ARRENDAMENTO
DURAÇÃO LIMITADA
INEQUIVOCIDADE DA DECLARAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário


I- A concessão do gozo do prédio no contrato de arrendamento assume natureza temporária, sendo o prazo um elemento essencial do contrato de arrendamento ainda que não seja obrigatória a sua estipulação expressa pois existem regras supletivas que suprem a falta de indicação de um prazo;
II- O artigo 98.º do RAU, aplicável à data da celebração do contrato em análise, prevê a inserção de uma cláusula inequívoca de duração do contrato de «duração limitada» que tem de ser escrita e não pode ser inferior a cinco anos.
III- Da cláusula do contrato que estabelece que «o prazo de arrendamento é de um ano de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos», não decorre qualquer indicação, ainda que implícita, de que as partes pretenderam que o contrato celebrado pudesse ser denunciado livremente pelo senhorio, findo que fosse o prazo indicado, mas apenas e só que o prazo de um ano é prorrogável por iguais e sucessivos períodos, o que de resto é o normal nos contratos de duração indeterminada os quais implicam a renovação automática e ilimitada do vínculo contratual.
IV- A referência expressa, no contrato, ao prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, exclui a inequivocidade da declaração exigida pelo artigo 98.º do RAU para a qualificação do contrato como contrato de «duração limitada».
V- Apesar da revogação do RAU, a Lei n.º 6/2006, de 27-02, nos seus artigos 26.º a 28.º, consagrou normas transitórias destinadas a ressalvar a aplicação do novo regime a algumas matérias dos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor.
VI- A oposição à renovação traduz-se numa forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos com duração limitada ou com prazo certo
VII- A declaração unilateral de oposição à renovação do contrato, dirigida pelos senhorios, ora recorrentes, à arrendatária, ora ré, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do Código Civil, não pode produzir os efeitos pretendidos uma vez que no contrato em análise as partes não acordaram nem estabeleceram um prazo de duração efetiva do arrendamento.
VIII- Ainda que a disposição transitória contida no artigo 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU tenha tornado aplicável aos contratos de arrendamento sem duração limitada, celebrados na vigência do RAU, o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil - salvo se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % -, a referida possibilidade do senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada sem invocar qualquer motivo justificativo sempre depende da sua comunicação prévia ao arrendatário com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação, para além da exigência da comunicação de confirmação prevista no artigo 1104.º do Código Civil, o que no caso manifestamente não se verifica, atento o que resulta da matéria de facto provada.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. G. e M. F. instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra D. A., pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 01 de setembro de 2005, para fins habitacionais, tendo por objeto a fração D do prédio urbano sito na Rua ..., Lote n.º …, da União de Freguesias de ..., concelho de Guimarães e distrito de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (anteriores ...), por oposição à renovação comunicada pelos autores à ré, em 29 de abril de 2019, e com efeitos em 01 de setembro de 2019; condenada a ré, por via de tal cessação, a desocupar e a entregar aos autores o dito prédio, livre e desocupado de pessoas e bens; bem como a pagar aos autores as rendas vencidas desde 01 de setembro de 2019 e, bem assim, as que se vencerem na pendência da presente ação e até à data efetiva da entrega do locado.
Para o efeito alegam, no essencial, que o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, com o seu início em 1 de setembro de 2005 e término a 31 de agosto de 2006, renovável por iguais períodos; sustentam que autores e ré quiseram celebrar e celebraram um contrato de arrendamento para fins habitacionais, com prazo certo (de duração limitada), o qual foi sendo sucessivamente renovado, em virtude da não oposição das partes; os autores/senhorios entenderam não renovar agora o contrato, após sucessivas renovações, intenção que comunicaram à aqui ré/arrendatária em 29 de abril de 2019, por carta registada com aviso de receção, informando a ré que o contrato cessaria, para todos os devidos e legais efeitos, em 01 de setembro de 2019, cumprindo o prazo legalmente estipulado; apesar de ter recebido tal missiva, assinando o competente aviso de receção, a ré não desocupou nem entregou o locado, livre de pessoas e bens, aos aqui autores, continuando a ocupá-lo ilegitimamente, sem qualquer título.
A ré contestou, alegando, em síntese, que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes não tem duração limitada, pelo que lhe é aplicável o regime dos contratos de duração indeterminada, não assistindo aos autores o direito de fazerem cessar tal contrato mediante oposição à sua renovação. Conclui no sentido da improcedência da ação.
Exercido o contraditório, os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho a conceder às partes a oportunidade de virem aos autos pronunciar-se quanto à possibilidade de ser proferida sentença, por se entender que os factos essenciais à boa decisão da causa se encontravam assentes, não havendo necessidade de produção de mais elementos probatórios para além dos que já se encontram nos autos, sendo que nenhuma das partes se pronunciou.
Foi proferido saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa e julgando a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados.

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1) Alicerça-se a decisão a quo na premissa maior de que o Contrato de Arrendamento que vincula os Recorrentes à Recorrida não se encontra sujeito a duração limitada, impondo-se a sua renovação aos senhorios, constituindo, pois, um arrendamento vinculístico.
2) Porém, não podem os Recorrentes concordar com tal decisão.
3) Antes de mais, é inquestionável que o Contrato de Arrendamento em análise foi celebrado no dia 01 de setembro de 2005 e, como tal, na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (doravante designado por RAU), aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.
4) No entanto, tal Contrato não configura um regime de duração ilimitada, como entende o Tribunal a quo, sendo um efetivo Contrato de Arrendamento de duração limitada.
5) O RAU, no seu artigo 98.º n.º 1, dispunha que as partes podiam estipular um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para habitação.
6) Todavia, tal cláusula deveria estar inserida no texto escrito do contrato e assinado pelas partes.
7) O n.º 2 do mesmo artigo estipulava imperativamente que o prazo de duração do contrato não poderia ser inferior a cinco anos.
8) Ora, in casu, é inequívoco que as partes estipularam um prazo certo e efetivo para a duração do seu contrato de arrendamento, inserindo tal clausula no texto do contrato que foi assinado por aquelas.
9) Portanto, Recorrentes e Recorrida acordaram expressamente no sentido da sujeição do Contrato ao regime do arrendamento de duração limitada.
10) É facto que desrespeitaram o prazo mínimo legal que, à data, era de cinco anos, estabelecendo o prazo de um ano para a duração do seu contrato de arrendamento.
11) Pelo que, de acordo com o estipulado no artigo 294.º do Código Civil, a cláusula n.º 1 do Contrato de Arrendamento outorgado entre os Recorrentes e a Recorrida, que fixa como duração do arrendamento o prazo de um ano, é nula porque desrespeita uma norma imperativa.
12) Sendo certo que, tal nulidade não pode, nem deve, invalidar a totalidade do Contrato, de acordo com o artigo 292.º do Código Civil. 13) Tal não foi sequer peticionado pelos Recorrentes, ou pela Recorrida, que admitiram a celebração do Contrato.
14) E não invocaram que não teriam celebrado tal Contrato sem essa mesma cláusula viciada.
15) Assim sendo, salvo melhor entendimento, o Contrato de Arrendamento outorgado pelas partes subsiste, com exceção da sua cláusula n.º 1.
16) De facto, em face do prazo mínimo previsto à data, será, apenas, de converter a referida Cláusula n.º 1 para o prazo mínimo legal de cinco anos, ao abrigo do disposto no artigo 293.º do Código Civil.
17) Isto porque tal conversão harmonizar-se-á com a vontade hipotética / conjetural das partes.
18) Diferentemente do acatado pelo Tribunal a quo, deverá fazer-se funcionar o prazo mínimo definido para os Contratos de duração limitada, ponderando, pois, o regime da integração dos negócios jurídicos, de acordo com o disposto no artigo 239.º, e o regime da conversão, de acordo com o disposto no artigo 293.º igualmente do Código Civil.
19) Tal raciocínio é, pois, assegurado pela legislação posterior.
20) Veja-se o artigo 59.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, de acordo com o qual O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias – sublinhado e negrito nosso.
21) A este propósito, veja-se o artigo 1095.º n.º 1 e 2 do Código Civil, na redação da Lei 6/2006, de 27/02: 1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a 5 nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respectivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo, redação que ainda atualmente vigora.
22) Ou seja, o próprio legislador determinou uma conversão legal quando o prazo de duração dos contratos fosse inferior ao mínimo legal, pelo que automaticamente considerar-se-ia o presente Contrato ampliado ao referido limite de cinco anos.
23) Deste modo, defendem os Recorrentes ser certo e seguro que o contrato outorgado entre as partes, no qual consta que foi outorgado pelo prazo de um ano, deverá agora ler-se que foi celebrado pelo prazo de cinco anos, e, como tal, é um contrato de duração limitada.
24) Aplica-se, assim, in casu, o disposto no artigo 26.º n.º 3 do NRAU, segundo o qual Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional.
25) O artigo 1097.º do Código Civil na redação à data da Lei n.º 6/2006, de 27/02, preceituava que o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato.
26) No mais, todo o supra raciocínio é corroborado pela legislação subsequente e naturalmente aplicável in casu, mormente a Lei n.º 31/12, de 14.08, no seu artigo 26.º n.º 1 e 3, artigo 1097.º nº 1 do Código Civil na redação da Lei 31/12, de 14.08, Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, no seu artigo 26.º n.º 1 e 3 e pela redação conferida pela Lei n.º 79/2014, o artigo 1097.º do Código Civil, bem como o artigo 26.º n.º 1 e 3 com a redação atribuída pela Lei n.º 13/19, de 12.02 e o atual artigo 1097.º do Código Civil.
27) Assim, Recorrentes e Recorrida outorgaram um Contrato atribuindo ao mesmo um prazo e estipulando a sua renovação, pelo que foram as próprias partes a convencionar, por sua livre vontade, um dado regime contratual que permite que os senhorios impeçam a renovação do contrato.
28) Certo é que estipularam um prazo inferior ao limite mínimo previsto à data para a sua celebração, mas tal prazo, de acordo com os fundamentos expostos supra, deverá considerar-se de cinco anos, regime imperativo à data previsto.
29) Assim, será de considerar o Contrato de Arrendamento outorgado sujeito ao regime da duração limitada, pelo prazo de cinco anos, renovando-se nos termos e de acordo com as alterações legislativas citadas.
30) Pelo que, a interpretação do Tribunal a quo defrauda os objetivos do legislador e a letra da lei.
31) Desta forma, os senhorios / Recorrentes poderiam opor-se à renovação do Contrato de Arrendamento, como fizeram, ao abrigo do disposto no artigo 1097.º do Código Civil, em 29.04.2019, por carta registada com aviso de receção, tendo o Contrato outorgado cessado por caducidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1079.º e 1051.º alínea a) do Código Civil.
32) Pelo que, deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que declare a cessação do Contrato de Arrendamento existente entre as partes, por oposição à renovação e, consequentemente, que condene a Recorrida a desocupar e entregar o locado, livre de pessoas e bens e ao pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas.
33) Têm as presentes alegações de recurso suporte legal nos Artigos 98.º do RAU, Artigos 294.º, 292.º, 293.º e 239.º do Código Civil, 59.º da Lei 6/2006, de 27/02, Artigo 1095.º do Código Civil (redação da Lei 6/2006, de 27/02), Artigo 26.º n.º1 e 3 da Lei 6/2006, de 27/02, Artigo 1097.º do código Civil (redação da Lei 6/2006, de 27/02), Artigo 26.º n.º 1 e 3 da Lei 31/12, de 14/08, Artigo 1097.º do Código Civil (redação da Lei 31/12, de 14/08), Artigo 26.º n.º 1e 3 da Lei 79/2014, de 19/12, Artigo 1097.º do Código Civil (redação da Lei 79/2014, de 19/12), Artigo 26.º n.º 1 e 3 da Lei 13/19, de 12/02 e Artigo 1097.º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. proficuamente suprirão, devem as presentes Alegações de recurso ser julgadas procedentes, por provadas e, por via disso, alterar-se a decisão a quo nos exatos termos pedidos nas Conclusões supra, só assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»
Os autores apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir da validade e eficácia da comunicação enviada pelos autores à ré, em 29 de abril de 2019, no sentido de não pretenderem a renovação do contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 01 de setembro de 2005, portanto na vigência do RAU (Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15-10), para fins habitacionais, relevando para o efeito, além do mais, a questão da qualificação do contrato como contrato sem duração limitada (tal como conclui a decisão recorrida e defende a recorrida) ou como contrato de duração limitada (como sustentam os recorrentes).
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. A fração D do prédio urbano sito na Rua ..., Lote n.º …, União de Freguesias de ..., concelho de Guimarães e distrito de Braga, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (anteriores artigos ...), encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º ..., com aquisição registada, por compra, a favor dos aqui AA.
1.1.2. AA. e R., no dia 01 de setembro de 2005, celebraram, por escrito, um acordo, denominado “contrato de arrendamento”, cujo teor, constante de fls. 10 e 10, verso, aqui se dá por reproduzido, mediante o qual os AA. declararam dar de arrendamento à R. o imóvel aludido em 1., tendo esta declarado aceitar tal arrendamento.
1.1.3. destinando-se tal imóvel, exclusivamente, à habitação da R.
1.1.4. tendo sido convencionada a renda anual de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros), a pagar em duodécimos mensais de € 300,00 (trezentos euros).
1.1.5. Mais convencionaram as partes, na cláusula 1ª do dito documento escrito, que “O prazo de arrendamento é de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, e tem o seu início em 1 de Setembro de 2005.”.
1.1.6. Por carta registada e com aviso de recepção, datada de 29 de abril de 2019, os AA. comunicaram à R. a sua intenção de não procederem à renovação do supra identificado “contrato de arrendamento”, referindo que o mesmo cessaria no dia 01 de Setembro de 2019, data na qual deveria a R. abandonar o dito imóvel, deixando-o livre de pessoas e bens, e proceder à entrega das respetivas chaves aos AA., tudo nos termos do que consta do documento de fls. 11, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
1.1.7. Até ao momento, a R. não desocupou nem entregou o locado aos AA., livre de pessoas e bens.
1.2. O Tribunal recorrido considerou que inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Qualificação do contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 01 de setembro de 2005, para fins habitacionais do segundo outorgante, ora ré/apelada.
Verifica-se que os recorrentes não impugnam a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, porquanto não indicam quaisquer factos que entendam terem sido indevidamente julgados.
Assim sendo, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1.1. a 1.1.7. supra.
A decisão recorrida considerou - e bem - que entre autores e ré foi celebrado um contrato de contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, sendo que os primeiros assumem a posição de locadores e a segunda de locatária, tendo sido convencionada a renda anual de € 3.600,00, a pagar em duodécimos mensais de € 300,00 como contrapartida pelo uso do arrendado (cf. os pontos 1.1., 1.2., e 1.1.4., dos factos provados) - artigos 1022.º do Código Civil e 1.º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15-10 (RAU).
Tal como resulta dos factos em análise, o referido contrato de arrendamento foi celebrado e teve o seu início em 1 de Setembro de 2005 (cf. pontos 1.1.2. e 1.1.5.), sendo assim incontroverso que tal contrato foi celebrado ainda na vigência do RAU, tal como também concluiu a decisão recorrida.
Nessa data, e para o que nos interessa, o RAU previa a celebração de contratos de arrendamento para habitação denominados de duração limitada, ao abrigo do disposto nos seus artigos 98.º a 101.º, sendo que, conforme dispunha o seu artigo 100.º, tais contratos celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes (n.º1).
Assim, no que respeita ao arrendamento urbano para habitação, o artigo 98.º, n.º1, do RAU, inserido na subsecção I, relativa aos contratos de duração limitada e com a epígrafe «Estipulação de prazo efectivo» dispunha que as partes podem estipular um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respetiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes, mais prevendo o n.º 2 do citado preceito que o prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a cinco anos.
Os demais contratos, a que não fosse fixado um prazo de duração efetiva, portanto sem duração limitada, são arrendamentos vinculísticos (porque o senhorio não lhes podia pôr termo livremente, fosse por denúncia, por resolução ou oposição a renovação, mas apenas o podendo fazer nos casos previstos na lei), impondo-se a sua renovação ao senhorio, que só os podia denunciar (motivadamente) nas situações especificadas na lei (artigo 68º/2 do RAU) - a saber, nos casos previstos nos arts. 69º/73º desse Diploma Legal. O senhorio não dispunha do direito de os fazer cessar livremente, por acto unilateral(1).
No caso vertente, a controvérsia reside essencialmente na questão da qualificação do contrato em apreciação como contrato sem duração limitada (tal como conclui a decisão recorrida e defende a recorrida) ou como contrato de duração limitada (como sustentam os recorrentes).
Neste domínio, os autores/recorrentes, alegam, no essencial, ser inequívoco que as partes estipularam um prazo certo e efetivo para a duração do seu contrato de arrendamento, inserindo tal cláusula no texto do contrato, da qual retiram o acordo expresso dos recorrentes e recorrida no sentido da sujeição do contrato ao regime do arrendamento de duração limitada. Ainda que reconhecendo que as partes desrespeitaram o prazo mínimo legal que, à data, era de cinco anos, estabelecendo o prazo de um ano para a duração do contrato de arrendamento, sustentam que a consequência do desrespeito de tal norma imperativa é a nulidade de tal cláusula, a qual não invalida a totalidade do contrato, nem a mesma foi invocada por qualquer das partes, mas importa a conversão da correspondente cláusula para o para o prazo mínimo legal de cinco anos, ao abrigo do disposto no artigo 293.º do Código Civil, apelando para o efeito à vontade hipotética/conjuntural das partes e defendendo que a própria legislação subsequente ao RAU e aplicável ao caso, designadamente o artigo 1095.º n.º 1 e 2 do Código Civil, na redação da Lei 6/2006, de 27/02, determinou uma conversão legal quando o prazo de duração dos contratos fosse inferior ao mínimo legal, pelo que automaticamente considerar-se-ia o presente contrato ampliado ao referido limite de cinco anos (aplicável à data da celebração do contrato).
O Tribunal a quo entendeu, no essencial, não resultar do texto do contrato qualquer indicação de que as partes pretenderam submeter tal contrato de arrendamento ao regime da duração limitada, como estando sujeito a prazo certo e final, para que o mesmo pudesse ser denunciado livremente pelos autores decorrido esse prazo.

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida, além do mais, o seguinte:
«Na verdade, no texto do dito contrato não é, sequer, feita referência à possibilidade de os AA. denunciarem o mesmo decorrido que se encontre tal prazo.
Aliás, a indicação do prazo que consta do contrato de arrendamento em apreciação trata-se da formulação habitual utilizada nos contratos de arrendamento de duração indeterminada, o que vem confirmado pela indicação de que o contrato será prorrogável por prazos iguais e sucessivos. Tal acordo no que respeita à renovação do mencionado contrato de arrendamento demonstra que o mesmo está sujeito ao regime geral e não ao regime dos arrendamentos de duração limitada, pois que, como resultava do disposto no artigo 100º, n.º 1, do RAU, no regime dos arrendamentos de duração limitada as renovações seriam, no mínimo, trienais e nunca anuais.
Para além disso, constata-se que o prazo indicado no contato de arrendamento em apreciação (um ano) não obedece, sequer, ao prazo mínimo legalmente estabelecido para os contratos de duração limitada, que, como se viu, é de cinco anos. Também por esse motivo nunca poderia considerar-se que o mencionado contrato está submetido ao regime dos arrendamentos de duração limitada.
De todo o exposto, dúvidas não restam de que o contrato ajuizado é vinculístico, devendo, assim, nesta data, ser-lhe aplicável o regime dos contratos de duração indeterminada, com algumas especialidades, como resulta do disposto no aludido artigo 26º, nº 4, da Lei n.º 6/2006».
Em convergência com a orientação que defendeu, o Tribunal a quo seguiu de perto o entendimento vertido, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2017 (2), perante situação em tudo idêntica à dos presentes autos.
Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão enunciada, observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma correta ponderação da mesma, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis.
Da factualidade apurada resulta que AA. e R., no dia 01 de setembro de 2005, celebraram, por escrito, um acordo, denominado “contrato de arrendamento”, cujo teor, constante de fls. 10 e 10, verso, aqui se dá por reproduzido, mediante o qual os AA. declararam dar de arrendamento à R. o imóvel aludido em 1., tendo esta declarado aceitar tal arrendamento (1.1.2.), destinando-se tal imóvel, exclusivamente, à habitação da R. (1.1.3.), mais convencionando as partes, na cláusula 1ª do dito documento escrito, que «O prazo de arrendamento é de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, e tem o seu início em 1 de Setembro de 2005» (ponto 1.1.5.).
Seguindo a interpretação que vem sendo consolidada em diversos arestos dos nossos tribunais superiores e que entendemos de sufragar, ainda que não seja exigível o recurso a uma qualquer forma sacramental, obrigatória ou que reproduza a designação legal para que se entenda que as partes pretenderam sujeitar um certo contrato de arrendamento urbano ao regime dos contratos de duração limitada, exige-se, contudo que do texto contratual decorra que as partes, direta ou indiretamente, quiseram submeter o contrato ao regime da duração limitada (3), ou seja, que do texto conste a cláusula que permita concluir, de modo inequívoco, ser essa a vontade dos contraentes.
E compreende-se que assim seja porquanto a concessão do gozo do prédio no contrato de arrendamento é temporária, ou seja, a natureza temporária é um elemento essencial do próprio contrato de arrendamento, ainda que não seja obrigatória a sua estipulação expressa pois existem regras supletivas que suprem a falta de indicação de um prazo (4). Como referem António Menezes Cordeiro/Francisco Castro Fraga (5), «o contrato de arrendamento é, por definição, um contrato de duração limitada. Simplesmente, o instituto da renovação automática associado à impossibilidade de denúncia normal, por parte do senhorio, fazem dele um contrato ilimitado».
Isso mesmo resultava do artigo 8.º, n.º 2, al. g), do RAU, ao prever que conteúdo do contrato de arrendamento deve constar o prazo, estipulando o artigo 10.º do mesmo diploma o prazo supletivo de seis meses, se outro não for determinado por lei, convencionado pelas partes ou estabelecido pelos usos.
Temos, assim, por evidente, que a mera fixação de um prazo no âmbito do contrato de arrendamento celebrado não é, por si só, decisiva para a qualificação do contrato agora em análise enquanto contrato de duração limitada, pois tal elemento é aplicável a todos os contratos, designadamente aos contratos sem duração limitada.
Daí a justificação para a epígrafe vertida no referenciado artigo 98.º do RAU, inserido na subsecção dos contratos de duração limitada: «Estipulação de prazo efetivo», em contraponto com os normativos antes enunciados (artigos 8.º, n.º 2, al. g), e 10.º do RAU).
Deste modo, o que releva essencialmente para a apreciação da questão controvertida nos presentes autos é o apuramento da vontade das partes em fixar, ou não, um prazo de duração efetiva do arrendamento.
Nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, que consagra a teoria da impressão do declaratário, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Esclarecem, neste domínio, Pires de Lima e Antunes Varela (6): « (...) [a] regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).
(...)
A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante».
Neste âmbito, pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 12-06-2012 (7) sublinhando a propósito: «[e]stas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) - (…)».

Ora, a cláusula do contrato em análise limita-se a estabelecer que «o prazo de arrendamento é de um ano de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos», não decorrendo da mesma qualquer indicação, ainda que implícita, de que as partes pretenderam que o contrato celebrado pudesse ser denunciado livremente pelo senhorio, findo que fosse o prazo indicado, nem constando qualquer referência no contrato que o mesmo tinha duração limitada, mas apenas e só que o prazo de um ano é prorrogável por iguais e sucessivos períodos, o que de resto é o normal nos contratos de duração indeterminada os quais implicam, como se viu, a renovação automática e ilimitada do vínculo contratual.
Por outro lado, o citado artigo 98.º do RAU, aplicável à data da celebração do contrato em análise, prevê a inserção de uma cláusula inequívoca de duração do contrato de «duração limitada» que tem de ser escrita e não pode ser inferior a cinco anos. Como tal, a referência expressa, no aludido contrato, ao prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, exclui a inequivocidade da declaração exigida pelo citado artigo 98.º do RAU quanto à duração efetiva do arrendamento, pelo que o contrato se deverá considerar ter sido celebrado pelas partes será o de duração ilimitada (8).
Deste modo, a natureza formal do contrato de arrendamento urbano e a inequivocidade da declaração exigida pelo citado artigo 98.º do RAU implicam que não seja sustentável o entendimento defendido pelos recorrentes na presente apelação, no sentido da nulidade da cláusula em apreciação com a pretendida conversão da mesma para o prazo mínimo legal de cinco anos, então vigente, ao abrigo do disposto no artigo 293.º do Código Civil, porquanto tal entendimento pressupõe a prévia conclusão de que as partes quiseram acordar no sentido da sujeição do contrato ao regime de duração limitada, pressuposto essencial para que possa ser considerado o prazo supletivo previsto no artigo 98.º, n.º 2, do RAU para tais contratos (9).
Assim, tal como salienta o referenciado Ac. TRP de 26-06-2017 (10) perante situação em tudo idêntica à dos presentes autos, «[a] indicação do prazo que consta do contrato de arrendamento é uma formulação habitual nos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não se ajustando sequer esse prazo ao mínimo legalmente estabelecido para os contratos de duração limitada e que é de cinco anos.
O acordo das partes no contrato objeto destes autos no sentido da renovação do arrendamento por prazos iguais ao inicial aponta no sentido de se tratar de um contrato de arrendamento urbano sujeito ao regime geral e não ao regime dos arrendamentos de duração limitada (veja-se o nº 2, do artigo 1054º do Código Civil e confronte-se com o artigo 100º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano), pois que no regime dos arrendamentos de duração limitada, as renovações são trienais, no mínimo.
Se acaso a interpretação da recorrente fosse correta, a quase totalidade dos contratos de arrendamento seria de duração limitada, transformando-se um regime especial num regime regra e impondo a adoção de formulação muito exigente para que o regime aplicável fosse o vinculístico, assim se invertendo a exigência legal quanto à forma por que se deve manifestar a cláusula relativa ao estabelecimento de um prazo efetivo (veja-se o já citado artigo 98º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano)».
Esta interpretação mostra-se adequada à luz do princípio da razoabilidade de um qualquer destinatário colocado naquelas mesmas circunstâncias, tendo em atenção todo o contexto enunciado, restando, assim, qualificar o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos como um contrato sem duração limitada, tal como concluiu a sentença recorrida.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.

2.2. Validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, enquanto contrato sem duração limitada.

Como se viu, a decisão recorrida, tendo concluído no sentido de que o contrato de arrendamento que vincula os autores à ré não está sujeito a duração limitada, antes se impondo a sua renovação aos senhorios, entendeu que os autores não dispõem da faculdade de se oporem à sua renovação, atento o disposto no artigo 26.º, n.º 4, da Lei nº 6/2006.
Em consequência, concluiu que a oposição à renovação do aludido contrato de arrendamento, promovida pelos autores, não produziu qualquer efeito, pelo que o contrato de arrendamento em causa se mantém em vigor.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27-02, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), foi revogado o RAU (11), passando então o novo regime a aplicar-se aos contratos de arrendamento celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias (artigo 59.º, n.º1, do NRAU).
Apesar da revogação do RAU, a Lei n.º 6/2006, de 27-02, nos seus artigos 26.º a 28.º, consagrou normas transitórias destinadas a ressalvar a aplicação do novo regime a algumas matérias dos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor.
Assim, de acordo com o citado artigo 26.º, n.º 1, do NRAU, na sua redação inicial, «[o]s contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
«2 - (…)
3 - Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional.
4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
a) Continua a aplicar-se o artigo 107.º do RAU;
b) (…);
c) Não se aplica a alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil.
(…)»

Entretanto, o próprio NRAU veio a sofrer alterações, inclusivamente no âmbito das matérias atinentes às normas transitórias (12), sendo atualmente a seguinte a redação do citado artigo 26.º do NRAU, na parte que aqui releva:

«1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
2 - (…)
3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto.
4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU;
b) (…);
c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..
5 – (…).
6 - (Revogado.)
7 - (…)».

Resulta do exposto que o NRAU aplica-se ao contrato em causa nos presentes autos, com ressalva do previsto nas normas transitórias antes enunciadas.
Considerando que no caso em análise já se concluiu que estamos perante um contrato para fins habitacionais celebrado na vigência do RAU e sem duração limitada, mostra-se concretamente aplicável o disposto no artigo 26.º, n.º4, do NRAU, o qual, como se viu, determina a aplicação das regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
«a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU;
b) (…);
c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.
(…)».
O artigo 1079.º do Código Civil estabelece várias formas de cessação do contrato de arrendamento, prevendo que o mesmo cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
Relativamente às «outras causas previstas na lei» deve incluir-se a oposição à renovação, tal como prevista nos artigos 1054.º, 1055.º, 1096.º a 1098.º do Código Civil, sendo que estes dois últimos preceitos reportam-se expressamente aos contratos celebrados com prazo certo.
Os requisitos do exercício desta faculdade de oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento para habitação encontram-se regulados nos artigos 1096.º, 1097.º e 1098.º do Código Civil, prevendo o artigo 1097.º deste diploma a «oposição à renovação deduzida pelo senhorio», a efetuar mediante comunicação ao arrendatário, nos prazos aí fixados e reportados ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Deste modo, a oposição à renovação consiste numa declaração de desvinculação no termo do prazo do contrato, inicial ou anteriormente prorrogado, sendo uma forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos a prazo, a qual opera por comunicação à contraparte nos termos do art.º 9.º do NRAU (13).

Ora, consistindo a oposição à renovação numa forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos com duração limitada ou com prazo certo, e tendo-se concluído que no contrato em análise as partes não acordaram nem estabeleceram um prazo de duração efetiva do arrendamento, resulta manifesto que a comunicação datada de 29 de abril de 2019 - da qual se extrai sem margem para dúvidas a oposição dos autores/senhorios à renovação do contrato, comunicando à ré/arrendatária a sua intenção de não procederem à renovação do contrato de arrendamento no termo do prazo, referindo que o mesmo cessaria no dia 01 de Setembro de 2019, data na qual deveria a ré abandonar o dito imóvel, deixando-o livre de pessoas e bens -, é ilegal, pelo que não pode produzir os efeitos pretendidos enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato dirigida pelos senhorios, ora recorrentes, ao arrendatário, ora ré, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do Código Civil.
Note-se, por outro lado, que em momento algum os recorrentes/autores configuraram tal comunicação como uma denúncia do contrato pelo senhorio, nem o teor da comunicação em análise pode assumir o verdadeiro significado técnico-jurídico de tal figura, tal como prevista no NRAU para os contratos de duração indeterminada (artigos 1099.º a 1103.º do Código Civil).
De resto, ainda que a referida disposição transitória contida no artigo 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU tenha tornado aplicável aos contratos de arrendamento sem duração limitada celebrados na vigência do RAU (como é o caso do contrato em análise nos presentes autos), o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil (14) - salvo se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % -, a referida possibilidade do senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada sem invocar qualquer motivo justificativo sempre depende da sua comunicação prévia ao arrendatário com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação, para além da exigência da comunicação de confirmação prevista no artigo 1104.º do Código Civil, o que no caso manifestamente não se verifica, atento o que resulta da matéria de facto vertida no ponto 1.1.6. dos factos provados.
Em consequência, não se revela possível extrair solução diferente da declarada na decisão recorrida, a qual se confirma.
Improcede, assim, a apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - A concessão do gozo do prédio no contrato de arrendamento assume natureza temporária, sendo o prazo um elemento essencial do contrato de arrendamento ainda que não seja obrigatória a sua estipulação expressa pois existem regras supletivas que suprem a falta de indicação de um prazo;
II - O artigo 98.º do RAU, aplicável à data da celebração do contrato em análise, prevê a inserção de uma cláusula inequívoca de duração do contrato de «duração limitada» que tem de ser escrita e não pode ser inferior a cinco anos.
III - Da cláusula do contrato que estabelece que «o prazo de arrendamento é de um ano de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos», não decorre qualquer indicação, ainda que implícita, de que as partes pretenderam que o contrato celebrado pudesse ser denunciado livremente pelo senhorio, findo que fosse o prazo indicado, mas apenas e só que o prazo de um ano é prorrogável por iguais e sucessivos períodos, o que de resto é o normal nos contratos de duração indeterminada os quais implicam a renovação automática e ilimitada do vínculo contratual.
IV - A referência expressa, no contrato, ao prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, exclui a inequivocidade da declaração exigida pelo artigo 98.º do RAU para a qualificação do contrato como contrato de «duração limitada».
V - Apesar da revogação do RAU, a Lei n.º 6/2006, de 27-02, nos seus artigos 26.º a 28.º, consagrou normas transitórias destinadas a ressalvar a aplicação do novo regime a algumas matérias dos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor.
VI - A oposição à renovação traduz-se numa forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos com duração limitada ou com prazo certo
VII - A declaração unilateral de oposição à renovação do contrato, dirigida pelos senhorios, ora recorrentes, à arrendatária, ora ré, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do Código Civil, não pode produzir os efeitos pretendidos uma vez que no contrato em análise as partes não acordaram nem estabeleceram um prazo de duração efetiva do arrendamento.
VIII - Ainda que a disposição transitória contida no artigo 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU tenha tornado aplicável aos contratos de arrendamento sem duração limitada, celebrados na vigência do RAU, o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil - salvo se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % -, a referida possibilidade do senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada sem invocar qualquer motivo justificativo sempre depende da sua comunicação prévia ao arrendatário com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação, para além da exigência da comunicação de confirmação prevista no artigo 1104.º do Código Civil, o que no caso manifestamente não se verifica, atento o que resulta da matéria de facto provada.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 26 de novembro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cf. a propósito, o Ac. TRP de 13-07-2011 (Relator: José Ferraz), p. 50/11.1TBVLC.P1, disponível em www.dgsi.pt.
2. Relator: Carlos Gil, p. 3974/16.6YLPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Neste sentido, cf., além do Ac. TRP de 26-06-2017, antes citado, os Acs. TRG de 6-04-2013 (Relator: Paulo Barreto), p. 7099/11.2TBBRG-A.G1; TRL de 8-07-2004 (Relator: André dos Santos), p. 4968/2004-1; acessíveis em www.dgsi.pt.
4. Cf. Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, Coimbra, Livraria Almedina - 1995, pg. 94.
5. Cf. António Menezes Cordeiro/Francisco Castro Fraga, Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado, Coimbra, Almedina, 1990, pág. 139.
6. Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 223, em nota ao art.º 236.º do Código Civil.
7. Ac. do STJ de 12-06-2012, proferido na Revista n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, (relator: Nuno Cameira), disponível em www.dgsi.pt.
8. Neste sentido, cf. os Acs. TRG de 21-02-2019 (Relatora: Conceição Sampaio), p. 313/18.5T8AVV.G1; e de 6-04-2013 (Relator: Paulo Barreto), este último seguindo de perto o Ac. do STJ de 15-11-2011 (Relator: Garcia Calejo), revista n.º 4498/06.5TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, com o sumário disponível em www.stj.pt.
9. Cf., a propósito, os Acs. TRG de 6-04-2013 (Relator: Paulo Barreto); TRL de 24-10-2000 (Relator: Roque Nogueira), p. 0051971; disponíveis em www.dgsi.pt.
10. Relator: Carlos Gil, p. 3974/16.6YLPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Nos termos do artigo 60.º, n.º1, do NRAU, «é revogado o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26.º e 28.º da presente lei».
12. Alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, e pela Lei n.º 79/2014, de 19-12.
13. Neste sentido, cf. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo regime anotado e legislação complementar, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 458
14. Atualmente com o seguinte teor:
«Artigo 1101.º
Denúncia pelo senhorio
O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) (…);
b) (…);
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação».