SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
PENHORAS EM EXECUÇÕES DIFERENTES
AFERIÇÃO DA ANTERIORIDADE
Sumário


I- Havendo duas penhoras do direito ao subsídio de desemprego, em execuções diferentes, a mais antiga é aquela que primeiro foi notificada à entidade que procede ao respectivo pagamento.
II- É irrelevante, para efeitos de determinação da anterioridade da penhora, o facto de ter existido um erro interno de encaminhamento por parte dos CORREIOS ..., que retardou um dia a entrega ao devedor do crédito da carta registada relativa à notificação para penhora.
III- Quando exista uma pluralidade de penhoras sobre o mesmo direito, a segunda penhora deve ser oficiosamente sustada pelo respectivo agente de execução.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – RELATÓRIO

1.1. S. M. instaurou execução para pagamento de quantia certa contra P. M..
Na sequência de notificação efectuada pelo Sr. Agente de Execução para penhora do subsídio de desemprego auferido pelo Executado, veio o Centro Distrital da Segurança Social ..., do Instituto de Segurança Social, IP (Núcleo de Administração Geral), informar que o Executado «está a receber mensalmente SD - Subsídio Desemprego, concedido de 2020-01-08 até 2022-01-07, no entanto não é possível executar a penhora em apreço, dado que já está a ser executado outro processo com início no mês em curso».
Após várias vicissitudes, a Exequente requereu que fosse «proferido despacho a ordenar que se considere em primeiro lugar a penhora efetuada através de carta registada pelo Senhor Agente de Execução A. G. e por isso, gozando esta penhora de prioridade por ter sido remetida em 10.01.2020 e que deveria ter sido recebida pelo Centro Distrital da Segurança Social ... em 13.01.2020».

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1.2. Por despacho de 25.09.2020, com a referência 169688349, decidiu-se indeferir aquela pretensão.
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1.3. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação daquele despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1- Como é sabido, a penhora de vencimentos insere-se na penhora de direitos de crédito.
2- De acordo com o disposto no artigo 773.º, nº 1 do CPC a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do Tribunal da execução.
3- Assim, se o crédito que se pretende penhorar é de salários, essa penhora consuma-se com a notificação à entidade patronal de que o crédito do trabalhador pelos salários que tenha a receber e de quem a entidade patronal é, ou será, devedora, fica à ordem do tribunal de execução.
4- O Senhor Agente de Execução, no dia 10 de Janeiro de 2020, elaborou a nota de notificação para, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil, o Centro Distrital da Segurança Social ..., proceder à penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos que são devidos ao executado, tendo para o efeito, remetido, nessa mesma data, nos serviços dos CORREIOS ... Agência ... – “Café ...”, por via postal (registado com Aviso de Receção).
5- O referido correio de notificação para penhora não seguiu o seu rumo normal nos serviços dos CORREIOS ... e, por erro de encaminhamento, foi enviada e rececionada, no dia 13/01/2020, pelos serviços dos CORREIOS ... da cidade da Maia, quando deveria ter sido enviada e rececionada pelos serviços dos CORREIOS ... de Braga, e entregue, nesse mesmo dia, no Centro Distrital da Segurança Social ....
6- Pelo que, apenas foi rececionado no Centro Distrital da Segurança Social ... no dia 14/01/2020, às 15:00 horas (e não no dia 13/01/2020), como efetivamente deveria ter ocorrido.
7- A notificação para a penhora no processo 1034/18.4T8BJA, apenas deu entrada no Serviço Local de Fafe, daquele Instituto, a 14/01/2020.
8- Os dois pedidos de penhora foram rececionados no Centro Distrital da Segurança Social ... no mesmo dia, ou seja, no dia 14/01/2020, mas em horas diferentes.
9- Portanto, tendo a notificação por carta registada com aviso de receção, para penhora à ordem dos presentes autos, sido expedida pelo signatário no dia 10/01/2020, (sexta-feira), a mesma deveria concretizar-se no primeiro dia útil posterior ao do registo, ou seja, no dia 13/01/2020 (segunda-feira) no local do destinatário para onde foi remetida, designadamente para o Centro Distrital da Segurança Social ..., e que só não ocorreu, por se ter verificado um erro na distribuição dos serviços dos CORREIOS ....
10- Assim, se o serviço dos CORREIOS ... fosse prestado de forma eficiente, como é expectável que o seja, o Centro Distrital da Segurança Social ..., órgão competente para concretizar a penhora, materializá-la-ia à ordem dos presentes autos no dia 13/01/2020 e não, como efetivamente aconteceu, no dia 14/01/2020, com o e-mail recebido do Serviço Local de Fafe da Segurança Social, à ordem do processo n.º 1034/18.4T8BJA.
11- No caso vertente estamos em face de uma situação incomum, devida a lapso, incúria ou mera ignorância, dos serviços dos CORREIOS ..., em que se fez constar nos respetivos autos.
12- Razão pela qual o Senhor Agente de Execução requereu ao Tribunal que fosse ordenado que a notificação para penhora do subsídio de desemprego do executado, P. M., a pagar pelo Centro Distrital da Segurança Social ..., se considerasse realizada no do dia 13 de janeiro de 2020, e, consequentemente, a penhora daquele subsídio fosse realizada primeiro à ordem dos presentes autos, até integral recuperação da quantia em dívida, atenta a prioridade de realização da penhora.
13- Com efeito, não pode a exequente ser prejudicada na prioridade da penhora por um erro de encaminhamento dos CORREIOS ... (alheio à exequente e não expectável) da notificação a ordenar a penhora de vencimento ao Centro Distrital da Segurança Social ..., órgão competente para concretizar tal penhora.
14- O facto de a entidade que procede ao pagamento (Instituto da Segurança Social), ter tido conhecimento primeiro da outra penhora, não significa que a mesma deva ser prioritária, sobretudo, depois de se ter demonstrado que o conhecimento da penhora à ordem dos presentes autos, só não ocorreu primeiro, por erro dos CORREIOS ....
15- Aliás, não pode deixar de merecer censura a douta decisão recorrida, quando defende que, o argumento utilizado pela exequente no último articulado, de que a penhora efetuada no processo 1034/18.4T8BJA, só produz efeitos quando é rececionada no Centro Distrital da Segurança Social ..., é argumento válido para o caso dos presentes autos, e daí ter concluído que, a penhora naquele outro processo é prioritária, uma vez que foi a primeira a chegar ao conhecimento da entidade que procede ao pagamento, que é alheia a eventuais erros cometidos pelos CORREIOS ....
16- Porém, salvo o devido respeito por opinião em contrário, as situações em apreço não são sequer equiparáveis.
17- Repare-se que, o argumento da exequente de que a penhora à ordem do Processo n.º 1034/18.4T8BJA, só se concretizou no dia 14/01/2020, foi pelo facto de só nesse dia, ter sido rececionada na entidade competente, uma vez que, a Sr. Agente de Execução do aludido processo, não tinha enviado a ordem de penhora para o órgão competente.
18- De facto, a Sra. Agente de Execução do processo n.º 1034/18.4T8BJA certifica, apenas e tão só, que foi entregue pelos CORREIOS ..., no Serviço Local de Fafe da Segurança Social, no dia 13/01/2019, pelas 15:31 horas, um pedido de penhora do subsídio auferido pelo executado.
19- Acontece que, o Serviço Local de Fafe da Segurança Social, que não tem competência para proceder à penhora de vencimentos, apenas considerou aquela notificação recebida no dia 14/01/2020, data em que digitalizou e enviou, por e-mail, ao Centro Distrital da Segurança Social ..., aquela notificação para penhora de vencimento do executado, tudo conforme resulta da explanação e dos documentos enviados pelo Sr. Agente de Execução nomeado nestes autos, com referência ........., do dia 07/02/2020.
20- Ora, no caso dos presentes autos, a situação é absolutamente diferente.
21- No caso em apreço, o Sr. Agente de Execução, não enviou a notificação para ordem de penhora ao órgão incompetente, antes pelo contrário, enviou a carta registada com aviso de receção diretamente para o órgão competente, ou seja, para o Centro Distrital da Segurança Social ....
22- Não obstante, por motivos que lhe são alheios (eventuais erros cometidos pelos CORREIOS ...), a aludida notificação só chegou ao conhecimento da entidade competente em dia posterior, ou seja, no dia 14/01/2020, quando deveria ter chegado ao conhecimento, no dia 13/01/2020, dado que já tinha sido remetida no dia 10/01/2020.
23- Em bom rigor, no caso do processo n.º 1034/18.4T8BJA, nunca se poderia entender, a data entregue pelos CORREIOS ... no Serviço Local de Fafe, como a data do conhecimento da entidade que procede ao pagamento, uma vez que não era este o órgão competente para proceder a tal penhora, ao passo que, no presente caso, entende a exequente que se deve considerar a data de 13/01/2020, precisamente, porque seria essa a data do conhecimento da entidade que procede ao pagamento, caso não houvesse este lapso, por parte dos CORREIOS .... (erro que não lhe é imputável).
24- De tal forma que, o facto de o Tribunal recorrido estar a utilizar o mesmo argumento, em situações absolutamente distintas, consubstancia uma violação clara do princípio da igualdade (art. 13º da CRP), que determina que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
25- Pelo exposto, deve ser proferido despacho a ordenar que se considere em primeiro lugar a penhora efetuada através de carta registada pelo Senhor Agente de Execução A. N. e por isso, gozando esta penhora de prioridade por ter sido remetida em 10.01.2020 e que deveria ter sido recebida pelo Centro Distrital da Segurança Social ... em 13/01/2020.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e a sua substituição por outra ordene que se considere em primeiro lugar a penhora efetuada através de carta registada pelo Sr. Agente de Execução A. N., e por isso, gozando esta penhora de prioridade por ter sido remetida em 10.01.2020 e que deveria ter sido recebida pelo Centro Distrital da Segurança Social ... em 13.01.2020».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.4. Questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC).
Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente, constituem questões a decidir:
i) Se a penhora ordenada nos autos é anterior à realizada no processo nº 1034/18.4T8BJA, do Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (qual a ordem por que foram realizadas as penhoras);
ii) Se o entendimento do Tribunal Recorrido viola o princípio constitucional da igualdade.
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II – FUNDAMENTOS
2.1. Fundamentos de facto

Os factos relevantes para a apreciação das apontadas questões são os descritos no relatório que antecede e ainda o seguinte:

2.1.1. A decisão recorrida, com a referência 169688349, tem o seguinte teor:
«Veio a exequente dizer e requerer o seguinte:
“Nos presentes autos, a exequente requereu a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos que são devidos ao executado pelo Centro Distrital da Segurança Social;
Prontamente o Senhor Agente de Execução, no dia 10 de Janeiro de 2020, elaborou a nota de notificação para, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil, o Centro Distrital da Segurança Social ..., proceder à penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos que são devidos ao executado.
O que remeteu, na mesma data, nos serviços dos CORREIOS ... Agência ... – “Café ...”, por via postal (registado com Aviso de Receção);
Sucede que, o referido correio de notificação para penhora não seguiu o seu rumo normal nos serviços dos CORREIOS ... e, por erro de encaminhamento, foi enviada e rececionada, no dia 13/01/2020, pelos serviços dos CORREIOS ... da cidade da Maia, quando deveria ter sido enviada e rececionada pelos serviços dos CORREIOS ... de Braga, e entregue, nesse mesmo dia, no Centro Distrital da Segurança Social ...;
Face a este erro dos serviços dos CORREIOS ..., o referido correio de notificação para penhora apenas foi rececionado no Centro Distrital da Segurança Social ... no dia 14/01/2020, às 15:00 horas (e não no dia 13/01/2020);
Acontece que, em 15/01/2020, foi recebida comunicação pelo Senhor Agente de Execução a informar que “...não é possível executar a penhora em apreço, dado que já está a ser executado outro processo com início no mês em curso (processo 1034/18.4T8BJA).”
Porém, tal notificação para penhora no processo 1034/18.4T8BJA apenas deu entrada no Serviço Local de Fafe, daquele Instituto, a 14-01-2020;
Ora, ambos os pedidos de penhora foram rececionados no Centro Distrital da Segurança Social ... no mesmo dia (14/01/2020), mas em horas diferentes; Pelo que se constata que o erro na distribuição dos serviços de CORREIOS ... teve influência no registo de penhora à ordem dos presentes autos, uma vez que, tendo a notificação por carta registada para penhora à ordem dos presentes autos sido expedida pelo signatário no dia 10/01/2020, (sexta-feira), a mesma deveria concretizar-se no primeiro dia útil posterior ao do registo, ou seja, no dia 13/01/2020 (segunda- feira) no local do destinatário para onde foi remetida, designadamente para o Centro Distrital da Segurança Social ...;
O que só não aconteceu por erro na distribuição dos correios.
Razão pela qual o Senhor Agente de Execução requereu ao tribunal que fosse ordenado que a notificação para penhora do subsídio de desemprego do executado, P. M., a pagar pelo Centro Distrital da Segurança Social ..., se considere realizada no do dia 13 de janeiro de 2020, e, consequentemente, a penhora daquele subsídio seja realizada primeiro à ordem dos presentes autos, até integral recuperação da quantia em divida, atenta a prioridade de realização da penhora;
Ora, a exequente concorda na íntegra com a exposição do Senhor Agente de Execução;
Tanto mais que, não pode a exequente ser prejudicada na prioridade da penhora por um erro de encaminhamento dos CORREIOS ... da notificação a ordenar a penhora de vencimento; Pelo exposto, deve ser proferido despacho a ordenar que se considere em primeiro lugar a penhora efetuada através de carta registada pelo Senhor Agente de Execução A. G. e por isso, gozando esta penhora de prioridade por ter sido remetida em 10.01.2020 e que deveria ter sido recebida pelo Centro Distrital da Segurança Social ... em 13.01.2020”.
Notificada a Sr. agente de execução que procedeu à penhora no processo 1034/18.4T8BJA a mesma informou que a notificação para penhora foi entregue em 13.01.2020, pelas 15:31 horas.
Veio, novamente, a exequente pronunciar-se, alegando, entre o mais “A junção aos presentes autos dos documentos enviados pela Sra. Agente de Execução do processo n.º 1034/18.4T8BJA certifica, apenas e tão só, que foi entregue pelos CORREIOS ..., no Serviço Local de Fafe da Segurança Social, no dia 13/01/2019, pelas 15:31 horas, um pedido de penhora do subsídio auferido pelo executado.
2) Acontece que, o Serviço Local de Fafe da Segurança Social, que não tem competência para proceder à penhora de vencimentos, apenas considerou aquela notificação recebida no dia 14/01/2020, data em que digitalizou e enviou, por email, ao Centro Distrital da Segurança Social ..., aquela notificação para penhora de vencimento do executado, tudo conforme resulta da explanação e dos documentos enviados pelo Sr. Agente de Execução nomeado nestes autos, com referência ........., do dia 07/02/2020,
3) Motivo pelo qual a penhora só se concretizou à ordem do Processo n.º 1034/18.4T8BJA no dia 14/01/2020, porquanto só nesse dia é que foi rececionada, na entidade competente, a notificação para penhora de vencimento do executado”.
Cumpre apreciar.
Estabelece o artigo 822º, nº 1, do Código Civil “o exequente adquire pela penhora o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”.
O artigo 794º, do CPC, cuja epígrafe é “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens”, estabelece que “1. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2. Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante”.
No caso em apreciação foi efectuada a penhora do subsídio de desemprego.
Ora, estatui o artigo 779º, nº 1, do mencionado diploma legal que quando a penhora recai, entre outros, sobre outros rendimentos periódicos é notificada a entidade que os deve pagar para que faça o desconto.
Esta é uma notificação pessoal – artigo 773º, nº 1, do CPC, do devedor do executado, ordenando-lhe que passe a depositar as quantias em instituição de crédito.
Ora, a prioridade da penhora deve ser aferida em função da data em que se realiza a notificação do devedor do executado, passando a mesma a produzir efeitos e partir de tal notificação, como aliás, a própria exequente acaba por reconhecer no seu último articulado quando alega que a penhora efectuada no outro processo só produz os seus efeitos quando é recepcionada no Centro Distrital da Segurança Social ....
O mesmo argumento vale para o alegado pela exequente.
A sua penhora apenas chegou ao conhecimento do Centro Distrital da Segurança Social ... no dia 14.01.2020, após a recepção da penhora à ordem do processo n.º 1034/18.4T8BJA, pelo que a outra penhora é prioritária, uma vez que foi a primeira a chegar ao conhecimento da entidade que procede ao pagamento, que é alheia a eventuais erros cometidos pelos CORREIOS ....
De todo o modo, sempre cumpre referir que a exequente pode junto dos CORREIOS ... tomar as legais providências.
Pelo exposto, indefiro o requerido».
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2.2. Do objecto do recurso
2.2.1. Da ordem por que foram realizadas as penhoras

Foram realizadas duas penhoras, em execuções diferentes, sobre o mesmo bem, ou seja, incidindo sobre o subsídio de desemprego auferido pelo Executado. Uma dessas penhoras é a da Exequente/Recorrente destes autos.
A penhora envolve a constituição de um direito real de garantia a favor do exequente. Por isso, a penhora realizada em primeiro lugar confere ao respectivo exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, designadamente sobre credor cuja penhora é posterior – artigo 822º, nº 1, do Código Civil.
Daí a relevância do apuramento da ordem por que foram realizadas as penhoras, pois a anterioridade da penhora confere prioridade no pagamento.

A penhora de rendimentos periódicos, como é o caso do salário ou do subsídio de desemprego (2), insere-se na penhora de direitos de crédito (3).
De acordo com o disposto no artigo 773º, nº 1, do CPC, a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
Portanto, em termos procedimentais, na notificação observa-se o disposto nos artigos 228º e segs. e 246º, com ressalva do artigo 229º, todos do CPC.
Em conformidade com o disposto no artigo 779º, nº 1, do CPC, a notificação é feita à entidade que deva pagar os créditos «para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituições de crédito».

Uma vez que a penhora se efectiva através da notificação do debitor debitoris, de que o crédito fica à ordem do agente de execução, os efeitos da penhora de rendimentos dão-se pela dita notificação. Quer isto dizer que a penhora consuma-se com a notificação, pois, o respectivo crédito fica desde logo à ordem do agente de execução. A partir desse exacto momento são ineficazes quaisquer actos extintivos posteriores, tal como resulta do artigo 820º do Código Civil.

No caso dos autos, verifica-se que a penhora do processo nº 1034/18.4T8BJA, do Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2, foi realizada no dia 14.01.2020, às 11.45 horas, enquanto a penhora do processo nº 7079/18.7T8GMR, do Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2, foi efectivada, também no dia 14.01.2020, às 15.00 horas.
Portanto, a penhora do processo nº 1034/18.4T8BJA é anterior à penhora do processo nº 7079/18.7T8GMR, tal como considerou o Tribunal recorrido. E se existe outra penhora anterior, verifica-se o pressuposto de que se partiu na decisão recorrida, o qual justifica a conclusão jurídica nela extraída.

Argumenta a Recorrente que «o facto de a entidade que procede ao pagamento (Instituto da Segurança Social), ter tido conhecimento primeiro da outra penhora, não significa que a mesma deva ser prioritária, sobretudo, depois de se ter demonstrado que o conhecimento da penhora à ordem dos presentes autos, só não ocorreu primeiro, por erro dos CORREIOS ...» (conclusão 14ª).
Corresponde inteiramente à verdade que o Instituto da Segurança Social, IP, no caso, os serviços do Centro Distrital da Segurança Social ... (4), teve «conhecimento primeiro da outra penhora» (a do processo nº 1034/18.4T8BJA), como já referimos, e que existiu um erro de encaminhamento dos CORREIOS .... Com efeito, tendo o Sr. Agente de Execução elaborado nota de notificação endereçada ao Centro Distrital da Segurança Social ... e procedido à expedição da correspondente carta registada com aviso de recepção no dia 10.01.2020 nos serviços dos CORREIOS ... de Fafe, foi pelos serviços dos correios enviada aos serviços dos CORREIOS ... da Maia, quando deveria ter sido remetida para os serviços dos CORREIOS ... de Braga. Às 10.03 horas do dia 13.01.2020 os CORREIOS ... detectaram (5) o “erro de encaminhamento”, que assim expressamente qualificaram (conforme cópia junta aos autos pelo Sr. Agente de Execução), e remeteram então a carta para os serviços dos CORREIOS ... de Braga, que procederam à entrega no Centro Distrital da Segurança Social ... apenas às 15.00 horas do dia 14.01.2020.
Se bem que se compreenda a frustração e o inconformismo da Recorrente face ao erro dos CORREIOS ..., a realidade – factual e jurídica – é que a notificação da sua penhora só foi feita às 15.00 horas do dia 14.01.2020, quando a carta foi entregue pelos CORREIOS ... no Centro Distrital de Segurança Social .... É nesse momento que o referido Centro Distrital toma conhecimento do acto que se pretendia comunicar-lhe pela referida carta registada com aviso de recepção.
Inexiste qualquer fundamento legal para considerar efectuada uma notificação antes da mesma se ter realmente realizado. A notificação não foi feita no dia 13.01.2020, mas sim no dia 14.01.2020, às 15.00 horas. Essa é a realidade incontornável dos autos.
Nem sequer é um problema de presunção de um facto, entendida como a ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do Código Civil). Aqui todos os factos são conhecidos, pelo que nada há para presumir.
Também inexiste qualquer norma que permita considerar que a notificação feita no dia 14.01.2020 deve valer, ficticiamente, como tendo sido realizada no dia 13.01.2020. Isso, pura e simplesmente, além de não corresponder à realidade, não é legalmente admitido.
É de todo irrelevante, para efeitos de determinação da anterioridade da penhora, o que teria acontecido «se o serviço dos CORREIOS ... fosse prestado de forma eficiente» (conclusão 10ª). O que vale no processo é o que efectivamente ocorreu: a penhora do processo nº 7079/18.7T8GMR, do Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2, foi realizada no dia 14.01.2020, às 15.00 horas, por ter sido nesse momento que chegou ao conhecimento da entidade processadora do pagamento do subsídio de desemprego – o Centro Distrital de Segurança Social .... Notificar é por natureza dar conhecimento a alguém de determinado acto ou facto e nos autos está perfeitamente determinado quando é que o Centro Distrital de Segurança Social ... teve conhecimento de cada uma das penhoras.
É ilustrativo da falta de fundamento do recurso em matéria de direito a circunstância de a Recorrente nem sequer indicar as pretensas normas jurídicas violadas pelo Tribunal a quo na decisão recorrida (art. 639º, nº 2, al. a), do CPC) e, muito menos, «o sentido jurídico com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas» (art. 639º, nº 2, al. b), do CPC).
Em suma: não tem qualquer suporte no direito positivo a tese de que para «apurar a prioridade da penhora, quando tenha havido erro cometido pelos CORREIOS ... na entrega da carta registada com aviso de receção (não imputável à exequente, nem ao agente de execução), se deve atender à data em que seria entregue a aludida notificação, caso não houvesse esse erro».
O que resulta da lei, interpretada e aplicada nos termos atrás enunciadas, é algo de completamente diverso: havendo duas penhoras do direito ao subsídio de desemprego, em execuções diferentes, a mais antiga é aquela que primeiro foi notificada à entidade que procede ao respectivo pagamento (o centro distrital da segurança social). O que releva é a ordem temporal da realização das penhoras e não o que poderia ter acontecido antes mas efectivamente não aconteceu.
E quando exista uma pluralidade de penhoras sobre o mesmo direito, a segunda penhora deve ser oficiosamente sustada pelo respectivo agente de execução, nos termos do artigo 794º, nº 1, do CPC (6). É o credor da execução em que foi feita a penhora mais antiga que tem direito ao cumprimento perante o devedor do direito de crédito do executado.

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2.2.2. Da violação do artigo 13º da Constituição

Nas conclusões 15ª a 24ª a Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, concluindo que «o facto de o Tribunal recorrido estar a utilizar o mesmo argumento, em situações absolutamente distintas, consubstancia uma violação clara do princípio da igualdade (art. 13º da CRP), que determina que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual».
Vejamos, pois, se ocorre aquela violação.
Em primeiro lugar, tendo o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa dois números, constata-se que a Recorrente nem sequer indica qual dos dois está em causa e a respectiva dimensão normativa.
Em segundo lugar, a Recorrente não suscita, de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que só poderia incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi da decisão recorrida. A Recorrente não procedeu à enunciação do critério normativo a sindicar, de forma expressa, directa e clara.
Em terceiro lugar, o Tribunal recorrido limitou-se a apontar à Exequente que ela própria tinha reconhecido «no seu último articulado (…) que a penhora efectuada no outro processo só produz os seus efeitos quando é recepcionada no Centro Distrital da Segurança Social ...» e que esse «mesmo argumento vale para o alegado pela exequente».
Desde logo é insignificante se a Exequente reconheceu ou não se a recepção pelo devedor é que produz efeitos, pois os processos decidem-se com base nos factos nele demonstrados e não propriamente com base no eventual reconhecimento que uma parte faça de determinada argumentação jurídica. Por isso, da utilização de um tal argumento jurídico nunca resultaria a violação do princípio da igualdade.
Depois, a questão essencial consistia em saber, apenas, quando é que a entidade responsável pelo pagamento do subsídio de desemprego foi notificada de cada uma das penhoras, o mesmo é dizer em que momento, no âmbito de cada uma das execuções, lhe foi dado conhecimento, em conformidade com o disposto nos artigos 773º, nº 1, e 779º, nº 1, do CPC, que devia fazer «o desconto correspondente ao crédito penhorado e proced[er] ao depósito em instituições de crédito».
E a própria entidade pagadora (o Centro Distrital da Segurança Social ...), em inteira consonância com o demonstrado nos autos e considerado pelo Tribunal recorrido, informou que a primeira penhora foi a do processo nº 1034/18.4T8BJA.
O conhecimento de tal questão, nos termos em que foi feito, que é antes de tudo uma matéria de base factual (saber o que ocorreu primeiro), em nada viola o princípio da igualdade, seja em que dimensão for.

Pelo exposto, improcedem totalmente as conclusões da Recorrente, pelo que não pode dar-se provimento à apelação.
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2.3. Sumário
1 – Havendo duas penhoras do direito ao subsídio de desemprego, em execuções diferentes, a mais antiga é aquela que primeiro foi notificada à entidade que procede ao respectivo pagamento.
2 – É irrelevante, para efeitos de determinação da anterioridade da penhora, o facto de ter existido um erro interno de encaminhamento por parte dos CORREIOS ..., que retardou um dia a entrega ao devedor do crédito da carta registada relativa à notificação para penhora.
3 – Quando exista uma pluralidade de penhoras sobre o mesmo direito, a segunda penhora deve ser oficiosamente sustada pelo respectivo agente de execução.
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III – DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 26.11.2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)




1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Penhora do direito ao subsídio de desemprego.
3. Posição jurídica creditícia.
4. Os Centros Distritais de Segurança Social são os serviços do Instituto da Segurança Social, IP (ISS), responsáveis, ao nível de cada um dos distritos, pela execução das medidas necessárias ao desenvolvimento e gestão das prestações, das contribuições e da acção social. Ainda existem os Serviços Locais que, tal como os Centros Distritais, são serviços desconcentrados do ISS.
5. Pelo menos assim o mencionaram no registo informático, conforme cópia do respectivo extracto junta aos autos e que foi fornecida ao Sr. Agente de Execução.
6. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 589.