade do mesmo.
2. Caso seja autorizada a renovação do presente contrato, há lugar a um adiamento.
CLÁUSULA 9ª
(Alterações supervenientes - efeitos)
1. Quando o primeiro outorgante não puder cumprir integralmente o projeto, por razões alheias à sua vontade e a si não imputáveis, poderá proceder aos necessários ajustamentos, que passarão, depois de aprovadas pelo IEFP, IP, a vincular o segundo outorgante a partir da data em que deles tenha tomado conhecimento, considerando-se como parte integrante do contrato emprego-inserção + estabelecido entre as partes.
2. As alterações ao projeto, pelos motivos referidos no número anterior, não desobrigam os outorgantes do cumprimento dos seus deveres recíprocos nem prejudicam o exercício recíproco dos seus direitos, nos termos referidos naquele número.
CLÁUSULA 10ª
(Duração)
O presente contrato vigorará pelo período estabelecido para a execução do projeto, sem prejuízo do disposto das cláusulas 6ª a 8ª, tendo início em 11/06/2018 e terminando no dia 18/03/2019.
SANTO TIRSO, 13 de Junho de 2018”

III.O Direito
Consta, em síntese, da decisão sob recurso:
“(...) importa, antes de mais, referir que tal questão não é nova nos nossos Tribunais, tendo já a esse propósito sido proferidos, pelo menos, pelos nossos Tribunais Superiores os Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 26-02-2015 (www.dgsi.pt/jtrg - Proc. nº 243/11.1TTBCL.G1) e os Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 04-12-2014 (www.dgsi.pt/jtre - Proc. nº 294/13.1TTEVR.E1) e de 05-11-2015 (Proc. nº 503/13.7T2SNS-A.E1) relativamente aos contratos Emprego-Inserção celebrados ao abrigo da Portaria noº 128/2009, de 30/01.
Mas já anteriormente o Colendo Supremo Tribunal de Justiça se pronunciara no Acórdão de 14/11/2001 (www.dgsi.pt/jstj -Proc. nº 01S888) a propósito dos acordos de actividade ocupacional, regulados pela Portaria nº 192/96, de 30 de Maio.
E a resposta dos demais Acórdãos acabados de referir, à questão de saber se o Tribunal do Trabalho é materialmente competente é unânime no sentido de que “não tendo tais acordos a natureza jurídica de um contrato de trabalho, os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer dos litígios deles emergentes”, (Ac. STJ, de 14/11/2001 acabado de citar).
(...)
(...) é manifesto que o contrato emprego inserção não se confunde com a noção de contrato de trabalho, por manifestamente lhe faltarem os elementos essenciais daquele.
Na verdade, o trabalho realizado no âmbito do contrato emprego inserção não é remunerado, mas antes compensado com uma bolsa.
E também não se verifica o elemento da subordinação jurídica, uma vez que é ao IEFP, I.P. que cabe acompanhar e fiscalizar o desenvolvimento do contrato inserção – artigo 14º, nº 2 e 16º, nº 5, da Portaria 128/2009, de 30 de Janeiro.
Por outro lado, conforme consta da cláusula 1ª, nº 2 do contrato, as atividades a desenvolver não podem corresponder ao preenchimento de postos de trabalho.
Acrescentando a cláusula 4ª, nº 1, alínea a), a 4) do contrato que a prestação de trabalho não pode corresponder ao preenchimento de postos de trabalho nos quadros de pessoal da entidade que o proporciona.
Deste modo, não se encontrando, no caso concreto, a autora vinculada por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, importa dar procedência à invocada excepção da incompetência em razão da matéria por o Juízo do Trabalho ser incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção – artigo 126º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
E a nosso ver, e na linha do considerado e decidido no aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e nos referidos Acórdãos da Relação de Évora, tal competência antes cabe nos Tribunais Administrativos.”
Insurge-se a recorrente, alegando:
“54 - O que existia entre Recorrente e Recorrida era um contrato denominado de Contrato Emprego-Inserção +, celebrado em 13 de Junho de 2018 que a Ré fez cessar, de forma ilícita, dado a cessação invocada não constitui um meio legal de pôr um fim ao mesmo, configurando-se, por isso, aquela cessação como um despedimento informal e sem justa causa. Destarte,
55 - A cessação do contrato de emprego celebrado com a Recorrente foi ilícito pelo qual tem a mesma direito ao recebimento da bolsa de ocupação mensal, quando seja acionado o seguro durante o período de falta por motivo de acidente. Aliás,
56 - É o que estipula o nº 5 da Cláusula 5ª do Contrato de Emprego-Inserção +, subscrito por Recorrente e Recorrida.
57 - Ao qual, acresce também naquela Cláusula 5ª, no seu nº 4 que, as faltas justificadas não retiram à Recorrente o direito à bolsa de ocupação mensal. Pelo que,
58 - A Recorrente tem direito a receber da Recorrida a bolsa de ocupação mensal desde a data do acidente até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude da cessação. Atento ao explanado, Ademais,
59 – Incumbe aos tribunais judiciais no exercício da sua função jurisdicional de administração da justiça em nome do povo, têm a sua competência regulada primacialmente pela Constituição, de acordo com a sua categoria e as suas instâncias, podendo estas ser especializadas por matérias (202º, nº 1; 209º; 210º, 211º - 214º todos da Constituição).
60 - A Lei Orgânica do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26/08, sucessivamente alterada, designadamente pela Lei nº 40-A, de 2016, de 22/12 e Decreto-Lei nº 86/2016, de 27/12 – LOSJ) que faz, como sucedia anteriormente, a correspondente repartição atenta a matéria, o valor, a hierarquia e o território (64º, 66º, 67º - 69º, 70º - 95º NCPC), mas dando primazia àquela LOSJ no caso de infração das regras de competência material (65.o NCPC). Neste seguimento,
61 – Dispõe o artigo 40º, nº 1 da LOSJ que “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, aditando-se no nº 2 que “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada”. Ora,
62 - Tanto os juízos locais cíveis, como os juízos de trabalho, inserem-se naquela ordem, sendo aqueles um desdobramento dos juízos locais e estes juízos de competência especializada, tendo as suas competências características próprias, mas no âmbito dos tribunais comuns (80º, nº 2 e 81º LOSJ).”
Sobre a questão da competência do tribunal do trabalho pronunciou-se o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 13 de Abril de 2015, processo 89/14.5TTMAI-A.P1, acessível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
Tanto nos termos do art. 85º da então Lei 3/99, de 13.01. (LOFTJ), como do art. 126º da atual Lei 62/2013 (LOSJ), que revogou aquela e entrou em vigor aos 01.09.2014, as atuais Secções do Trabalho (anteriormente, tribunais do trabalho, extintos pela citada Lei 62/2013) são materialmente competentes para conhecer:
- “b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;” (al. b) de ambos os diplomas);
- “n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;” (als. o) da LOFTJ e n) da LOSJ).
Por sua vez “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” – artigo 212.º, n.º 3, da CRP, artigo 144.º, n.º 1 da LOSJ e artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, dispondo ainda a al. d) do n.º 3, do artigo 4.º do ETAF, na redação da Lei n.º 59/2008 de 11.09, que ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: “d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”.
Como se tem entendido, a competência material afere-se em função dos termos, subjetivos e objetivos, em que é proposta a ação, incluindo os seus fundamentos. Como diz MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.91, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”. A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação.
Os termos objetivos são delimitados pelo A. em função do pedido e da causa de pedir, esta consubstanciada nos factos, por ele alegados, que constituem o seu fundamento. O Tribunal não está, todavia, adstrito à qualificação jurídica que o A. entenda fazer dos factos que alegou e que integram a causa de pedir (art. 5º, nº 3, do CPC/2013). Ponto é que se atenha à factualidade que integra a causa de pedir.”
Como se refere na decisão sob recurso, a questão encontra-se já abordada na jurisprudência, embora maioritariamente a propósito da competência para conhecer do processo por acidente ocorrido durante a prestação da actividade pelo “empregado”.
No sentido decidido na sentença sob recurso, considerando os tribunais do trabalho materialmente incompetentes para conhecer das questões relacionados com o contrato de “emprego-inserção”, e julgando para tanto competentes os tribunais administrativos, pronunciaram-se os acórdãos mencionados na sentença, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Fevereiro de 2015, processo 243/11.1TTBCL.G1, e do Tribunal da Relação de Évora de 4 de Dezembro de 2014, processo 294/13.1TTEVR.E1, e de 5 de Novembro de 2015, processo 503/13.7T2SNS-A.E1, e o acórdão do STJ 14 de Novembro de 2001, processo 01S888, este relativo ao “acordo de actividade ocupacional” a que se reporta o nº 6 da Portaria nº 192/96, de 30 de Maio, acrescendo ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Março de 2020, processo 2953/17.0T8BCL.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Argumenta-se na sentença sob recurso, citando o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4 de Dezembro de 2014, “Perante o quadro normativo que vimos analisando e que se adequa ao “contrato emprego-inserção +” ao abrigo do qual se estabeleceu a vinculação entre Autor e Ré, impõe-se concluir que entre as partes não existiu uma relação de trabalho subordinado pela qual o Autor se tenha comprometido a prestar sob a direção da Ré uma atividade produtiva mediante o pagamento de uma retribuição; não se configurando que entre as partes tenha existido um contrato de trabalho e também se não enquadrando a relação entre as partes estabelecida nas categorias previstas nas diversas alíneas do nº 1 do art. 126º da Lei nº 62/2013 de 26/08 (que reproduz, no essencial, o que anteriormente resultava do art. 85º da Lei nº 3/99 de 13/1 e do art. 118º da Lei nº 52/2008 de 28/08) tem de concluir-se que o Tribunal do Trabalho, como é o tribunal recorrido, é incompetente em razão da matéria para conhecer da causa e daí que se imponha a absolvição da Ré da instância (arts. 99º, nº 1, 576º, nº 2 e 577º, al. a), todos do CPC). Em boa verdade, o «contrato emprego-inserção +», ao abrigo do qual as partes se vincularam, atenta a respetiva regulamentação tal como emerge Portaria nº 128/2009 de 30/01, além de não configurar uma relação jurídica de trabalho subordinado, também não é subsumível à figura do contrato de prestação de serviços de natureza cível, antes insere-se num programa de nítido cariz social que, em complementaridade a outros instrumentos de proteção social, visa melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho de trabalhadores que se encontram em situação de desemprego ao mesmo tempo que desenvolvem uma atividade socialmente útil que reverte a favor da coletividade; ou seja, descortina-se nele um interesse do trabalhador beneficiário, mas já não o interesse do “promotor do programa” pois que o benefício da atividade daquele reverte a favor da coletividade. Estamos perante uma relação de segurança social, mais especificamente de ação social, fundamentalmente estabelecida entre o IEFP e os trabalhadores-beneficiários, intervindo as “entidades promotoras”, necessariamente entidades coletivas públicas ou privadas sem fins lucrativos, como colaboradoras da Administração na execução dessas finalidades de solidariedade e interesse social. A relação jurídica que subjaz a tal contrato é, pois, de natureza administrativa pelo que a competência para dirimir os litígios dela emergentes cabe à jurisdição administrativa (vide art. 4º, nº 1, al. f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais)”.
No acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 30 de Janeiro de 2020, processo 434/16.9BECTB, acessível em www.dgsi.pt, considerou-se, citando o acórdão do mesmo Tribunal de 19 de Maio de 2016, processo 525/15.3BECTB, que “Durante o período de exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego (art. 10º da Portaria). E tem direito a uma “bolsa financeira mensal” (cfr. o art. 13º da Portaria e o Despacho nº 1573-A/2014). (...) O contrato de trabalho em funções públicas, o contrato de trabalho do funcionário público, uma espécie do vínculo de trabalho em funções públicas (pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração, que ainda pode ser ou nomeação ou comissão de serviço) tem, considerando o previsto na Lei nº 35/2014 e no Código do Trabalho (Lei nº 7/2009, atualizada até à Lei nº 8/2016), o seguinte conteúdo normativo: - Uma pessoa singular obriga-se, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”, assim se concluindo ser o Tribunal Judicial o competente para conhecer de sinistro ocorrido durante a execução do contrato de “emprego-inserção”.
Já no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Junho de 2020, processo 2953/17.0T8BCL.G1, ainda em www.dgsi.pt, se considerou, no seu sumário), que “I- Os juízos do trabalho não têm competência para conhecer de questão em que o autor pretende retirar da conduta do réu o direito a reparação nos termos previstos no Código do Trabalho – sendo certo que ao tribunal que for competente caberá, sem sujeição a tal pretensão, indagar, aplicar e interpretar o direito – se alicerçou tal direito num «contrato emprego-inserção+», cuja denominação, qualificação e subsunção ao regime previsto na Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, de 30 de Janeiro, não colocou em causa, nada tendo alegado em contrário, nem de facto, nem de direito. II - Compulsado o art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a questão não cabe igualmente na competência daqueles tribunais, designadamente por também não estar em causa uma relação de emprego público, recaindo, consequentemente, na competência residual dos juízos cíveis (arts. 64.º e 65.º do Código de Processo Civil e 40.º, 117.º e 130.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário)”.
Contra este argumento sustenta-se no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 10 de Julho de 2019, processo 1942/18.2T8VNG.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt, “havendo nos contratos de emprego-inserção uma dependência funcional e uma relação jurídico de subordinação por parte do seu beneficiário em relação à entidade promotora na prestação do trabalho socialmente necessário, podemos considerar que existe uma relação laboral sui generis. Sendo o beneficiário de tais contratos de emprego-inserção um trabalhador por contra de outrem em sentido lato, o sinistro ocorrido na execução desse contrato deve ser considerado como um acidente de trabalho, sendo os juízos do trabalho os competentes para conhecer das suas consequências.”
Conforme se refere no citado acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 30 de Janeiro de 2020, é já abundante a jurisprudência do Tribunal de Conflitos sobre a matéria da competência, embora relativamente às questões emergentes de acidente sofrido pelo prestador da actividade no âmbito do contrato de emprego-inserção. A jurisprudência do referido Tribunal Superior vai de forma pacífica no sentido de tal competência pertencer aos tribunais de trabalho. Veja-se os acórdão do Tribunal de Conflitos de 19 de Outubro de 2017, processo 015/17, 25 de Janeiro de 2018, processo 053/17, 31 de Janeiro de 2019, processo 040/18, 28 de Fevereiro de 2019, processo 042/18, 30 de Janeiro de 2020, processo 015/19, 6 de Fevereiro de 2020, processo 037/19, 25 de Junho de 2020, processo 050/19, 25 de Junho de 2020, processo 051/19, 25 de Junho de 2020, processo 052/19, todos ainda acessíveis em www.dgsi.pt.
Refere-se no acórdão de 30 de Janeiro de 2020, “Considerando as cláusulas contratuais acima expostas constata-se que as mesmas consagram uma relação jurídica atípica - v. acórdão de 19-10-2017, T. Conflitos, processo n.º 015/15. Com efeito o contrato reúne características próprias de um contrato de trabalho, desde logo os seus elementos caraterizadores (bilateralidade, prestação de uma actividade por banda do trabalhador, mediante retribuição, em regime de subordinação (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª edição, Almedina, 2008, pag. 281 e ss.)) e de uma acção de formação/capacitação que se manifesta na sua precariedade, regime remuneratório, bem como na sua finalidade mediata, que se alcança através da associação do contrato a uma política de segurança social orientada para a qualificação e empregabilidade e que tem expressão bem elucidativa no facto de o trabalhador ser credor de um número de horas equivalentes a 4 dias mensais para a procura ativa de emprego. Em todo o caso, o que sobressai nessa relação jurídica atípica e complexa são os elementos caracterizadores do contrato de trabalho, tal como definidos pelo art.º 11.º do Código de Trabalho (CT) – Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro”.
Mais se acrescenta no acórdão de 6 de Fevereiro de 2020, “do contrato celebrado entre as partes decorre a existência de uma relação de trabalho subordinado (o Município enquanto destinatário da actividade prosseguida pelo trabalhador define e enquadra o trabalho a prestar e controla a sua prestação efectiva), sendo que se trata de uma relação atípica, com componentes retributivas e com uma dimensão de precaridade. A bolsa e as demais componentes retributivas pagas pelo Município ao trabalhador não se confundem com a pensão do Rendimento Social de Inserção de que o mesmo beneficia, sendo motivadas pela prestação de trabalho que justifica o seu pagamento.”
E no acórdão de 25 de Junho de 2020, processo 052/19, “o contrato celebrado reúne características próprias de um contrato de trabalho, desde logo os seus elementos caracterizadores (bilateralidade, prestação de uma atividade por banda do trabalhador, mediante retribuição, em regime de subordinação) e de uma ação de formação/capacitação que se manifesta na sua precariedade, regime remuneratório, bem como na sua finalidade mediata, que se alcança através da associação do contrato a uma política de segurança social orientada para a qualificação e empregabilidade. Em todo o caso, o que sobressai nessa relação jurídica atípica e complexa são os elementos caracterizadores do contrato de trabalho”.
Este é o entendimento que se perfilha, para além do respeito que merecem tais decisões enquanto factor uniformizador da jurisprudência. Neste mesmo sentido ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16 de Maio de 2019, processo 1602/18.4T8TMR.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Assim, procede a apelação.

IV.Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se pelo presente acórdão que julga o Tribunal “a quo” materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados nos autos, determinando-se a prossecução dos mesmos para seu conhecimento.
Custas pela ré.

Porto, 23 de Novembro de 2020
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes