I - Os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores, do tipo dos crimes comprovadamente praticados pelo arguido recorrente, constituem um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade.
II - A necessidade de protecção do bem jurídico protegido pelo disposto nos arts. 171.º e 176.º, do CP, releva com particular intensidade relativamente a menores de 14 anos de idade, face, não apenas à fragilidade das vítimas, também do impacto da conduta delitiva na sua orientação de vida, seja na vertente da sexualidade, seja ainda no são desenvolvimento físico e psíquico desses (irrepetíveis) seres humanos.
III - É de ressaltar o facto de a conduta do arguido se ter prolongado por cerca de três anos, sem que se tenha confrontado com a anomia (e a anomalia) da sua conduta, ademais tratando-se, comprovadamente, de pessoa com formação (funcionamento cognitivo e capacidade de actuar finalisticamente, pensar em termos racionais e agir com eficácia), acima da média, que não podia ignorar nem o significado e o impacto da sua conduta no desenvolvimento da personalidade das vítimas, nem a repulsa social que suscita tal actuação.
IV - No caso, o desvalor do resultado da conduta do arguido que, durante cerca de três anos, criando e utilizando um perfil falso na rede «Facebook», aliciou menores, não apenas a filmarem relações sexuais orais e anais entre si, também a fotografarem os respectivos órgãos genitais, tudo enviando ao arguido, a troco de imagens de mulher colhidas na internet, impede, desde logo, a aplicação de penas coincidentes ou mesmo próximas do limite mínimo da moldura abstracta.
V - O facto de o arguido se ter declarado arrependido (ponto 59 do rol de factos julgados provados), não traduz o relevo atenuativo pretextado, na medida em que a manifestação de arrependimento não pode, sem mais, ser assimilada à prática de actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, que pressupõe que o mesmo interiorize o desvalor da sua conduta [cfr. art. 72.º, n.º 2, al. c), do CP];
VI - Relevam ainda os factos de, após a detenção, o arguido ter procurado ajuda médica especializada, não lhe tendo sido diagnosticada parafilia, e de dispor de apoio familiar;
VII - Na moldura abstracta aplicável (6 anos a 16 anos e 1 mês de prisão), figura-se que a pena única de 9 anos de prisão, concretizada na instância, se afasta em medida adequada do limite mínimo, acolhendo o falado contexto agravativo e se atém, suficientemente distanciada do limite máximo, à compressão exigida pelos limites da culpa e pela prevalência dos referidos factores de ressocialização (designadamente do apoio familiar) de que o arguido beneficia.
Processo n.º 114/18.2TELSB.S1
Recurso penal
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Nos autos de processo comum em referência, o arguido, AA, identificado a fls. 815 (e sob prisão preventiva à ordem deste processo), precedendo acusação pelo Ministério Público, foi submetido a julgamento e, a final, condenado, por acórdão de 29 de Abril de 2020, proferido pelo Colectivo do Tribunal Judicial da comarca de ... – ... – JC Criminal – J1, nos seguintes (transcritos) termos:
«Pelo exposto, os juízes que compõem este tribunal colectivo acordam em julgar a acusação parcialmente procedente por provada, e, em consequência, em:
a) Absolver o arguido AA da prática de dois (2) crimes de falsidade informática, pp. pelo n.º 1 e pelo n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro;
b) Absolver o arguido AA da prática de dois (2) crimes de pornografia de menores agravado, pp. pelas alíneas b) e d) do n.º 1 e pelo n.º 3 do artigo 176.º e pelo n.º 6 do artigo 177.º, ambos do Código Penal;
c) Absolver o arguido AA da prática de um (1) crime de pornografia de menores agravado, pp. pelas alíneas b) e d) do n.º 1 e pelo n.º 3 do artigo 176.º e pelo n.º 7 do artigo 177.º, ambos do Código Penal;
d) Absolver o arguido AA da prática de dois (2) crimes de actos sexuais com adolescente, p.p. pelos n.º 1 e n.º 2 do artigo 173.º do Código Penal;
e) Absolver o arguido AA da prática de cinco (5) crimes de pornografia de menores, pp. pelas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal;
f) Absolver o arguido AA da prática de um (1) crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 176.º-A do Código Penal;
g) Absolver o arguido AA da prática de (1) um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pela alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 176.º e pelos n.os 6 e 7 do artigo 177.º, ambos do Código Penal;
h) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo n.º 1 e pelo n.º 2 do artigo 171.º do Código Penal:
na pena de 6 (seis) anos de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 6 (seis) anos; o na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 6 (seis) anos;
i) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: o na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; o na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
j) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; o na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
k) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; o na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
l) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos;
na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
m) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos: na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
n) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos:
na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
o) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos;
na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
p) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal:
na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos;
na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
q) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal: na pena de 9 (nove) meses de prisão;
na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; o na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 5 (cinco) anos;
r) E em cúmulo jurídico das penas referidas nos parágrafos antecedentes, condenar o arguido AA:
numa pena única de 9 (nove) anos de prisão;
numa pena acessória única de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 7 (sete) anos;
numa pena acessória única de inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período de 7 (sete) anos;
s) Em condenar o AA a pagar ao ofendido BB a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), cabendo-lhe entregar tal importância aos respectivos progenitores.»
2. O arguido interpôs recurso daquele acórdão.
Formula o pedido nos seguintes (transcritos) termos:
«[…] deverá o presente recurso obter provimento e, nessa sequência fixarem-se as penas parcelares e única, mais junto dos seus mínimos legais».
Extrai da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
«1. A pena que lhe foi aplicada mostra-se excessiva perante as suas finalidades e prevenção.
2. Há inúmeros factos que demonstram que o arguido tem feito um esforço grande, empenhando-se, no seu percurso de vida desde então.
3. Ao nível da culpa, não se considerou a confissão, o arrependimento, a ausência de uma parafilia ou o seu enquadramento familiar, entre outros tantos factores.
4. O arguido não sofre de qualquer parafilia e que os factos ocorreram de forma completamente isolada por isso a probabilidade de o arguido voltar a incorrer na prática de actos semelhantes, comparativamente a alguém com uma parafilia, é substancialmente muito inferior, se não mesmo nula.
5. As penas parcelares ficaram a rondar o ½ da moldura penal, o que se nos afigura muito excessivo, passando-se o mesmo no cúmulo das penas parcelares em que a compressão efectuada não é espelho da matéria factual provada.
6. É de fixar uma pena inferior à aplicada, atendendo a todo o percurso que o recorrente tem feito desde que foi detido, sendo possível concluir por um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento.
7. O sistema judicial tem sempre a garantia do controle apertado do TEP e dos serviços das DGRS.
8. É mais importante criar condições para que o mais rápido possível, em sede de execução da pena, verificados todos os pressupostos, o arguido possa ser devolvido à sociedade.
9. Uma pena de global de 9 (nove) anos é manifestamente excessiva, antes se justificando uma maior compressão que permita chegar à pena única perto do mínimo legal.
10. A vida matrimonial e familiar do arguido decorre normal, sem contratempos.
11. Inibir o arguido de exercer as suas responsabilidades enquanto pai dos seus filhos, inibir de gerir o dia-a-dia destes, é de certa forma aniquilar certos laços óbvios e estreitos.
12. É claramente desnecessária, desadequada e desproporcional a pena acessória aplicada em 7 (sete) anos de inibição.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
40.º, n.º 1 e 2 e 71.º, N.° 1 e 2, todos do Código Penal».
3. O recurso foi admitido, por despacho de 3 de Junho de 2020.
4. O Ministério Público na instância respondeu ao recurso.
Defende a confirmação do julgado, abonando-se no acórdão recorrido.
5. O Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.
Pondera, designadamente, nos seguintes (transcritos) termos:
«Salvo o devido respeito, no argumentário trazido a este Alto Tribunal pela defesa, detectam-se ab initio várias incorreções e ponderações que a decisão da matéria de facto, não autoriza ou consente. De facto, nos artigos 59º e 61º da fundamentação, dão-se como provados os seguintes factos da contestação:
59º-O arguido declara-se arrependido;
61º- Ao arguido não foi diagnosticada qualquer parafilia.
Como é evidente, tal não permite considerar como vem feito, que o recorrente está a arrependido. Mutatis mutandis o facto do arguido, nos termos do provado, não sofrer de “qualquer parafilia” ou seja utilizando uma nomenclatura mais comum, ainda que anterior, de perversões sexuais, (estarão, em causa, julgamos, a «pictofilia» e a «pedofilia»), significa que estamos perante um agente que não quis controlar o seu comportamento, pautando-o, durante três longos anos, por uma reiteração de condutas, que sabia serem proibidas por desconformes com o direito penal, não se coibindo de reiterá-las, até ao momento em que foi descoberto, deixando pelo caminho um conjunto de vítimas que a decisão elenca.
Por sua vez, em ponto algum do acórdão o tribunal a quo considerou a culpa do recorrente, como situando-se num patamar «mediamente elevado». Na verdade, o Tribunal Colectivo, na ponderação sobre a determinação da medida da pena, atentando ao «grau de ilicitude do facto» - ut CP 71º, n º 2, alínea a), qualificou-o, como «medianamente elevado», cf. primeiro e último bloco fáctico valorado e em todos os demais, como «muito elevado».
Importa também destacar, os termos do provado sob os artigos 74º e 75º, com o seguinte teor:
74º- O arguido […………..]e que os mesmos (comportamentos) “o satisfaziam em termos sexuais e emocionais”.
75º- O arguido demonstra ambivalência de autoanálise e de juízo crítico evidenciando dificuldades em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros (vítimas) revelando fracas capacidades de descentração.
76º- O arguido evidencia consciência da sua situação jurídica e das consequências que daí possam advir, reconhecendo os seus comportamentos, mas relativizando o prejuízo para as vítimas,
Não depõem em favor da tese de que as necessidades de prevenção especial, não se mostrem in casu como bastante relevantes. O acórdão impugnado, ao demais, evidencia que o julgador, ponderou o binómio culpa / prevenção, bem como os critérios elencados no artigo 71º, n º 2, do Código Penal, tendo em atenção, igualmente, o disposto no artigo 40º do referido Código. A culpa do recorrente, releva do directo e persistente, não sendo especialmente relevante como mitigador da responsabilidade penal, neste tipo de crimes e com o recorte fáctico que emerge do provado, a assente inserção familiar e profissional do recorrente.
A moldura penal do crime de abuso sexual de crianças, p.e p. pelo artigo 171º, n º s 1 e 2 do Código Penal, vai de três a dez anos de prisão. Por sua vez, o crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, n º 5 do Código Penal, tem como moldura penal abstracta, pena de prisão até dois anos.
Por sua vez, a moldura do concurso, vai de 6 anos a 16 anos e um mês de prisão. Como é sabido importa aqui, para além da utilização do critério geral de determinação da medida da pena, recorrer a um critério especial, no sentido de perscrutar a imagem global do facto e o que a mesma revela da personalidade do agente.
As penas parcelares, mostram-se fixadas um pouco acima de metade da moldura penal no caso do crime de abuso sexual de crianças, sendo de realçar especialmente o grau muito elevado da ilicitude dos factos que o integram, sendo que igual critério foi também aplicado para oito dos nove crimes de pornografia de menores.
O tipo de dolo/directo, a persistência que o recorrente emprestou às suas resoluções criminosas, que como vimos supra de dizer, se foram renovando ao longo de três longos anos, sem qualquer sobressalto de consciência por parte do arguido, pese embora também ter filhos, e dos demais factores ponderados, o grau «muito elevado» da ilicitude (com excepção de dois casos, como vimos acima de consignar, em que este foi considerado «mediamente elevado») e acima de tudo, considerações de ordem preventiva geral, que são como sabemos, muito fortes, sem prejuízo das muito relevantes exigências de prevenção especial, que decorrem do tipo de crimes em causa sendo reconhecido que estes comportamentos tem fortes probabilidades de voltar a ser reiterados, levam-nos a considerar que as penas parcelares sendo comportadas pelo culpa do agente, se mostram fixadas de acordo também com as necessidades preventivas gerais e especiais, sendo que estas últimas pela sua relevância, haverão aqui que operar no sentido de dentro da «moldura de prevenção» elevar o quantum penal, dentro do que a culpa do agente consente.
Quanto à pena única, o «factor de compressão» usado, cerca de 1/3, afigura-se-nos perfeitamente adequado, vista a ponderação conjunta dos factos e da personalidade do recorrente.
Temos assim, a nosso ver, que as penas aplicadas, parcelares e única não violam os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.
Quanto às conclusões 11ª e 12ª que se centram na alegada condenação do recorrente na pena acessória prevista no n º 3 do artigo 69º- C, do CP inibição do exercício de responsabilidades parentais, a verdade é que visto o dispositivo, tal condenação inexiste, dado que a pena acessória do artigo 69º-C, do CP, aplicada é a do n º 2, do artigo 69º-C do Código Penal.»
6. O Recorrente respondeu, reiterando, no essencial, os termos do alegado na motivação do recurso.
7. O objecto do recurso, tal como demarcado pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, reporta ao exame da questão atinente à escolha e medida das penas parcelares, da pena única e das penas acessórias.
II
8. Os Senhores Juízes do Tribunal recorrido sedimentaram o julgamento sobre a matéria de facto nos seguintes (transcritos) termos:
«Da instrução e julgamento da causa, com relevo para a decisão a proferir, resultaram os seguintes:
A) FACTOS PROVADOS COLHIDOS NA ACUSAÇÃO:
1. Em data não concretamente apurada do ano de 2016, o arguido criou o perfil de “Facebook” denominado “CC”, com o FB Id 0000.
2. O “user name” de acesso à conta “CC” era “AA”, sendo que tal perfil tem ainda associado a conta de correio electrónico “...@hotmail.com”, conta essa criada pelo arguido propositadamente para ter uma conta no “Facebook”.
3. No perfil de “Facebook” por si criado, o arguido anexou um conjunto de imagens, retiradas da Internet, de DD (ex-actriz de filmes pornográficos), de modo a tornar credível o perfil de “CC” junto dos seus interlocutores e, com ele, fazer-se passar por uma mulher.
4. Em meados do ano de 2018, o “Facebook Inc.” procedeu ao bloqueamento da conta associada ao perfil mencionado em 1..
5. No início do ano de 2019 e em virtude do facto mencionado no ponto n.º 4, o arguido criou uma conta na rede social “Instagram” com a designação “EE”, em que incluiu os dados e fotografias mencionados em 2. e 3.
6. Em 18 de Março de 2016, o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a FF (nascido a 00 de ... de 0000) um pedido de “amizade” pelo “Facebook” a este último, que o aceitou, tendo então iniciado contactos com o mesmo.
7. O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., disse a FF que tinha 20 anos e morava no … com os pais.
8. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e FF passaram a revestir cariz sexual.
9. Nesse contexto, o arguido pediu a FF o envio de imagens em que este aparecesse despido e exibisse o seu pénis e, de igual forma, a sua face, dizendo-lhe ainda o que deveria fazer, de molde a intensificar o seu prazer.
10. O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a FF uma mensagem em que escreveu que: “quero ver a escova enfiada agora...puxa as nádegas para o lado e mostra a escova bem dentro de ti amorr”.
11. Na sequência do facto em 12., FF afastou as suas nádegas, introduziu uma escova de cabelo no interior do seu ânus e remeteu a imagem desse facto ao arguido.
12. O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3. e referindo-se a BB (nascido em 00 de ... de 0000 e irmão de FF), disse a FF para colocar “a tua pila de fora perto dele..sei la o que consigas que seja xtante”.
13. Na sequência de pedido do arguido (efectuados mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.), FF gravou e remeteu-lhe um vídeo em que, com o seu pénis, surge a penetrar BB no ânus deste e em que este, com o seu pénis, o penetra no ânus daquele.
14. Na sequência de pedido do arguido (efectuados mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.), FF gravou e remeteu-lhe um vídeo em que surge a inserir o seu pénis na boca de BB e em que este surge a inserir o seu pénis na boca daquele.
15. Em 19 de Março de 2016, o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a GG (nascido a 00 de … 0000) um pedido de “amizade” pelo “Facebook” a este último, que o aceitou (por pensar que se tratava de uma mulher jovem e atraente), tendo então iniciado contactos com o mesmo.
16. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e GG passaram a revestir cariz sexual.
17. O arguido foi fazendo pedidos a GG para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe, pelo menos, uma imagem sua com exibição do órgão genital, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
18. O arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., solicitou a GG que lhe enviasse um vídeo em que aparecesse com o seu irmão, já então com mais de 18 anos de idade.
19. A troca de mensagens apenas terminou porque o irmão de GG o aconselhou a bloquear as mensagens provenientes do utilizador do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.
20. Em 25 de Julho de 2017, o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a HH (nascido a 00 de … de 0000) um pedido de “amizade” pelo “Facebook” a este último, que o aceitou, tendo então iniciado contactos com o mesmo.
21. O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3. disse ao HH que tinha 20 anos.
22. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e HH passaram a revestir cariz sexual.
23. O arguido foi gradualmente fazendo pedidos a HH para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe imagens suas com exibição do órgão genital, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
24. Em 19 de Agosto de 2017, II (nascido a 00 de … 0000), …”, por pensar que se tratava uma mulher jovem e atraente, remeteu ao utilizador do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., um pedido de “amizade” pelo “Facebook” que o arguido aceitou, tendo então iniciado contactos com o mesmo.
25. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e II passaram a revestir cariz sexual.
26. O arguido foi fazendo pedidos a II para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe imagens retiradas da “internet”, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
27. Em 17 de Setembro de 2017, o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a JJ (nascido a 00 de … de 0000 e utilizador do perfil “KK”) um pedido de “amizade” pelo “Facebook”, que o aceitou (por pensar que se tratava de uma mulher jovem e atraente), tendo então iniciado contactos com o mesmo.
28. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e JJ passaram a revestir cariz sexual.
29. O arguido foi fazendo pedidos a JJ para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe imagens suas com exibição do órgão genital, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
30. Entre Novembro e Dezembro de 2017 o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., encetou contactos com LL, nascido em 00 de … de 0000.
31. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e LL passaram a revestir cariz sexual.
32. O arguido foi fazendo pedidos a LL para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe imagens suas com exibição do órgão genital, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
33. Em 19 de Março de 2018, o arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., remeteu a MM (nascido a 00 de … de 0000) um pedido de “amizade” pelo “Facebook” a este último, que o aceitou, tendo então iniciado contactos com o mesmo.
34. Pouco tempo depois de começarem os contactos, as conversações mantidas entre o arguido (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e MM passaram a revestir cariz sexual.
35. O arguido foi fazendo pedidos a MM para que procedesse ao envio de imagens suas completamente nu, ao que este correspondeu, remetendo-lhe imagens suas com exibição do órgão genital, tendo recebido, em contrapartida, imagens de uma mulher nua que pensava pertencerem à pessoa com quem conversava.
36. O arguido, mediante a utilização do perfil mencionado no ponto n.º 5, encetou contactos com BB (já acima referenciado e utilizador no Instagram “NN”) com quem manteve conversas de teor sexual e pediu-lhe que enviasse uma foto em que aparecesse nu com a sua cara.
37. BB acedeu ao pedido referido em 36., remetendo fotos suas com exibição do órgão genital, tendo o arguido lhe remetido em contrapartida imagens de uma mulher nua, dizendo que eram suas.
38. O último contacto com BB ocorreu no dia 3 de Junho de 2019, pelas 15:35.
39. O arguido desempenhava funções de ... e possuía conhecimentos informáticos.
40. No “Clube de Futebol ...”, o arguido exerceu esporádica e cumulativamente as funções de ... dos escalões de formação, desde os infantis até à classe de juniores.
41. O arguido exerceu ainda funções de ... do “Clube de Futebol ...”, tendo contacto com crianças e jovens nas instalações desportivas.
42. Em 4 de Junho de 2019, o arguido, no seu computador portátil, detinha um volume encriptado, com recurso ao programa “Veracrypt” e com a designação “…”, na pasta root\insta\newfolder, contendo vários ficheiros.
43. No volume mencionado foram encontrados dois vídeos, gravados de pelo próprio arguido, nos balneários do Clube de Futebol ..., sendo visíveis jovens rapazes sem roupa, entre eles OO, nascido a 0 de … de 0000.
44. No volume encriptado mencionado no ponto n.º 42, o arguido tinha 32 ficheiros vídeo de actos sexuais com penetração, figurando:
a. em 2 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos;
b. em 20 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos;
c. em 5 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos;
d. em 4 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos;
45. No volume encriptado mencionado no ponto n.º 42, o arguido tinha 18 ficheiros vídeo de actos sexuais com penetração, figurando:
a. em 8 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos;
b. em 7 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos;
c. em 3 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos;
46. No volume encriptado mencionado ponto n.º 42, o arguido tinha 5 ficheiros vídeo de exposição de órgãos sexuais com penetração, figurando:
a. num desses ficheiros, uma pessoa com idade compreendida entre os 3 e os 6 anos;
b. em 3 desses ficheiros, pessoas com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos;
c. num desses ficheiros, uma pessoa com idade compreendida entre os 14 e os 15 anos;
47. O arguido recorreu a programas de partilha de ficheiros com tecnologia “p2p”, nomeadamente a programas da rede “eDonkey2000” denominados “eMule” e “Shareaza” para obter os ficheiros referidos nos pontos n.º 44 a 46.
48. O arguido recorria programas de limpeza e destruição de ficheiros como o “Ccleaner” e o “File Shredder”, por forma a destruir e eliminar os ficheiros que já não tinha interesse em conservar.
49. Com recurso aos programas referidos no ponto n.º 47, o arguido descarregou 603 ficheiros com representações de práticas sexuais envolvendo crianças, estando os mesmos disponíveis para partilha no ficheiro denominado em “KnownMet.xlsx”, criado automaticamente pelo “eMule”.
50. No final do mês de maio de 2019, o arguido, com a utilização dos programas mencionados no ponto 47. e no decurso das operações de descarga, partilhou 140 desses ficheiros por vários utilizadores.
51. O arguido destinava os ficheiros mencionados nos pontos n.º 42 a 44 e 49 ao seu uso pessoal.
52. Ao actuar da forma descrita nos pontos n.º 1 a 3 e 5, o arguido sabia que criava informaticamente duas contas nas quais inseriu dados de perfil não genuíno e que introduzia no sistema informático para criar, através da internet, em sítio próprio das plataformas das redes sociais “Facebook” e “Instagram”, imagem psicológica, carácter, personalidade e identidade de uma mulher que não correspondiam à realidade.
53. Mais actuou o arguido com a intenção de que tais contas fossem consideradas genuínas e com o intuito de estabelecer comunicações com pessoas do sexo masculino com menos de 16 anos, servindo-se da inexperiência destes para os levar à produção de conteúdos de teor sexual, fazendo-os crer que era uma mulher jovem, bem sabendo que só assim os levaria a praticar os actos sexuais que praticaram, a remeterem-lhe os vídeos e fotos que remeteram e a manterem conversações que mantiveram.
54. Em todas as condutas descritas nos pontos n.º 6 a 40, o arguido actuou deliberadamente, para satisfação dos seus desejos sexuais (chegando mesmo a afirmar que obtinha mais prazer pelo facto de determinar os comportamentos referidos nos pontos n.º 9 a 13 do que com o acto sexual propriamente dito) e com a intenção de obter dos jovens aí identificados fotografias, filmes e gravações em que apareciam nus, com exibição das partes intimas ou mesmo em práticas sexuais sozinhos ou com outras pessoas.
55. O arguido sabia que as pessoas identificadas nos pontos n.º 6 a 40 e com quem interagia tinham entre 12 a 16 anos.
56. O arguido detinha deliberadamente os ficheiros mencionados nos pontos n.º 44 a 46 e 51 e fê-lo para satisfação dos seus desejos sexuais.
57. Sabia e não podia ignorar o arguido que os ficheiros mencionados nos pontos n.º 44 a 46 e 51 reproduziam pessoas com idades entre os 3 e os 16 anos.
58. Em todas as suas condutas, o arguido agiu ainda livre e deliberadamente, em obediência ao mesmo desígnio, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
B) FACTOS COLHIDOS NA CONTESTAÇÃO
59. O arguido declara-se arrependido.
60. O arguido, desde que foi detido, procurou ajuda médica especializada.
61. Ao arguido não foi diagnosticada qualquer parafilia.
62. O arguido foi visitado por familiares e amigos desde que está preso.
63. Uma vez em liberdade, o arguido irá ser apoiado pela esposa e amigos.
C) MAIS SE PROVOU:
64. O arguido provém de uma família de condição sócio-económica média e é o mais novo de dois filhos.
65. O seu processo de desenvolvimento decorreu com os progenitores até aos 00 anos de idade, altura em que ocorre a separação destes, ficando os filhos a cargo da mãe.
66. O arguido manteve contactos regulares com o pai, tendo o seu crescimento decorrido num ambiente familiar afectuoso, estável e com razoáveis condições sócio-económicas.
67. O arguido iniciou o ensino escolar na idade própria tendo completado o 00.º ano de escolaridade e chegado a ter frequência universitária na área de … no …, acabando por desistir em virtude de pretender iniciar actividade profissional para ter autonomia financeira.
68. Aos 00 anos dá inicio ao seu percurso profissional, primeiramente na área … numa … e, depois, trabalho de … numa outra empresa, sendo que, em Dezembro de 2000, começa na área de … (que aprendeu como auto-didacta), área que manteve até ao presente momento, encontrando-se, à data da sua prisão, a trabalhar na empresa “...” na área da … auferindo cerca de € 1500.
69. O arguido foi durante muitos anos ... de um clube em ... onde … jovens, mantendo com estes relação de proximidade, amizade e de confidente, bem como com os pais destes.
70. Em 1993, o arguido iniciou uma relação de namoro com a actual esposa com quem veio a contrair matrimónio em 2000. O casal veio a ter dois filhos, de 00 e 00 anos de idade, passou a viver em casa própria em ..., tendo mantido uma estrutura económica bastante estável e satisfatória.
71. A relação marital era funcional e afectiva a todos os níveis até 2015, começando então a sofrer alguns percalços derivados de uma … sofrida pelo arguido em 2016, a qual foi agravada por padecer de ....
72. O arguido não recorreu a acompanhamento clínico, assumindo vergonha para tratar destes problemas. Só por pressão da esposa é que, em 2018, usufruiu de consultas no Centro de Saúde de ... para tratar da … onde lhe foi prescrita medicação que acabou por abandonar.
73. À data da prisão, o arguido vivia em casa própria os dois filhos do casal, encontrando-se profissionalmente activo.
74. O arguido atribuiu aos problemas clínicos mencionados no ponto n.º 71 os comportamentos supra indicados, justificando que “eram um escape para a …” e que os mesmos “o satisfaziam em termos sexuais e emocionais”.
75. O arguido demonstra ambivalência de auto-análise e de juízo crítico e evidenciando dificuldades em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros (vítimas), revelando fraca capacidade de descentração.
76. O arguido evidencia consciência da sua situação jurídica e das consequências que daí possam advir, reconhecendo os seus comportamentos mas relativizando o prejuízo para as vítimas.
77. O arguido apresenta como projecto o regresso ao seu agregado familiar (situação aceite pela esposa), desconhecendo qual será a sua situação profissional.
78. O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ..., para onde foi transferido provisoriamente em virtude do decretamento do estado de emergência, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada ao meio institucional.
79. Até quando foi possível recebia visitas dos familiares.
80. A actual situação teve reflexos ao nível económico, uma vez que a esposa é quem assegura todas as despesas do agregado.
81. O arguido é tido por quem com ele convive e conviveu como sendo uma pessoa reservada, austera, disciplinadora, profissional, organizada, com capacidade de liderança, disponível e leal, sendo reconhecido e admirado pelos pais dos jogadores de … que orientava.
82. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS:
O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., conseguiu convencer FF a enviar vídeos em que ele aparecesse despido, a exibir o pénis e onde se masturbava.
O arguido procedeu da forma referida no ponto n.º 11. relativamente a BB.
Os factos referidos nos pontos n.º 11. a 16 ocorreram, pelo menos, em 5 ocasiões.
O arguido logrou igualmente convencer FF a enviar uma fotografia em que aparecia a mostrar o pénis, juntamente com um seu primo de nome PP;
O arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., disse a FF e a BB que, se não agissem da forma por ele pretendida, iria publicar as fotos que tinha.
O arguido, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., solicitou a GG que, no vídeo mencionado em 18., este e o seu irmão praticassem actos sexuais entre si.
O arguido, mediante a influência que tinha sob GG, tentou que o mesmo praticasse acto sexual de relevo com o irmão, apenas não o logrando conseguir porque este último, recusou aceder ao pedido.
O arguido pediu ainda a JJ o envio de ficheiros de actos sexuais com animais, bem como lhe pediu que procedesse à gravação de colegas do menor no balneário da escola ou do clube onde pratica ....
Em data não concretamente apurada, o arguido, numa das conversas mantidas, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., com II, solicitou-lhe que o mesmo praticasse atos sexuais com o cão que aquele tinha na sua residência, pertencente à sua tia, e lhe remetesse o vídeo, o que mesmo estranhou e nunca fez.
Em várias ocasiões o arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., convidou II para ir ter consigo num encontro que teria lugar em … e tentou ir ter com aquele a ... mas II sempre evitou qualquer encontro.
O arguido, mediante utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1, 2. e 3., insistiu por diversas vezes na realização desse encontro mas II nunca aceitou.
Nas condutas praticadas contra II, o arguido actuou, além do mais com a intenção de o aliciar a um encontro, visando concretizar actos sexuais ou gravações pornográficas.
O arguido, mediante conversações que manteve com o BB no “Instagram”, pediu-lhe fotos e vídeos em que aparecesse em actos sexuais com FF.
As imagens captadas pelo arguido no balneário destinavam-se a ser partilhadas em grupos de pornografia infantil ou com terceiros que, para satisfação sexual, tivessem interesse na aquisição de tais materiais.
Com vista a este propósito, o arguido procurava ocultar a sua atividade, recorrendo a browsers de anonimização como o “Tor”, “NordVPN” e “VerCrypt”.
O arguido destinava o material pornográfico infantil à partilha com terceiros.
Através da internet e utilizando o computador ou o telemóvel o arguido, de forma voluntária, partilhou o seu conteúdo.
Nas suas condutas de partilha do material de pornografia infantil, o arguido agiu deliberadamente, com a intenção de partilhar fotografias, filmes e gravações em que apareciam pessoas com menos de 16 anos de idade a exibirem partes intimas, a participarem actos sexuais com outros (com penetração, oral ou anal, e sem penetração), ou a masturbarem-se e fê-lo para satisfação dos seus desejos sexuais bem como para satisfação de terceiros que pretendiam expressamente conteúdos de pornografia infantil.
O arguido tinha a intenção conseguida de obter vídeos de jovens a masturbarem-se ou mesmo em práticas sexuais sozinhos.
O arguido exerce forte autocensura sobre o seu comportamento.
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes e o demais alegado tem cariz conclusivo e/ou reporta-se à apreciação de elementos de prova e/ou é manifestamente irrelevante para a decisão a proferir.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
[…]
Ingressemos agora na motivação concreta da decisão quanto aos pontos da matéria de facto.
No que tange aos factos contidos nos pontos n.º 1 a 5 do elenco dos factos provados, a convicção exposta alicerçou-se na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 1 a 7 da acusação.
Os factos vertidos nos pontos n.º 6 a 12 foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo confessou os factos descritos nos pontos n.º 18 a 25 (com ressalva da parte final), 26 e 27 da acusação. A confissão desses factos e dos demais adiante referidos, ainda que parcial e respeitante, em parte, a tipos de crime puníveis com pena de prisão superior a 5 anos de prisão, foi tida como relevante na medida em que se revelou sincera e espontânea.
No que se refere aos factos inscritos nos pontos n.os 13 e 14, a convicção exposta assentou na valoração conjugada das declarações prestadas pelo arguido, da reprodução das mensagens escritas trocadas entre este (mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3.) e FF (que constam de fls. 3 a 13) e dos videogramas aí mencionados, constantes do suporte informático anexo a fls. 248.
Em síntese, o arguido admitiu que lhe haviam sido remetidos os vídeos aí aludidos e que, nos mesmos, FF e BB figuram a praticar reciprocamente entre si sexo oral e sexo anal. Negou, porém, que tivesse solicitado a prática desses actos àquele seu interlocutor, frisando que o mesmo espontaneamente ofertara essa vídeo para obter vídeos em que “CC” figurasse em idênticas práticas com outras pessoas.
Impõe-se, contudo, a valoração daquelas mensagens, o que, necessariamente, deve ser feito à luz de critérios de experiência corrente e de juízos de normalidade social e, sobretudo, tendo em conta o contexto em que os factos decorreram – recorde-se que o arguido se apresentava com um perfil susceptível de ser tido como apelativo (cfr. fls. 619) para jovens em idade adolescente e, por natureza, ávidos de experiências sexuais com mulheres, sobretudo quando a sua “interlocutora” exibia alguma desinibição.
E essa valoração indica-nos que, mediante a utilização do perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., foi o arguido que indicou a FF que (e como) deveria interagir sexualmente com o seu irmão e, ulteriormente, lhe remeter os vídeos.
Com efeito, só assim se percebe que FF responda ao arguido que “Mas dps n falamos mais do meu irmao ok??” (fls. 8) e que, nessa sequência, o arguido lhe remeta a mensagem reproduzida no ponto n.º 12 do elenco factual. Nesse encadeamento, figura ainda a mensagem remetida por FF ao arguido em que aquele escreveu “Eu disse k a pila dele era pekena” ao que o arguido responde que “(...) eu ja te expliquei que não me importa...exita.me ver os 2.”.
Por seu turno, é bem evidenciador da precedente formulação de um pedido o facto de o arguido reclamar que “o vid dele a chupar não veio”, escrevendo, logo de seguida “nao sei se mandaste ou nao”. É de igual modo revelador da formulação desse pedido o facto de, uma vez recebido esse vídeo (que tem a designação n.º 29648970 e em que é visível a prática de sexo oral) que lhe foi remetido por FF, o arguido tenha a tal reagido escrevendo “ya tipo assim...mas pdoes meter a imagem de lado para se ver ele bem a xupar" e perguntando “Continuamos depois” (cfr. fls. 10).
A esse respeito, é ainda revelador da formulação de idêntico pedido, o facto de, após a remessa, por FF (que, em seguida, desabafou “Ja ta”) de um outro vídeo (que igualmente tem a designação n.º 29648970 e em que é visível a prática de sexo anal), o arguido lhe ter dito “e mesmo assim amor...na proxima a ver se apanhas a cara tb..para ver mesmo bemmm” (fls. 10).
A par da valoração destas mensagens, também o mais elementar bom senso nos indica que a versão do arguido é desprovida de credibilidade. Na verdade, mesmo considerando a juventude de FF, mostra-se desconforme aos dados da experiência da vida que o mesmo, espontaneamente, se dispusesse a encetar aquelas práticas sexuais com o seu irmão (com toda a repulsa que isso, decerto, representa para qualquer um) se tal não lhe tivesse sido expressamente solicitado pelo arguido.
No que tange aos factos contidos nos pontos n.º 15 a 19 do elenco dos factos provados, a convicção exposta alicerçou-se na valoração concatenada das declarações do arguido e do depoimento de GG.
Em resumo, o arguido admitiu parcialmente os factos vertidos nos pontos n.º 66 a 70 da acusação, negando, no entanto, a solicitação de qualquer vídeo.
Por seu turno, GG, em suma, confirmou que foi contactado por “CC” e que o utilizador desse perfil lhe solicitou o envio de um vídeo em que o depoente e o seu irmão (a seu pedido) apareciam nus. Mais afirmou que foi o seu irmão que lhe disse para bloquear o perfil mencionado nos pontos n.º 1., 2. e 3., o que fez.
O depoimento testemunhal de GG foi prestado com suficiente segurança, coerência, espontaneidade, sinceridade e de uma forma descomprometida, revelando aquele a vivacidade que é própria de quem detêm um conhecimento presencial dos factos que narrou. Daí que o tribunal tenha reputado tal testemunho como credível, fiável e persuasivo.
Sopesando a maior credibilidade que deve ser reconhecida ao seu testemunho em detrimento daqueloutro meio de prova, o tribunal concluiu pela demonstração dos factos inscritos no ponto n.º 18. A valoração daquele testemunho serviu igualmente para ter como demonstrado os factos inscritos no ponto n.º 19.
Os factos contidos nos pontos n.º 20 a 23 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 43 a 47 da acusação.
Os factos contidos nos pontos n.º 24 a 26 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 52 a 55 da acusação.
Os factos contidos nos pontos n.º 27 a 29 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 61 a 65 da acusação.
Os factos contidos nos pontos n.º 30 a 32 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 80 a 82 da acusação.
Os factos contidos nos pontos n.º 33 a 35 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 48 a 51 da acusação.
No que tange aos factos contidos nos pontos n.º 36 a 39 do elenco dos factos provados, a convicção exposta alicerçou-se na valoração concatenada das declarações do arguido (que, em síntese, admitiu os factos vertidos nos pontos n.º 35 e 36 da acusação) e da reprodução das conversas mantidas entre este e BB, constantes de fls. 352 a 357, de onde resulta que a última mensagem foi trocada em 3 de Junho de 2019.
Os factos contidos nos pontos n.º 39 a 51 do elenco dos factos provados foram tidos como demonstrados essencialmente com base na valoração das declarações do arguido, no segmento em que, em resumo, o mesmo admitiu os factos descritos nos pontos n.º 74 a 78, 86 a 90 e 93 a 98 da acusação. Adicionalmente e quanto ao conteúdo/número dos ficheiros videográficos, programas e aplicações aí mencionados foi tido em consideração o auto de exame forense (que não se encontra numerado) constante do respectivo apenso.
Importa ainda precisar, a respeito dos factos elencados no ponto n.º 50, que o arguido admitiu que a descarga de ficheiros a partir do “eMule” implicava a sua partilha com terceiros, embora desconhecesse esse facto.
A convicção quanto à atitude interior do arguido (pontos n.º 52 a n.º 58 do elenco factual) foi tida como demonstrada com base numa inferência assente na demonstração dos demais factos provados e sempre sem esquecer o necessário apelo aos dados da experiência corrente e da lógica para a sua compreensão. Adicionalmente, foi tido em conta que o arguido afirmou conhecer a idade dos jovens com quem interagiu, que declarou que obtinha sobretudo prazer por ver que os mesmos correspondiam obedientemente aos seus comandos e que apenas criou aqueles perfis nas indicadas redes sociais com aquela finalidade, tendo ainda revelado que destinava os ficheiros acima mencionados ao seu uso pessoal.
No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 59 do elenco factual, a convicção exposta alicerçou-se na valoração das declarações do arguido, das quais se respiga, além do mais, a verbalização do arrependimento e da vergonha e o reconhecimento de que fez “disparates”.
Os factos vertidos no ponto n.º 60 do elenco factual foram tidos como demonstrados com base na valoração do testemunho do Dr. QQ e, paralelamente, no relatório clínico pelo mesmo elaborado a fls. 650 e ss-.
Em síntese, o clínico relatou que, após a reclusão, observou o arguido em duas ocasiões, defluindo daquele documento que o mesmo lhe prescreveu terapêutica psico-farmacológica.
Estoutro depoimento foi prestado com assertividade, coerência, naturalidade e suficiente distanciamento, revelando o depoente a vivacidade que é própria de quem detêm um conhecimento presencial dos factos que narrou. Daí que o tribunal tenha reputado tal testemunho como credível e convincente.
No que se refere aos factos vertidos no ponto n.º 61, a convicção exposta firmou-se com base na valoração do testemunho do Dr. QQ o qual explicou fundadamente o mecanismo psíquico (em suma, um comportamento de pendor auto-defensivo que foi determinado pelo sistema límbico e que, de uma forma algo inconsciente, não foi inibido) que, a seu ver, espoletou a prática dos factos, não tendo, em consequência da avaliação psicométrica que efectuou, logrado detetar qualquer perturbação da personalidade reconduzível a uma parafilia.
Os factos vertidos nos pontos n.º 62 e 63 foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada dos testemunhos de RR (esposa do arguido – revelou, em suma, que pretende manter a sua vida com o arguido quando este retornar à liberdade e que falou com o mesmo na prisão), SS (amigo do arguido que revelou que o visitou na prisão e que o voltará fazer no futuro, podendo aquele contar consigo naquela qualidade) e TT (amigo do arguido que revelou que o visitou na prisão e que o voltará a fazer no futuro)
Os depoimentos testemunhais acima mencionados foram prestados com firmeza, coesão, espontaneidade, sinceridade e de uma forma descomprometida (pese embora as aludidas relações pessoais com o arguido), revelando os depoentes a vivacidade que é própria de quem detêm um conhecimento presencial dos factos que narraram. Daí que o tribunal tenha reputado tais testemunhos como críveis e confiáveis.
Os factos vertidos nos pontos n.º 64 a 80 foram extraídos do relatório social que antecede, o qual se revelou merecedores de credibilidade na medida em que foram elaborados com recurso a entrevistas com o arguido e com a sua esposa e ainda com base na valoração de documentos. De relevar que os elementos coligidos neste relatório a respeito da personalidade do arguido e do modo como o mesmo percepciona e reflecte sobre a facticidade provada se revelou coincidente com o que foi possível colher em audiência de julgamento.
A percepção do modo como o arguido é tido pelas pessoas que com ele convivem/conviveram e da admiração que granjeou junto dos pais dos jovens que …/… resultou da valoração conjugada dos testemunhos prestados por RR, SS, TT, UU, VV e WW (amigos e/ou colegas do arguido).
Os depoimentos testemunhais de UU, VV e WW foram prestados com segurança, coesão e de uma forma distanciada (pese embora as aludidas relações pessoais), revelando estes conhecimento presencial dos factos que narraram. Por isso, o tribunal reputou tais testemunhos como credíveis, fiáveis e persuasivos.
Os antecedentes criminais do arguido foram colhidos no respectivo certificado do registo criminal de fls. 771.
A convicção quanto aos factos não provados assentou na constatação de que não se produziu qualquer prova quanto aos mesmos.
O arguido negou a prática dos demais factos constantes da acusação.
Não foi produzida qualquer prova que evidenciasse que o arguido conseguiu convencer FF a enviar vídeos em que ele aparecesse despido, a exibir o pénis e onde se masturbasse ou que aquele, com o perfil que criou no “Facebook”, haja instruído BB.
Os meios de prova valorados e disponíveis nos autos não permitiram aquilatar o número de vezes em que sucederam os factos em que intervieram aqueles jovens ou ainda que tenha sido solicitado a FF o envio de uma fotografia em que aparecia a mostrar o pénis, juntamente com um seu primo de nome PP.
Inexiste igualmente qualquer prova cuja valoração permita concluir que o arguido tentou coagir aqueles dois irmãos a actuarem da forma descrita na acusação.
GG não afirmou que o vídeo solicitado pelo arguido deveria documentar a prática de actos sexuais entre si e o seu irmão e nenhuma outra prova foi possível produzir a esse respeito.
Não foi produzida qualquer prova que confirmasse os restantes feitos respeitantes a JJ e a II. A este respeito deste último, plausivelmente, o arguido referiu, em resumo, que jamais poderia combinar um encontro porque tal equivaleria a expor o seu “disfarce”.
De igual modo, a valoração da transcrição de fls. 352 e ss. não indica que o arguido haja pedido a BB o envio de fotogramas e vídeogramas em que aquele aparecesse em actos sexuais com FF.
O arguido refutou que destinasse à partilha os vídeos que gravou no balneário do clube em que exercia ou os restantes ficheiros que detinha. Tal versão é corroborada pelo facto (como se constata pelo teor do auto de exame forense) de uns e outros estarem num volume encriptado (o que, pelo menos, dificultaria o seu acesso por terceiros) e pela circunstância de a aplicação “e-Mule” ter sido configurada para direccionar os ficheiros descarregados para esse volume.
Embora o uso de tal aplicação desencadeie automatizadamente a partilha dos ficheiros descarregados com outros utilizadores, o certo é que, mesmo considerando as especiais aptidões informáticas do arguido, não é possível, face àquele facto, imputar-lhe essa intenção. De resto, o arguido explicou porque razão utilizou o “NordVPN”, “Tor” e o “VerCrypt” não os relacionando com a partilha desses ficheiros. Pese embora os dois primeiros programas viabilizem a navegação anónima na “internet”, não foi possível apurar que o arguido os haja empregue para aqueloutro efeito mas, quando muito, para a obtenção dos mesmos.
Não foi produzida qualquer prova que o arguido utilizou o seu telemóvel para partilhar tais ficheiros.
Por fim, o modo aparentemente frio como o arguido assumiu os factos (“está feito”), a desculpabilização da sua conduta com patologias de foro clínico, o reconhecimento dos mesmos como meros “disparates” e o desapego à figura das vítimas (expresso, por exemplo, na circunstância de não ter contactado os pais dos jovens) e o quase desprezo a que votou as consequências dos factos (que procurou corrigir nas últimas declarações) impede que se possa considerar que o mesmo exerce(u) “forte autocensura sobre o seu comportamento”.»
9. Em sede de escolha e medida das penas, os Senhores Juízes do Tribunal recorrido ponderaram nos seguintes (transcritos) termos:
«Perante as medidas das penas previstas nos citados tipos de crime, cumpre quantificar as penas concretas, tendo por certo que, no caso vertente, nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 72.º do Código Penal se pode considerar verificada e não se vislumbram quaisquer outras que possam conduzir à atenuação especial comandada pela lei nesse preceito.
Na definição da pena concreta a aplicar, apela-se, em primeiro lugar, ao critério da culpa do agente (n.º 2 do artigo 40.º e n.º 1 do artigo 71.º, ambos do Código Penal), no preciso sentido que tem enquanto elemento constitutivo do tipo de crime, uma vez que este “(...) é o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção - geral de reintegração e especial de socialização” - que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena” […].
Por outro lado, paralelamente, consideram-se as exigências preventivas ligadas ao facto (n.° 1 do artigo 71.° do Código Penal “in fine”), respeitantes às necessidades de tutela dos bens jurídicos no caso concreto e às expectativas refractárias da comunidade (enquanto fundamento da pena, cfr. n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal) e aos pontos de vista de prevenção especial de socialização.
Para o efeito, há que atender às circunstâncias modificativas comuns (i.e. não integrantes do tipo de crime - n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal) decorrente do caso dos autos como factores relevantes para a determinação daqueles conceitos.
Para o efeito pondera-se:
ponderando que o arguido actuou sobre dois irmãos e fez uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito, com recurso a imagens de uma jovem) mas que não interagiu fisicamente com eles, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 6, 13 e 14 do elenco factual, deve ser tido como medianamente elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava FF, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 6 a 12 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava GG, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 15 a 19 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava HH, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 20 a 23 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve de II a fotografia, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 24 a 26 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava JJ, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 27 a 29 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava LL, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 30 a 32 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava MM, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 33 a 35 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando que o arguido obteve a fotografia em que figurava BB, mediante o prévio uso enganoso de um perfil numa rede social (que foi expressamente criado para esse efeito pelo arguido, com recurso a imagens de uma jovem) e a sequente entabulação de conversações de cariz sexual com este e ainda a concreta idade deste jovem, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 36 a 38 do elenco factual, deve ser tido como muito elevado;
ponderando o número de ficheiros de pornografia infantil efectivamente detidos pelo arguido e as idades dos intervenientes/índole dos actos neles reproduzidos, o grau de ilicitude da conduta descrita nos pontos n.os 44 a 51 do elenco factual, deve ser tido como medianamente elevado;
O arguido agiu sempre com dolo directo (n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal), logo bastante intenso;
O arguido declara-se arrependido.
O arguido, desde que foi detido, procurou ajuda médica especializada.
Ao arguido não foi diagnosticada qualquer parafilia
O arguido foi visitado por familiares e amigos desde que está preso;
Uma vez em liberdade, o arguido irá ser apoiado pela esposa e amigos;
Da história de vida do arguido, respiga-se um desenvolvimento sócio-familiar ajustado, estável e afectuoso, um percurso escolar e académico adequado e um trajecto profissional em crescendo (com realce para auto-formação e para a obtenção de rendimentos acima da média), bem como uma vivência marital estável;
Daquilo que foi possível observar, constata-se que o arguido atribui os factos aos problemas clínicos de que padeceu, patenteando-se que o mesmo demonstra ambivalência de auto-análise e de juízo crítico e evidenciando dificuldades em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros (vítimas), revelando fraca capacidade de descentração.
O arguido evidencia consciência da sua situação jurídica e das consequências que daí possam advir, reconhecendo os seus comportamentos mas relativizando o prejuízo para as vítimas.
O arguido apresenta como projecto o regresso ao seu agregado familiar (situação aceite pela esposa), desconhecendo qual será a sua situação profissional.
O arguido apresenta um comportamento adequado e uma postura adaptada ao meio institucional e até quando foi possível recebia visitas dos familiares.
O arguido é tido por quem com ele convive e conviveu como sendo uma pessoa reservada, austera, disciplinadora, profissional, organizada, com capacidade de liderança, disponível e leal, sendo reconhecido e admirado pelos pais dos jogadores de … que orientava.
O arguido admitiu parcialmente os factos que lhe são imputados o que, na maior parte das situações, se revelou decisivo para a descoberta da verdade.
Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
Do ponto de vista de prevenção geral, cabe constatar que as actuações do arguido causam especial repulsa na comunidade portuguesa, para a qual as actividades de índole sexual e/ou a sua representação fotográfica/videográfica são - e devem ser - reservadas às pessoas que apresentam desenvolvimento físico e psíquico compatível com tais práticas e que dispõem de capacidade para compreender as realidades quotidianas e para se determinarem em função dessa avaliação. Nessa medida, tratando-se de condutas notavelmente repudiáveis, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico somente ficará assegurada com a imposição ao arguido de penas a fixar bem além dos limites médios das molduras penais abstractas.
Ponderando conjugadamente todos estes elementos, têm-se por ajustadas e adequadas às circunstâncias do caso concreto:
a aplicação da pena de 6 (seis) anos de prisão como forma de sancionar a prática do crime de abuso sexual de criança, p.p. pelo n.º 1 e pelo n.º 2 do artigo 171.º do Código Penal;
a aplicação de penas de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão como forma de sancionar a prática de cada um dos crimes de pornografia de menores, pp. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal e que foram, respectivamente, cometidos contra FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM e BB;
a aplicação da pena de 9 (nove) meses de prisão como forma de sancionar a prática do remanescente crime de pornografia de menores, pp. pelo n.º 5 do artigo 176.º do Código Penal.
DETERMINAÇÃO DA PENA DO CONCURSO
Com a fixação desta pena, dá-se cumprimento à exigência de fixação de uma pena unitária conjunta, constante do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal.
A determinação da pena conjunta aplicada exige a ponderação da gravidade dos factos encarados no seu conjunto e da personalidade do agente, sem perder de vista a culpa daquele e as exigências preventivas do facto (cfr. n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal), podendo o julgador socorrer-se dos elementos a que se atenderam para a fixação das penas parcelares, conquanto os mesmos sejam agora referidos ao conjunto dos factos e não só em relação a um facto singular […].
O limite máximo desta pena é de 16 anos e 1 mês e o limite mínimo é de 6 anos (cfr. n.º 2 do artigo 77.º do mesmo diploma).
A culpa revelada pelo arguido situa-se num patamar medianamente elevado, a prevenção geral positiva requer, pelos motivos já expostos, que se fixe a pena bem acima dos limites mínimos e as exigências de prevenção especial sensíveis no caso concreto demandam que a pena seja fixada em medida algo afastada desses limites, de modo a que o arguido interiorize a censura inerente à sua conduta e adquira plena consciência da gravidade dos seus actos e das suas repercussões.
Da análise global dos factos pelos quais o arguido vai condenado ressalta uma imagem de grande gravidade. Com efeito, o agente actuou sempre com dolo directo, propiciando e astuciosamente determinando o cometimento dos factos em causa, os quais perduraram por cerca de 3 anos, havendo ainda que ter em conta que o facto de ter dois filhos - um deles em idade semelhante à das vítimas identificadas nos autos - não o dissuadiu da prática dos factos.
Há, todavia, que ponderar que as circunstâncias que rodearam o cometimento dos crimes e que transparecem dos autos evidenciam que se trataram de ocorrências isoladas na vida do arguido. Ademais, arguido beneficia de sólido apoio familiar e social e estava socialmente integrado, não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais.
Desse modo, tem-se por ajustada à factualidade dos autos, a fixação da pena do concurso de crimes em 9 (nove) anos de prisão.
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA
Do n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal, sob a epígrafe “Proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual” consta:
2 - É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.”.
E do n.º 2 do artigo 69.º-C do mesmo diploma, sob a epígrafe “Proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais” resulta que:
“2 - É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.”.
A imposição de tais penas tem como escopo prevenir o “perigo representado pelos autores dos crimes e (…) eventuais riscos de reincidência” […].
Da interpretação da lei decorre que as penas acessórias aqui em apreço serão, à partida de aplicação obrigatória, não deixando ao julgador qualquer margem de apreciação valorativa. Por outro lado, é consabido que o cometimento deste tipo de crime tem, na sua génese, parafilias, deficiências na formação da personalidade e total desconsideração da pessoa que deles é vítima, o que sempre justificaria, do ponto de vista da prevenção especial, a necessidade de aplicação desta pena.
Acresce que, no caso vertente, o arguido desempenhava funções que envolviam contactos com menores, tendo mesmo registado dois vídeos desses jovens (cfr. pontos n.º 42 e 43 do elenco factual). Por outro lado, o arguido tem dois filhos, sendo que um deles está ainda longe de atingir a maioridade.
Assim, conclui-se, face ao contexto factual e jurídico acima enunciado, que é imperativo aplicar as penas acessórias aqui previstas.
Tendo em conta os vectores acima enunciados na fixação das penas parcelares e, neste âmbito, a actividade paralelamente desenvolvida pelo arguido, o facto de ter filhos ainda menores a seu cargo e o tempo de reclusão que previsivelmente irá cumprir, as medidas parcelares de cada uma das penas acessórias previstas naquele preceito são fixadas:
em 6 (seis) anos pela prática do crime de abuso sexual de crianças;
em 5 (cinco) anos pela prática de cada um daqueles crimes de pornografia de menores.
Operando o cúmulo das penas acessórias assim fixadas e lançando mão dos critérios antes convocados para este efeito:
fixa-se a medida da pena acessória única prevista pelo n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal em 7 (sete) anos;
fixa-se a medida da pena acessória única prevista pelo n.º 2 do artigo 69.º-C do Código Penal em 7 (sete) anos.
ARBITRAMENTO OFICIOSO DE INDEMNIZAÇÃO
Estabelece o n.º 1 do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos arts. 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.”.
O crime de abuso sexual de criança cometido pelo arguido assume inequívoca gravidade, sendo evidente que a experimentação de um contacto sexual em tão tenra idade e ainda para mais num ambiente familiar que deveria ser protector e securizante constitui uma consequência assaz nefasta para o bem-estar físico e psíquico do ofendido BB.
Importa ainda não esquecer as sequelas se prespectivam que venham a ocorrer para o desenvolvimento harmonioso tanto ao nível emocional, como cognitivo. Existem vários estudos que evidenciam que estas vítimas apresentam as taxas de suicídio e de ideação suicida mais elevadas, elevada probabilidade de voltarem a ser vítimas, alta incidência de sentimentos de vergonha e culpa associados a conflitos interpessoais, familiares e conjugais e maiores dificuldades em matéria de atenção distribuída, abstracção, raciocínio, planificação e inibição.
Mostram-se, pois, verificadas as particulares exigências de protecção a que faz referência a citada norma adjectiva penal. Foi cumprido o contraditório, não tendo sido expressamente renunciado este direito.
Assim, sendo manifesto que as condutas do arguido descritas nos pontos n.ºs 6, 13 e 14 do elenco factual preenchem ainda os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (cfr. n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil) e tendo também em consideração a situação económica do arguido, o respectivo grau de culpabilidade, o grau de desprotecção da vítima do crime e demais circunstancialismo com relevância para o efeito (em conformidade com o previsto nas normas dos artigos 494.º e 496.º, n.º 3, ambos do Código Civil), entende este tribunal fixar, equitativamente (n.º 3 do artigo 566.º do mesmo diploma) a título de reparação oficiosa dos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 25.000 (vinte e cinco e mil euros), cabendo ao arguido satisfazer-lhe tal quantia. A quantia devida deverá ser entregue aos progenitores de BB.»
10. O arguido defende a mitigação das penas, parcelares e única, ressaltando, em resumo, o facto de ter limitado a si próprio a visualização das imagens (sem difusão por terceiros), de não ter aliciado os menores para encontros nem ter mantido contacto físico com os mesmos, o arrependimento e a confissão, o facto de ter procurado ajuda médica e de não ter sido diagnosticada parafilia (comportamento sexual desviante relativamente ao aceite pelas convenções sociais), a integração e o apoio familiar e social, que mantém, ademais projectado no futuro, a ausência de antecedentes criminais.
11. Pretexta a redução (sem quantificar) das penas parcelares, seja quanto ao crime de abuso sexual de crianças, ressaltando que apenas sugeriu a troca de imagens e que os menores se encontravam em idade normal de início da actividade sexual, seja relativamente aos crimes de pornografia de menores, sublinhando a não difusão das imagens por terceiros, e também da pena única (até ao mínimo legal) e da pena acessória, salientando a integração familiar.
12. A tanto se opõe o Ministério Público, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal, aqui se salientando que «o arguido não quis controlar o seu comportamento, pautando-o, durante três longos anos, por uma reiteração de condutas que sabia serem proibidas […] não se coibindo de reiterá-las, até ao momento em que foi descoberto, deixando pelo caminho um conjunto de vítimas […]», ressaltando-se o grau muito elevado da ilicitude (ressalvados dois casos, reputados como de ilicitude medianamente elevada) e as fortes exigências de prevenção geral e especial – defendendo a confirmação do julgado.
Vejamos.
13. Diante da matéria de facto acima transcrita, sedimentada como provada pelo julgamento levado na instância, o arguido veio a ser condenado, no Tribunal recorrido, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material, em concurso efectivo, de:
(i) um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível (p. e p.), nos termos do disposto no artigo 171.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP), com a pena abstracta de 3 a 10 anos de prisão, na pena concreta de 6 anos de prisão;
(ii) oito crimes de pornografia de menores, cada um p. e p., nos termos do disposto no artigo 176.º n.º 5, do CP, com a pena abstracta de 1 mês a 2 anos de prisão, na pena concreta, por cada um dos crimes, de 1 ano e 2 meses de prisão;
(iii) um crime de pornografia de menores, cada um p. e p., nos termos do disposto no artigo 176.º n.º 5, do CP, com a pena abstracta de 1 mês a 2 anos de prisão, na pena concreta de 9 meses de prisão.
Operado o cúmulo jurídico de tais penas parcelares, diante de uma pena abstracta de 6 a 16 anos e 1 mês de prisão, a pena única veio a ser concretizada em 9 anos de prisão.
Quanto à medida das penas parcelares, vejamos.
14. Dispõe o artigo 40.º n.º 1, do CP, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
15. As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.
16. Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.
17. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.
18. As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
19. No caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
20. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
21. Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
22. O crime de abuso sexual de crianças configura um crime de perigo abstracto, visando a protecção da autodeterminação face a condutas lesivas do livre desenvolvimento da personalidade da criança, em particular na esfera sexual – cfr. M. Miguez Garcia/J. M. Castela Rio, no «Código Penal - parte geral e especial», 3.ª edição actualizada, Almedina, 2018, pág. 819.
23. Por sua vez, o crime de pornografia de menores, configurado também como um crime contra a autodeterminação sexual, visa a protecção do livre desenvolvimento da vida sexual do menor de de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos – cfr. Maria João Antunes / Cláudia Santos, no «Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial», Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 880.
24. Para aquém do específico objecto de protecção levado pelas diferentes normas, «[…] os diferentes crimes sexuais estão configurados de forma a proteger, em diversas vertentes, o bem jurídico específico da liberdade e autodeterminação sexual, que faz parte do núcleo duro dos direitos e liberdades de cada pessoa.» - assim, Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, em «Notas substantivas sobre crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», na Revista do Ministério Público n.º 136 (Out/Dez. 2013), pág. 70.
25. A frequência, as dificuldades de investigação determinadas muitas vezes pela fragmentaridade e intimidade das ocorrências, constituem factores acrescidos de interiorização negativa de factores de insegurança comunitariamente pressentida.
26. Os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores, do tipo dos crimes comprovadamente praticados pelo arguido recorrente, constituem um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade.
27. A necessidade de protecção do bem jurídico em referência releva com particular intensidade relativamente a menores de 14 anos de idade, face, não apenas à fragilidade das vítimas, também do impacto da conduta delitiva na sua orientação de vida, seja na vertente da sexualidade, seja ainda no são desenvolvimento físico e psíquico desses (irrepetíveis) seres humanos.
28. É de ressaltar o facto de a conduta do arguido se ter prolongado por cerca de três anos, sem que se tenha confrontado com a anomia (e a anomalia perversa) da sua conduta, ademais tratando-se, comprovadamente (ponto 67 dos factos provados), de pessoa com formação (funcionamento cognitivo e capacidade de actuar finalisticamente, pensar em termos racionais e agir com eficácia), acima da média, que não podia ignorar nem o significado e o impacto da sua conduta no desenvolvimento da personalidade das vítimas, nem a repulsa social que suscita tal actuação.
29. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.
30. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade.
31. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
32. Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas no artigo 71.º n.º 2 alíneas a) a f), do CP.
33. Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.
34. No caso, o desvalor do resultado da conduta do arguido que, durante cerca de três anos, criando e utilizando um perfil falso na rede «Facebook», aliciou menores, não apenas a filmarem relações sexuais orais e anais entre si, também a fotografarem os respectivos órgãos genitais, tudo enviando ao arguido, a troco de imagens de mulher colhidas na internet, impede, desde logo, a aplicação de penas coincidentes ou mesmo próximas do limite mínimo da moldura abstracta.
35. Por outro lado, o facto de se ter declarado arrependido (ponto 59 do rol de factos julgados provados), não traduz o relevo atenuativo pretextado pelo recorrente.
36. A manifestação de arrependimento não pode, sem mais, ser assimilada à prática de actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, que pressupõe que o mesmo interiorize o desvalor da sua conduta [cfr. artigo 72.º n.º 2 alínea c), do CP].
37. Acresce sublinhar, como se evidenciou no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Fevereiro de 2019 (processo 234/15.3JAAVR.S1, disponível na base de dados do IGFEJ, cujos ensinamentos se avocam para o caso), que:
«[…] a atuação mediante artifício de uma falsa identidade é uma modalidade ínvia, ardilosa, insidiosa, para usar uma expressão penalmente consagrada, de realização do crime que, quando releva, é no sentido da agravação e não da atenuação, dado que a vítima, não suspeitando estar em contacto com um adulto, despoja-se mais facilmente das naturais barreiras de defesa e fica mais permeável à agressão, embora na situação em apreço tal circunstância não tenha verdadeiramente relevo porque os menores não acederam ao aliciamento.
Por sua vez, o facto de o arguido não ter contactado pessoalmente com os ofendidos compreende-se à luz do anteriormente considerado, já que em tais circunstâncias não seria possível utilizar um falso perfil.
Em qualquer caso a ausência de contactos pessoais com os menores nada significa de per se, sendo irrelevante no contexto da medida da pena.
Irrelevante é também a não transmissão a terceiros de filmes, vídeos ou fotografias, o que constituiria uma outra modalidade de realização do crime «art.º 176.º, n.º 1 alínea c)».
O nosso direito penal é direito penal do facto.
A medida da pena é determinada em função daquilo que o arguido fez e não do que não fez, ainda que o pudesse ter feito.»
38. Releva embora o facto de, após a detenção, ter procurado ajuda médica especializada, não lhe tendo sido diagnosticada parafilia (pontos 60 e 61 do rol de factos julgados provados), e de dispor de apoio familiar (pontos 62 e 63 dos factos julgados provados).
39. Por outro lado, o recorrente não invoca quaisquer circunstâncias que não tivessem sido, de todo, consideradas pelo Tribunal recorrido, nem se vê sedimentada, como provada, materialidade que possa fundar a mitigação das penas, doutamente alegada na motivação recursiva.
40. Assim, não se vê que, na fixação das penas parcelares, o Tribunal a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial.
Vejamos ainda.
41. O artigo 77.º n.º 1, do CP, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»
42. Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que, com a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, e não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (para dizer com o Professor Jorge de Figueiredo Dias, em «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», pp. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
43. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.
44. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, a que se refere o CP.
45. O artigo 77.º n.º 2, do CP, estabelece que pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa: e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
46. Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
47. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
48. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais.
49. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo.
50. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado.
51. O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
52. Revertendo ao caso, não pode deixar de sublinhar-se a extrema gravidade, a todos os títulos, da conduta do recorrente, a justificar, como acima se deixou editado, as penas parcelares concretizadas na instância.
53. Quanto à pena do cúmulo, afigura-se que, na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido recorrente, pode dizer-se que, de per si, a ausência de perturbação parafílica não atenua a culpa do arguido, ainda que, pela reiteração e desenho delitivo, os factos não consintam um diagnóstico de mera pluriocasionalidade, antes apontando para uma pulsão ou tendência para a prática de actos como aqueles por que vem condenado, a que não será alheia a condição depressiva reportada nos factos (pontos 71 e 72).
54. Por outro lado, devem relevar-se os factos de, após a detenção, o arguido ter procurado ajuda médica especializada, não lhe tendo sido diagnosticada parafilia (pontos 60 e 61 do rol de factos julgados provados), e de dispor de apoio familiar (pontos 62 e 63 dos factos julgados provados).
55. Ora, na moldura abstracta aplicável (6 anos a 16 anos e 1 mês de prisão), figura-se que a pena única de 9 anos de prisão, concretizada na instância, se afasta em medida adequada do limite mínimo, acolhendo o falado contexto agravativo e se atém, suficientemente distanciada do limite máximo, à compressão exigida pelos limites da culpa e pela prevalência dos referidos factores de ressocialização (designadamente do apoio familiar) de que o arguido beneficia.
56. Importa ademais ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
57. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal recorrido) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.
58. No caso, não se vê que o Tribunal Colectivo a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, por isso que o acórdão revidendo não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.
59. Em conclusão, o recurso interposto pelo arguido não pode, nesta parcela, lograr provimento.
60. Outro tanto vale no que respeita à medida das penas acessórias aplicadas nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 69.º-C, do CP, relevando-se a factualidade constante dos pontos 42 e 43 do elenco de factos julgados provados.
61. Corrige-se, nos termos prevenidos no artigo 380.º n.os 1 alínea b) e 2, do Código de Processo Penal, o lapso contido no acórdão revidendo, a fls. 45, linha 8, no passo em que se refere, por duas vezes ao n.º 2 do artigo 69.º-C, do CP, quando, como se evidencia do dispositivo, se visou reportar o n.º 2 e também o n.º 3 daquele preceito.
62. Em conclusão e síntese:
(i) os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores, do tipo dos crimes comprovadamente praticados pelo arguido recorrente, constituem um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade;
(ii) a necessidade de protecção do bem jurídico protegido pelo disposto nos artigos 171.º e 176.º, do CP, releva com particular intensidade relativamente a menores de 14 anos de idade, face, não apenas à fragilidade das vítimas, também do impacto da conduta delitiva na sua orientação de vida, seja na vertente da sexualidade, seja ainda no são desenvolvimento físico e psíquico desses (irrepetíveis) seres humanos;
(iii) é de ressaltar o facto de a conduta do arguido se ter prolongado por cerca de três anos, sem que se tenha confrontado com a anomia (e a anomalia) da sua conduta, ademais tratando-se, comprovadamente, de pessoa com formação (funcionamento cognitivo e capacidade de actuar finalisticamente, pensar em termos racionais e agir com eficácia), acima da média, que não podia ignorar nem o significado e o impacto da sua conduta no desenvolvimento da personalidade das vítimas, nem a repulsa social que suscita tal actuação;
(iv) no caso, o desvalor do resultado da conduta do arguido que, durante cerca de três anos, criando e utilizando um perfil falso na rede «Facebook», aliciou menores, não apenas a filmarem relações sexuais orais e anais entre si, também a fotografarem os respectivos órgãos genitais, tudo enviando ao arguido, a troco de imagens de mulher colhidas na internet, impede, desde logo, a aplicação de penas coincidentes ou mesmo próximas do limite mínimo da moldura abstracta;
(v) o facto de o arguido se ter declarado arrependido (ponto 59 do rol de factos julgados provados), não traduz o relevo atenuativo pretextado, na medida em que a manifestação de arrependimento não pode, sem mais, ser assimilada à prática de actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, que pressupõe que o mesmo interiorize o desvalor da sua conduta [cfr. artigo 72.º n.º 2 alínea c), do CP];
(vi) relevam ainda os factos de, após a detenção, o arguido ter procurado ajuda médica especializada, não lhe tendo sido diagnosticada parafilia, e de dispor de apoio familiar;
(vii) na moldura abstracta aplicável (6 anos a 16 anos e 1 mês de prisão), figura-se que a pena única de 9 anos de prisão, concretizada na instância, se afasta em medida adequada do limite mínimo, acolhendo o falado contexto agravativo e se atém, suficientemente distanciada do limite máximo, à compressão exigida pelos limites da culpa e pela prevalência dos referidos factores de ressocialização (designadamente do apoio familiar) de que o arguido beneficia.
63. Cabe tributação – artigo 513.º, do CPP, e artigo 8.º e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais –, ressalvado apoio judiciário.
III
64. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido;
b) proceder à correcção do acórdão recorrido nos termos acima editados (§ 56)
c) condenar o arguido nas custas com a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Novembro de 2020
António Clemente Lima (Relator)
Margarida Blasco