RECURSO PER SALTUM
ROUBO
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
CRIME CONTINUADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário

Texto Integral


Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Cível e Criminal de … – Juiz 3 – foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal coletivo o arguido AA, solteiro, desempregado, natural de …, filho de BB e de CC, com residência na Praceta …, …, … e por acórdão de 09MAR20 foi deliberado:

Condenar o arguido AA:

- Como autor material de um crime de roubo simples (desqualificado) na forma consumada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

- Como autor material de um crime de roubo simples, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

- Como autor material de um crime de roubo simples, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão;

- Como autor material de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, e n.º 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Como autor material um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do artigo 86.º n.º 1, alínea d) do RJAM na pena de 6 (seis) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido para este Supremo Tribunal, que motivou concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

«1 - A Defesa concorda com toda a matéria de facto dada como provada e não provada pelo que não vai tecer considerações a esse respeito.

2 - A defesa nada tem a apontar quanto a fundamentação e convicção do Tribunal quanto a matéria de facto dada como provada e não provada.

3 - Concorda-se com o enquadramento jurídico quanto aos crimes cometidos pelo arguido.

4 - Já não se concorda com o enquadramento jurídico realizado pelo Douto Tribunal porquanto entendemos estar perante uma situação do denominado crime continuado .

5 - É no artigo 71 do Código Penal que está a definição do que vem a ser crime continuado:

Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

6 - Foi com o devido respeito pelo Douto acórdão proferido e ainda por opinião contrária, o que aconteceu nos presentes autos.

Para que haja um só crime, (não sendo o mesmo permanente ou de execução continuada) é necessário que não exista mais do que uma resolução criminosa.

7 - Para que haja um só crime continuado, tem de existir uma linha de continuidade psicológica que induza à persistência da prática do tipo de crime referente, no quadro de um contexto exterior desculpabilizador, favorável a tal cometimento: uma única resolução criminosa equivale a um só crime, havendo pluralidade de resoluções mas no mesmo circunstancialismo fáctico e psicológico desculpabilizante, também haverá um só crime, mas continuado;

8 - Foi o que aconteceu nos presentes autos pois houve uma única resolução de praticar furtos e roubos e todos foram realizados de forma consecutiva.

9 - Quanto aos critérios de determinação da pena a aplicar ao Arguido entende-se o seguinte em face desta postura deve-se ter em atenção o preceituado no artº 70º e 72º do C.P.

10 - As finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na Sociedade (artº 40º nº1 do C.P.).

11 - Nenhuma pena poderá exceder a medida de culpa do agente (artº 40º nº2 e 71º do C.P.).

12 - Pelo que não se concorda com as penas aplicadas ao Arguido.

13 - No presente caso:

A moldura legal ou abstrata do crime de roubo simples, na forma tentada, situa-se entre 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão (cf. artigos 210º, nº 1 e 73º, nº 1, als. a) e b) e 41º, nº 1 do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de roubo (desqualificado), na forma consumada situa-se entre 1 a 8 anos de prisão (cf. artigos 210º, nº 1 do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de roubo qualificado na forma tentada situa-se entre 7 meses e 10 dias a 10 anos de prisão (cf. artigos 210º, nº 1 e nº 2 alínea b) e 73º, nº1, als. a) e b) do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de detenção de arma proibida situa-se entre 1 mês a 4 anos de prisão ou pena de multa até 480 dias (cf. artigo 86º, nº 1, al. d) do RJAM e artigo 41º, nº 2, do Código Penal).

14 - Veio o Douto Tribunal recorrido condenar o Arguido:

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de DD, na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo consumado perpetrado na pessoa de EE na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de FF, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo qualificado na forma tentada perpetrado na pessoa de GG, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de detenção de arma proibida na pena de 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico aplicou ao Arguido a pena de prisão de 6 (seis) anos.

15 - Entende o Recorrente que deveriam ter sido aplicadas as seguintes penas:

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de DD, na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo consumado perpetrado na pessoa de EE na pena de 1 (Um) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de FF, na pena de 1 (Um) ano de prisão;

- Pelo crime de roubo qualificado na forma tentada perpetrado na pessoa de GG, na pena de 1 (Um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de detenção de arma proibida na pena de 4 (Quatro) meses de prisão.

16 - Entenda-se que existindo crime continuado ou não se entendendo com base nos critérios definidos legalmente e explanados anteriormente o Arguido nunca deverá ser punido em cúmulo jurídico com pena de prisão superior a 5 (cinco) anos.

17 - Como prescreve o artº 70º do C.P. “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma suficiente e adequada as finalidades da punição”.

18 - Aplicando o Tribuna, como entendemos, pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos, caso não aplicasse o Instituto da suspensão da pena previsto legalmente, atendendo ao enquadramento da hipotética aplicação de uma suspensão da pena a aplicar, nomeadamente os riscos invocados e a prevenção geral e especial violaria o artigo 70º do Código Penal “ o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

19 - Pelo que se entende ser de justiça em termos de medida da pena aplicar ao Arguido a pena de prisão nunca superior a 5 (cinco) anos de prisão.

20 - Esta pena, em face do exposto deverá ser suspensa na sua execução».

1.3. O Ministério Público junto do Tribunal “a quo” pronunciou-se pela improcedência dos recursos, concluindo nos seguintes termos:

«1. O Tribunal, no caso concreto, dando cumprimento ao disposto nos artigos 30.º, 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal, condenou o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2. Pena que se julga justa e adequada pois que não ultrapassa a culpa do recorrente e está de acordo com os interesses da prevenção, geral e especial.

3. Sendo certo que não estamos, in casu, perante crime continuado previsto no artigo 30.º do Código Penal.

4. Com efeito, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

5. Ora, no caso dos autos existem várias resoluções criminosas que deram causa a vários crimes praticados em datas distintas, não se podendo afirmar a existência de uma situação exterior passível de diminuir sensivelmente a culpa.

6. A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal, designadamente a norma dos artigos 30.º, 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal.

7. Revelando cuidadosa fundamentação, quer quanto à matéria de facto quer no que concerne à matéria de direito.

8. Expressando uma acertada subsunção dos factos à lei.

9. Decidindo bem ao não aplicar o instituto jurídico da suspensão da execução da pena, atento o facto de a sua aplicação, no caso vertente, ser legalmente vedada face ao preceituado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal (o arguido foi condenado em pena de prisão superior a 5 anos).

10. Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto não merece provimento».

1.4. Neste Tribunal a Exmº Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:

«Por Acórdão de 9 de Março de 2020 do Juízo Central Cível e Criminal de … – Juiz 3 foi o recorrente AA condenado na pena única resultante de cúmulo jurídico de 6 anos de prisão na sequência dos seguintes crimes e penas parcelares concretamente aplicadas:

-2 anos e 6 meses de prisão (autor material de um crime de roubo simples - desqualificado – na forma consumada p. e p. pelo art.º 210.º n.º 1 do C. Penal ).

-20 meses de prisão (autor material de crime de roubo simples na forma tentada p. e p. pelo art.º 210.º n.º 1, 22.º e 23.º).

- 24 meses de prisão (autor material de crime de roubo simples na forma tentada p. e p. nos termos do art.º 210.º n.º 1, 22.º e 23.º do C. Penal).

-2 anos e 6 meses de prisão (autor material de um crime de roubo qualificado na forma tentada p. e p. pelo art.º 210.º n.º 1 e n.º 2 alínea b) e 204.º n.º 2 alínea f), 22.º, 23.º do C. Penal).

-6 meses de prisão (autor material de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 alínea d) do RJAM ).

Inconformado reage mediante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, decorrendo das conclusões recursórias (que delimitam o objecto do recurso) que considera que o tribunal devia ter optado pela qualificação de um crime continuado, as penas parcelares e única aplicadas são excessivas e devia ter sido aplicada a suspensão da execução da pena.

O Ministério Público na respectiva instância respondeu à motivação de recurso, pugnando pela sua improcedência, sustentando não se verificar o pressuposto de continuação de actividade criminosa ou seja, a existência de uma relação que de fora e de maneira considerável tenha facilitado a repetição dos crimes, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é de acordo com o direito, diminuindo sensivelmente a sua culpa e que no caso dos autos, existem várias resoluções criminosas que deram causa a vários crimes praticados em datas distintas. Mais referiu que não se pode falar de um mesmo bem jurídico quando estejam em causa tipos legais que protejam bens eminentemente pessoais. Defende serem adequadas as medidas concretas das penas, de acordo com o critério a que alude o art.º 71.º n.º 1 e 2 do C.Penal e a pena única de 6 anos de prisão, que não ultrapassa a culpa do recorrente e está de acordo com interesses de prevenção geral e especial e fez uma apreciação conjunta dos factos e personalidade do agente.

Concordamos com os argumentos aduzidos, desde logo quanto à insubsistência da pretendida qualificação como crime continuado, atento que decorre da factualidade assente que o arguido escolheu e conscientemente procurou a concretização dos seus propósitos, renovando o seu processo de motivação de cada vez que praticou os referidos crimes, para além de que estão em causa tipos legais que protegem bens eminentemente pessoais.

Afigura-se-nos também que a determinação da aplicação da medida das penas se mostra fundamentada, obedeceu aos critérios previstos no art.º 71.º do C. Penal em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, geral e especial (no caso, elevadas) cumpriu as finalidades das penas nos termos do art.º 40.º do mesmo diploma (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade) e observou, nos moldes já referidos, o critério específico a que alude o art.º 77.º do dito, respeitante às regras da punição do concurso (apreciação conjunta dos factos e personalidade do agente).

A moldura penal aplicada impede a aplicação do disposto no art.º 50.º do C. Penal, afigurando-se no entanto que mesmo que assim não fosse, a personalidade do arguido, condições da sua vida, a sua conduta e circunstâncias dos crimes revelam que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada as finalidades da punição.

Reitera-se por conseguinte a posição já assumida pelo Ministério Público na 1.ª instância: o recurso do Recorrente deve improceder».

1.5. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.

1.6. Com dispensa de Vistos, e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.

***

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. A matéria de facto provada é a seguinte:

1. No dia 22/02/2019, cerca das 07h30m, DD seguia apeado para o seu local de trabalho, em … .

2. Ao passar junto ao Jardim …, nesta cidade, foi abordado pelo arguido que lhe disse: “dá-me €20,00”, tendo o ofendido explicado que não teria qualquer valor consigo; ainda assim, o arguido insistiu várias vezes, exigindo a entrega de tal quantia.

3. Como o ofendido nada lhe entregou, o arguido exibiu-lhe um objeto de características não concretamente apuradas, mas idêntico a uma arma de fogo, exigindo-lhe a entrega de valores, tendo o ofendido, amedrontado, esgueirando-se a correr do local em direção a casa.

4. Ato contínuo, o arguido seguiu no seu encalce, ficando à porta do prédio onde o ofendido reside, aguardando pelo mesmo, o que não se verificou.

5. O arguido representou e quis fazer seus, valores que sabia serem alheios, contra a vontade e em prejuízo do ofendido, para tal empreendendo a necessária violência e promessa de lesão iminente da vida/integridade física daquele, com recurso a objeto que aparentava ser uma arma de fogo, só não logrando apoderar-se de qualquer valor, por razões alheias à sua vontade.

6. No dia 8/05/2019, cerca das 12H00, EE seguia apeado numa viela junto à Estação Rodoviária de …, para onde se dirigia.

7. Subitamente, foi abordado pelo arguido que lhe exibiu uma navalha e, logo depois, um objeto de características não concretamente apuradas, mas idêntico a uma arma de fogo, que retirou do bolso e que apontou na sua direção, exigindo-lhe a imediata entrega de todo o dinheiro que tivesse consigo.

8. Ato contínuo, o arguido obrigou EE a acompanhá-lo a uma caixa multibanco, a fim de proceder ao levantamento do dinheiro que tivesse na sua conta.

9. Dirigiram-se, então, a uma caixa multibanco, em …, onde o ofendido mostrou não ter dinheiro disponível.

10. Ainda o arguido determinou, que o ofendido telefonasse ao seu patrão, e ali lhe levasse a quantia de €300,00, o que o ofendido acatou, telefonando ao seu encarregado, HH, que declinou essa pretensão.

11. Após o arguido se ter apoderado do telemóvel e do cartão bancário do ofendido, de valor não concretamente apurado, obrigou – o a deslocar-se para a casa de banho da estação rodoviária, e aí tirar as meias e sapatilhas, a fim de verificar se tinha dinheiro com ele, escondido.

12. Amedrontado, EE ainda entregou ao arguido, €30,00 em notas do BCE.

13. Não satisfeito, o arguido determinou ao ofendido que fosse desmarcar a sua viagem de autocarro, já agendada para as 13H00, em direção ao …, e fosse pedir ao “patrão” os €300,00 pretendidos, a fim de lhe serem entregues.

14. Quando o ofendido se encontrava já perto da bilheteira, e verificando a presença de várias pessoas, logo desferiu dois murros no abdómen do arguido, retirando o seu telemóvel e cartão bancário que o arguido tinha em seu poder, e escapulindo-se para o autocarro.

15. Ainda o arguido seguiu no seu encalce, e agarrou-o pela t-shirt, junto ao pescoço, dizendo-lhe: “tu deves-me €300,00, e segunda-feira, às 9H00, vais levar o dinheiro à Casa do …”.

16. Entretanto, o arguido pôs-se em fuga do local.

17. Na situação descrita, o arguido quis fazer seus, valores que sabia serem alheios, contra a vontade e em prejuízo do ofendido, para tal empreendendo a necessária violência e promessa de lesão iminente da vida/integridade física daquele, com o que lograria apossar-se dos pretendidos valores, com recurso a uma navalha e a um objeto que aparentava ser uma arma de fogo, tudo representando e querendo concretizar como, efetivamente, logrou.

18. Mais atuou usando da necessária violência e intimidação – e apoiado na vantagem de trazer consigo uma arma.

19. No mesmo dia, 08/05/2019, cerca das 15H30, o arguido abordou FF, na Rua da …, em …, alegando, como pretexto, que o ofendido estaria a dever dinheiro (€240,00 de seis bolotas de haxixe) ao seu irmão.

20. Como o ofendido não se recordava de tal dívida, aceitou deslocar-se, prontamente, ao Jardim …, em …, a fim de falar com o dito irmão.

21. Aí chegados, o arguido retirou do bolso um objeto de características não concretamente apuradas, mas idêntico a uma arma de fogo, a qual lha apontou, solicitando a entrega de dinheiro, caso contrário, que “lhe ardia a casa e que era capaz de o matar”, mais lhe dizendo que “a mulher iria fazer mal à namorada”.

22. Ainda o arguido, indagou se não tinha cartão bancário para levantar dinheiro.

23. Mais lhe disse: “se não me arranjas o dinheiro, eu digo para te ires embora disparo a arma e ficas ali estendido”, vindo, entretanto, a perceber que o ofendido nada trazia consigo.

24. A fim de se libertar do arguido, o ofendido disse que tinha de tratar de uma situação no Tribunal, seguindo, prontamente, apeado, para a sua residência.

25. O arguido ainda chegou a segui-lo, e a esperar, em vão, pelo mesmo, à porta da residência.

26. Conforme descrito, o arguido quis fazer seus, valores que sabia serem alheios, contra a vontade e em prejuízo do ofendido, para tal empreendendo a necessária violência e promessa de lesão iminente da vida/integridade física daquele, com recurso a objeto que aparentava ser uma arma de fogo, só não logrando apoderar-se, efetivamente, de qualquer valor, por razões alheias à sua vontade.

27. No dia 21/05/2019, pelas 10H30, GG seguia ao volante do automóvel, da marca HONDA, com a matrícula …-…-BU, na Rua …, em …, quando, a dado momento, imobilizou o veículo, numa passagem para peões existente na Praça 25 de Abril.

28. Ato contínuo e distraindo o condutor, o arguido abriu a porta do veículo e introduziu-se no seu interior, logo exibindo uma faca a GG, obrigando o mesmo, sob o temor causado, a ficar à mercê do arguido, o qual o obrigou, prontamente, a dirigir o veículo para o Bairro de …, em … .

29. Aí chegados, o ofendido foi obrigado a entrar numa habitação, sita nesse mesmo bairro, onde logo o arguido lhe disse: “senta-te…deves-me dinheiro…paga-me…o outro já me pagou…tens que me pagar €600,00… falta pagares tu”.

30. Amedrontado, e a fim de se libertar da situação, o ofendido resolveu dizer ao arguido: “vamos ali acima que eu vou pedir a uma tia”.

31. Pelo que, logo o ofendido, acompanhado do arguido que permanecia munido de uma faca, dirigiu o veículo para a Rua da …, no Centro Histórico de …, parou, deixando a chave na ignição, e disse que iria buscar o dinheiro, ficando o arguido a aguardar no interior da viatura.

32. Aí, o ofendido viria a deslocar-se para a esquadra da PSP, pedindo auxílio, acabando o arguido por fugir para parte incerta com a chave do veículo, logo que percebeu a aproximação das entidades policiais.

33. O arguido quis fazer seus, valores que sabia serem alheios, contra a vontade e em prejuízo do ofendido, para tal empreendendo a necessária violência e promessa latente de lesão iminente da vida/integridade física daquele, prevalecendo-se da faca que tinha consigo, só não logrando apoderar-se, efetivamente, do valor que pretendia fazer seu, por razões alheias à sua vontade.

34. No dia 6/06/2019, o arguido tinha em seu poder, no interior da sua residência, sita na Praceta …, Bairro de …, em … : - quatro cartuchos de calibre 12 mm;

35. O arguido sabia que não estava habilitado a deter, além de armas de fogo, munições para as mesmas, tal como as que se vieram a encontrar na sua residência.

36. Em todas as circunstâncias narradas, ao arguido atuou livre, deliberada, conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era penalmente punida.

Mais se provou que:

37. AA nasceu em …, sendo o terceiro elemento de uma fratria de seis. Frequentou a escola, mas abandonou sem concluir o 2º ciclo, numa altura em que os seus pais foram detidos, por envolvimento no tráfico de estupefacientes. Ficou aos cuidados dos avós e de uma irmã mais velha que já se tinha autonomizado do agregado.

38. Os pais permaneceram presos, por um período, aproximadamente de 10 anos, período em que o arguido tratava de arranjar comida e roupas para os irmãos. Foi também nessa altura que veio a iniciar os consumos de haxixe, situação que condicionou negativamente o seu percurso de vida.

39. O arguido não tem profissão ou qualquer qualificação profissional. Pontualmente acompanhava os familiares em feiras e já na idade adulta iniciou trabalhos sazonais na agricultura (vindima ou apanha da cereja). Em 2008 concluiu o 6º ano numa formação de jardinagem, através do IEFP.

40. O arguido vive maritalmente, desde os 16 anos, com a mãe dos seus quatro filhos (de 10, 8, 5 e 1 anos de idade) que à data era também adolescente. O arguido viveu sempre com os seus pais, em …, mesmo depois da união de facto e do nascimento dos seus filhos, não mostrando qualquer motivação para se autonomizar.

41. Já esteve recluso em dois períodos distintos, e durante a segunda reclusão demonstrou uma postura mais adequada, fazendo diversas formações e trabalhando como faxina e acabando por reconhecer os consumos e aceitar fazer acompanhamento do CRI de … durante o período de Liberdade condicional. Antes de ser detido no âmbito destes autos o arguido estaria a trabalhar no …, num trabalho sazonal da apanha da cereja e estaria em fase ativa de consumo de haxixe.

42. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- No processo n.º 131/05.0…, do (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial de …, o arguido foi condenado, por sentença proferida em 08.11.2006, transitada em julgado em 06.02.2007, foi condenado pela prática do crime de roubo, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 2 anos, por factos praticados em 13.03.2005; esta pena encontra-se extinta por decisão proferida em 27.03.2009;

- No processo n.º 87/05.0…, do (extinto) 2.º Juízo do Tribunal Judicial de …, o arguido foi condenado, por acórdão proferido em 19.05.2009, transitado em julgado em 17.06.2009, foi condenado pela prática de dois crimes de roubo, na pena única de 2 anos de prisão suspensa por 2 anos, por factos praticados em 14.02.2005; - por acórdão cumulatório, proferido em 07.05.2010, transitado em julgado em 07.06.2010, as penas acima referidas foram unificadas e o arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período de tempo; esta pena foi declarada extinta por decisão de 05.06.2012;

- No processo n.º 437/09.0…, do (extinto) 2.º Juízo do Tribunal Judicial de …, o arguido foi condenado, por sentença proferida em 30.11.2011, transitada em julgado em 12.01.2012, pela prática em 30.09.2009, de um crime de recetação, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à taxa diária de €6,00; esta pena foi declarada extinta por decisão proferida em 25.05.2015.

- No processo n.º 473/11.6…, do (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial de …, o arguido foi condenado, por acórdão proferido em 31.03.2014, transitada em julgado em 09.05.2014, pela prática em 14.11.2011, de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão efetiva;

- No processo n.º 284/13.4…, do Juízo Central Cível e Criminal de … – Juiz 3, o arguido foi condenado, por acórdão proferido em 19.01.2016, transitado em julgado em 18.02.2016, foi condenado pela prática de um crime de roubo e de um crime de extorsão, na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, por factos praticados em 18.09.2013; - por acórdão cumulatório, proferido em 11.04.2016, transitado em julgado em 19.05.2016, as penas acima referidas e a pena do processo n.º 473/11.6… foram unificadas e o arguido foi condenado na pena única de 3 anos; - No processo n.º 45/16.9…, do Juízo Local Criminal de …, por sentença proferida em 18.01.2018, transitada em julgado em 19.02.2018, o arguido foi condenado pela prática em 18.11.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o total de €750,00.


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3. O DIREITO

3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação dos recorrentes, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões:

- O enquadramento jurídico-penal, defendendo o arguido que os factos integram a figura do crime continuado;

- A dosimetria da pena de prisão aplicada ao recorrente.

- A suspensão da execução da pena.

3.1.1. Vejamos a primeira questão suscitada – o enquadramento jurídico-penal.

Consagra o art. 30º, nº2, do Código Penal:

«2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», dispondo o nº3 que «3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais».

Para se chegar à conclusão que estamos perante um crime continuado há que antes de tudo começar por investigar e traçar o quadro daquelas situações exteriores que, preparando as coisas para a repetição da atividade criminosa, diminuem sensivelmente o grau de culpa do agente, ou seja:

«a) A circunstância de se ter criado, através da primeira atividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os seus sujeitos;

b) Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;

c) Perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;

d) O caso de o agente depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da atividade criminosa».[1]

A atenuação da culpa, que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta, deve estar sempre condicionada pela circunstância de esta ter efetivamente concorrido para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. Por isso, sempre que se prove a reiteração, menos que a tal disposição das coisas é devida a certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir crime continuado.

Com efeito, se é verdade que por força de certas necessidades práticas de economia processual pode-se ser levado a considerar a reiteração de diversas condutas como uma unidade, certo é também que isso unicamente será admissível quando a culpa do agente puder ser tomada em conta dentro da moldura penal estabelecida para um só crime, isto, é quando a culpa pela reiteração das infrações aparecer sensivelmente diminuída em confronto com as hipóteses normais do concurso.

Ora, averigua-se, numa primeira aproximação, que a pluralidade de juízos de censura se determinam pela de resoluções que dominam a execução de tais atividade. Deste modo, parece evidente que o crime continuado, embora uno na medida em que preenche um só tipo fundamental de delito, se fragmenta quando se considera o seu momento subjetivo.

Não deve, porém, julgar-se que esta aparência corresponda à realidade. Não há dúvida de que no crime continuado às diversas condutas correspondem diversas resoluções. Simplesmente, estas resoluções não são entre si autónomas, mas, pelo contrário, estão numa dependência tal que nunca se pode considerar uma delas sem necessariamente ter de se tomar em conta a anterior. Sendo assim, o juízo de censura em que se estrutura a culpa não poderá nunca recair autonomamente, no caso do crime continuado, sobre cada uma das resoluções que presidem às diversas actividades através das quais se realiza, mas tem antes de incidir unitariamente sobre todas, já que a formação de cada uma delas se não pode justamente compreender sem a prévia formação de outra.

Quer dizer: apesar de diversas resoluções terem tido lugar, só é verdadeiramente possível formular-se um juízo de censura e de culpa unitário, e deste modo o limite dentro do qual a unidade do bem jurídico violado por diversas atividades as polariza numa unidade, verifica-se no fim de contas no crime continuado».[2]

O que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido.

O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[3].

Por outro lado, não se verifica qualquer circunstância exógena, que tenha concorrido para determinar o arguido à resolução de renovar a prática do mesmo crime. Mormente qualquer situação exterior que diminua a sua culpa.

Conforme se afirma no AC do STJ de 19ABR06[4] (Rel. Henriques Gaspar) «No crime continuado – cujo conceito está, assim, normativamente densificado – o elemento verdadeiramente caracterizador, que justifica a unidade como “unidade jurídica de ação”, apesar da pluralidade de factos materiais ou naturalísticos (a “realização plúrima”), é a existência de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente e que condiciona do agente no quadro da solicitação externa.

O crime continuado pressupõe, pois, no plano externo, uma série de ações que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para o facto.

«Pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» (cfr., Eduardo Correia, “Direito Criminal”, vol II, pág. 209)».

Nos crimes em que estão em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, ou seja, nos crimes contra as pessoas, por exemplo, crime de ofensa à integridade física, rapto, coação sexual, violação, abuso sexual, injúrias, difamação, não se pode falar em relação ou acordo entre o agente e a vítima, de forma a que se possa considerar que a conduta do agente se encontra especialmente diminuída.

Se a construção da figura do crime continuado pressupõe a atenuação da culpa, que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta, deve estar sempre condicionada pela circunstância de esta ter efetivamente concorrido para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime, no caso dos crimes contra as pessoas, não se vê em qual a conformação da vítima, que possa levar a que o agente renove ou repita a sua atividade criminosa, e nessa medida constitua atenuação da culpa do agente.

Ao invés, tal circunstância, em regra, acentua a censurabilidade da sua conduta. Por outro lado, no crime continuado há uma unificação da pluralidade de resoluções criminosas baseada numa diminuição considerável da culpa. Ao contrário, a execução de vários crimes, quando se está perante crimes eminentemente pessoais, só aumenta o grau de culpa, já que a reiteração de condutas contra as pessoas indica uma firmeza de intenção e um destemor perante o perigo, de todo incompatível com qualquer diminuição de culpa.

Nos crimes em que estão em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, nada demonstra, antes pelo contrário, que, praticado o primeiro crime, ficaram criadas condições que favoreceram e facilitaram a repetição das condutas posteriores, tornando sucessivamente menos exigível que o agente se tivesse abstido dos novos atos criminosos.

O que sucede é que, o agente de forma cada vez mais censurável, intenta novas sucessivas atividades, tendentes a levar a cabo novas condutas criminosas.

A conduta reiterada sobre a mesma vítima estando em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, não diminui a ilicitude, nem a culpa do agente.

A reiteração dos ilícitos revela antes uma tendência criminosa da personalidade do agente, sendo tais factos de considerar como fatores agravantes da sua culpa.

Não deve, porém, julgar-se que esta aparência corresponda à realidade. Não há dúvida de que no crime continuado às diversas condutas correspondem diversas resoluções. Simplesmente, estas resoluções não são entre si autónomas, mas, pelo contrário, estão numa dependência tal que nunca se pode considerar uma delas sem necessariamente ter de se tomar em conta a anterior. Sendo assim, o juízo de censura em que se estrutura a culpa não poderá nunca recair autonomamente, no caso do crime continuado, sobre cada uma das resoluções que presidem às diversas actividades através das quais se realiza, mas tem antes de incidir unitariamente sobre todas, já que a formação de cada uma delas se não pode justamente compreender sem a prévia formação de outra.

O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[5].

No caso em apreciação estamos perante a prática de 5 (cinco) crimes de roubo, e um crime de detenção de arma proibida.

No crime de roubo o bem jurídico protegido é a integridade física e o património, sendo certo que o arguido não agiu a coberto e uma única resolução criminosa, mas sim de 5 ações distintas, pelo que a conduta do arguido não integra a prática do crime continuado.

Assim sendo, mostra-se correto o enquadamento jurídico-penal da conduta do arguido, a que se procedeu no acórdão recorrido, improcedendo nesta parte o recurso do arguido.


3.1.2. Vejamos a dosimetria da pena de prisão aplicada ao recorrente.

O recorrente foi condenado nas seguintes penas:

Como autor material de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

Como autor material de um crime de roubo simples, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

Como autor material de um crime de roubo simples, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão;

Como autor material de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 210.º n.º 1, e n.º 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Como autor material um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do artigo 86.º n.º 1, alínea d) do RJAM na pena de 6 (seis) meses de prisão;

E, em cúmulo jurídico condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.


A moldura penal abstrata correspondente ao crime de roubo simples, na forma tentada, é de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão (artigos 210.º, n.º 1 e 73.º, n.º 1, als. a) e b) e 41.º, n.º 1 do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de roubo simples, na forma consumada é de 1 a 8 anos de prisão (cf. artigos 210.º, n.º 1 do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de roubo qualificado na forma tentada é de 7 meses e 10 dias a 10 anos de prisão (artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) e 73.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal).

A moldura legal ou abstrata do crime de detenção de arma proibida é de 1 mês a 4 anos de prisão ou pena de multa até 480 dias (artigo 86.º, n.º 1, al. d) do RJAM e artigo 41.º, n.º 2, do Código Penal).

A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP).

A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e 40º, nº 2, do CP), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[6], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».

E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).

A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».

Considerando os critérios norteadores a que aludem os arts. 71º, nºs 1 e 2, e 40º, nº 1 e 2, do Código Penal, ponderando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra o arguido temos:

- o grau de ilicitude dos factos - elevado e de muita gravidade considerando que o arguido atentou contra a integridade física dos ofendidos, e em três das situações descritas o arguido fez uso de um objeto semelhante a uma arma de fogo, perseguindo os ofendidos até casa ou obrigando-os a deslocarem-se aos locais que por si foram determinados, e relativamente ao ofendido EE obrigou-o a deslocar-se ao multibanco, à casa de banho da estação rodoviária, e aí tirar as meias e sapatilhas, a fim de verificar se tinha dinheiro com ele, escondido; amedrontado, EE ainda entregou ao arguido €30,00 em notas do BCE. Relativamente ao ofendido GG introduziu-se no interior do veículo do ofendido, obrigando o mesmo, sob o temor causado, a ficar à mercê do arguido, e obrigou-o a dirigir o veículo para o Bairro de …, em …, e a entrar numa habitação, sita nesse mesmo bairro, onde logo o arguido lhe disse: “senta-te…deves-me dinheiro…paga-me…o outro já me pagou…tens que me pagar €600,00… falta pagares tu”.

- O modo de execução dos factos e gravidade das consequências – abordava os ofendidos inesperadamente fazendo uso de um objeto semelhante a uma arma de fogo, e relativamente ao ofendido EE exibiu-lhe uma navalha, e ao ofendido GG, o arguido abriu a porta do veículo e introduziu-se no seu interior, logo exibindo uma faca a GG, para além de causar o sentimento de medo, sobressalto e pânico gerado em todos os ofendidos.

A intensidade do dolo – na sua forma mais elevada de dolo direto e intenso.

A culpa do arguido, enquanto reflexo da ilicitude, ou seja, como censura por o arguido ter atuado como descrito, é elevada - tendo em atenção a conduta concreta do arguido que ficou descrita na factualidade apurada, não podia desconhecer a gravidade das consequências dos atos por si praticados, causando aos ofendidos medo.

A sua conduta anterior aos factos - o arguido - nascido a 27FEV88, conta atualmente 32 anos de idade, e à data dos factos 31 anos - já sofreu 5 (cinco) condenações anteriores pela prática de crimes de roubo, um crime de extorsão, um crime de recetação, praticados entre em 2005 e 2013, tendo beneficiado de pena suspensa, em duas condenações em 2007 e 2010, e já cumpriu pena de prisão efetiva, em 2011 e 2016.

Relativamente ao seu percurso de vida e às suas condições pessoais

O arguido AA nasceu em …, sendo o terceiro elemento de uma fratria de seis. Frequentou a escola, mas abandonou sem concluir o 2º ciclo, numa altura em que os seus pais foram detidos, por envolvimento no tráfico de estupefacientes. Ficou aos cuidados dos avós e de uma irmã mais velha que já se tinha autonomizado do agregado. Os pais permaneceram presos, por um período, aproximadamente de 10 anos, período em que o arguido tratava de arranjar comida e roupas para os irmãos. Foi também nessa altura que veio a iniciar os consumos de haxixe, situação que condicionou negativamente o seu percurso de vida. O arguido não tem profissão ou qualquer qualificação profissional. Pontualmente acompanhava os familiares em feiras e já na idade adulta iniciou trabalhos sazonais na agricultura (vindima ou apanha da cereja). Em 2008 concluiu o 6º ano numa formação de jardinagem, através do IEFP. O arguido vive maritalmente, desde os 16 anos, com a mãe dos seus quatro filhos (de 10, 8, 5 e 1 anos de idade) que à data era também adolescente. O arguido viveu sempre com os seus pais, em …, mesmo depois da união de facto e do nascimento dos seus filhos, não mostrando qualquer motivação para se autonomizar. Já esteve recluso em dois períodos distintos, e durante a segunda reclusão demonstrou uma postura mais adequada, fazendo diversas formações e trabalhando como faxina e acabando por reconhecer os consumos e aceitar fazer acompanhamento do CRI de … durante o período de Liberdade condicional. Antes de ser detido no âmbito destes autos o arguido estaria a trabalhar no …, num trabalho sazonal da apanha da cereja e estaria em fase ativa de consumo de haxixe.

No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), o crime de roubo é a integridade física e o património e no crime de detenção de arma proibida é a segurança e tranquilidade públicas.

Quanto às exigências de prevenção geral assumem-se como muito elevadas, tendo em atenção que estamos perante crimes de roubo, um deles agravado e de detenção de arma proibida, crimes que provocam grande alarme social e fortes sentimentos de insegurança por parte dos cidadãos, sendo que se verifica uma crescente tendência de aumento de situações de criminalidade especialmente violenta, como tal definida no art. 1.º, al. l), do CPP, relativamente ao crime de roubo agravado.

No que se refere à reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP), prevenção especial, devem aqui ser valorados todos os fatores da medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

As exigências de prevenção especial – mostram-se bastante elevadas, atendendo às condenações anteriores sofridas pelo arguido, por crimes de roubo e extorsão.

Na determinação da medida da pena o modelo mais equilibrado é aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente[7].

Por outro lado, um dos princípios fundamentais rege a aplicação das penas tal como é definida pelo art. 40º, do Código Penal, é o princípio da proporcionalidade «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

O AC do STJ de 20FEV19, processo nº 5/16.0GABJA.E1.S1, Relator Nuno Gonçalves [8] a propósito do princípio da proporcionalidade refere o seguinte: «O princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República – art. 18º n.º 2.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.[9]

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objectiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstractamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição».

Assim sendo, considerando que a medida da concreta da pena, assenta na «moldura de prevenção», «cujo limite máximo é constituído pelo ponto ideal da proteção dos bens jurídicos e o limite mínimo aquele que ainda é compatível com essa mesma proteção, que a pena não pode, contudo, exceder a medida da culpa, e que dentro da moldura da prevenção geral são as necessidades de prevenção especial que determinam o quantum da pena a aplicar», dentro da moldura penal abstrata prevista para os crimes de roubo e de detenção de arma proibida, mostram-se justas, necessárias, adequadas e proporcionais as penas parcelares aplicadas ao arguido no acórdão recorrido, ou seja:

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de DD, na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo consumado perpetrado na pessoa de EE na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo na forma tentada perpetrado na pessoa de FF, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão;

- Pelo crime de roubo qualificado na forma tentada perpetrado na pessoa de GG, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pelo crime de detenção de arma proibida na pena de 6 (seis) meses de prisão.

Vejamos agora a pena conjunta:

Alega o recorrente que nunca deverá ser punido em cúmulo jurídico com pena de prisão superior a 5 (cinco) anos.

Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis».

Conforme ensina o Prof Figueiredo Dias, [10] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral [11] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.

Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

Acrescentando que «Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. (…)

Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida. (…) (sublinhado nosso)

Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está diretamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. (sublinhado nosso)

Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.

Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal.

Um dos critérios fundamentais na procura do sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. (sublinhado nosso)

Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a atividade criminosa expresso pelo número de infrações; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela atividade.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de atos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. (sublinhado nosso).

Serão esses fatores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena».

Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.

Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e como limite máximo 9 (nove) anos e 2 (dois) meses, aplicável ao caso concreto, deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, a preponderância das circunstâncias agravantes sobre as atenuantes, atendendo às exigências de prevenção geral e especial que assumem especial relevo, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entendemos que partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico entre 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de prisão e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, a pena única de 6 (seis) anos de prisão, em que o arguido AA foi condenado.

Neste sentido improcede na totalidade o recurso.

Pelo exposto, mostra-se prejudicado conhecimento da questão sobre a aplicação da suspensão da execução da pena, uma vez que a pena aplicada é superior a 5 anos de prisão, (artº 50.º, n.º 1, do CP).


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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do arguido AA.

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’S

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 14 de outubro de 2020


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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[1] Prof. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infrações, Almedina, 1983, pág. 246 a 249.
[2] Prof. Eduardo Correia, in ob. cit. pág. 251; 275; 277 a 278.
[3] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Atual da Doutrina do Crime» cit., p. 14.
[4] Publicado in dgsi.pt.
[5] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Atual da Doutrina do Crime» cit., p. 14.
[6] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244
[7]Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3º, Abril/Dezembro, pág. 186.
[8] Disponível in www.dgsi.pt
[9] J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1º a 107º, 4ª ed. pág. 392/393
[10] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[11] Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt