EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário


Na fase contraditória dos embargos de terceiro, compete ao embargado, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil, o ónus de alegar e provar que o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva do seu direito há mais de 30 dias antes da data da apresentação dos embargos de terceiro.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Nos presentes autos de embargos de terceiro que C. M. move contra J. V. e V. M., a requerente peticiona o levantamento da penhora que incide sobre a conta ......563 do Banco ....
Para tanto alegou, em síntese, que é titular da conta nº ......563 do Banco ..., a qual foi objeto de penhora de saldos bancários por conta de uma dívida do cotitular, seu filho, V. M., aqui segundo embargado, situação que desconhecia até há apenas uns dias atrás.
Não obstante constar como primeira titular da conta em apreço, o Banco ... nunca avisou a ora Embargante, nem por carta, nem por e-mail, nem por extrato de conta, da existência de tal penhora.
Tomou conhecimento da penhora de saldos apenas no dia 02/10/2019 por contacto pessoal com o Banco que procedeu à alteração da morada da Embargante no sistema e, além disso, emitiu, a pedido da mesma, extratos bancários desde o mês que procedeu à venda da casa de … (a na Rua …).
O saldo da conta penhorada é totalmente da embargante.

*
Liminarmente admitidos, o embargado J. V. apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos de terceiro.
Para tanto alegou, em resumo, que a penhora da conta foi feita no final do mês de junho de 2019 e a Embargante, assim como o Executado, foram notificados pelo banco da penhora da conta no final de junho de 2019.
Os embargos deduzidos são manifestamente intempestivos, tendo por isso caducado o direito de embargar de terceiro.
**
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foram considerados válidos e regulares os pressupostos objetivos e subjetivos da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
*
Procedeu-se a audiência de julgamento.
*
Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual julgou procedentes os embargos de terceiro e, em consequência, determinou o levantamento da penhora que incide sobre o saldo da conta bancária n.º ......563, do Banco ....
*
Inconformado, o embargante J. V. interpôs recurso dessa sentença e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1.ª
O presente recurso é interposto da sentença que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos pela Recorrida para levantamento da penhora que incide sobre a conta bancária n.º ......563 do Banco ..., efectuada na execução de que os embargos são apenso, em que é executado o filho da Recorrida, V. M..
2.ª
O Recorrente não se conforma com a douta sentença sob recurso por entender ter havido manifesto erro na apreciação da prova por desconformidade entre os elementos probatórios existentes nos autos e a decisão do Tribunal Recorrido, quando desconsiderou prova existente nos autos.
3.ª
Os embargos deram entrada no Tribunal no dia 04/10/2020, tendo a Recorrida alegado ter tomado conhecimento dos embargos apenas “no dia 02/10/2019, por contacto pessoal com o Banco que procedeu à alteração da morada da Embargante no sistema” e que o saldo existente na conta penhorado é apenas seu pois corresponde na sua totalidade ao preço da venda de uma casa de que era proprietária.
4.ª
O Recorrente contestou os embargos alegando que estes são extemporâneos, uma vez que a Embargante teve conhecimento da penhora muito antes da data por ela alegada e ainda que o saldo da conta bancária pertencia também ao Executado, seu filho.
5.ª
O Tribunal Recorrido julgou tempestivos os embargos com base nos factos julgados provados, em particular o n.º 4 desses factos, “Não obstante constar como titular da conta bancária em apreço, o Banco ... não informou a ora embargante da existência de tal penhora”.
A prova da não notificação da penhora à Recorrida resultou do depoimento da testemunha P. M. que disse que a penhora de um saldo bancário sediado no Banco ... nunca é comunicada pela instituição bancária aos titulares dessa conta que não sejam executados no processo onde foi ordenada a penhora.
6.ª
O prazo para a dedução de embargos é de 30 dias contados da data da diligência que afectou o direito do embargante ou de 30 dias contados da data em que teve conhecimento da ofensa (artigo 344.º, n.º 2 do C.P.C.
7.ª
Quanto ao primeiro prazo, não dúvidas de que, no momento em que a Recorrida deu entrada dos embargos, esse direito havia já caducado, uma vez que a penhora foi feita no dia 21 de Junho de 2019 e os embargos de terceiro deram entrada apenas no dia 02/10/2019.
8.ª
Quanto ao segundo prazo, previsto na norma, 30 dias após o conhecimento, importa dizer que o conhecimento da penhora por parte de quem vê o seu direito ofendido não resulta apenas da comunicação escrita feita pelo banco, podendo chegar ao seu conhecimento por outros meios.
9.ª
O Recorrente entende que existem nos autos elementos que permitem concluir quer a Recorrida teve conhecimento da penhora muito antes da data que esta alega ter tido esse conhecimento.
10.ª
O Banco ... juntou aos autos informação na qual diz que junta “Elementos de suporte às transferências referenciadas, sendo que as mesmas foram ordenadas por via electrónica” e que “os extractos são pelo banco disponibilizados em formato digital” -ofício junto aos autos pelo Banco ... em 08/04/2020, tendo a Recorrida, no seu requerimento de 20/4/2020, com a referência 35377975, veio confirmar o que já antes havia alegado, ou seja, que é ela quem movimenta a conta bancária.
Da conjugação da informação prestada pelo Banco … com o que foi alegado e confessado pela Recorrida, o Tribunal devia ter dado como provado o seguinte:
- a conta bancária era movimentada pela Recorrida,
- as transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via electrónica, e - os extractos eram disponibilizados aos titulares da conta em formato digital.
11.ª
Estes factos relevam para efeitos de verificação da tempestividade dos embargos deduzidos pela Embargante e de existência ou não de caducidade do direito de embargar, porém foram desconsiderados pelo Tribunal Recorrido, que não lhes deu qualquer relevância, pois de outro modo não podia ter julgado provado o conhecimento da penhora por parte da Recorrida apenas no dia 2 de Outubro de 2019.
12.ª
Decorre do extracto bancário junto aos autos pelo banco que, desde a data em que a Embargante depositou na conta o cheque correspondente ao preço da casa que vendeu - 18/03/2019 - e a data em que se efectivou a penhora dos 19.000,00 € - 21/06/2019 - a Embargante retirou da conta, por transferência electrónica e levantamentos em caixas ATM, a quantia de 131.776,54 €, o que denota um padrão no que respeita aos movimentos efectuados na conta que indicia a intenção de “esvaziar” rapidamente aquela conta, padrão este que se mantém depois da penhora, com os condicionalismos resultantes dessa penhora, que impediu a Recorrida de retirar da conta o valor de 19.000,00€.
13.ª
A partir da data da penhora, a Embargante continuou a retirar da conta as quantias necessárias para que esta apresentasse sempre um saldo próximo do valor penhorado o qual, devido à penhora se apresentava como indisponível.
A Recorrida não podia por isso ignorar que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00€ à ordem da execução.
14.ª
No dia em que o Banco ..., na sequência da notificação da penhora feita por este Tribunal, procedeu à penhora dos 19.000,00 € à ordem da execução, a conta apresentava um saldo de 50.342,03 €, ficando, após a penhora, com um saldo disponível de 31.342,00 €.
Curiosamente, nesse mesmo dia, a Recorrida transferiu para uma outra conta sua, a quantia de 31.000,00 €, valor muito próximo daquele que se encontrava disponível na conta após a penhora, ficando a conta com um saldo disponível de apenas 342,00 €.
15.ª
A Recorrida não pode alegar que não teve conhecimento da penhora no mesmo dia em que esta se efectuou, pois só assim se compreende que tenha, nesse mesmo dia, transferido para outra conta sua o valor remanescente.

Acresce que,
16.ª
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º do aviso do Banco de Portugal n.º 4/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 161, de 20 de Agosto de 2009, “as instituições de crédito devem prestar aos seus clientes informação relativa a todos os movimentos a débito e a crédito efectuados nas suas contas de depósito, através de extracto que inclua, no mínimo, os seguintes elementos:
(...)
I) Saldos contabilísticos resultantes dos movimentos; e
J) No caso das contas à ordem, o saldo disponível no final do período a que se refere o extracto”.
17.ª
No cumprimento deste aviso do Banco de Portugal, em todos os bancos, inclusive o Banco ..., estas são informações que constam dos extractos mensais disponibilizados aos titulares das contas, figurando na página inicial do homebanking os seguintes dados:
- saldo contabilístico
- saldo autorizado ou saldo disponível - saldo cativo ou saldo indisponível
18.ª
A Recorrida certamente acedeu à conta diversas vezes após a penhora, sendo certo que o fez pelo menos no dia da penhora para transferir os 31.000,00 € ainda disponíveis para uma outra conta sua e no dia 29/07/2019, data em que transferiu para uma conta do executado, seu filho, a quantia de 400,00 €, com a qual retirou da conta um valor muito próximo do saldo disponível - é demasiada a coincidência...
A partir daquele dia este continuou a ser um procedimento habitual da Recorrida/Embargante que foi fazendo levantamentos em caixas ATM, os quais normalmente se seguiam ao depósito das prestações de 300,00 €, feitos por S. O., mantendo o saldo da conta sempre próximo dos 19.000,00 € penhorados, que não podia movimentar por se tratar de saldo indisponível e por este motivo também não pode ignorar a existência da penhora, uma vez que é informação que consta da conta bancária à qual acedia com frequência.
19ª.
Estes factos que foram alegados permitem concluir o seguinte:
- a Embargante, pelo menos no dia 21/06/2019 (dia da penhora) e 29/07/2019 acedeu à conta, tomando conhecimento de que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00 € (que figurava como saldo cativo ou indisponível);
- estas transferências e as que se seguiram permitiram manter a conta com valores baixos para impedir novas penhoras.
20.ª
Mas as evidências não se ficam por aqui, pois como foi dito pelo banco na informação que juntou aos autos, os extractos bancários são disponibilizados à Recorrida em formato digital com a periodicidade mínima mensal.
21.ª
A Recorrida escolheu que as comunicações do banco, inclusive dos extractos bancários fossem feitas por essa via digital, aceitando desta forma que toda a informação sobre a conta lhe fosse disponibilizada por essa via.
22.ª
O primeiro extracto em que essa informação passou a figurar é o que foi disponibilizado à Recorrida no início mês de Julho de 2019, referente ao mês de Junho de 2019, data em que foi realizada a penhora, mantendo-se essa informação nos extractos que lhe foram disponibilizados nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2019, referentes, respectivamente, aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2019.
23.ª
Também por isso, a recorrida não pode vir alegar o desconhecimento, uma vez que se trata de informação que lhe foi disponibilizada pelo banco, pelo que entende o Recorrente que foi feita prova do conhecimento da penhora por parte da Recorrida muito antes da data por ela alegada, pelo que os embargos deduzidos pela Recorrida deviam ter sido julgados intempestivos uma vez que, no momento em que foram deduzidos, há muito havia caducado o direito de embargar.
24.ª
O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a sentença proferida, com o que será feita
JUSTIÇA.!».
*
Contra-alegou a embargante C. M., pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo embargado e confirmação da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
2ª – Da extemporaneidade dos embargos de terceiro.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos (que se transcrevem):
1.- A embargante não é executada.
2.- A ora embargante é titular da conta nº ......563 do Banco ....
3.- Tendo sido essa conta alvo de penhora de saldos bancários por conta de uma dívida do cotitular, seu filho, V. M., aqui segundo embargado.
4.- Não obstante constar como primeira titular da conta bancária em apreço, o Banco ... não informou a ora Embargante da existência de tal penhora.
5.- A embargante apenas teve conhecimento dessa penhora no início de outubro de 2019.
6.- Em 15 de Março do corrente ano foi vendida, através de processo casa pronta, o imóvel onde habitava a Embargante em …, Vila Nova de Famalicão, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
7.- … pelo valor de 150.000,00€, pagos pelos compradores através de cheque bancário também do Banco ..., conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
8.- … cheque esse que foi depositado logo no dia 18 de março na conta bancária identificada em 2., conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
9.- O cotitular, executado nos autos apensos, nunca depositou qualquer valor na conta, nem para ela efetuou qualquer transferência a crédito para essa conta bancária.
*
B. E deu como não provado, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados pelas partes, nomeadamente, nomeadamente:

- A Embargante assim como o Executado, foram notificados pelo banco da penhora da conta no final de junho de 2019.
- As notificações da penhora foram enviadas para as moradas do Executado e da Embargante.
- Tanto o Executado como a Embargante receberam as notificações que lhes foram remetidas pelo Banco … no mês de junho de 2019.
- Nos meses subsequentes o banco enviou ainda para a Embargante os extratos mensais da conta de que esta é titular, dos quais também consta a existência da penhora.
*
V. Fundamentação de direito

1 – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso constata-se que, embora de um modo não direto nem especificado, o recorrente indica o facto que considera incorretamente julgado e que pretende que seja decidido de modo diverso.
Reportamo-nos, em concreto, à conclusão 11.ª, na qual o recorrente refere que o Tribunal desconsiderou matéria que foi alegada e confessada pela Recorrida, pois de outro modo não podia ter julgado provado o conhecimento da penhora por parte da Recorrida apenas no dia 2 de Outubro de 2019, acrescentando, mais adiante (conclusão 19.ª), que os factos alegados permitem concluir que a embargante, pelo menos no dia 21/06/2019 (dia da penhora) e 29/07/2019 acedeu à conta, tomando conhecimento de que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00 € (que figurava como saldo cativo ou indisponível).

Infere-se, assim, que o recorrente se insurge contra a resposta dada ao ponto 5 dos factos provados, cujo teor é o seguinte:
- A embargante apenas teve conhecimento dessa penhora no início de outubro de 2019.
Por contraponto, infere-se igualmente a redação que deve ser dada ao ponto fáctico impugnado (da modificação de provado para não provado), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m).
Podemos, assim, concluir que cumpriu, no limiar mínimo, o ónus estabelecido no citado art. 640º.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Por sua vez, segundo os n.ºs 4 e 5 do art. 607º do CPC:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Como se disse, por referência às suas conclusões, infere-se que o recorrente pretende a alteração da resposta positiva para negativa do ponto 5) dos factos provados da decisão recorrida.

Porém, igualmente peticiona que a matéria fáctica seja objeto de ampliação, passando dela a constar como provado que:
- a conta bancária era movimentada pela Recorrida;
- as transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via eletrónica, e
- os extratos eram disponibilizados aos titulares da conta em formato digital.

Com vista a justificar a impugnação deduzida o recorrente alicerçou-se i) na informação junta aos autos, em 08/04/2020, através de ofício do Banco ..., ii) na alegação e confissão feita pela recorrida através do requerimento de 20/04/2020, com a referência 35377975, e iii) nos extractos bancários juntos aos autos.
É inquestionável que a aludida materialidade fáctica não foi alegada pelas partes nos respetivos articulados.
Prescreve o art. 5º, n.º 1 do CPC que compete às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas».
Todavia, o n.º 2 do citado normativo acrescenta que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa» [al. a)] e os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar» [al. b)].
Resulta desta norma que o tribunal pode agora, ao abrigo do dito art. 5.º, n.º 2, do CPC, acolher para a decisão factos que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e mesmo que a parte nenhuma vontade tenha manifestado quanto à sua utilização (seja por os não ter alegado ou por não ter manifestado tal vontade na sequência do respetivo conhecimento no âmbito da instrução).
Segundo o ensinamento de Carlos Lopes do Rego (1), factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.

No caso em apreço, admitindo-se que aqueles factos não alegados possam corresponder a factos instrumentais tendentes a prova indiciária dos factos (essenciais) alegados atinentes à exceção de caducidade do direito de dedução dos embargos de terceiro, e porque os mesmos foram aflorados no processo através dos meios de prova produzidos nos autos (designadamente, a informação prestada no ofício do Banco … em 08/04/2020), julgamos ser lícito indagar da sua verificação.
E nesse ponto ter-se-á de concluir que a referida facticidade resulta evidenciada no mencionado ofício, sendo que a embargante expressamente manifestou o propósito de a dar como confirmada nos autos (cfr. requerimento apresentado em 20/04/2020, com a ref.ª 35377975), o que subsequentemente foi aceite pelo co-embargado/recorrente.

Assim, tendo como suporte o referido ofício, adita-se ao rol dos factos provados a seguinte facticidade:
10. A conta bancária era movimentada pela Recorrida.
11. As transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via electrónica.
12. Os extractos eram disponibilizados aos titulares da conta em formato digital.

Vejamos, agora, o impugnado ponto 5 dos factos provados («A embargante apenas teve conhecimento dessa penhora no início de outubro de 2019»).

Na motivação da matéria de facto, com vista à demonstração daquele ponto fáctico, o Mm.º Juiz “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:
«(…) o tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova documental junta aos autos, nomeadamente, na conjugação do teor da informação bancária junta no passado dia 08-04-2020 com as declarações do executado e filho da embargante, V. M., e com o depoimento da testemunha P. M. (funcionário do Banco ...).
O depoimento da testemunha P. M. (funcionário do Banco ...) foi determinante para o tribunal percecionar que a concretização da penhora de um saldo bancário sediado no Banco ... nunca é comunicada pela instituição bancária aos titulares dessa conta que não sejam executados no processo onde foi ordenada essa penhora.
Tal procedimento bancário foi expressamente confirmado por esta testemunha.
Assim, perante tal procedimento desta instituição bancária, descrito circunstanciadamente por esta testemunha, afigurou-se-nos credível a afirmação do executado V. M. de que apenas comunicou à sua mãe, ora embargante, a existência dessa penhora em outubro e porque ambos se deslocaram ao banco para alterar a morada/residência da sua mãe.
Resultou, assim, provado que os presentes embargos, ao contrário do que sustenta o contestante, foram apresentados dias depois da embargante ter conhecimento dessa dita penhora».
O recorrente insurge-se contra esta fundamentação, referindo para o efeito que existem nos autos (outros) elementos que permitem concluir que a Recorrida teve conhecimento da penhora muito antes da data que esta alega ter tido esse conhecimento, designadamente o teor da informação prestada no ofício junto aos autos pelo Banco ... em 08/04/2020, bem como os extratos bancários (quer por referência ao seu teor, quer por os mesmos serem disponibilizados aos respetivos titulares da conta por via digital).
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Como preliminar, importa sobrelevar o facto de se mostrar definitivamente consolidado nos autos de que, apesar de constar como primeira titular da conta bancária à ordem nº ......563, o Banco ... não informou a Embargante da existência da penhora do saldo bancário por conta de uma dívida do cotitular, seu filho, V. M. (ponto 4 dos factos provados).
Como explicitou a testemunha P. M., funcionário do Banco ..., por razões que se prendem com o sigilo da penhora e da proteção de dados, aquando da concretização da penhora de um depósito bancário sediado no Banco ... o procedimento bancário adotado é o de notificar, por meio de carta, apenas e exclusivamente o executado, e nunca os demais titulares dessa conta que não sejam executados no processo onde foi ordenada essa penhora. Quando muito, caso o cliente cotitular se desloque ao balcão da instituição bancária a fim de indagar sobre a impossibilidade de movimentação do dinheiro o funcionário bancário poderá informá-lo da existência de um bloqueio na conta, sem poder revelar que se trata duma penhora.
Relativamente à informação constante do ofício do Banco ... foram já extraídas os factos tidos como pertinentes tendo em vista a demonstração, por presunção judicial, do facto essencial alegado de que a recorrida/embargante teve conhecimento da penhora muito antes da data por si alegada.
A questão que se coloca é, no entanto, a de saber se a demonstração de que a conta bancária era movimentada pela recorrida/embargante, que as transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via eletrónica e que os extractos eram disponibilizados aos titulares da conta em formato digital, permite inferir que aquela teve conhecimento da penhora mais de 30 dias antes da data em que apresentou os embargos de terceiro ?
Atendo-nos aos extratos bancários combinados juntos aos autos e que, como se viu, eram disponibilizados aos titulares da conta via digital – o que torna totalmente irrelevante a discussão atinente à sua não receção, por alegadamente terem sido enviados para a anterior morada da embargante –, constata-se que dos mesmos apenas consta o saldo credor, sendo que o depósito bancário – como foi confirmado pela testemunha P. M. – pode até estar todo bloqueado (devido, por exemplo, a uma penhora sobre ele incidente) sem que isso seja percetível do extrato.
De facto, deles consta a indicação do saldo final e do saldo disponível, sem que exista qualquer menção quanto ao concreto motivo da diferenciação entre os dois saldos, nomeadamente a existência de uma penhora bancária efetuada ao abrigo dos autos de execução principais.
E, nessa parte, o co-embargado V. M., em sede de depoimento de parte, confirmou que, por vezes, a mãe (embargante) o instou quanto ao facto de existir uma discrepância entre o saldo contabilístico (final) e o saldo disponível, ao que aquele lhe respondeu dizendo tratar-se de um erro do banco, porquanto o montante (penhorado) não deixava de constar do extrato, o que coincidiu com uma altura em que o pai do depoente e marido da embargante estava muito doente (veio a falecer em janeiro de 2020), pelo que ocultou tal situação (penhora e dívida exequenda) da sua mãe de modo a poupá-la, julgando que iria conseguir resolver a situação sem que esta soubesse, ao que acresce o facto desta revelar dificuldades na leitura e compreensão dos extratos bancários (“não percebe muito disso”).
Em reforço da versão explicitada pelo co-embargado V. M. constata-se que a retirada do saldo no valor de 19.000,00€, à ordem do processo de execução, através do pagamento DUC, apenas ocorreu em 8/10/2019, pelo que só a partir dessa data seria manifesto o “desaparecimento” da conta do referido valor cativo ou bloqueado.
Por sua vez, decorre, efetivamente, dos extratos bancários juntos aos autos pelo banco que, desde a data em que a embargante depositou na conta o cheque correspondente ao preço da casa que vendeu – 18/03/2019 – e a data em que se efectivou a penhora dos 19.000,00 € – 21/06/2019 –, foram retiradas da conta, por transferência electrónica e levantamentos em caixas ATM, a quantia total de 131.776,54 €.
Bem como que, no dia em que o Banco ..., na sequência da notificação da penhora do saldo bancário feita pelo Tribunal, procedeu à penhora dos 19.000,00 € à ordem da execução, a conta apresentava um saldo de 50.342,03 €, ficando, após a penhora, com um saldo disponível de 31.342,00 € e, nesse mesmo dia, a recorrida transferiu para uma outra conta sua, a quantia de 31.000,00 €, ficando a conta com um saldo disponível de apenas 342,03 €.
Igualmente se retira que, a partir da data da penhora, continuaram a ser retiradas da conta quantias de modo a que esta apresentasse sempre um saldo próximo do valor penhorado (o qual se apresentava como indisponível).
Os referidos factos – quer por reporte ao uso que a embargante fazia da conta, quer ao padrão de movimentos efetuados –, não permitem, todavia, inferir, sem mais, que a Recorrida não podia ignorar que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00€ à ordem da execução.
Mostrando-se provado que a conta bancária em apreço era movimentada pela Recorrida e as transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via eletrónica, é de admitir que a embargante tinha acesso e fazia uso do homebanking.
Todavia, a informação que consta na página do homebanking é praticamente similar à que resulta dos extratos bancários, dela constando o saldo contabilístico, o saldo autorizado (que pode ser distinto do saldo disponível) e o saldo disponível, mas dela não figurando os dados respeitantes ao saldo cativo ou saldo indisponível, nem a menção da razão desse bloqueio.
Assim, admitindo-se que, após a penhora, a Recorrida tenha efetivamente acedido diversas vezes à conta – o que se infere pelas diversas transferências e movimentos que ulteriormente efetuou, plasmadas nos extratos bancários –, não se poderá, porém, concluir que nessas ocasiões tomou, efetivamente, conhecimento de que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00 €.
Por conseguinte, os elementos probatórios não permitem concluir, com segurança e objetividade, que a Recorrida teve conhecimento da penhora que incidia sobre o saldo bancário em 21/06/2019, ou em 29/07/2019, ou em qualquer outra data anterior a 02/10/2019.
Contudo, sendo consequente com as dúvidas anteriormente explicitadas – mercê do acesso à conta através do homebanking e do comprovado uso da conta feito pela embargante –, entendemos de igual modo que não poderá manter-se a resposta dada ao ponto 5 dos factos provados.
Com efeito, se por um lado a prova produzida não habilita a concluir que a Recorrida teve conhecimento da penhora que incidia sobre o saldo bancário em data anterior a 02/10/2019, por outro lado, também não (nos) permite concluir, com rigor, que o conhecimento dessa penhora, por parte daquela, apenas se deu no início de outubro de 2019.
Nesta conformidade, no tocante ao referido ponto fáctico impugnado [ponto 5 dos factos provados] impõe-se a alteração da resposta positiva para negativa, com a sua consequente exclusão do rol dos factos provados e transferência para o elenco dos factos não provados.
*
Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto nos termos supra explicitados (2).
*
2 – Enquadramento jurídico dos factos provados.
2.1. – Da extemporaneidade dos embargos de terceiro.

Segundo o princípio geral quanto à penhora de bens enunciado no art. 735º do CPC, «estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda» (n.º 1), acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que, «nos casos especialmente previstos na lei [arts. 54º, n.º 2 do CPC e 818º do Cód. Civil)], podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele».
Por outro lado, os bens do executado são apreendidos ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo, porém, dos direitos que a este seja lícito opor ao exequente (art. 747º, n.º 1 do CPC).
Por conseguinte, ressalvando os casos excecionais em que a lei admite a penhora de bens que não pertençam ao devedor, se a penhora recair sobre bens de terceiro, e não sendo este parte na ação executiva, é o mesmo admitido a deduzir embargos de terceiro.
Os embargos são um meio de reação tutelar da posse (3) ou de defesa de um direito incompatível do terceiro sobre determinado bem dirigido contra diligências judiciais que os ofendam (4).
Como ensina Amâncio Ferreira (5), “[h]oje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro» (arts. 342.° e segs.). «E assim, como é do conceito de oposição» [(art. 333°, n°1)], «encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas».
A estrutura dos embargos de terceiro, como refere Salvador da Costa (6), «é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem em ações declarativas de apreciação que correm por apenso à acção ou a outro procedimento de tipo executivo, ou pela especificidade de inserirem uma subfase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas sobretudo por virtude de a pretensão do embargante se reportar a processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial “lato sensu” de afectação ilegal de algum direito patrimonial do embargante».
Apesar de processualmente regulados em sede de incidente da instância, os embargos de terceiro configuram-se como uma verdadeira ação declarativa, autónoma e especial, funcionalmente dependente e conexa com determinado procedimento do tipo executivo em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante, em relação ao qual correm por apenso (art. 344º, n.º 1 do CPC) (7).
Os embargos de terceiro podem assumir uma função repressiva – se deduzidos depois de já consumado o ato judicial lesivo – ou preventiva – se deduzidos depois de requerida ou ordenada a penhora ou outra diligência judicial ofensiva (art. 350º do CPC).

As normas do CPC em causa dispõem:
«Artigo 342.º
Fundamento dos embargos de terceiro
1 - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
2 - Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência».

«Artigo 344.º
Dedução dos embargos
1 - Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante.
2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas».

«Artigo 345.º
Fase introdutória dos embargos
Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante».
Nos termos do n.º 2 do citado art. 344º do CPC, o terceiro tem 30 dias, subsequentes à diligência ofensiva ou em que o mesmo teve conhecimento do ato ofensivo da posse ou do direito («mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados»), para deduzir a sua pretensão, mediante petição (8).
O referido prazo é de caducidade (9), tem natureza judicial (10), e é contado, por força do disposto no n.º 4 do art. 138º, nos termos dos nºs 1 a 3 do mesmo artigo.
Com efeito, embora o n.º 4 do art. 138º do CPC se refira a ações e os embargos de terceiro sejam legalmente configurados como incidente de oposição, certo é que têm a estrutura de uma ação (art. 348º, n.º 1 do CPC) e a sentença neles proferida produz efeito de caso julgado material quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, pelo que também lhes é aplicável o disposto nos arts. 139º, n.ºs 5 a 8 e 140º do CPC (11).
A caducidade do direito de ação (em que se consubstanciam os embargos de terceiro) é, no nosso direito processual civil, uma exceção perentória conducente à extinção do direito do autor e à declaração de improcedência da ação.
A caducidade é um efeito decorrente do não exercício do direito pelo respetivo titular num determinado período de tempo fixado na lei (cfr. art. 298º, n.º 2 do CC). Corresponde, no fundo, a uma forma de extinção de um direito ou pretensão por força do seu não uso durante certo prazo.
Nos termos do n.º 2 do art. 342º do CC, o ónus de prova dos factos extintivos do direito compete àquele contra quem a invocação é feita e, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art. 343º do CC, tratando-se de “acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”.
Por sua vez, por força do disposto no art. 345º do CPC, embora se trate de matéria de direitos disponíveis, na fase introdutória dos embargos é admissível a rejeição oficiosa dos embargos por intempestividade, desde que tal resulte evidente do teor da petição inicial e dos demais elementos (12).

Da conjugação dos referidos preceitos legais decorre que:

i) Se os embargos forem deduzidos posteriormente ao prazo de trinta dias da data da diligência ofensiva (“superveniência subjetiva”), o embargante deve alegar na petição inicial os factos de que decorra a tempestividade dos embargos, ou seja, deverá indicar a data em que teve conhecimento da penhora (do conhecimento superveniente), sob pena de os embargos poderem ser indeferidos liminarmente por intempestivos. Com efeito, tem sido entendido que o juiz poderá conhecer oficiosamente da caducidade dos embargos de terceiro no despacho liminar se a intempestividade for ostensiva e nada tiver sido alegado pelo embargante em sentido contrário. Este ónus de alegação a cargo do embargante respeita à fase introdutória dos embargos (13).
Apesar disso, não se mostra necessário que o embargante demonstre a tempestividade dos embargos, visto que a respetiva caducidade constitui uma exceção perentória a deduzir pelo embargado, depois de ser notificado para contestar (14).
Bastará que o embargante alegue que apenas teve conhecimento do ato ofensivo em prazo compatível com a instauração do processo (15).
Na verdade, constituindo o despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos uma decisão assente em juízo de probabilidade, é de considerar respeitado o prazo previsto no n.º 2 do art. 344º do CPC quando os factos, não permitindo concluir com rigor pela sua observância, também não demonstrem a sua inobservância.
ii) na subsequente fase contraditória, o ónus de alegação e prova de que o prazo de trinta dias, a contar do conhecimento do ato ofensivo do direito do embargante, já decorreu, incumbe ao embargado (arts. 342.º, n.º 2 e 343.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil) (16).
Com efeito, alegada pela embargante a data em que tomou conhecimento da penhora e tendo sido recebidos os presentes embargos, porque razões não viu o juiz de primeira instância na fase liminar ou introdutória para a sua rejeição, em sede contraditória incumbia ao embargado o ónus de alegar e demonstrar a caducidade do direito da embargante, pelo decurso do respetivo prazo de exercício.
É este o ensinamento explicitado por Salvador da Costa (17), segundo o qual “a petição de embargos deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo pelo embargante, o que aponta no sentido de que a excepção da caducidade do (…) direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial. É mais uma excepção à regra constante do n.º 2 do artigo 333º do CC.
Tendo em conta o que se prescreve no artigo 342º, n.º 2, do CC, é ao embargado que incumbe ónus de alegação e de prova da extemporaneidade dos embargos; improvada a data do conhecimento do facto lesivo pelo embargante, devem considerar-se tempestivamente instaurados.
Em suma, não é ao embargante que incumbe a alegação e a prova da dedução tempestiva dos embargos; é ao embargado que cabe a prova de que o embargante sabia há mais de trinta dias da diligência judicial ofensiva da sua posse ou de outro direito em causa.
(…)
Neste quadro, se apenas se verificar a extemporaneidade dos embargos de terceiro face à data do acto de penhora, ainda que o embargante não tenha alegado a data em que dela teve conhecimento, não pode o juiz rejeitá-los liminarmente, antes de sobre isso ser exercido o contraditório”.
Postas estas considerações, importa de imediato atentar que, no caso, está em causa a dedução pela apelada de embargos de terceiro com feição repressiva, razão por que o que releva sobremaneira em sede de aferição da tempestividade para a respetiva dedução é a data em que o embargante teve conhecimento efetivo (18) do ato ofensivo da sua posse.
Assim sendo, mostrando-se provado que a penhora incidente sobre o saldo bancário de que era titular a embargante ocorreu em 21/06/2019 e que os embargos de terceiros foram instaurados em 4/10/2019, mas não se mostrando apurada a concreta data em que a embargante teve conhecimento efetivo daquela penhora ofensiva do seu direto de propriedade – posto que o embargado não logrou provar, como lhe competia (art. 342º, n.º 2 do CC), que o conhecimento pela embargante do ato de penhora teve lugar mais de 30 dias antes da data em que esta apresentou os embargos de terceiro (19) –, forçoso será concluir pela tempestividade da dedução dos embargos de terceiros.
Isto porque, no caso dos autos, nada tendo sido provado relativamente ao momento do efetivo conhecimento, pela embargante, do facto (penhora) lesivo do seu direito, deverão os embargos de terceiro considerar-se tempestivamente propostos, exatamente porque recai sobre o embargado o ónus de prova sobre a extemporaneidade (20).
Nesta conformidade, é de confirmar o juízo de improcedência, por não demonstração, da exceção perentória da caducidade do direito de ação arguida pelo co-embargado.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Na fase contraditória dos embargos de terceiro, compete ao embargado, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil, o ónus de alegar e provar que o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva do seu direito há mais de 30 dias antes da data da apresentação dos embargos de terceiro.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante.
*
Guimarães, 26 de novembro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, pp. 252/253; no mesmo sentido, à luz do atual CPC, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 40.
2. Por se tratar de uma ampliação limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se aqueles pontos objeto de ampliação/alteração incluídos nos factos provados e nos factos não provados nos termos explicitados.
3. Cfr. Nos termos do art. 1285º do Cód. Civil, «o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo».
4. A especificidade dos embargos de terceiro não se restringe aos estritos limites de uma ação executiva, na medida em que constituem um meio de oposição a qualquer ato, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens, com a exceção da apreensão em processo de insolvência (art. 342º, n.º 2 do CPC). Visam, pois, reagir não só contra a penhora, mas também o arresto, o arrolamento, a apreensão de coisa em procedimento cautelar comum, a restituição provisória da posse, o despejo, a entrega da coisa ao exequente em ação executiva para pagamento de quantia certa ou para entrega de coisa certa ou qualquer outra diligência judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens [cfr. Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 700 e José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, p. 313 (nota 1)].
5. Cfr. Curso de Processo de Execução, 4ª ed., Almedina, p. 233.
6. Cfr. Os Incidentes da Instância, 9ª ed./2017, p. 159.
7. Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 63/2003, disponível in www.dgsi.pt.; Salvador da Costa, obra citada, p. 158 e José Lebre de Freitas, obra citada, pp. 343/344.
8. No caso de embargos com função preventiva, o prazo de 30 dias deve contar-se da data que o embargante teve conhecimento da futura penhora, despacho de arresto ou de apreensão cautelar, ou seja, antes da sua realização mas depois de ter sido ordenada (art. 350.º do CPC) – cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 752; e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 341.
9. Cfr. Ac. da RL de 26/11/2009 (relator Ilídio Sacarrão Martins) e Ac. da RG de 16/02/2017 (relatora Maria João Matos) in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Em sentido diverso, propugnando tratar-se de um prazo substantivo, Rui Pinto, obra citada, p. 753.
11. Cfr. Salvador da Costa, obra citada, p. 174.
12. Acs. desta Relação de 24/09/2015 (relator Jorge Teixeira) e de 16/02/2017 (relatora Maria João Matos), in www.dgsi.pt.
13. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, p. 681 e Joel Timóteo Ramos Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. VI – Processo executivo, Quid Juris, p. 951.
14. Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 400.
15. Em sentido diferente, Lebre de Freitas defende, com base na letra do art. 345º do CPC, que, na fase introdutória, o embargante tem o ónus de alegação e da prova da tempestividade dos embargos, devendo, na petição inicial, alegar, a data em que teve conhecimento da penhora, se sobre ela já tiverem decorrido 30 dias (cfr. A Acção Executiva (…), pp. 339/340).
16. Neste sentido, entre outros, na jurisprudência, Acs. do STJ de 30/11/2006 (relator Salvador da Costa), de 01/04/08 (relator Mário Mendes), Acs. da RL de 06/06/19 (relatora Cristina Neves) e de 08/02/18 (relator António Santos), Ac. da RE de 2019/05/16 (relator Tomé Ramião) e Acs. da RG de 01/03/2018 (relatora Maria Luísa Ramos), de 16/02/2017 (relatora Maria João Matos) e de 30/05/2019 (relator Paulo Reis, ora 2ª adjunto), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; na doutrina, Rui Pinto, obra citada, pp. 753/754 (este autor, sustentando que o prazo para intentar os embargos de terceiro reveste natureza substantiva, afirma não caber ao embargante, nem a alegação, nem a prova da tempestividade, a qual não é requisito da admissibilidade dos embargos de terceiro. Reserva o conhecimento oficioso da tempestividade dos embargos quando estes sejam, deduzidos depois de os bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, porquanto a violação do art. 344º, n.º 2, 2ª parte, do CPC é de interesse público e não apenas do credor exequente); Miguel Teixeira de Sousa, Acção executiva Singular, Lex, 1998, p. 314 (segundo este autor, mercê do disposto no art. 343º, n.º 2 do CC, “o embargante goza da presunção do respeito do prazo de dedução dos embargos”), Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pp. 93/94, Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017, Ediforum, pp. 478/478, José Duarte Pinheiro, Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, Almedina, 1992, p. 53, e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., Coimbra Editora, 1973, p. 357. Em sentido diferente, alguma jurisprudência, minoritária, é no sentido de o embargante ter também o ónus de provar a tempestividade de dedução dos embargos – cfr. Ac. do STJ de 21/05/2002 (relator Fernandes Magalhães), Acs. da RL de 12/06/2007 (relator Carlos Moreira) e de 14/05/2015 (relatora Teresa Albuquerque) e Ac. da RC de 16/09/2008 (relator Nunes Ribeiro), disponíveis in www.dgsi.pt.
17. Cfr. obra citada, p. 176.
18. Neste sentido, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, o conhecimento da ofensa, que constitui o termo do inicial do prazo para dedução dos embargos, reporta-se a um conhecimento efetivo e não à mera cognoscibilidade da ofensa decorrente designadamente da inscrição da penhora no registo, da publicidade da penhora em editais ou anúncios ou da apreensão do veículo penhorado (cfr. obra citada, pp. 400/401).
19. Não resultou provado que a embargante foi notificada pelo banco da penhora da conta no final de junho de 2019 (cfr. primeiro ponto dos factos não provados), nem tão pouco que aquela teve conhecimento da penhora que incidia sobre o saldo bancário em 21/06/2019, ou em 29/07/2019, ou em qualquer outra data anterior a 02/10/2019.
20. Cfr. Ac. do STJ de 01/04/08 (relator Mário Mendes), disponível para consulta in www.dgsi.pt