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EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
PREÇO
Sumário
I - A venda executiva por negociação particular é, em regra, uma situação de recurso a que se lança mão uma vez frustrada a venda mediante propostas em carta fechada, com vista a, numa segunda oportunidade, se obter o pagamento do crédito pelo produto da venda do bem penhorado. II - É possível realizar a venda por negociação particular por preço inferior ao valor indicado no nº2, do artigo 816.º, do CPC (“85% do valor base dos bens”), sem intervenção do juiz, caso exista acordo de todos os interessados (indicados no nº1, do 812.º, do CPC). III - Se as partes não chegarem a acordo, a venda por negociação particular por preço inferior ao valor supra referido pode ser concretizada mas, apenas, após a concessão da necessária autorização judicial. IV - Havendo oposição, só deve ser autorizada, pelo juiz, a venda por um preço inferior ao anteriormente anunciado para a venda por propostas em carta fechada se tal corresponder aos interesses do executado, da exequente e dos demais credores com garantia sobre os bens a vender, o que tem de resultar da ponderação dos diversos fatores do caso, designadamente, da duração da execução, do período de tempo já decorrido com a realização da venda, da evolução da conjuntura económica, das potencialidades da venda do bem, do interesse manifestado pelo mercado, da desvalorização sofrida e a sofrer, dos valores de mercado da zona e de outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta. V - Face ao arrastar da execução há já mais de 15 anos, com penhora, também, já realizada há mais de 13 anos e que anda em diligências para venda desde data anterior a Setembro de 2017 - tendo a negociação particular vindo na sequência da frustração da venda por abertura de propostas por falta de proponentes – e à apresentação, em todo o referido período, de uma única proposta de aquisição, considerando a conjuntura nacional no mercado imobiliário e que apesar da oposição dos executados ao agente de execução, os mesmos nada sugeriram, conclui-se que a venda por um valor inferior ao publicitado (nº2, do art. 816º, do CPC), não viola os interesses patrimoniais dos referidos credores e mesmo dos executados, sendo, por isso, de autorizar, para ser realizada no momento oportuno, e se efetuarem pagamentos, evitando assim o avolumar da dívida e o desvalorizar do imóvel, que, futuramente, pode nem aquele valor permitir obter. VI - A assim não se proceder, correr-se-ia o risco de se não conseguir vender o bem ou de se vir a vender mais tarde por um valor inferior, não parando a dívida de aumentar, riscos a evitar, na realização da justiça que se pretende eficaz e célere.
Texto Integral
Apelação nº 942/05.7TBAGD.P1
Processo do Juízo de Execução de Águeda – Juiz 1
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Sumário(elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO Recorrente: B… Recorrido: C…, S.A
B…, habilitado nos autos, em que é exequente o C…, S.A., notificado da decisão aí proferida com o seguinte teor:
“Compulsados os autos verifico que em 18.09.2017 foi realizada a venda mediante abertura de propostas em carta fechada do imóvel penhorado nos autos, tendo sido a mesma anunciada pelo valor de 387.600,00€, não tendo sido apresentadas quaisquer propostas de aquisição, tendo a execução prosseguido para a fase da venda mediante negociação particular, fase em que nos encontramos até agora. A agente de execução logrou obter uma proposta de aquisição para aquele imóvel, apresentada pelo exequente, no valor de 137.100,00€, à qual se opõe a sociedade executada. Cumpre decidir: Estabelece o artigo 832 alínea d) do Código de Processo Civil que "A venda é feita por negociação particular quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou a falta de depósito do preço pelo proponente aceite." Da análise deste dispositivo legal e bem assim do artigo 833 do Código de Processo Civil nada é referido quanto ao valor mínimo da venda, ou seja, nada dispõe a lei quanto à fixação do respetivo preço. No entanto, aplicando-se subsidiariamente o regime da venda mediante abertura de propostas em carta fechada à venda mediante negociação particular, esta fase iniciou-se considerando-se o valor mínimo de 85% do valor base do imóvel, atendendo ao artigo 816 do Código de Processo Civil. A venda mediante negociação particular, quando feita nos termos da alínea d) do supra citado artigo 832 do Código de Processo Civil, é uma modalidade de recurso em relação à venda por propostas em carta fechada, esta tida como regime regra e que, "in casu" se frustrou dada a ausência de propostas. O Acórdão da Relação de Évora de 26.02.2015, Desembargador Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt refere o seguinte: "Se foi decretada a negociação particular - por ausência de propostas em carta fechada - certamente pelo valor mínimo anunciado (70% do valor base) ser excessivo para o bem em causa, será completamente incoerente impor-se que o preço do imóvel na negociação particular seja muito superior aos 70% que já não colheram recetividade. Seria um contrassenso, por contrários aos objetivos da execução, impor condições mais severas na venda por negociação particular do que as que regulam a venda por proposta em carta fechada (tida como modalidade regra)." E o Acórdão da Relação do Porto de 29.04.2008, Desembargador Canelas Brás, e disponível em www.dgsi.pt, já defendia que "(...) foi intenção do legislador conformar este tipo de venda executiva, neste caso, como modalidade de recurso em relação à venda por propostas em carta fechada, esta erigida como modalidade regra. E, assim, entra a mesma em ação, digamos que em desespero de causa, quando a primeira não funcionou no objetivo basilar que se intenta: a venda dos bens. E daí que não seja de estranhar que o formalismo exigido seja mais aligeirado, precisamente em ordem a alcançar aquele objetivo básico que com a venda por propostas em carta fechada não se alcançou. Essa poderá ser a razão para que na venda por propostas em carta fechada se exija a fixação do valor a anunciar para a mesma, em montante "igual a 70% do valor base dos bens", segundo os termos do n°2 do artigo 889 do Código de Processo Civil (na redação do DL 38/2003 de 08.03) - naturalmente também por razões de pragmatismo e para orientação dos próprios proponentes, para que não se perca tempo com propostas demasiado baixas, num processado que ocupa tempo e recursos preciosos - e tal exigência não se mostrar prevista na negociação particular (sendo esta mais frontal, pessoa a pessoa, logo se poderá elucidar um interessado de que a sua oferta é demasiado baixa. (...) Ora, não faria sentido que se o legislador tivesse querido prolongar na venda por negociação particular exigências previstas para a venda por propostas em carta fechada, que o não tivesse dito, podendo muito bem tê-lo feito (técnica que chegou mesmo a usar noutros aspetos que colocou nas disposições gerais relativas às vendas, v.g. no n°2 do artigo 886 do CPC com a menção expressa das modalidades de venda a que teriam aplicação: "O disposto nos artigos 891 e 901 para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as devidas adaptações, às restantes modalidades de venda, e o disposto nos artigos 892 e 896, a todas, excetuada a venda direta")." E veja-se que o artigo 811 do Código de Processo Civil, que corresponde parcialmente ao anterior artigo 886, mantém essa mesma disposição legal, sem qualquer alteração. E volvendo ao Acórdão da Relação do Porto, referenciado, continua o mesmo nos seguintes termos: (...) "porque não mandaria, então, estender o regime limite dos 70% das vendas por propostas em carta fechada às vendas por negociação particular? A resposta só poderá ser a de que realmente se não pretendeu estender o regime de uma modalidade à outra (senão, como conseguir efetuar vendas numa modalidade que foi qualificada como de recurso, se as exigências fossem as mesmas da modalidade que para tal se apurou não ter sido eficaz?). Por fim, também não faria sentido deixar nas mãos dos próprios executado - por via da sua não concordância - a impossibilidade de efetivar a venda dos bens por preço inferior àquele limite de 70% do valor base dos mesmos, caso que os poderia incentivar a dificultar essa mesma venda." A mais recente jurisprudência, mais concretamente a vertida nos Acórdãos da Relação do Porto 24.09.2015 e de 20.06.2016 e ainda no Acórdão da Relação de Coimbra de 08.03.2016 referem que a venda por negociação particular não está sujeita a qualquer valor mínimo, fazendo este último acórdão depender a realização da venda por despacho do juiz a autorizar a sua concretização. Volvendo ao caso dos autos, há que considerar que a presente execução deu entrada em juízo em 31.03.2005, que em 18.09.2017 se frustrou a venda mediante propostas em carta fechada, encontrando-se os autos na fase da venda por negociação particular, recusando a executada a proposta apresentada, mas sem diligenciar pela obtenção de melhor proposta, que seja do seu interesse. Atendendo ao supra exposto e ao facto de a venda por negociação particular não se encontrar sujeita a nenhum valor mínimo, nem se encontrar dependente da aceitação do executado, autorizo que a agente de execução proceda à venda do imóvel penhorado nos autos pelo valor de 137.100,00€ ao exequente. Notifique”.
veio dela interpor recurso de apelação, pugnando por que o mesmo seja julgado procedente, formulando, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:
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O exequente apresentou contra alegações, onde pugna por que o recurso seja julgado improcedente e se mantenha a decisão recorrida, sustentando que o recorrente refere, por lapso, que o processo se encontrava em fase de venda através de leilão eletrónico, mas que tal assim se não verifica, estando os autos, desde Setembro de 2017, em fase de venda por negociação particular, tendo os executados e ora Recorrente deduzido oposição à aceitação da proposta de aquisição apresentada pelo Banco Exequente para eternização dessa fase, sendo que propostas superiores à do Credor Hipotecário não existem.
Cita o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2016 (Processo n.Q 1037/10.7TJCBRB.C1), em www.dgsi.pt, a referir:“A negociação particular, pelo contato direto com o mercado, permite aferir qual o valor a partir do qual há algum ou alguns interessados, tendo de admitir-se ao encarregado (ou mandatário) da venda esta negociação, sob pena de a execução se prolongar indefinidamente sem que surja algum interessado para o valor fixado nos autos com o recurso às regras previstas no nº3 do artigo 812º. Nesta fase, o imóvel há de ser vendido pelo valor possível, ou seja, pelo valor que vierem a oferecer pelo mesmo dentro de um período de tempo considerado razoável.", e a propósito da venda por negociação particular por preço inferior ao preço mínimo da venda por abertura de propostas menciona, ainda, “os seguintes acórdãos (em www.dgsi.pt): Tribunal da Relação de Coimbra: 16-05-2017 (Processo n.º 957/12.9TBMGR-A.C1); 16-12- 2015 (Processo n.º 2650/08.8TBCLDB.C1); Tribunal da Relação do Porto: 20-06-2016 (Processo n.º 1576/11.2TBVCD-I.P1); Tribunal da Relação de Lisboa: 19-04-2016 (Processo n.°- 1033/11.7T2SNT-B.L1-1); 21-01-2016 (Processo n.°- 57/10.6TBVFCB.L12); Tribunal da Relação de Évora: 09-03-2017 (Processo n.°- 32/14.1TBAVS.E1); 26-02-2015 (Processo n.°- 700/07.4TBCTX.E1); e 15-01-2015 (Processo n.°- 4970/09.5TBSTB-B.E1)”.
Mais sustenta “considerando que no mercado imobiliário não foi possível, obter preço superior à proposta apresentada pelo Exequente, no montante de 137.100,00€, será de concluir que, actualmente, é este o valor de mercado do imóvel,como aliás resulta claro do relatório de avaliação do imóvel actualizado junto aos autos pelo Banco Recorrido em 08/10/2019 (cfr certidão), que aponta tal valor de 137.100,00€ como o PVT do imóvel e que, convenientemente, o Recorrente se esqueceu de mencionar”.
Acrescenta, ainda, que o facto de a venda por negociação particular ser publicitada através da Plataforma E-Leilões, não a convola em venda pela modalidade Leilão Eletrónico Online, mas que, de todo o modo, há muito que havia terminado a última publicitação da venda por negociação particular dos autos na Plataforma E-Leilões aquando da prolação do despacho recorrido, inexistindo elementos que obstem ao prosseguimento dos autos, com vista à venda.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO - OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Se na venda de bens por negociação particular existe a limitação mínima de 85% do valor base do bem imóvel(maior dos seguintes valores: valor tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos, ou do valor de mercado) e se existia algum impedimento à prolação da decisão recorrida.
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II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede, mencionando-se as seguintes vicissitudes processuais, conforme resulta dos autos:
1. A presente execução deu entrada em Juízo no ano de 2005;
2. Em 18/9/2017, foi realizada a venda mediante propostas em carta fechada, que foi anunciada pelo valor de 387.600,00€, e, não tendo sido apresentada qualquer proposta, execução prosseguiu para venda por negociação particular;
3. O exequente, em 1 de Agosto de 2019, apresentou proposta de aquisição pelo valor de 137.100,00€ (cfr. fls 11 e 12);
4. Tribunal a quo autorizou, em 10/3/2020, o agente de execução a proceder à venda pelo referido valor.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da existência de limite mínimo no valor da venda na venda de bens por negociação particular (de 85% do valor base do bem imóvel)e oportunidade da decisão
Insurge-se o apelante contra o despacho proferido em 10.03.2020 que, após se ter frustrado a venda por propostas em carta fechada, autorizou a Senhora Agente de Execução a proceder à venda do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 137.100,00€, ao Exequente, ora Apelado.
Integra o objeto do presente recurso saber se, frustrada a venda de um bem mediante propostas em carta fechada e determinada a venda do mesmo por negociação particular, se mantém o impedimento de o bem ser vendido por preço inferior ao fixado no artigo 816.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência.
Suscita-se, pois, a questão de saber se não podia ser autorizada judicialmente a venda do bem, na modalidade de negociação particular, por um valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2.
Analisemos.
A regulamentação adjetiva da venda executiva, insere-se na Subsecção VI Venda, da Secção V Pagamento, do Capítulo I Do processo ordinário, do Titulo III Da execução para pagamento de quantia certa, do Livro IV Do processo de execução, sendo que na Divisão I – Disposições gerais(que, por isso, se aplicarão a todas as modalidades da venda ali previstas) daquela subsecção, no nº1, do artigo 811.º, se consagram as modalidades que a venda pode revestir, entre elas a venda mediante propostas em carta fechada (al. a) e por negociação particular (al. d)).
No n.º 2, do referido artigo consagra-se que “O disposto no artigo 818º, no nº 2 do artigo 827º e no artigo 828º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819º e 823º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta”.
Ainda no âmbito da regulamentação genérica da venda em processo executivo, importa considerar que nos termos do artigo 812.º na decisão sobre a venda, para além da determinação da modalidade de venda tem de ser determinado o valor base dos bens a vender, sendo que “Ovalor base dos bens imóveis a vender corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) valor de mercado”.
No âmbito da venda mediante propostas em carta fechada, cfr.nº2, do artigo 816.º, determina-se que “o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens”.
Frustrada a venda mediante propostas em carta fechada, por falta de proponentes, decidiu-se, há muito, pela modalidade da venda por negociação particular, como prevê o artigo 832.º, al. d), sendo tal decisão já definitiva, não cabendo, por isso, apreciá-la, sendo esta uma das modalidades de venda previstas no processo executivo visando garantir o pagamento das despesas da execução, do crédito do exequente e dos credores com garantia real (artigo 811º, nº 1, al. d), e 813º, nº1), sendo de considerar o valor, definitivamente fixado, da quantia exequenda.
A questão que se coloca é, apenas, a de saber se, também, na venda por negociação particular, se impõe que o preço da venda respeite o limite mínimo fixado para a venda mediante propostas em carta fechada.
Ora, se é certo que nos termos da disposição geral contida no artigo 812.º, n.º 2, al. b) e nº3, mesmo no caso de venda por negociação particular, deve ser indicado o valor base dos bens a vender, não é de transpor para esta modalidade da venda, o que se acha consagrado no nº2, do artigo 816.º, pois que determinando o nº2, do artigo 811.º, as normas da venda mediante propostas em carta fechada que são aplicáveis às demais modalidades da venda, nela se não prevê a limitação do valor mínimo da venda, e se o legislador pretendesse que assim fosse tê-la-ia incluído. Não o tendo feito, pela razão de que a venda por negociação particular é, em regra, uma situação de recurso a que se recorre uma vez frustrada a venda mediante propostas em carta fechada, tal como decorre do disposto no artigo 832.º com vista a, numa segunda oportunidade, se obter o pagamento do crédito pelo produto da venda do bem penhorado, nada nos permite concluir pela existência de tal limitação.
Assim, tem de se ter em consideração a disposição geral que estabelece a regra de que só devem ser aceites propostas de valor inferior ao indicado no nº3 do art. 812º, caso exequente, executado e todos os credores com garantias sobre os bens a vender nisso acordem, consagrada no nº1, do referido artigo, e, partindo dela, que impõe a conciliação do interesse de todas as pessoas referidas, e olhando ao mencionado no antecedente paragrafo, cabe extrair uma outra regra – a de que só é admissível a venda de um bem, por negociação particular, por valor inferior ao referido no citado nº 2, do artigo 816.º, garantidos que se mostrem os interesses das pessoas referidas, os quais têm de ser sopesados e ponderados casuisticamente.
Na verdade, como referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes Se o valor-base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha da pessoa que a fará, lhe coubesse baixar o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder, que já tinha (…), de autorizar a venda por preço inferior ao valor-base[1].
Como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 16/12/2015 “A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores “tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado da zona, e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação da(s) oferta(s) havidas.” – como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Setembro de 2015, Processo n.º 1951/12.5TBVNG.P1, disponível no respectivo sítio da dgsi.
Em idêntico sentido, o Acórdão da mesma Relação de 29/04/2008 (citado nas contra-alegações) Processo n.º 0822725 e os da Relação de Lisboa, de 06/11/2013 (referido na decisão recorrida) Processo n.º 30888/09.3T2SNT.L1-8 e de 18/06/2015, Processo n.º 5940/10.6T2SNT-B.L1-6, disponíveis nos respectivos sítios da dgsi”[2].
Assim, a fixação do valor base na venda por negociação particular é obrigatória tal como em qualquer outra modalidade de venda, pois o artº 812º, do CPC, insere-se nas disposições gerais da venda, apenas se excetuando os casos das alíneas a) e b) do artº 832º (quando o exequente ou executado propõem um comprador ou um preço que é aceite, respetivamente pelo executado e pelo exequente e demais credores). O valor base pode ser reduzido para o limite de 85% desse valor em duas outras situações: quando a venda se faz por proposta em carta fechada (artº 816º nº 2) e quando o exequente ou qualquer credor reclamante requeira a adjudicação dos bens penhorados (artº 799º nº 3 do CPC). Em todas as outras situações da venda por negociação particular (e bem assim na venda efetuada segundo as outras modalidades) os bens penhorados só podem ser vendidos por preço igual ou superior ao valor base fixado na decisão sobre a venda. O tribunal pode autorizar a venda por preço inferior ao valor base mesmo que as partes não se tenham pronunciado nesse sentido, desde que, das diligências efetuadas para a venda resulte dificuldade em obter um valor que satisfaça o mínimo fixado. Trata-se todavia de um juízo a fazer em concreto e ponderados os elementos do processo que habilitem tal decisão[3], apreciação essa fiscalizadora do processado, comportando controlo da legalidade e a traduzir um juízo equitativo de ponderação dos interesses concorrentes.
Tal vem sendo a orientação uniforme dos tribunais superiores[4] [5] que consideram que, em sede de negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, se o valor base não for atingido, a proposta apresentada não deve ser rejeitada liminarmente, mas ponderada a sua aceitação casuisticamente.
Assim, na venda de imóvel por negociação particular é possível transacioná-lo por preço inferior ao valor base e, mesmo, ao valor mínimo anteriormente anunciado para a venda por propostas por carta fechada, embora nos casos em que não haja acordo entre todos os interessados seja necessária autorização judicial para o efeito. Essa autorização justifica-se face ao tempo decorrido e às dificuldades encontradas para achar interessado, podendo o tribunal concluir que o valor de venda autorizado era, afinal, o valor de mercado do imóvel[6].
Na venda de imóvel por negociação particular não existe qualquer preceito que obrigue a venda por um valor mínimo como sucede na modalidade de venda mediante propostas em carta fechada. Efetivamente a lei apenas fixa um valor base para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, nos termos plasmados no nº2, do art. 816º, do CPC, mas tal valor já não será aplicável quando se está no âmbito da venda por negociação particular[7].
Destarte, havendo oposição, só deve ser autorizada pelo juiz a venda por um preço inferior ao anteriormente anunciado, para a venda por propostas em carta fechada, se tal corresponder aos interesses dos executado, exequente e demais credores com garantia sobre os bens a vender, o que tem de resultar da ponderação de diversos fatores do caso, designadamente, a duração da execução, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades da venda do bem, o interesse manifestado pelo mercado, a desvalorização sofrida e a sofrer, valores de mercado da zona e outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta.
Face ao arrastar da execução há já mais de 15 anos, com penhora, também, já realizada há mais de 13 anos e que anda em diligências para venda desde data anterior a Setembro de 2017 - tendo a negociação particular vindo na sequência da frustração da venda por abertura de propostas por falta de proponentes - e à apresentação, em todo o referido período, de uma única proposta de aquisição, considerando a conjuntura nacional no mercado imobiliário e que apesar da oposição dos executados ao agente de execução, os mesmos nada sugeriram, conclui-se que a venda por um valor inferior ao publicitado (nº2, do art. 816º), não viola os interesses patrimoniais dos referidos credores e mesmo dos executados, sendo, por isso, de autorizar, para se efetuarem pagamentos, evitando assim o avolumar da dívida e o desvalorizar do imóvel, que, futuramente, pode nem aquele valor permitir obter.
A assim se não entender, correr-se-ia o risco de se não conseguir vender o bem ou de se vir a vender mais tarde por um valor inferior e, até, com o avolumar da dívida pelo arrastar da situação, riscos a evitar, na realização da justiça que se pretende eficaz e célere[8].
Cumpre, ainda, referir que a publicitação, na Plataforma E-Leilões, da venda a efetuar nos autos, por negociação particular, não a convola noutra modalidade de venda, sendo que, como até resulta das alegações de recurso, estamos na fase da venda por negociação particular e, aquando da prolação da decisão recorrida, a autorizar a venda pelo agente de execução há muito que havia terminado a última publicitação da venda por negociação particular dos autos naquela Plataforma.
E quanto ao vício invocado, o preceito invocado tem a seguinte redação “Ficam também suspensos: (…) b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial”.
Como bem refere o apelado, quanto à prolação do douto despacho na vigência da Lei 1-A/2020, surge, desde logo, como evidente a ausência de razão do apelante, porquanto o despacho que, meramente, autorizou que a agente de execução proceda à venda do imóvel penhorado nos autos pelo valor de 137.100,00 € ao exequente, data de 10.03.2020, antes, por isso, da publicação da Lei 1-A/2020, em 19 de Março de 2020, e da lei que lhe introduziu alterações, a Lei nº4-A/2020, em 6 de abril, e, embora viessem a ser suspensos os prazo processuais, nenhum impedimento à prolação da decisão em causa existia e a mesma foi proferida para lhe ser dado cumprimento e seguimento no momento, posterior, que fosse oportuno.
Assim, nada obsta ao prosseguimento da execução, para a venda.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Porto, 9 de novembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
_______________ [1] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, Setembro de 2003, a pág.s 601 e 602 [2] Ac. RC de 16/12/2015, processo 2650/08.8TBCLD-B.C1, in dgsi.net [3] Acórdão da Relação de Lisboa de 16/ 11/2017, processo 3961-11.0T2SNT-B.L1-8, in dgsi.net [4] Ac. RC de 8/3/2016, processo 1037/10.7TJCBR-B.C1 in dgsi.net “1.Prosseguindo a venda para negociação particular por inexistência de qualquer proposta aquando da venda por proposta em carta fechada, o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos. 2. O imóvel poderá ser vendido por valor inferior a 85% do valor base, mediante acordo entre todos os interessados ou autorização do juiz. 3. Tal autorização há de respeitar uma ponderação do interesse dos vários interessados (executados e credores), atendendo-se ao valor das ofertas existentes dentro de um período de tempo considerado razoável. [5] Acórdão da Relação de Évora de 9/3/2017, processo 32/14.1TBAVS.E1, in dgsi.net “1-A negociação particular é uma forma específica de venda, que não está sujeita aos mesmos requisitos e condicionalismos da venda através de propostas em carta fechada e pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, sem a necessária aquiescência do executado. 2-Neste tipo de situações, em caso de divergência quanto aos termos da venda, ao Tribunal está deferida uma apreciação final fiscalizadora do processado e essa avaliação comporta uma componente de estrito controlo da legalidade e outra que visa a emissão de um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio das prestações concorrentes”. [6] Ac. RL de 21/1/2016, CJ 2016, 1º, 71. [7] Ac. RL de 19/4/2016, Processo 1033/11.7T2SNT-B-L1-1, dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 1311 [8] Assim se decidiu no Ac. da RG de 7 de março de 2018, proc. 6461/13.0TBBRG-C.G1, em que a ora relatora também aí o foi.