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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
I. A possibilidade de o Tribunal ordenar a suspensão de um processo está dependente da existência de uma outra acção pendente, de razões de conveniência e de a decisão dessa acção poder destruir o fundamento ou a razão de ser da outra (prejudicialidade). II. Não existe tal relação entre duas acções, quando na acção movida em 1º lugar a autora pede a condenação do réu a pagar-lhe determinadas quantias e, na acção instaurada em 2º lugar, o ali réu, em acção dirigida contra a ali autora, visa a declaração de nulidade do seu despedimento e legais consequências.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………, Ld.ª instaurou contra C…….. a presente acção declarativa, com processo comum, pedindo que se condene o R. a pagar à A. a quantia de € 8.868,68, sendo € 6.715,68 correspondente ao saldo do cartão de crédito que a A. liquidou à D…… em vez do R. e € 2.153,00 relativa ao remanescente de um adiantamento que a A. fez ao R.
Alega em síntese que a quantia de € 6.715,68 respeita apenas a despesas pessoais do R., pois as despesas feitas por este em cumprimento do contrato de trabalho que existiu entre as partes, foram pagas na totalidade pela A. ao mesmo R. que, por sua vez, as liquidou à referida D……; a quantia de € 2.153,00 respeita ao remanescente de um adiantamento que a A. fez ao R. para este adquirir uma viatura para uso pessoal, que vinha sendo paga em prestações, que terminaram com a cessação do contrato de trabalho por despedimento com invocação de justa causa, ocorrida em 2003-07-30, na sequência de processo disciplinar.
O R. contestou por impugnação e suscitou a questão prévia da apensação da presente acção àquela que no Tribunal do Trabalho de Lisboa deduziu contra a aqui A., impugnando o referido despedimento.
A A. apresentou resposta à contestação, entendendo que a apensação de acções deve ser indeferida.
Junta certidão do processo instaurado no Tribunal do Trabalho de Lisboa, pelo douto despacho de fls. 114 e 115 foi indeferida a requerida apensação de acções.
Foi, então, proferido o despacho de fls. 122 e 123, donde consta, nomeadamente, o seguinte:
“… o pedido deduzido referente ao remanescente do alegado adiantamento concedido ao réu se encontra numa relação de dependência relativamente à decisão final que vier a ser proferida no referido processo que corre termos no Tribunal do Trabalho de lisboa, porquanto o mesmo tem como fundamento a cessação da relação laboral.
Assim, neste último processo de impugnação de despedimento discute-se uma questão que se afigura essencial para a decisão a proferir nos presentes autos, consubstanciando uma causa prejudicial.
Em conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decide-se suspender os termos da presente instância até que se mostre definitivamente decidida a acção n.º …../04.2TTLSB referida.
Notifique”.
Irresignada com tal decisão, dela interpôs recurso de agravo a A., pedindo a sua revogação e a substituição por despacho em que se ordene o normal prosseguimento dos autos, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1. A acção proposta em primeiro lugar é movida pela autora contra o réu, com vista a obter a cobrança coerciva de créditos que aquela detém sobre este.
2. A acção proposta em segundo lugar é movida pelo réu contra a autora, com vista a obter a declaração de nulidade de despedimento com as consequências legais.
3. Os factos invocados na primeira acção são diversos dos factos invocados na segunda acção, pelo que as acções têm objectos diferentes.
4. A decisão a proferir na primeira acção não influencia a decisão a proferir na segunda acção.
5. A falta de decisão na primeira acção impede a autora de obter título que lhe permita compensar os créditos que detém sobre o réu em salários posteriores, caso este venha a lograr obter a declaração, no âmbito da segunda acção, da nulidade do despedimento e a sua reintegração no respectivo posto de trabalho, sob pena de violação do disposto no artigo 270° nr. 2 alínea b) do Código do Trabalho.
6. Não existe relação de prejudicialidade ou dependência entre as acções.
7. Ao determinar a suspensão dos presentes autos com fundamento na existência de causa dependente ou prejudicial (a segunda acção), o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 279° nr. 1 do Código de Processo Civil.
Admitido o recurso, o Tribunal a quo sustentou o seu despacho.
A Exm.ª Sr.ª Procuradora da República, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Estão provados os factos constantes do relatório que anetecede.
O Direito.
Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o âmbito do recurso [Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531], atento o disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser revogado o despacho que ordenou a suspensão da instância.
Vejamos.
Dispõe o Art.º 279.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil:
O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Face ao teor de tal disposição legal, parece claro que – como ensina a doutrina e a jurisprudência – a possibilidade de o Tribunal ordenar a suspensão de um processo está dependente da existência de outra acção pendente, no mesmo ou em outro Tribunal, que tal deverá ocorrer por razões de conveniência e quando a decisão de uma acção puder destruir o fundamento ou a razão de ser da outra, o que impõe que o objecto de uma delas seja parcialmente coincidente com o objecto da outra, sendo a apreciação de uma pressuposto parcial da apreciação da outra.
[Cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, págs. 266 e segs. e in Código de Processo Civil anotado, Volume I, 1982, págs. 383 e 384 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1993-02-18, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 424, págs. 587 a 592].
In casu, fazendo a análise crítica dos factos em debate em ambas as acções e tendo presentes os pedidos formulados em ambas, verificamos que não existe coincidência entre os objectos de ambos os autos, pois a dívida do remanescente do adiantamento não se mantém ou se extingue perante a declaração ou não de ilicitude do despedimento. Pois, independentemente da sorte que tenha a acção pendente no Tribunal do Trabalho de Lisboa, o remanescente do adiantamento não é afectado por tal decisão. Na verdade, não há coincidência entre os objectos de ambas as acções, nem o julgamento do despedimento constitui premissa do julgamento do remanescente do adiantamento, possibilitando contrariedade de julgados, ainda que parcialmente. A hipótese de procedência de ambas as acções e do surgimento de créditos e de contracréditos, poderá vir a afectar a forma de cumprir as sentenças, mas tratar-se-á, então, do cumprimento das decisões e não do julgamento das causas, isto é, brigará com a execução dos direitos e não com a sua declaração, sendo certo que a suspensão da instância só se deve verificar nesta – na declaração dos direitos.
Tal significa que, inexistindo a invocada relação de prejudicialidade entre ambas as acções, a ordem de suspensão da instância não observou o disposto no Art.º 279.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil. Daí que, devendo proceder as conclusões do recurso, o despacho não seja de manter.
Assim, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o normal prosseguimento dos autos.
Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento ao agravo, assim revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene o normal prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Porto, 18 de Setembro de 2006
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro