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DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Sumário
I - A indemnização por dano biológico (um défice funcional permanente) e a indemnização por perda de capacidade de ganho (uma incapacidade permanente total ou parcial com perda efetiva de rendimento) são cumuláveis entre si, sem prejuízo da regra da proibição da duplicação do ressarcimento. II - Só deve deixar-se para oportuna liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais não existem elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade. Mas só se não for possível atingir a quantificação dos danos, deverá julgar-se a liquidação de acordo com a equidade. III - Na interpretação e aplicação do art.º 38º, nº 3, da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Automóvel, não é exigível ao segurador oferecer valores indemnizatórios superiores aos que resultam da aplicação dos critérios e valores previstos na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, como critério legal da determinação da proposta razoável, considerando a avaliação do dano corporal disponível no momento, realizada segundo a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
Texto Integral
Proc. nº 94/18.2T8PVZ.P1 (apelação)
Comarca do Porto - Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim - J 3
Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, residente na Rua …, n.º …, …, Guimarães, instauro ação de processo comum contra C…, S.A. com sede na …, n.º …, Lisboa, alegando essencialmente que no dia 26.1.2016, quando conduzia o seu velocípede sem motor num cruzamento de estradas, em …, foi colhido por um veículo ligeiro de passageiros, conduzido por D…, seguro na R., que seguia na mesma rua, mas em sentido inverso, e mudava de direção para a sua esquerda sem atentar no trânsito que se fazia na faixa contrária, à sua esquerda, designadamente na circulação do velocípede.
Por o condutor do veículo automóvel ter agido com culpa, a R. é responsável por todos os danos emergentes para o A., do acidente, sendo eles patrimoniais e não patrimoniais, incluindo danos pessoais e danos materiais, presentes e futuros que a R. deve indemnizar, que discrimina assim:
«1. 85.000,00€ a título de perda de capacidade de ganho; 2. 75.000,00€ a título de dano biológico”; 3. …1.502,31€ a título de perdas salariais; 4. ………250,0€ a título de despesas medicas; 5. …..1.000,0€ a título de despesas com roupa, sapatos e capacete; 6. ….6.501,78€ a título de reparação do seu velocípede; 7. 50.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais; 8. acrescido ainda, de uma quantia cuja total e integral quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil) ou execução de sentença a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros: a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Medicina Física e Reabilitação, Neurocirurgia e Psiquiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico (pelo menos duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de forma regular, de ajuda medicamentosa - antidepressivos, anti inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; e) decorrentes da necessidade futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas; f) decorrentes da necessidade futura, por parte do Autor, de ser submetido a ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal, e 9. acrescido ainda do pagamento por parte da Ré ao Autor, dos juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, pela apresentação de uma proposta consolidada de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor manifestamente insuficiente e não razoável, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré ao Autor (€25,920,00) e o montante fixado na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 29/07/2017 (15 dias quer após a data da alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor em 13/01/2017, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela própria Ré ao Autor em 13/01/2017) ou desde a data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.» (sic)
Concluiu com dedução do seguinte pedido:
«A. Deve ser a Ré “C…, S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor B…, uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €219,254,09 (Duzentos e Dezanove Mil Duzentos e Cinquenta e Quatro Euros e Nove Cêntimos); B. Deve ser a Ré “C…, S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor B…, uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em A)- e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros: a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Medicina Física e Reabilitação, Neurocirurgia e Psiquiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico (pelo menos duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de forma regular, de ajuda medicamentosa - antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; e) decorrentes da necessidade futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas; f) decorrentes da necessidade futura, por parte do Autor, de ser submetido a ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal, g) montantes esses, atualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros; C. Deve ser a Ré “C…, S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor B…: a) juros moratórios vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré ao Autor (€25,920,00) e o montante fixado na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 29/07/2017 (15 dias quer após a data da alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor em 13/01/2017, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela própria Ré ao Autor em 13/01/2017) ou desde a data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vencidos e vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento; D. Deve ser a Ré “C…, S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor B… as custas legais e condigna procuradoria.» (sic)
Citada, a R. não impugnou a dinâmica do acidente alegada pelo A. nem o contrato de seguro celebrado para garantia dos danos provocados pela circulação do veículo automóvel interveniente, mas opôs-se na matéria dos danos alegados.
Citado, o ISS não apresentou pedido de reembolso.
Teve lugar audiência prévia onde o tribunal, além do mais, proferiu despacho saneador tabelar, identificou o objeto do processo, enunciou matéria de facto que considerou assente e os temas de prova, e pronunciou-se sobre os meios de prova apresentados e requeridos pelas partes.
Efetuadas diligências instrutórias, designadamente com obtenção de relatório de perícia-médico-legal elaborado pelo INML, teve lugar a audiência final, em duas sessões.
Foi depois proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório, ipsis verbis:
«Julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a R. a pagar ao A. a quantia de 128.002,31 € (cento e vinte e oito mil e dois euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, e absolvo-a do restante peticionado.»
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Inconformado, recorreu o A. de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
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Pretende, assim, o recorrente a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que condena a recorrida na media assinalada nas alegações de recurso.
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A R. apresentou contra-alegações que sintetizou assim:
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Entende, pois, que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do A. (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).
Somos chamados a reponderar os valores indemnizatórios atribuídos na sentença, designadamente:
1. Os montantes das indemnizações atribuídas a título de incapacidade parcial permanente e de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do lesado.
2. O dano patrimonial futuro decorrente da necessidade de uma ulterior intervenção cirúrgica de otorrinolaringologia, outros exames e tratamentos.
3. A quantificação dos danos não patrimoniais.
É ainda suscitada:
4. A questão da duplicação dos juros de mora legais.
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III. Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:[1]
1. No passado dia 26 de Janeiro de 2016, cerca das 09 horas e 20 minutos, na Rua …, num cruzamento com a Rua … e com a Avenida …, …, na freguesia de União de freguesias …, concelho da Trofa, distrito do Porto, ocorreu um acidente de viação da forma que adiante de descreverá e no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula ..-..-JD, de propriedade e conduzido por D…, e o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, de propriedade e conduzido pelo aqui Autor B….
2. Entre aquele D…, nas qualidades de proprietário e/ou condutor habitual do veículo de matrícula ..-..-JD e a Ré seguradora “E…, S.A.” existia à data e aquando da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº ………., mediante o qual, havia transferido para aquela seguradora “E…, S.A.”, a respetiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo veículo matricula ..-..-JD à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelos danos causados a terceiros, bem como a pessoas transportadas (onerosa ou gratuitamente), pela sua carga e emergentes da circulação rodoviária do mesmo veículo matricula ..-..-JD.
3. O referido contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, cobria risco até ao montante que se ignora, mas que nos termos do nº 1, do art.12º, do Decreto-lei nº 291/2007, de 21/08, não podia ser inferior a 5.000.000,00€.
4. Em 30/12/2016, a “E…, S.A.” foi incorporada, por fusão, na “Companhia de Seguros F…, S.A.”, adquirindo esta última, todos os direitos e obrigações da extinta “E…, S.A.”.
5. Na mesma data, a “Companhia de Seguros F…, S.A.” alterou a sua denominação social para “C…, S.A.”.
6. Por via das alterações supra enunciadas, a ora Ré “C…, S.A.” assume a posição processual da extinta “E…, S.A.”, respondendo nos exactos termos e condições em que aquela responderia.
7. É, assim, a Ré “C…, S.A.”, por força do aludido contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, responsável pelo pagamento ao Autor, de todos os prejuízos (danos patrimoniais e não patrimoniais) que o mesmo sofreu em consequência do acidente de viação adiante melhor descrito nos autos.
8. O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 53 (trinta e oito[2]) anos de idade, já que nasceu em 30-08-1963.
9. No dia, hora e local acima melhor mencionados, no artigo 1º, desta P.I., o Autor B… conduzia o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, de sua propriedade, na Rua …, num cruzamento com a Rua … e com a Avenida …, na freguesia de União de freguesias …, concelho da Trofa, distrito do Porto, no sentido de marcha …/…, isto atento o seu sentido de marcha.
10. O velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matricula, conduzido pelo Autor B…, circulava a uma velocidade moderada, já que inferior a 15/20 Km/horários, numa via que lhe conferia prioridade nos cruzamentos e entroncamentos, conforme sinal vertical B9a, existente na berma direita da Rua … por onde seguia e a cerca de 100/200 (cem/duzentos) metros de distância antes do local onde ocorreu o embate melhor descrito nos presentes autos.
11. Circulava totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem (hemi-faixa), bem junto à berma direita.
12. O Autor B… conduzia o seu velocípede, perfeitamente atento às condições da via e demais trânsito, com a atenção e prudência devidas e com a observância das demais regras estradais.
13. No mesmo dia, hora e local melhor mencionados, no artigo 1º desta P.I., o condutor D…, conduzia o veículo segurado na Ré, matricula ..-..-JD, na referida Rua …, num cruzamento com a Rua … e com a Avenida …, na freguesia de União de freguesias …, concelho da Trofa, distrito do Porto, mas em sentido de marcha contrário ao do aqui Autor, ou seja, no sentido de marcha …/…, isto atento o seu sentido de marcha e a uma velocidade superior a 50/60 Km/horários.
14. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), circulando assim na referida Rua …, ao chegar junto de um cruzamento que dá acesso à Rua … aí existente à sua esquerda e pretendendo proceder à manobra de mudança de direção à sua esquerda com destino à Rua ….
15. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), conduzia o mesmo veículo inteiramente distraído, sem verificar que da realização dessa sua manobra de mudança de direção à sua esquerda, não resultaria perigo ou embaraço para o demais trânsito, designadamente não verificando nem se certificando previamente que circulava algum outro veículo (automóvel/velocípede) dentro da hemi-faixa de rodagem contrária esquerda, designadamente no sentido de marcha contrário ao seu e por onde já circulava previamente o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matricula, conduzido pelo Autor B….
16. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), conduzia o mesmo veículo com as luzes de cruzamento (médios) do seu veículo desligadas.
17. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), conduzia o mesmo veículo, sem acionar e sinalizar devida e antecipadamente a sua intenção de manobra através do correspondente sinal luminoso de mudança de direção, vulgo “pisca” do lado esquerdo do seu veículo.
18. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), sem diminuir a sua velocidade.
19. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), sem se aproximar do eixo da faixa de rodagem que delimita e divide as duas faixas de rodagem da referida Rua ….
20. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), sem suster a sua marcha e aí ficar imobilizada dentro da sua hemi-faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha.
21. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), em acto contínuo, de uma forma repentina, brusca e inesperada procedeu à referida manobra de mudança de direção à sua esquerda com destino à rua ….
22. Dessa forma, o veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD conduzido por D… repentinamente e em acto continuo, atravessadamente e na perpendicular relativamente ao sentido de marcha do aqui Autor, flectiu à sua esquerda e saiu da sua meia faixa (hemi-faixa) de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
23. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), repentinamente e em acto continuo, invadiu e passou assim a circular por completo com toda a sua parte frontal e lateral direita na meia faixa de rodagem contrária (esquerda) àquela que competia à sua mão de trânsito e por onde já circulava previamente em sentido contrário ao seu o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, conduzido pelo Autor B….
24. Dessa forma, o veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD atravessadamente e na perpendicular, invadiu e passou a circular total e completamente dentro de toda a hemi-faixa de rodagem contrária (esquerda) àquela que competia à sua mão de trânsito e por onde já circulava previamente o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matricula, conduzido pelo Autor B….
25. Dessa forma o veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD conduzido por D…, cortou e obstruiu também por completo toda a passagem e todo o sentido de marcha (linha de trânsito) ao velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, conduzido pelo Autor B…, impedindo-o de a continuar.
26. O Autor B…, que conduzia o seu velocípede nos moldes supra referidos, ao avistar o veículo segurado na Ré nos termos sobreditos não teve tempo nem espaço, para evitar a colisão e embate fronto/lateral com o mesmo, designadamente não teve tempo nem espaço sequer para diminuir a sua velocidade, para travar atempadamente ou para se desviar o mais possível para a sua direita atento o seu sentido de marcha.
27. Nada fazia prever tal manobra súbita, brusca, perigosa e imprevista levada a efeito pelo condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…).
28. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), em face da sua súbita, repentina e imprevista manobra de mudança de direção à sua esquerda em direção à Rua …, não deu tempo, nem espaço, para que o Autor B… pudesse atempadamente diminuir a velocidade ao velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matricula, por si conduzido, para travar ou desviar-se, tornando dessa forma o embate fronto/lateral inevitável.
29. Só por desatenção e manifesta negligência, é que o condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), não diminuiu a velocidade que vinha imprimindo ao mesmo veículo, não sinalizou a sua intenção de manobra através do correspondente sinal luminoso de mudança de direção à esquerda, não deteve a sua marcha junto ao eixo da via e não se apercebeu que na referida Rua …, circulava previamente do seu lado esquerdo e no sentido de marcha contrario ao seu (…/…), o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, conduzido pelo Autor B….
30. Por esse motivo, o veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD conduzido por D…, inevitavelmente, embateu com a sua parte frontal direita e parte lateral direita da frente na parte frontal esquerda e parte lateral esquerda da frente do velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, conduzido pelo Autor B… o qual embateu com o seu corpo no piso betuminoso da metade direita da faixa de rodagem da Rua … por onde já circulava previamente (atento o seu sentido de marcha …/…), resultando para o mesmo vários e múltiplos ferimentos e lesões traumáticas.
31. O embate entre ambos os veículos ocorreu totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem da Rua … por onde já circulava previamente o velocípede, e atento o sentido de marcha do Autor (…/…) e sensivelmente a cerca de 0,20 metros (vinte centímetros) de distância da berma direita, ficando nessa mesma metade da faixa de rodagem direita, peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos intervenientes.
32. O velocípede, após o embate fronto/lateral, ficou imobilizado totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem da Rua … atento o seu sentido de marcha (…/…) e junto à entrada da Rua ….
33. Mais concretamente a uma distancia de cerca de 5,90 metros em relação a um poste de abastecimento de eletricidade existente na berma direita da Rua …atento o sentido Rua …/….
34. A uma distancia de cerca de 6,70 metros em relação à berma esquerda (limite com o passeio) da Rua … (atento o sentido Rua …/…) (por referência ao ponto D) mencionado na participação policial do acidente).
35. E a uma distancia de cerca de 4,40 metros em relação a uma tampa de saneamento existente na metade direita da faixa de rodagem da Rua … atento o seu sentido de marcha do Autor (…/…).
36. O veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD, após o embate fronto/lateral, ficou imobilizado atravessadamente, na perpendicular e totalmente dentro da metade esquerda da faixa de rodagem da Rua … contrária à sua, isto atento o seu sentido de marcha (…/…).
37. A Rua …, à data e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos e atento o sentido de marcha do veículo segurado na Ré matricula ..-..- JD, constituía uma reta, em patamar, com uma extensão superior a 50/100 (cinquenta/cem) metros de extensão, com boa visibilidade, com a via devidamente sinalizada e perfeitamente nivelada.
38. O condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), disponha assim, de boa visibilidade em relação ao sentido de marcha contrário ao seu e por onde circulava o velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matricula, conduzido pelo Autor B….
39. O velocípede, de serviço particular, sem motor, sem matrícula, conduzido pelo Autor B…, era assim, perfeitamente visível e avistável no campo visual do condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…), numa distância nunca inferior a 50/100 (cinquenta/cem metros.)
40. A Rua …, à data e no local onde ocorreu o embate dos autos, atendo o sentido de marcha do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD cruzava à esquerda com a Rua … e à direita com a Avenida ….
41. A Rua …, à data e no local onde ocorreu o embate dos autos, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,30 metros, dispondo assim cada hemi-faixa de rodagem de uma largura de cerca de 3,65 metros.
42. A Rua …, à data e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, disponha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito devidamente delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua devidamente marcada no pavimento e de cor branca, com marcação de vias e com bastante iluminação pública de carácter permanente.
43. A Rua …, à data e no local onde ocorreu o acidente de viação dos presentes autos e atento o sentido de marcha do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (…/…), constituía uma localidade densamente povoada, com grande trafego de veículos automóveis e velocípedes e ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.
44. Na Rua … na altura e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, a velocidade máxima permitida por lei à data do embate dos autos era de 50 km/hora atento o sentido e marcha do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD.
45. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da Rua … encontrava-se regular e em bom estado de conservação.
46. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da Rua … encontrava-se seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol) proporcionando-se perfeitas condições de visibilidade.
47. O Autor como consequência direta e necessária do supra descrito acidente de viação, sofreu múltiplos ferimentos e lesões traumáticas, tendo dado entrada no SERVIÇO DE URGÊNCIAS DO HOSPITAL …, no Porto, no próprio dia 26-01-2016, onde foi examinado, com o diagnóstico de politraumatizado, apresentando múltiplas lesões traumáticas, designadamente
● hematoma supraorbitário e frontal;
● ferida na região palpebral direita;
● traumatismo maxilo-facial, nasal;
● alterações do estado de consciência;
● fracturas de ossos próprios do nariz e do etmoide, com desvio da pirâmide nasal para a direita;
● fractura do colo da omoplata esquerda;
● contusão medular cervical C5-C6;
● fractura das apófises articulares direitas das vértebras C5,C6 e C7 e da Lâmina de C6;
● parestesias do 3º dedo da mão direita, e
● fractura dos 5º ao 9º arcos costais, à esquerda.
48. O Autor efetuou vários exames radiológicos e ficou internado na unidade de Cuidados Intensivos do HOSPITAL … por um período de 9 (nove) dias, após o que foi transferido para o CENTRO HOSPITALAR G…, EPE, onde fez tratamento conservador e permaneceu 10 (dez) dias internado.
49. O Autor teve alta hospitalar do CENTRO HOSPITALAR G… no dia 12/02/2016, sento orientado para consulta externa de Ortopedia
50. O Autor após a sua alta hospitalar passou a usar colar cervical rígido durante cerca de 3 meses.
51. O Autor em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, por conta, a mando e expensas da Ré, iniciou tratamento fisiátrico de recuperação funcional no HOSPITAL H…, sito na Rua …, desde 14/03/2016 e até 14/04/2016, tendo realizado cerca de 18 sessões.
52. O Autor no HOSPITAL H… efetuou os seguintes exames:
● 16/03/2016: TAC da Omoplata Esquerda: que revelou fratura cominutiva do corpo da omoplata esquerda atingindo o colo, a fratura apresenta cavalgamento e múltiplos fragmentos, resultando em marcada dismorfia do osso (omoplata);
● 16/03/2016: Tomografia computorizada dos seios peri-nasais e fossas nasais que revelou fratura dos ossos próprios do nariz e desvio do septo com provável perturbação da via aérea;
● 18/03/2016: RM Cervical.
53. O Autor foi acompanhado no CENTRO HOSPITALAR G… em consulta externa de Fisiatria e Recuperação Funcional até 25/08/2016.
54. O Autor posteriormente passou a ser assistido por conta, a mando e expensas da Ré nos seus Serviços Clínicos no HOSPITAL I… NO PORTO, pelo Dr. J…, desde 01/04/2016 e até 13/01/2017, onde efetuou os seguintes exames:
● 03/05/2016: Tomografia computorizada das fossas nasais e seis perinasais;
● 08/06/2016: Ressonância magnética da coluna cervical;
● 08/06/2016: Eletromiografia que evidenciou “ atrofia neurogénea (…) dos bicípites braquiais, tricípites e deltoide, de acordo com sofrimento crónico de C6 bilateralmente; (..) desnervação activa do 1º interósseo dorsal e curto abdutor do polegar, podendo traduzir sofrimento subagudo/crónico ligeiro de C8-t1 à direita.
55. O Autor, em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, em 13/01/2017, foi submetido a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos Serviços Clínicos da Ré, subscrito e elaborado pelo Dr. J…, do qual constam, entre outras, as seguintes conclusões:
● Quantum dolóris: 4;
● Dano estético: 1;
● Prejuízo de afirmação pessoal: 2;
● Ma0206: 7 pontos de desvalorização arbitrada;
● Na0224: 6,3 pontos de desvalorização arbitrada;
● Coeficiente Global de Incapacidade: 16 pontos, e
● Alta: 13/01/2017.
56. Os Serviços Clínicos da Ré atribuíram alta médica ao Autor em 13/01/2017.
57. As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atingiram a consolidação médico legal em 13/01/2017.
58. O Autor, em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 12/02/2017, foi observado e submetido a uma Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil e a uma Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho realizada pelo Dr. K…, Médico Especialista em Medicina do Trabalho e Perito em Avaliação do Dano Corporal pós traumático pelo INML – Porto, que em consequência do acidente de viação em discussão nos presentes autos lhe diagnosticou:
● A data da consolidação Médico-Legal das lesões é fixável em 13/1/2017;
● Período de Défice funcional Temporário Total fixável em 60 dias;
● Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 292 dias;
● Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável em 352 dias;
● Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 28,1 pontos;
● Incapacidade Permanente Parcial de 51.76 %;
● Quantum Doloris fixável em grau 5/7;
● Dano Estético Permanente fixável em grau 4/7;
● Repercussão nas actividades de Desporto e de Lazer / prejuízo de afirmação pessoal fixável em grau 3/7,e
● DANO FUTURO: é previsível a necessidade de ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal.
59. O Autor, apesar dos internamentos hospitalares, das várias consultas médicas nas especialidades de Ortopedia, Fisiatria, das várias sessões de Fisioterapia, da ajuda medicamentosa e dos vários tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer definitivamente e em função das lesões poli-traumáticas sofridas com o acidente de viação melhor descrito nos autos, das seguintes queixas:
● Queixas a nível funcional:
a) Fenómenos dolorosos: Dores intercostais à esquerda, agravadas com esforços e movimentos respiratórios; Cervicalgias; Dores na região da omoplata esquerda; Ombro esquerdo doloroso; dorsalgias com irradiação para cervical e ombro direito.
b) Outras queixas a nível funcional: Parestesias em D2 direito;
● Lesões e/ou sequelas:
-Face: sequelas de fractura dos OPN com ligeiro desvio da pirâmide para a direita (alterações da estética).
-Ráquis: mielopatia cervical pós-traumática associada a alterações sensitivas/motricidade fina do membro superior direito.
-Membro superior direito: rigidez do ombro direito com abdução a cerca de 90º associado a atrofia ligeira do membro superior (braço), sequelas incluídas na valorização do dano neurológico – lesão do nervo longo torácico direito e nervo cubital.
- Membro superior esquerdo: ombro esquerdo doloroso com mobilidades particamente conservadas; ligeiro desnível de ombros (E<D) por atrofia cintura escapular esquerda.
60. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas.
61. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Medicina Física e Reabilitação e Neurocirurgia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas.
62. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de realizar tratamento fisiátrico para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas.
63. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro de forma regular, de ajuda medicamentosa - como analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas.
64. O Autor, terá necessidade no futuro de efetuar despesas hospitalares, de efetuar tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas.
65. O A. poderá vir a necessitar de nova intervenção por Otorrinolaringologia para correcção da pirâmide nasal.
66. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/01/2017.
67. O Autor em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, ficou com:
● um défice funcional temporário total por um período de 20 dias.
● um défice funcional temporário parcial por um período de 334 dias.
● repercussão temporária na actividade profissional total por um período de 354 dias.
● um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 22 pontos.
● uma Incapacidade permanente parcial (IPP) fixável em 40,654 %.
● um quantum doloris fixável no grau 5/7.
● um dano estético permanente fixável no grau 3/7.
● repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7.
68. O Défice Funcional e a Incapacidade Permanente Parcial supra referidos, reduzem ao Autor, a sua capacidade futura de ganho nessa mesma proporção e afetam o Autor ao nível da sua potencialidade física e/ou psíquica com repercussão nas actividades da vida diária.
69. O Défice Funcional e a Incapacidade Permanente Parcial supra referidos, têm ambos repercussão Permanente na Atividade Profissional do Autor, na medida em que as sequelas supra descritas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral como Gerente - transporte rodoviário de mercadorias e para o exercício dessa mesma atividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e superiores e que sejam predominantemente efetuadas de pé, manualmente e a conduzir.
70. O Autor atualmente e diariamente necessita de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé, sentado e a conduzir.
71. É previsível que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, no prazo mínimo de cinco anos e máximo de dez anos após o acidente se venha a agravar entre um a três pontos, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
72. O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos e actualmente, exercia e ainda exerce a categoria profissional de “Gerente” da firma denominada L…, LDA, NIPC ………, sita …, nº … , …. - … Vizela, a qual se dedica à atividade de transporte rodoviário de mercadorias.
73. O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Gerente”, auferia uma retribuição mensal de €925,00, dos quais €800,00 x 14 meses/ano a titulo de vencimento base mensal e €125,00 x 11 meses/ano a titulo de subsídio de alimentação.
74. O Autor durante o supra referido período de Incapacidade Temporária Absoluta, recebeu da Ré a quantia de €7.848,73, a título de perdas salariais mensais ilíquidas, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal respeitantes a iguais períodos de tempo.
75. O Autor em consequência direta e necessária do acidente de viação descrito nos autos teve necessidade de recorrer a consultas médicas e de efetuar vários exames clínicos.
76. O Autor em consequência direta e necessária do acidente de viação descrito nos autos ficou com as seguintes peças de vestuário e uso pessoal irremediavelmente danificadas e inutilizadas: sapatos, capacete e roupa.
77. Como consequência direta e necessária do embate descrito nos presentes autos, resultaram vários danos no velocípede, de serviço particular, sem matrícula de propriedade e conduzido pelo Autor, nomeadamente em toda a sua parte frontal e lateral, com inutilização, nomeadamente, das manetes, guiador, pedais, pedaleira, rodas, pneus, mudanças, quadro, forqueta.
78. A reparação do velocípede, de serviço particular, sem matricula, de propriedade do Autor, em consequência dos danos causados pelo embate melhor descrito nos presentes autos, orçou a quantia de €6.501,78 (com IVA incluído à taxa legal em vigor).
79. Ao tempo do acidente o velocípede tinha o valor venal de € 3.100,00 €.
80. O velocípede foi adquirido pelo Autor em 25/06/2015 pelo valor de €5.300,00.
81. O Autor, em consequência das supra referidas lesões traumáticas sofridas em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, sofreu múltiplas, frequentes e intensas dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente de viação descrito nos presentes autos, o seu internamento hospitalar, os vários tratamentos médicos, os vários tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetido, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, os períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial e a sua recuperação ainda que parcial.
82. O Autor na altura do acidente sofreu angústia de poder vir a falecer.
83. O Autor em consequência das lesões e sequelas supra referidas, padece atualmente de alterações de humor, do sono e alterações afetivas.
84. O Autor antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.
85. Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
86. O Autor sente-se atualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afetado psiquicamente, receoso de que seu estado de saúde piore e diminuído fisicamente e esteticamente, designadamente quando se desloca no verão à praia, quando veste uns calções, quando coloca um fato de banho.
87. O Autor está consciente das suas limitações.
88. A Ré através do seu gestor de processo de nome M…, expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o Autor, a responsabilidade e culpa exclusivas do condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-JD (D…) na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou o Autor.
89. A Ré sempre reconheceu o direito à indemnização por parte do Autor, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.
90. Tudo conforme melhor se pode constatar pelo teor de uma carta datada de 15-03- 2016 e nessa mesma data endereçada pela Ré ao Autor, subscrita pelo seu gestor de processo de nome M…, na qual sob a epígrafe “Acidente em 26-01-2016 – Veículo VELOCIPEDE. N/Refª 1001 Pº ………../… – Ap. ……….” a Ré comunicou e informou expressamente o Autor do seguinte: “De acordo com os elementos disponíveis, estamos em condições de assumir a responsabilidade dos prejuízos dele resultantes.”
91. Nessa medida, o Autor por conta, a mando e a expensas da Ré, foi acompanhado e assistido nos Serviços Clínicos da Ré no HOSPITAL I… NO PORTO, desde 01/04/2016 e até 13/01/2017 tendo sido submetido a uma Avaliação do Dano Corporal no dia 13/01/2017.
92. O Autor por conta, a mando e a expensas da Ré, iniciou tratamento fisiátrico de recuperação funcional no HOSPITAL H…, desde 14/03/2016 e até 14/04/2016.
93. A Ré procedeu ao pagamento das despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar ao Autor, designadamente ao HOSPITAL …, CENTRO HOSPITALAR G…, EPE, HOSPITAL H… e HOSPITAL I… NO PORTO.
94. A Ré também procedeu ao pagamento ao Autor, das seguintes quantias: €7. 848,73 a titulo de perdas salariais, e €1.615,54 a titulo de despesas médicas, medicamentosas e com transporte.
95. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em 06-02-2017, através do seu perito liquidatário de nome Jorge Santos, apresentou por escrito ao Autor uma proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de €25,920,00, discriminado da seguinte forma:
• Dano Biológico (16 pontos) = 15.000,00€
• Quantum doloris (4) = 880,75€
• Dano estético (1) = 820,80€
• PAP (2) = 1.704,19€
• Internamento = 418,38€
• Esforços acrescidos = 3.175,88€
• Perda Total (velocípede) 3.500,00€
• Despesas vestuário/objectos = 420,00€
96. O Autor através do seu mandatário, via fax e via mail enviado para a Ré Seguradora em 24/02/2017 e pela mesma rececionada na mesma data, com cópia das perícias de avaliação do dano corporal em direito civil e direito do trabalho e ainda recibo de vencimento do autor juntos aos presentes autos sob os doc.s n.sº 26, 27 e 29, apresentou por escrito à Ré uma proposta consolidada, ou seja, um pedido de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, peticionando extrajudicialmente os seguintes valores:
1. Danos patrimoniais - Perda de capacidade de Ganho: (IPP) de 51,76%: 85.000,00€;
2. Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 28,10 pontos: 75.000,00€;
3. Danos não patrimoniais: 50.000,00€;
4. Danos materiais bicicleta: 6.501,78€
5. Danos materiais (roupa, sapatos e capacete): 1.000,00€;
6. Perdas salariais: 1.502,31€;
7. Despesas médicas: 250,00€;
8. Dano Futuro a liquidar em futuro incidente de liquidação: previsível a necessidade de ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal.
ELEMENTOS DE CÁLCULO:
9. A data da consolidação Médico-Legal das lesões é fixável em 13/1/2017;
10. Período de Défice funcional Temporário Total fixável em 60 dias;
11. Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 292 dias;
12. Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável em 352 dias;
13. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 28,1 pontos;
14. Incapacidade Permanente Parcial de 51.76 %;
15. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas exigindo esforços adicionais;
16. Quantum Doloris fixável em grau 5/7;
17. Dano Estético Permanente fixável em grau 4/7;
18. Repercussão nas actividades de Desporto e de Lazer fixável em grau 3/7;
19. Dano Futuro: é previsível a necessidade de ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal;
20. Atividade profissional exercida: Gerente;
21. Salário mensal ilíquido: 925,00€;
22. Esperança média de vida: 27 anos tendo em conta a idade de 53 anos (80 – 53);
23. Esperança de vida ativa: 17 anos tendo em conta a idade de 53 anos (70 – 53).
DOCUMENTOS EM ANEXO:
24. Relatório de Avaliação do Corporal em Direito Civil.
25. Relatório de Avaliação do Corporal em Direito do Trabalho.
26. Recibo de vencimento.
97. A R. não fez proposta indemnizatória ao A. superior a 30.000,00 €.
*
O tribunal deu como não provada a seguinte matéria:
Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente, e ainda que:
● A atrofia do braço esquerdo seja de 27 cm versus 28 cm contralaterais, as cicatrizes de 3 cm na região supra ciliar direita e outra de 1 cm no dorso nasal.
● O A. necessite ou necessitará de consultas de psiquiatria.
● Os tratamento fisiátricos de que necessita e necessitará serão duas vezes por ano e terão a duração mínima de 20 sessões.
● O A. necessite e necessitará de anti-depressivos e anti-inflamatórios.
● O A. necessitará de intervenções plásticas e vários internamentos hospitalares.
● Seja de 28,1 pontos o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido pelo A.
● Seja de 51,78% a incapacidade permanente parcial sofrida pelo A.
● O défice funcional e a incapacidade permanente parcial sofridos pelo A. venham a reduzir o período de vida activa do A.
● O A. tenha despedido 250,00 € em consultas médicas e exames clínicos.
● Os sapatos, capacete e roupa do A. valessem 1.000,00 €.
● Em virtude das sequelas provocadas pelo acidente o A. se tenha tornado uma pessoa triste, introvertida, deprimida, sofredora, insegura, muito nervoso, desgostosa da vida, infeliz, inibido.
● O dano estético do A. seja de grau 4 numa escala crescente de 1 a 7.
● O A. em consequência das sequelas padeça de diminuição da líbido.
● As sequelas e medicação prejudiquem e interfiram com a mobilidade no acto sexual em certas posições.
● O A. tenha sofrido um dano sexual fixado no grau 2.
● O A. em consequências das lasões não possa nos tempos livres e de lazer andar de bicicleta.
● A Ré até à presente data, tenha mantido a sua única proposta de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, endereçada ao Autor em 06-02-2017 e no valor global de €25,920,00.
*
IV. Apreciação das questões da apelação
1. Os montantes das indemnizações atribuídas a título de incapacidade parcial permanente e de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do lesado
Distinguindo a IPP do défice funcional permanente, o tribunal atribuiu pela primeira, fixada em 40,644%, € 50.000,00 e, pelo segundo, a título de dano biológico, € 40.000,00.
O recorrente defende que a indemnização a que tem direito é de € 75.000,00 pela incapacidade permanente parcial e de € 60.000,00 relativamente ao défice funcional permanente.
Fundamentalmente, relevam nesta matéria os seguintes factos provados:
- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22 pontos.
- Incapacidade permanente parcial (IPP) de 40,654 %.
- O Défice Funcional e a Incapacidade Permanente Parcial supra referidos, reduzem ao A. a sua capacidade futura de ganho nessa mesma proporção e afetam-no ao nível da sua potencialidade física e/ou psíquica com repercussão nas atividades da vida diária.
- O Défice Funcional e a Incapacidade Permanente Parcial, têm ambos repercussão Permanente na Atividade Profissional do A., na medida em que as sequelas descritas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral como Gerente – transporte rodoviário de mercadorias e para o exercício dessa mesma atividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e superiores e que sejam predominantemente efetuadas de pé, manualmente e a conduzir.
- O A. atualmente e diariamente necessita de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé, sentado e a conduzir.
- É previsível que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, no prazo mínimo de cinco anos e máximo de dez anos após o acidente se venha a agravar entre um a três pontos, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira.
- O A., à data do acidente e atualmente, exercia e ainda exerce a categoria profissional de “Gerente” da firma denominada L…, LDA, a qual se dedica à atividade de transporte rodoviário de mercadorias.
- À data da ocorrência do acidente, o A. auferia uma retribuição mensal de € 925,00, dos quais €800,00 x 14 meses/ano a titulo de vencimento base mensal e x 11 meses/ano a titulo de subsídio de alimentação.
- O A. nasceu no dia 30.8.1963 e tinha 53 anos na data do acidente (26.1.2016)
Sendo do A. o ónus da prova dos danos (art.º 342º, nº 1, 483º e seg.s e 562º do Código Civil), o seu direito à indemnização afere-se em função dos prejuízos que demonstrou ter sofrido e, previsivelmente, venha a sofrer em consequência do acidente.
Quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil), sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente (previsivelmente) não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do mesmo código).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, nº 1, também do Código Civil).
Em regra, no dano patrimonial, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (a do encerramento da discussão da causa, em 1ª instância), e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença, consagrada no nº 2 do mesmo art.º 566º, ainda daquela lei civil).
A indemnização tanto abrange os danos emergentes como os lucros cessantes resultantes do facto ilícito e da lesão, sendo que o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564º, nºs 1 e 2, também do Código Civil).
Estão aqui em causa danos corporais, seja pela redução da capacidade funcional de utilização do corpo da vítima, seja pela perda de rendimento futuro daí adveniente.
A tutela deste dano encontra o seu substrato último/básico, no âmbito do direito civil, nos art.º 25º, nº 1, da Constituição da República --- que considera inviolável a integridade física das pessoas --- e 70º, nº 1, do Código Civil, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Tem-se considerado que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, não se podendo reduzir à categoria dos danos não patrimoniais[4].
É praticamente pacífico que este dano biológico, enquanto diminuição psíquico-somática e funcional de uma pessoa, quando tem repercussões na vida individual está abrangido pela tutela indemnizatória, como dano patrimonial ou como dano não patrimonial.[5]
A repercussão negativa do défice funcional centra-se na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução da generalidade das tarefas que do antecedente vinha desempenhando na sua vida. Há uma diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida (dano biológico). Estas dificuldades permanentes subsistem até ao fim da vida do lesado e são dignas de reparação pela via indemnizatória para cujo cálculo contribui, além de tudo o mais referido, o maior esforço ou penosidade de que padece no exercício da sua profissão. Têm sido considerados tais danos --- na posição que para nós se revela mais acertada --- como sendo não patrimoniais quando não se traduzem numa perda direta e efetiva de rendimentos, nomeadamente do trabalho. Nesses casos, a indemnização deve ser calculada com recurso às regras da equidade.
No recente acórdão desta Relação de 6.2.2020[6] escreveu-se: «(…), a jurisprudência tem afirmado, como sucedeu com o Ac. STJ de 06/dez./2017 (Cons. Tomé Gomes, www.dgsi.pt), que “Neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício” – no mesmo sentido o Ac. STJ de 28/jan./2016 e 06/dez./2017 (Cons. Maria Graça Trigo), de 17/dez./2019 (Cons. Maria Rosa Tching), todos em www.dgsi.pt. Daí que nos casos de dano biológico patrimonial decorrentes de um défice funcional permanente, cujas repercussões são apenas indiretas no desempenho profissional ou na vida quotidiana, obrigando a um maior sacrifício, a respectiva indemnização deverá ser aferida mediante juízos de equidade e não através do critério da teoria da diferença, com base no rendimento anual auferido ou beneficiado pela pessoa lesada. Para o efeito a jurisprudência, como sucedeu com o Ac. STJ de 12/out./2018 (Cons. Hélder Almeida, www.dgsi.pt) tem igualmente feito um apelo a entendimentos “minimamente uniformizados”, mantendo um juízo prudencial e casuístico tendencialmente “igualitário”. Não pode é existir uma duplicação dos valores indemnizatórios, mediante a atendibilidade dos mesmos factores respeitante ao dano esforço – neste sentido Acs. TRP de 20/mar./2012 (Des. Pintos dos Santos), 09/dez./2014 (Des. José Igreja Matos).».
Já uma incapacidade permanente, quando traduza uma incapacidade de que resulte uma perda efetiva de rendimento, traduz-se num dano patrimonial que deve ser reparado segundo a teoria da diferença. Assim acontece no caso presente, demonstrado que está que o A. tem a sua capacidade futura de ganho reduzida na proporção da sua incapacidade parcial, fixada em 40,654%.
A indemnização por dano biológico e a indemnização por perda de capacidade de ganho são cumuláveis.[7]
A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio[8], em consagração do anteriormente previsto, designadamente no Decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, criou tabelas que, como salienta o preâmbulo do diploma, não visam a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas estabelecer um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas. Do respetivo art.º 1º, nº 2, resulta que as disposições dela constantes não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.2014[9], “no que toca ao recurso aos critérios a que refere a Portaria nº 377/2008 de 26/5, sempre se dirá como o Acórdão deste Supremo de 6/6/2013 acessível via www.dgsi.pt que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixada pelo Código Civil; os que são seguidos pela citada Portaria destinam-se a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele”.
Mas não deixa de ser curioso notar que a Portaria 377/2008, de 26 de maio, adotou o princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual ou qualquer outra reservando para o dano biológico a indemnização por dano patrimonial futuro em situação de incapacidade permanente parcial (tenha ou não tenha implicado efetiva perda parcial de rendimento), como se extrai da sua nota preambular e do art.º 3º, al.s a) e b).
O dano patrimonial é o reflexo do dano real (prejuízo que o lesado sofreu em sentido naturalístico) sobre a sua situação patrimonial e que é suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado ou indemnizado, senão diretamente, pelo menos indiretamente (por meio de equivalente); o dano não patrimonial é o prejuízo que não sendo suscetível de avaliação pecuniária, por atingir bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados mediante a prestação de uma quantia pecuniária.
Não ofende a coerência do sistema jurídico e menos ainda o critério da teoria da diferença previsto no Código Civil, aqui aplicável, o cálculo daquela indemnização pela utilização de fórmulas matemáticas ou avaliações comparativas na jurisprudência, tendo sobretudo como objetivo encontrar uniformização. Mas sempre sem esquecer as circunstâncias e condições de cada caso concreto, na ponderação preconizada na sentença, de que a indemnização a pagar ao lesado deve representar um capital que se extinga no fim da sua vida ativa e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes à sua perda de ganho.
Devemos admitir como provável que o A., pessoa saudável que era, iria trabalhar ainda cerca de 12 anos a contar da data da consolidação médico-legal (13.1.2017), até próximo dos 66 anos, a idade normal da reforma.
O A. tinha um rendimento anual de € 12.575,00.
A incapacidade parcial é de 40,654%, o que significa uma perda de rendimento anual de € 5.112,24.
Seguindo, por exemplo, a fórmula utilizada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2007[10], teríamos que atender a um fator índice de 9,95400 que, multiplicado pelo rendimento anual do A. e pela taxa de incapacidade daria o valor de € € 50.887,24.
Como não se trata de óbito do lesado, para calcular a indemnização não há que descontar o que o próprio gastaria consigo mesmo; há, sim, que atender, por exemplo a:
- que o A. poderia trabalhar ainda algum tempo para além da idade da reforma;
- alguma normal progressão na carreira;
- uma tendência para a estabilização da taxa de inflação em valores muito baixos; e ainda,
- que o fator-índice utilizado naquele douto aresto foi calculado com base numa taxa de juro de 3%, atualmente, desajustada, devendo situar-se agora em valor próximo de 1%.
Surge-nos, assim, como adequada, na ponderação de todas as circunstâncias relevantes para determinação da perda de ganho futuro do A., desde a data da consolidação das suas lesões, a quantia de 58.000,00.
Vistas as coisas por outra via, temos que o A. tem uma perda de rendimento anual de € 5.112,24, o que, ao cabo de 12 anos atinge € 61.346,88. Porém, vai receber o capital de uma só vez, sendo que a indemnização deve representar um capital correspondentes à sua perda de ganho que se esgote no fim da sua vida ativa, o que representa uma redução do valor da indemnização que, considerando também a referida taxa de juro de cerca de 1% e aqueles fatores de correção aqui aplicáveis, nos levam para a referida quantia de € 58.000,00.
Com efeito, a indemnização pela perda de rendimento do A., no âmbito da sua incapacidade permanente parcial, deve ser fixada em € 58.000,00.
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Porém, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do A. foi fixado em 22 pontos. Releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque, como referimos já, é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.
Este dano biológico afetou o A., na referida medida, impondo-lhe a realização de esforço acrescido no seu dia-a-dia, nas mais diversas tarefas comuns e regulares, excluindo agora, como se impõe (sob pena de duplicação), a perda de rendimento do trabalho, mas, ainda assim, incluindo o comprovado acréscimo de esforço que o A. teve de passar a fazer também no seu desempenho profissional. É que, além da perda de rendimento, o A. trabalha no transporte rodoviário de mercadorias e as sequelas implicam esforços acrescidos quando tem de usar da sua mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e superiores e que sejam predominantemente efetuadas de pé, manualmente e a conduzir, o que se mostra também nas suas atividade domésticas recreativas, sociais ou sentimentais.
Mas, o dano biológico, que se repercute na qualidade de vida da vítima, afetando a sua atividade vital e a capacidade funcional, na parte em que não se revela numa perda efetiva de lucro ou retribuição, tem sido entendido como um dano não patrimonial.[11] A repercussão negativa do respetivo défice funcional centra-se na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que do antecedente vinha desempenhando com regularidade. A ele não corresponde uma perda patrimonial futura ou uma frustração de lucro, mas sofrimento acrescido, uma afetação da potencialidade física, psíquica ou intelectual do lesado, para além do agravamento natural resultante da idade. É um dano não patrimonial.
O termo da vida ativa não significa o termo da vida. Tem que se atender também ao esforço suplementar exigido até àquele termo final, ou seja, previsivelmente, por mais alguns anos sobre a vida ativa; não só o maior esforço laboral --- quando existe --- mas também o que desenvolve e desenvolverá na sua vida pessoal, nas indispensáveis tarefas do dia-a-dia, incluindo o lazer.
Na avaliação deste tipo de danos há que ter presente o princípio que impõe ao tribunal o dever de julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, quando não puder averiguar o valor exato dos danos, ou mesmo a própria existência de danos. Face às dificuldades de prova segura dos danos não patrimoniais e dos montantes deles, formula a lei o princípio geral --- aplicável também à indemnização de danos patrimoniais --- de que, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.ºs 496º, nº 4 e 566.º, n.º 3, do Código Civil).
À data do acidente o A., pessoa saudável, podia aspirar a viver ainda cerca de 25 anos. Necessita de descansar diariamente por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé, sentado e a conduzir. É previsível que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, no prazo mínimo de cinco anos e máximo de dez anos após o acidente se venha a agravar entre um a três pontos, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias.
Tudo ponderado, afigura-se-nos que a quantia fixada na 1ª instância, de € 40.000,00 não merece qualquer alteração, pelo que deve ser mantida.
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2. O dano patrimonial futuro decorrente da necessidade de uma ulterior intervenção cirúrgica de otorrinolaringologia, outros exames e tratamentos
O tribunal fixou € 8.000,00 como quantia razoável a atribuir ao A. a título de despesa pela realização de uma previsível realização futura de uma cirurgia de otorrinolaringologia para correção do desvio da pirâmide nasal, assim como vários exames de diagnóstico e de aferição da consolidação de lesões e sequelas (pontos 58 e 61 a 65 da sentença). Fê-lo recorrendo à equidade, nos termos do art.º 566º, nº 2, do Código Civil.
Concluiu assim: «No caso, atenta a natureza das sequelas do A. a necessitar de acompanhamento e tratamento não só medicamentoso mas também médico e técnico a nível especializado, ainda que apenas uma vez por ano, assim como, previsivelmente, de cirurgia, afigura-se-nos que a quantia de 8.000,00 € se mostra razoável para fazer face às respectivas despesas.»
No ponto 58 foi dado como provado que “é previsível a necessidade de ulterior intervenção cirúrgica, por Otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal”.
Consta ainda como provado:
«60. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas. 61. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Medicina Física e Reabilitação e Neurocirurgia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas. 62. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro, de realizar tratamento fisiátrico para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas. 63. O Autor, necessita atualmente e necessitará no futuro de forma regular, de ajuda medicamentosa - como analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas. 64. O Autor, terá necessidade no futuro de efetuar despesas hospitalares, de efetuar tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas. 65. O A. poderá vir a necessitar de nova intervenção por Otorrinolaringologia para correcção da pirâmide nasal.»
O art.º 566º, nº 3, do Código Civil, estabelece que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por julgados”.
O art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, determina que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Não foi encontrado, nem seria fácil encontrar o valor dos referidos danos, até porque, sendo previsíveis, são futuros e variáveis. Alguns deles são simplesmente hipotéticos.
Dispõe aquele art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Segundo o nº 3 do art.º 566º do Código Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Só deve deixar-se para oportuna liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais não existem elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade nos termos da referida disposição legal.
Se não for previsível que em oportuna liquidação se obtenha o valor exato dos danos, deve recorrer-se desde logo à equidade, evitando-se o arrastamento da solução do litígio.[12]
Tem que haver um mínimo de concretização que fundamente o juízo de equidade, já que esta não se confunde com arbítrio.
O recurso ao dispositivo do citado art.º 609º, nº 2, depende do juízo que se formar em face das circunstâncias concretas de cada caso sobre a possibilidade de determinação do valor exato dos danos. Se esse juízo for afirmativo, será de aplicar o art.º 661°, n.º 2; de contrário, deve aplicar-se o art.º 566°, n.º 3, do Código Civil.[13]
Só se não for possível atingir a quantificação dos danos, deverá julgar-se a liquidação de acordo com a equidade, fazendo um julgamento ex aequo et bono (art.ºs 4º, al. a) e 566º, nº 3, do Código Civil). Ou seja, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deve julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
O valor fixado pelo tribunal é um “tiro no escuro”.
Sendo evidente a facilidade com que oportunamente se poderá determinar o custo dos atos médicos e/ou outros identificados que forem efetivamente realizados, não se justifica a aplicação do mecanismo da equidade na determinação de tais custos --- e tão variáveis podem ser eles ---, antes deve relegar-se a sua quantificação para oportuna liquidação, ao abrigo do citado art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Procede esta questão trazida pelo A. recorrente.
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3. Os danos não patrimoniais
O tribunal fixou a indemnização a este título na quantia de € 25.000,00.
Fundamentou assim esta indemnização:
«Quanto aos danos não patrimoniais apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito são ressarcíveis, o que in casu acontece, sendo-o através de uma compensação a fixar de acordo com critérios de equidade e razoabilidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, bem como a do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496.º, n.º 3, 494.º e 566.º, n.º 1 do CC). Ora, afigura-se-nos objectivamente grave, sendo passível de uma satisfação pecuniária, o quantum doloris, 5/7, o dano estético, de 3/7, o transtorno emocional e psicológico pelas repercussões permanentes nas actividades desportivas e de lazer de 3/7 sofridas pelo A. bem como o abalo psicológico sentido por toda esta situação, inclusive o receio pela própria vida por causa do acidente e o receio do agravamento do seu estado de saúde. O montante indemnizatório relativo aos danos desta natureza faz-se com recurso à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto (art.494.º, ex vi do art. 496.º, n.º 3, do Cód. Civil), sendo assim, “mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização" (Antunes Varela, loc. cit.). Considerando, por um lado, as lesões, dores e sentimentos sentidos pelo A. considero ajustada a este título a quantia de 25.000,00 €.»
O recorrente defende que o valor desta indemnização deve ser corrigido para a quantia de € 60.000,00.
Vejamos.
O valor da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º (art.º 496º, nº 4, do Código Civil).
Esta indemnização deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[14] “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida”, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta. Esta indemnização tem uma função compensadora (gravidade dos danos), e uma função sancionadora (grau de culpabilidade do agente).
Os referidos critérios de indemnização dos danos não patrimoniais não devem ser confundidos com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença. Não obstante a equidade esteja consagrada para ambas as indemnizações, a sua função é distinta conforme os danos sejam imateriais ou materiais. No dano não patrimonial tem uma função primacial, sendo simultaneamente compensadora e sancionadora (art.ºs 494º e 496º, n.º 1 e 3 Código Civil), enquanto a equidade nos danos patrimoniais tem uma função auxiliar e corretora (artigo 566º, nº 3, Código Civil).
Trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
Como temos vindo a entender, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico. Tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa[15], mas também tem que ser justificada e equilibrada; não pode constituir um enriquecimento ilegítimo e imoral.
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, também deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.[16]
Há de atender-se às especificidades desta situação, com recurso a juízos de probabilidade e de verosimilhança, razão porque nem se quadra à situação uma fixação com base em tabelas e com recurso a fórmulas, geralmente utilizadas para o cálculo do dano patrimonial relativo à perda da capacidade de trabalho e de ganho,…”[17].
A única condição de ressarcimento do dano não patrimonial é a sua gravidade. Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo parece infinito, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas.[18]
A compensação deve abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso --- art.º 496º, nº 1 e 564º, nº 2, do Código Civil.
Nos casos de acidente de viação, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e internamentos, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social e autoestima, alegria de viver --- seu diferencial global ---, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras; mas já não poderão ser atendidos os danos reparados em sede de incapacidade permanente parcial e do défice funcional, sob pena de estarmos a ressarcir mais do que uma vez o mesmo dano.
O A. sujeitou-se a vários exames radiológicos, com TAC, tomografia e RM cervical, esteve internado 19 dias, usou colar cervical rígido durante cerca de 3 meses, fez 18 sessões de tratamento fisiátrico, frequentou consulta externa de fisiatria e recuperação funcional até 25.08.2016. Fez ainda exames noutra unidade hospitalar, de tomografia, ressonância magnética e eletromiografia entre 1.04.2016 e 13.1.207, sendo que nesta data se tiveram por consolidadas as lesões sofridas no acidente. Até então passou por um défice funcional temporário total de 20 dias, um défice funcional temporário parcial de 334, com repercussão temporária na sua atividade laboral por um período de 354 dias. Ficou com um défice funcional permanente de 22 pontos e uma incapacidade permanente parcial de 40,654%, o que é muito significativo da gravidade das lesões.
Sofreu múltiplos ferimentos e lesões traumáticas, designadamente hematoma supraorbitário e frontal, ferida na região palpebral direita, traumatismo maxilo-facial, nasal, alterações do estado de consciência, fraturas de ossos próprios do nariz e do etmoide, com desvio da pirâmide nasal para a direita, fratura do colo da omoplata esquerda, contusão medular cervical C5-C6, fratura das apófises articulares direitas das vértebras C5,C6 e C7 e da Lâmina de C6, parestesias do 3° dedo da mão direita e fratura dos 5° ao 9° arcos costais, à esquerda.
A previsibilidade da necessidade de o A. passar no futuro por uma intervenção cirúrgica de otorrinolaringologia, para correção do desvio da pirâmide nasal acarreta-lhe naturalmente alguma ansiedade.
O seu quantum doloris foi fixado no grau 5 numa escala de 7, o dano estético no grau 3 numa escala de 7 e a repercussão permanente nas atividades desportivas no grau 3 em escala de 7.
Especificando, o A. sofreu múltiplas frequentes e intensas dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente de viação, o seu internamento hospitalar, os vários tratamentos médicos, os vários tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetido, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, os períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial e a sua recuperação. Na altura do acidente sofreu angústia de poder vir a falecer. Padece atualmente de alterações de humor, do sono e alterações afetivas. Era uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas. Sente-se afetado psiquicamente, receoso de que seu estado de saúde piore e diminuído fisicamente e esteticamente, designadamente quando se desloca no verão à praia, quando veste uns calções, quando coloca um fato de banho.
A necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade implica a procura de uma uniformização de critérios (art.º 8º, nº 3, do Código Civil), não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso. Refere-se, a propósito nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.2.2017[19]: “Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade”.[20]
Cientes de que cada caso tem a suas circunstâncias e especificidades, e de que é o conjunto particular destas que nos permite a quantificação da compensação económica a encontrar no quadro da equidade, não deixa de ser importante, como dissemos já, analisar outras situações de facto, mais ou menos semelhantes, em ordem ao cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança e igualdade na realização da justiça equitativa (art.º 496º, nºs 1 e 4, do Código Civil).
Do acórdão desta Relação de 1 de julho de 2013[21], extrai-se: “Se o lesado, à data do acidente, tinha a idade de 36 anos, ficou a padecer de uma IPG de 5 pontos, sem incapacidade para o trabalho, e, além disso, suportou traumatismos e tratamentos, esteve internado durante dois dias e suportou, e suporta, dores avaliáveis em 3 pontos (na moldura de 1 a 7), com sequelas de memória e de mal-estar, ponderados os padrões correntes na jurisprudência, é ajustada a indemnização (…) para superação do dano não patrimonial, aproximada aos dez mil euros”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.3.2013[22], em atenção ao caso ali tratado, sumariou-se: “Se a lesada, com 51 anos à data do sinistro (29-08-2005), gozava de boa saúde, era bem humorada, equilibrada, saudável, alegre e trabalhadora, e em consequência do mesmo sofreu graves lesões (fractura do fémur reduzida com placa e parafusos de osteossíntese, que ainda hoje mantém, e lesão traumática do menisco externo do joelho esquerdo), que lhe impuseram a efectivação de duas intervenções cirúrgicas, com internamento por 8 dias, sendo seguida em consultas até 3-06-2006, andando com duas canadianas até Fevereiro de 2006, e uma até Maio do mesmo ano e viu a sua qualidade de vida afectada de forma irreversível (sofreu 90 dias de ITA e 189 de ITP, tem dificuldade em subir e descer escadas, falta de força no membro inferior esquerdo, dor no compartimento interno do joelho esquerdo, com atrofia muscular da coxa esquerda em 3 cms, não podendo andar muito, nem fazer as caminhadas que fazia, ou andar de bicicleta, sente dores na perna e coxeando, tornou-se impaciente, evitando sair de casa, onde faz as tarefas domésticas com acrescido esforço e ajuda de terceiros, e sentindo-se deprimida e triste com a situação), tem-se como equitativa a compensação de € 40 000, (…).”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2017[23] foram consideras lesões sofridas e a irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação a um jovem de 24 anos:
a) um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fixável em 11 pontos;
b) uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP), fixável em 17,6057%.
Considerou-se ali: Uma capacidade futura de ganho do lesado, ao nível da sua potencialidade física, com uma perda de faculdades físicas e intelectuais, que a idade agravará e eventual redução do período da sua vida ativa. Esse agravamento tomará mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam atividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira. Até setembro de 2011, o lesado exerceu como sua última e habitual categoria profissional, a atividade profissional de Ajudante de Eletricista, por conta de outrem. Teve necessidade de ser submetido a vários tratamentos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efetuar vários exames clínicos. Teve dores de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7. Sofreu angústia. Continuará a sofrer no futuro, de fortes dores físicas, incómodos e mal-estar, durante o resto da sua vida, designadamente, a nível da anca direita, joelho direito, rótula direita e membro inferior direito. As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços e que o autor, até à data do acidente de viação descrito nos presentes autos, não sentia. Tem dificuldades em dormir, com as dores. Tem alterações de humor, do sono e alterações afetivas. Ficou afetado, psiquicamente, infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído, fisicamente, e, esteticamente. Tem cicatrizes que lhe causam desgosto e inibição quando vai à praia, quando veste calções, quando se relaciona, amorosamente, com a sua companheira e não serão eliminadas, na sua totalidade, por cirurgia plástica. Teve um dano estético, fixável no grau 3, numa escala crescente de 1 a 7. As suas lesões e sequelas prejudicam-no e interferem com a mobilidade, no ato sexual, em certas posições, conferindo-lhe repercussão permanente na atividade sexual, fixável no grau 2/7. As queixas, lesões e sequelas supra descritas conferem-lhe uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 5. Foi atribuída nesse acórdão a quantia de € 35.000,00 de indemnização pelos danos não patrimoniais, confirmado o decidido no acórdão da Relação.
No acórdão da Relação de Coimbra de 5.3.2013[24] atribuiu-se à lesada uma indemnização de € 15.000,00 pelos danos não patrimoniais, com as seguintes referências: Idade de 32 anos, IPP de 4%, demandando esforços acrescidos para o exercício da atividade profissional que desempenhava, com 14 meses para a alta clínica. Considerou-se ali: “(…) incluindo aqui os períodos de internamento hospitalar (para redução e osteossíntese da fractura e posterior extracção do material de osteossíntese), de convalescença no domicílio, e de imobilização gessada do membro inferior direito; e mais de um ano (384 dias) de incapacidade temporária geral parcial (correspondente ao período durante o qual, ainda que com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das actividades da vida diária, familiar e social, ao restante período até à data da consolidação médico-legal, durante o qual a examinanda efectuou consultas e programa de recuperação funcional, sendo que deste período temporal, durante mais de um ano (375 dias) sofreu uma incapacidade temporária profissional total, e teve ainda quase dois meses de incapacidade temporária profissional parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível desenvolver a sua actividade profissional, ainda com certas limitações). Além das dores físicas que sofreu em resultado do acidente e das intervenções médicas a que foi sujeita, a autora continuou e continua a sofrer dores decorrentes das limitações físicas de que padece e que afectaram e afectarão toda a sua qualidade de vida, exibindo no seu corpo, ainda que de forma ténue, as cicatrizes provocadas pelo mesmo. (…) Ora, para alguém tão jovem quanto a autora, ver-se com as provadas limitações e cicatrizes, que afectam a sua vida familiar, social, e profissional, estamos, como é bom de ver perante sequelas com tal gravidade que constituem dano não patrimonial que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta dos segurados da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro que se arbitrará à autora como lenitivo para a dor psicológica e moral e também para o sofrimento físico que padeceu e ainda padece e perdurará na sua memória. (…) o sofrimento da autora em consequência do acidente, por período superior a um ano foi acentuado e continua a estar presente na sua vida nos termos sobreditos ainda que com limitação reduzida, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, é previsível que a incapacidade da autora aumente com o decurso do tempo, situação que em tempos de crise como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade física no desempenho da actividade profissional e, como tal, na própria manutenção do posto de trabalho.
Já no acórdão da Relação de Guimarães de 18.1.2018[25] atribuiu-se a indenização de € 14.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por uma jovem de 29 anos em acidente de viação para cuja eclosão não contribuiu, que sofreu lesão lacero-contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que ela sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua.
No acórdão da Relação de Guimarães de 30.5.2019[26] escreveu-se: “No caso, não obstante a ausência de qualquer internamento, não podemos deixar de ponderar como graves os padecimentos do Autor decorrentes do acidente em causa, sobretudo tendo em consideração que a cura das lesões demandou um longo período de tempo (205 dias no total), com imobilização do membro superior esquerdo durante um período de seis semanas e a inerente alteração da sua vida pessoal, familiar e profissional, sendo o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 150 dias, que o quantum doloris se situou acima da média (4 numa escala de 0 a 7), que as dores e as dificuldades acrescidas na realização das tarefas quotidianas (traduzidas no défice funcional de 4 pontos) o acompanharão ao longo de toda a sua vida, bem como, que o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 2, é de considerar que a mitigação dos mesmos se satisfaz adequadamente com a quantia de 15.000 €. Para se aferir da razoabilidade deste valor, atente-se no acórdão do STJ de 06.12.2017, onde, num caso em que a autora sofreu em consequência do acidente, “traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7”, e sequelas correspondentes a um défice funcional de 2 pontos, se considerou ser de manter o montante indemnizatório, fixado pela Relação, por danos não patrimoniais, em € 15.000.”
No acórdão desta Relação do Porto de 27.9.2018[27] fez-se notar. “(…) No caso, na fixação do montante da indemnização a arbitrar à autora, há que ponderar a seguinte factualidade: “(…) 9 - A autora sofreu traumatismo crânio-encefálico ligeiro com perda de consciência e traumatismo do antebraço direito. 10 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Total (ITGT) de 1 dia. 11 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial (ITGP) de 48 dias. 12 - Sofreu um Quantis Doloris de 3/7. 13 - Existiu uma afectação total da actividade formativa de 2 dias. 14 - Não sobrevieram danos permanentes. 15 - A autora foi transportada ao Hospital S…, T…, onde foi observada em Cirurgia … e …. 16 - A fractura foi imobilizada com aparelho gessado que usou durante 7 semanas. 17- Ganhou medo e ansiedade a andar de carro. 18- A autora nasceu em 07.07.91. (…).”. Na sentença recorrida atribuiu-se à autora o montante de € 7.500,00 a título de compensação pelos descritos danos. Nas suas conclusões de recurso, a ré considera tal montante excessivo, contrapondo um montante de € 3.000,00/€ 3.500,00. (…) Assim, em sede de equidade e balizando decisões do STJ próximas da data de instauração da acção, que fixaram valores de €20.000,00, €15.000,00 e €14.000,00 para situações mais graves do que a da autora e de €4.000,00 para uma situação de simples preocupação, ansiedade e angústia, afigura-se-nos que o valor de €7.500,00 não é excessivo para compensar a autora dos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente.”
Extrai-se do acórdão desta Relação do Porto de 26.9.2016[28], citando comparativamente outros arestos:
“- Ac. STJ 07 de abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1) – em acidente ocorrido em 08-10-2011, a lesada com 22 anos: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, considerou-se justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50.000,00. - Ac. STJ 19 de fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção) considerou-se adequada a quantia de € 20.000 arbitrada a título de danos não patrimoniais tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fratura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fratura do escafoide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafoide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafoide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7. - Ac. STJ 21 de janeiro de 2016 (Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, 7ª secção) - em acidente ocorrido em 12 de setembro de 2009 considerou-se adequado atribuir ao lesado pelas lesões sofridas em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou. - Ac. STJ 26 de janeiro de 2016 (Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 6ª secção) - em acidente ocorrido em 27 de janeiro 2000, com culpa exclusiva do causador do acidente, o lesado sofreu lesão que provocou encurtamento de 4 cm, na perna esquerda e pela lesão na perna direita coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afetam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que, desde os 20 anos, o Autor viu condicionada a sua integridade física, ficou afetado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, com sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social. Considerou-se adequado para compensação do dano não patrimonial, com base na equidade a quantia de € 45 000,00. - Ac. STJ 28 de janeiro de 2016 (Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 2ª secção) – em 15 de maio de 1994, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%; o lesado foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efetuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7 – considerou-se que seria adequado fixar uma indemnização por danos não patrimoniais total no valor de €40.000,00. (…)”.
No acórdão da Relação de Guimarães de 5.2.2015[29] em que relevou especialmente o seguinte para fixar a indemnização em € 20.000,00:
«26. Do acidente resultaram para o J.., lesões que se consubstanciaram na fratura-luxação do astrágalo do pé esquerdo. 27. Consequência do que a criança apresenta deformidade na face interna do calcanhar, dor à pressão no calcâneo, limitação dolorosa do tarso, mais evidente na flexão plantar. 28. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 8.9.2009. 29. O período de défice funcional temporário total foi de 62 dias. 30. O período de défice funcional temporário parcial foi de 121. 31. O quantum doloris é de 5 em 7. 32. O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica é de 9 pontos, sendo de admitir a existência d e dano futuro. 33. O dano estético é de 3 em 7. 34. As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras. 35. O J.. teve que fazer tratamentos médicos e sofreu intervenções cirúrgicas. 36. No dia do acidente (10/03/2009), foi assistido no Hospital de Riba D'Ave. 37. Nesse mesmo dia foi operado e foi-lhe feita redução incruenta e fixação de fratura com fios de Kirshner e faciectomia do pé. 38. Em 12/03/2009, teve alta hospitalar e foi acompanhado em consulta externa. 39. Em 14/4/2009, sofreu intervenção cirúrgica para que lhe fossem retirados os fios de Kirshner. 40. Teve que estar de cama no seu domicílio de 12/03/2009, até 30/04/2009. 41. Manteve-se em consulta externa até 08.09.2009. 42. O J.. teve inquietação, angustia e sofreu susto. 43. Sofreu dores, quer quando foi atropelado, quer posteriormente, antes e depois das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos. 44. Sofre ainda dores quando pega em pequenos objetos ou pretende deslocar se. 45. Não pode correr como os outros meninos da sua escola, como tanto gostava. 46. Não consegue jogar á bola, como até então o fazia com muito prazer. 47. E não consegue acompanhar os outros meninos, seus colegas nas horas do recreio das atividades escolares. 48. O menino J.. tem diminuição da capacidade de locomoção e claudica. 49. O menor pode vir a necessitar de se submeter a novas intervenções cirúrgicas. 50. Podendo vir a agravar-se as suas sequelas em medida que não pode, ainda, ser computada. 51. A criança sofre de tristeza.”
Naquele acórdão foram citadas outras decisões, nos seguintes termos:
«- Num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2011, foi atribuída uma indemnização de € 23.000,00 a um sinistrado que ficou com ferimentos a nível da face, couro cabeludo, tórax, região dorsal e membro superior direito. Esteve internado 12 dias, apresentando traumatismo torácico com pneumotórax bilateral, fratura D4, D5 e D6 e fratura da clavícula direita. Ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares. E mesmo após a alta dos hospitais, andou em tratamento ambulatório, durante vários meses para lhe ser prestada assistência e tratamentos médicos por diversos especialistas, pois apresentava sinais e sintomas de disfunção, temporo-mandibular, tendo sido submetido a extrações e intervenções dentárias. Esteve, em consequência do acidente, com Incapacidade Temporária Geral quase três meses; com Incapacidade Temporária Geral Parcial, cerca de 7 meses e com Incapacidade Temporária Profissional Total, cerca de 10 meses. Ficou ainda demonstrado que sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e que ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas. Teve de se deslocar várias vezes ao Porto para tratamentos e teve de usar um colete ortopédico durante cerca de 2 meses. À data do acidente era um jovem saudável e alegre, trabalhando, como sócio gerente e, em consequência do mesmo, sentiu-se e sente-se angustiado; - No acórdão do STJ de 29/06/2011, decidiu-se: “VIII - Em matéria de lesões físicas do demandante sobressai a fractura do cotovelo, que o obrigou a uma intervenção cirúrgica e a um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial; as dores sofridas, tendo sido fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7. IX -Tendo em conta esta factualidade, com destaque para o período de tempo de doença e o quantum doloris, que são significativos, entende-se que o montante de indemnização fixado (€ 25 000) é justo e adequado à reparação dos danos não patrimoniais».
Ainda:
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de dezembro de 2007[30], foi arbitrado o montante de € 35.000,00 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em coma e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;[31]
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.2.2017[32] fixou-se a indemnização em € 25.000,00 e considerou-se:
“- existência, em lesado jovem, de 29 anos de idade, de traumatismo comfractura do prato externo da tíbia esquerda, implicando operação cirúrgica, com osteossíntese, ficando a lesada com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados; - incapacidade laboral durante 8 meses; - sofrimento de fortes dores em consequência de tais lesões.” - ausência de incapacidade permanente.
Ponderando comparativamente os fundamentos e a decisão proferida em cada um dos referidos casos e o caso concreto que nos ocupa, temos como justo e equitativo estabelecer, pelo conjunto dos danos não patrimoniais já sofridos pelo recorrente e os que, previsivelmente, continuará a sofrer, a quantia de € 30.000,00.
*
4. A duplicação dos juros de mora legais
O tribunal condenou a R. no pagamento do capital da indemnização acrescido “(…) de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, (…)”.
O recorrente apela à aplicação do disposto no art.º 38º, nº 3, do Decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto[33], defendendo que a indemnização proposta pela seguradora por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o A. em consequência do acidente de viação em causa, no valor de € 25.920,00, é manifestamente insuficiente, devendo, por isso, ser condenada nos juros em dobro da taxa prevista na lei aplicável, sobre a diferença entre o montante oferecido pela entidade seguradora e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.° l do mesmo artigo até à na decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
Está provado: 95. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em 06-02-2017, através do seu perito liquidatário de nome Jorge Santos, apresentou por escrito ao Autor uma proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de €25,920,00, discriminado da seguinte forma: • Dano Biológico (16 pontos) = 15.000,00€ • Quantum doloris (4) = 880,75€ • Dano estético (1) = 820,80€ • PAP (2) = 1.704,19€ • Internamento = 418,38€ • Esforços acrescidos = 3.175,88€ • Perda Total (velocípede) 3.500,00€ • Despesas vestuário/objectos = 420,00€
Naquela data, a consolidação médico-legal das lesões já tinha ocorrido (em 13.1.2017) e os Serviços Clínicos da R. elaboraram então um Relatório Final de Avaliação do dano Corporal em Direito Civil com as seguintes conclusões, em que a R. se baseou para formular a “proposta razoável de indemnização”:
- Quantum doloris: 4;
- Dano estético: 1;
- Prejuízo de afirmação pessoal: 2;
- Ma0206: 7 pontos de desvalorização arbitrada;
- Na0224: 6,3 pontos de desvalorização arbitrada;
- Coeficiente Global de Incapacidade : 16 pontos, e
- Alta: 13/01/2017.
Só depois da apresentação da proposta ao A., em 12.2.2017, foi observado e submetido a uma nova Perícia de Avaliação do Dano Corporal que chegou a resultados diferentes, de maior gravidade dos efeitos das lesões e que também não representam a real situação do A., sendo esta a que consta dos pontos 67 a 69 da sentença, obtida com base em novos elementos de prova, que predominou na determinação judicial da indemnização, de que se destaca o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 22 pontos e incapacidade permanente parcial (IPP) fixada em 40,654%.
Para justificar a manifesta insuficiência, o A. compara os valores da proposta formulada pela R. com os valores que resultariam da aplicação da Portaria 679/2009, de 25 de junho, tendo por base os défices funcionais, incapacidades e as quantificações que ficaram demonstradas na sentença, sob os referidos pontos 67 a 69 e que ainda não resultavam sequer de exames periciais (realizados depois da apresentação da proposta razoável). No seu dizer, encontra uma discrepância entre € 25.920,00 (valor da proposta) e € 73.507,86 valor que resultaria da aplicação da tabela da referida portaria segundo avaliações do dano posteriores), maior ainda se se atender ao valor da indemnização fixado na 1ª instância, ou seja, € 128.002,3, uma diferença de € 102.082,31, bem significativa, em desfavor do lesado.
Não está aqui em causa uma situação de incumprimento de deveres relacionado com a apresentação da proposta razoável, mas a irrazoabilidade da proposta traduzida na sua manifesta insuficiência. Segundo o nº 3 do art.º 38º da LSO, “se montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.° 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial”.
O subsequente nº 4 estabelece que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.
No caso em análise, é manifesto que a quantia que a R. ofereceu ao A. a título de indemnização, como proposta nada tem de razoável em face dos valores encontrados e fixados quer na 1ª instância quer agora no presente acórdão. Existe entre eles um fosso ou variação muito expressiva, que não traz dificuldade no preenchimento aparente do conceito de “manifesta insuficiência” previsto no nº 3 do art.º 38º da LSO.
Todavia, como se defende no acórdão da Relação de Guimarães de 7.12.2017[34], «(…) tem que se admitir a possibilidade de, não obstante tal aparência, aquela[35] demonstrar que, afinal, ao contrário do que à primeira vista parece, a sua proposta era à data "razoável", para o que tem o ónus de alegar os factos que tiver por relevantes para se alcançar essa conclusão. Neste cenário é a seguradora quem tem que demonstrar que o valor proposto, face às concretas circunstâncias que envolveram a apresentação da proposta, era "razoável"; é a ela que cabe justificar a diferença objectiva entre o montante proposto e aquele que veio ser fixado, nomeadamente alegando que o sinistrado lhe ocultou informação importante, que surgiu uma consequência imprevista, que era difícil ou duvidoso o diagnóstico de certa doença, que seguiu jurisprudência que depois não foi a adoptada pelo tribunal do julgamento, ou qualquer outra causa a que é alheia e que condicionou a proposta que elaborou. E nestas situações, querendo beneficiar do regime do n.º 3 do referido artigo 39.º tem também o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efectuou a proposta "nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. (…) Caberá, nestes casos, à seguradora carrear para o processo factos que confiram uma outra perspectiva à questão».
Da conjugação dos pontos 55 e 95 dos factos provados resulta demonstrado que a proposta apresentada pela R. seguradora ao A. se baseou na utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, tendo sido os montantes indemnizatórios encontrados por aplicação dos critérios previstos na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, com a alteração dada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho. Isso mesmo não está posto em causa pelo A. que aceita que o cálculo da seguradora assenta na aplicação correta daquela legislação relativa à proposta razoável, Entende, no entanto, que basta a diferença manifesta entre o valor daquela proposta e o valor fixado pelo tribunal para justificar a manifesta insuficiência e o pagamento do juros de mora pelo dobro da taxa legal, ao abrigo do art.º 38º, nº 3, da LSO, assim porque defende também que não releva para a questão a forma como a R. quantificou os danos e que deveriam ter sido considerados apenas os factos, sendo estes exatamente mesmos à época da elaboração da proposta da R.
Concordamos apenas em parte com o referido no douto acórdão da Relação de Guimarães atrás citado. Temos para nós que a seguradora demonstra que a proposta é razoável se tiver encontrado o valor da indemnização com recurso à aplicação da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito e à aplicação dos critérios e valores orientadores constantes da Portaria nº 377/2088, de 26 de maio, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de julho, considerando as circunstâncias apuradas à data em que a proposta é formulada e comunicada ao lesado. É essa a proposta razoável.
O art.º 1º, nº 1, da Portaria estabelece que através dela “fixam-se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.° 291/2007, de 21 de Agosto”. O art.º 3º, al. b), da Portaria faz uma referência expressa à Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil para a determinação do dano biológico, ou seja, o dano pela ofensa à integridade física e psíquica do lesado.
A LSO impõe ao segurador diligência e prontidão na regularização dos sinistros, designadamente quanto à elaboração e comunicação ao lesado da proposta razoável de indemnização (art.ºs 36º, nº 1, al. e), nº 5 e 38º, nº 1, da LSO). Havendo necessidade cumprimento dos prazos ali previstos, a R. dispunha à data da proposta apenas do resultado da avaliação do dano efetuada pelo seu perito, mas já segundo a referida tabela. Tendo seguido essa avaliação e os valores e critérios da Portaria, que mais lhe seria exigível?
A previsão dos nºs 2 e 3 do art.º 38º tem natureza sancionatória que se realiza pela duplicação da taxa de juro legalmente prevista (atualmente de 4%). Se a empresa seguradora não cumprir os deveres fixados no citado art.º 36º, nº 1, al. e) e nº 5, ou se o montante indemnizatório constante da proposta não for razoável, a seguradora é sancionada com agravamento dos juros nos termos daquela disposição legal.
O legislador não pode ter querido que se considerasse irrazoável uma proposta que seguisse os critérios por ele próprio indicados para fixação da proposta razoável. Seria um contrassenso, um absurdo jurídico mesmo, admitir o sancionamento do segurador quando cumpre os parâmetros de determinação e avaliação dos danos que o próprio legislador lhe forneceu com obrigação de cumprimento.
Tanto quanto nos parece, o legislador, no art.º 38º, nº 3, da LSO nem sequer define a manifesta insuficiência da proposta como uma qualquer divergência entre o valor da proposta e o valor que o tribunal acabou por fixar na decisão final. Apesar de parecer apontar nesse sentido ao estabelecer que a duplicação a taxa de juro recai “sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial”, no nº 4, esclarece que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.
Considerando o contributo clínico obtido nas circunstâncias em que a proposta foi elaborada e a observação dos critérios legais impostos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, cujo cumprimento o recorrente reconhece, não era exigível à R. oferecer valores indemnizatórios superiores, designadamente que violasse o critério legal da determinação da proposta razoável atribuindo valores superiores, observando designadamente qualquer critério seguido na jurisprudência determinante de valores indemnizatórios mais elevados ou de danos ali não contemplados.
Como observámos já --- mas não é demais repeti-lo quanto a esta questão --- a Portaria 377/2008, de 26 de maio, que regulamenta a LSO, fixou os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação ao lesado por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não alterou as nomas do Código Civil relativas à obrigação de indemnizar nem impediu os tribunais de, com base nelas, aplicar valores superiores e reparar danos diferentes em sede responsabilidade por acidente de viação. O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os que são definidos pelas referidas Portarias destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.
Como se referia já no acórdão desta relação do Porto de 17.9.2009[36], “a orientação que a Portaria estabelece (como medida de protecção aos lesados) destina-se a apressar a reparação aos lesados, “impor” às seguradoras a apresentação de propostas razoáveis, em prazo razoável, obstando ao retardamento injustificado (ou não explicado) na reparação, como no oferecimento de reparações frequentemente distantes da real gravidade dos danos sofridos”.
Tanto assim é que na parte final do preâmbulo da portaria se realça o objetivo de estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas, nos termos do art.º 39º, nº 3, do decreto-lei nº 291/2007, e nunca a fixação definitiva de valores indemnizatórios.
Este pensamento legislativo está ainda expresso sob a forma de lei no nº 2 do art.º 1º da portaria, segundo o qual “as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”.
Os valores ali propostos deverão ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências e critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.[37]
Aqui chegados, parece impor-se a conclusão de que, se há novas avaliações do dano corporal do lesado após a apresentação da proposta razoável, se o tribunal ponderou o resultado das mesmas e outros danos, não previstos na Portaria, para a fixação de valores de indemnização, e se a R. teve devidamente em conta os critério a que estava obrigada nas circunstâncias em que formulou a sua proposta de indemnização, sendo então razoáveis os valores propostos, não é admissível o seu sancionamento. A R. não tinha que fazer futurismo e cumpriu a lei a que estava obrigada. Naquelas circunstâncias, segundo os critérios e valores das Portaria, a proposta não era geradora de desequilíbrio (significativo) em desfavor do lesado.
Salvo o respeito devido por outra posição, o nº 3 do art.º 39º da LSO não tem aqui aplicação.
O nº 1 daquele preceito refere-se à posição do segurador prevista na al. c) do nº 1 ou na al. b) do nº 2 do art.º 37º. O nº 2 prevê apenas para situações de incumprimento dos deveres referidos naquelas normas, e o nº 3 estabelece uma reserva de regime para aquele incumprimento. Pressupondo esse incumprimento, este nº 3 prevê um regime sancionatório diferente do que consta dos nºs 2 e 3 do art.º 38º nas situações aqui previstas.
Que o art.º 39º prevê para situações diferentes das que o art.º 38º prevê, resulta também do seu nº 6, onde se constata a necessidade de prever que o nº 4 do artigo 38º, relativo à definição de “proposta razoável”, é aplicável no regime do art.º 39º.
Por conseguinte, não há lugar a qualquer duplicação da taxa de juro aplicável, improcedendo esta questão do recurso.
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Esgotadas que estão as questões da apelação, deve a mesma ser julgada parcialmente procedente, em conformidade com o que agora foi decidido, alterando-se a decisão condenatória.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se a R. C…, S.A., a pagar ao A. B…:
1. A indemnização de € 133.002,31, por todos os danos já liquidados emergentes do acidente;
2. A indemnização que resultar de oportuna liquidação relativamente aos danos que, no futuro, emergirem para o A. relativamente aos atos que tiverem que ser praticados de entre os referidos nos pontos 60 a 65 dos factos provados.
Mantém-se o mais decido na 1ª instância, designadamente quanto a juros, desta feita a recaírem sobre o capital de indemnização agora fixado.[38]
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Custas, nesta e na 1ª instância, na proporção do decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 19 de novembro de 2020
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
______________ [1] Por transcrição e que o A. não impugnou. [2] Há lapso evidente no extenso. [3] Por transcrição. [4] Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2009, proc. nº 258/04.6TBMRA.E1.S1, inwww.dgsi.pt. [5] Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 12.12.2017, de 14.12./2017 e de 8.1.2019, in [6] Proferido no proc. nº 4060/17.7T8OAZ.P1, em que foi relator o Ex.mo Desembargador Joaquim Gomes e foi adjunto o aqui relator. [7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2017, proc. 1292/15.6T8GMR.S1, inwww.dgsi.pt, que o recorrente também citou. [8] Alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho. [9] Proc. 347/10.8TBBGC.P1.S1, inwww.dgsi.pt. [10] Proc. nº 07ª3836, inwww.dgsi.pt. [11] Ac.s do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2005 e de 20.1.2010, proc. nº 203/99.9TBVLR.P1.S1, acórdão da Relação do Porto de 20.3.2012, proc. 571/10.3TBLSD.P1, in www.dgsi.pt. [12] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 33. [13] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25,3.2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 140. [14] Código Civil anotado, volume 1º, 4ª edição, pág. 501. [15] Cf. acórdão do S.T.J. de 11.10.1994, BMJ 440/449 e, das Relações, acórdãos da Relação de Lisboa de 13.2.1997, Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, pág. 123. [16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2005, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 127. [17] Cf. acórdão da Relação do Porto de 10.12.2012, proc. 2604/09.7TBPVZ.P1, inwww.dgsi.pt, citando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão STJ, de 10.07.2008, proc. 08B2101, inwww.dgsi.pt.). [18] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11. [19] Pro. 5808/12.1TBALM.L1.S1, inwww.dgsi.pt. [20] Cf. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 e o acórdão da Relação de Lisboa de 22.12.2012, proc. 2286/08.3TBTVD.L1-6, inwww.dgsi.pt. [21] Proc. n.º 2870/11.8TJVNF.P1, inwww.dgsi.pt. [22] Proc. n.º 198/06TBPMS.C1.S1, inwww.dgsi.pt. [23] Proc. 1292/15.6T8GMR.S1, inwww.dgsi.pt. [24] Proc. 1556/07.2TBAGD.C1, inwww.dgsi.pt. [25] 2272/15.7T8CHV.G1, inwww.dgsi.pt. [26] Proc. 1760/16.2T8VCT.G1, inwww.dgsi.pt. [27] Proc. 75/10.4TBAMT.P1, in www.dgsi.pt. [28] Proc. 595/14.1TBAMT.P1, inwww.dgsi.pt. [29] Proc. 218/11.0TCGMR.G1, inwww.dgsi.pt. [30] Proc. nº 07A3836 inwww.dgsi.pt. [31] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2009. [32] Acima citado. [33] Leio do Seguro Obrigatório( LSO). [34] Proc. 863/16.8T8VIS.G1, in www.dgsi.pt. [35] Refere-se à seguradora. [36] Proc. RP200909171943/05.0TJVNF.P1, inwww.dgsi.pt. [37] Cf. citado acórdão desta Relação de 23.2.2010, citando José Pinto Borges e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.4.2009, proc. n.º 08P3704, inwww.dgsi.pt. [38] Matéria que não foi objeto de impugnação recursiva.