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CONTRAORDENAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
Não tendo ficado provado que o ex-trabalhador autorizou a compensação de créditos, nem tendo a recorrente provado que as anomalias detectadas no stock do estabelecimento comercial resultaram da violação dos deveres laborais por parte daquele, não podemos concluir pela verificação do contra crédito da recorrente e possibilidade da sua compensação com os créditos laborais.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
AAA com sede na Rua (…), inconformada com a decisão da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva, da Secretaria Regional de Inclusão Social e Cidadania do Governo da Região Autónoma da Madeira que lhe aplicou a coima de €2.000.00 pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código do Trabalho (efeitos da cessação do contrato de trabalho no direito a férias), a coima de €2.000.00 pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 278.º, n.ºs 1, 2 e 4 do Código do Trabalho (tempo de cumprimento) e da coima de €9.300.00 pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 263.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código do Trabalho (subsídio de Natal) e, em cúmulo jurídico, a coima única de €10.000.00 e ainda ordenou, ao abrigo do artigo 564.º do Código do Trabalho, o pagamento de €2.060.33 para o trabalhador e de €801,85 para a Segurança Social, veio impugná-la judicialmente invocando, para tanto:
- A incompetência da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva, em razão do território;
- A nulidade da decisão impugnada:
a) Por não ter conhecido da alegada incompetência em razão do território;
b) Por não conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, nem a apreciação crítica da prova;
c) Por ser omissa quanto à moldura penal aplicável; e
d) Por não justificar nem fundamentar o cúmulo jurídico obtido.
Mais invocou que não existe nem alegação nem prova de que a declaração do ex-trabalhador da arguida pela qual assume quaisquer responsabilidades pelo inventário não correspondesse à sua livre e expressa vontade, que a certeza da compensação débitos/créditos que a sociedade retira da declaração não está posta em causa na decisão impugnada, que não é verdade que a arguida não efectuou ao seu ex-trabahador o pagamento das quantias referidas na decisão impugnada, que a arguida respondeu à notificação de 4.7.2019 e justificou o cumprimento da obrigação decorrente da cessação do contrato de trabalho, que, na sequência da rescisão do contrato de trabalho, a arguida notificou o ex-trabalhador para comparecer nos dias 13 e 14 de Junho no estabelecimento de que era responsável a fim de se proceder ao inventário, mas aquele não compareceu, que na sequência do inventário apurou-se a falta de acessórios e peças de automóveis no valor de €3.063.82, por carta registada com aviso de recepção a arguida comunicou ao ex-trabalhador o resultado do inventário e que tinham sido apurados os créditos laborais devidos à data da cessação do contrato de trabalho e procedido à compensação entre o crédito/débito, sendo que a arguida ainda é credora do montante de € 1.783.81, que a compensação obteve autorização prévia do ex-trabalhador quando iniciou as suas funções de encarregado do estabelecimento comercial e que não existiam obstáculos à compensação operada, não tendo a arguida praticado as infracções que lhe são imputadas.
Pugnou, a final, pela procedência da impugnação e revogação da decisão impugnada.
O Ministério Público tornou presentes os autos ao Mmº. Juiz do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, de acordo com o artigo 37.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09.
Foi proferido despacho que declarou o tribunal competente e admitiu a impugnação judicial.
Procedeu-se ao julgamento.
Posteriormente foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida AAA e, em consequência: a) Absolvo a arguida da prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 278.º, n.º 1, 2, 4 e 5 do Código do Trabalho; b) Condeno a arguida pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo art. 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho, na coima de € 2.000,00 (dois mil euros); c) Condeno a arguida pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo art. 263.º, n.º 1, n.º 2, alínea b) e 3 do Código do Trabalho, na coima de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros); d) Procedo ao cúmulo jurídico das coimas indicadas, condenando a arguida na coima única de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros); e) Condeno a arguida no pagamento ao trabalhador (...) da quantia de € 1.783,51 (mil setecentos e oitenta e três euros e cinquenta e um cêntimos). * Custas pela arguida, nos termos do art. 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos do art. 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III. * Notifique. Comunique à autoridade administrativa, nos termos do art. 45.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. * Proceda ao depósito da sentença, nos termos do art. 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal ex vi do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.”
Inconformada, a arguida recorreu, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:
“1 - Vem o presente recurso interposto da sentença que julga parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida e em consequência;
- Condena a arguida pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo artº 245º, nº 1 alíneas a) e b) e 5 do Código do trabalho, na coima de € 2.000,00 (dois mil euros);
- Condena a arguida pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo artº 263º, nº 1, alínea b) e 3 do Código do Trabalho, na coima de €9.300,00 (nove mil e trezentos euros);
- Procede ao cúmulo jurídico das coimas indicadas, condenando a arguida na coima única de €9.300,00 (nove mil e trezentos euros);
- Condena a arguida no pagamento ao trabalhador (…) da quantia de €1.783,51 (mil setecentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos).
2 – A Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspetiva da Região Autónoma da Madeira é incompetente territorialmnete para o procedimento contra-ordenacional sob apreciação nestes autos, nos termos do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro;
3 – As contraordenações imputadas à sociedade recorrente prendem-se com o não pagamento de remuneração e subsídios ao ex trabalhador que sempre foram processadas na sua sede e pagas neste local através de transferência bancária;
4 – Ao invés do que consta da sentença recorrida a cessação do contrato de trabalho não determinou alteração alguma quanto ao procedimento de processamento dos créditos laborais e local de pagamento.
5 – Na fase administrativa do processo de contraordenação objeto destes autos, a instrutora dirigiu todas as solicitações de informações à sede da sociedade e não ao estabelecimento sito no Funchal, como se comprova pelo processo administrativo junto a estes autos.
6 – Discordando-se assim do entendimento acolhido na sentença recorrida relativamente à suscitada incompetência da recorrida para a instrução e decisão do processo de contraordenação, por violar o disposto nas disposições legais referidas na conclusão 2 supra.
7 – A decisão administrativa é nula nos termos do disposto no artº 25º da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro, nulidade esta insuprível nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 63º do RGCO, por não se ter pronunciado sobre a suscitada, (na defesa), incompetência territorial nem se encontrar fundamentada;
8 – Na decisão administrativa confunde-se a factualidade considerada provada com a fundamentação e esta com aquela, como se pode verificar pela análise das alíneas i), j), e l) da ali intitulada factualidade provada.
9 – Padece ainda a decisão administrativa de nulidade por omissão de apreciação crítica da prova. Sendo contraditória a decisão com a fundamentação da qual consta que “ as testemunhas arroladas pela arguida corroboram na sua totalidade os argumentos aduzidos na resposta escrita apresentada pela sua defesa (cfr. fls. 79 a 83).”
10 – A decisão administrativa também é omissa quanto à moldura penal aplicável, uma nulidade prevista na disposição legal atrás referida na conclusão 7.
11 – Da factualidade provada na sentença recorrida não se pode considerar os pontos 12, 13 e 14 (por referência á identificação que consta da sentença recorrida), por expressarem um raciocínio conclusivo e que também não encontra qualquer sustentação em alguma prova.
12 – A omissão de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto gera a sua nulidade.
13 – A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
14 – A necessidade imposta pela decisão, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos não provados, para lá de ser totalmente omissa a fundamentação quanto a eles, como se verifica na sentença recorrida, consubstancia nulidade nos termos do disposto nos artºs 607º nº 4 e 615º nº 1 al. c) e d) do C. Civil.
15 – Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados, como ocorre na sentença recorrida, compromete o recurso e, nessa perspetiva, contende com o acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no artº 20º da Constituição da República.
16 – Com o devido respeito, não pode este Tribunal reconhecer à decisão recorrida os requisitos de clareza e precisão na indicação da matéria de facto provada e não provada, para lá da omissão da fundamentação dessa decisão, pelo que enferma de nulidade, nos termos do artº 615º nº 1 al. b) e c), 616, nº 2 al. b) do CPC.
17 – Com a celebração do contrato de trabalho o ex trabalhador assumiu expressa e conscientemente responsabilidades nos termos que constam do ponto 4 dos factos provados (por referência ao que consta da sentença);
18 – Conforme consta dos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados (por referência ao que consta da sentença) a recorrente comunicou ao ex trabalhador a sua obrigação de lhe pagar a importância de €3.062,83, pelo comunicou-lhe a compensação do crédito/débito relativamente aos valores apurados no termo do contrato de trabalho.
19 – A compensação é admissivel por se verificarem todos os requisitos para o efeito, fundando-se em responsabilidade contratual do ex trabalhador, não se encontrando dependente de uma decisão judicial que a reconheça.
20 – Não se vislumbram quaisquer obstáculos de natureza substantiva ou adjetiva a que a compensação seja deduzida como facto extintivo do direito do trabalhador e que se discuta a existência do correspondente crédito indemnizatório da sociedade recorrente com vista a fazer operar a compensação como facto extintivo da obrigação do trabalhador. Havendo que concluir pela admissibilidade da compensação deduzida no caso sub judice nos termos do disposto no artº 847º do Código Civil.
21 – Pelas razões explanadas nestas conclusões, a sociedade recorrente não cometeu as infrações que lhe são imputadas, uma vez que, com o termo do contrato de trabalho apurou todos os créditos do trabalhador, colocou-os á disposição e procedeu à compensação com o crédito que detinha e ainda detém sobre este, apesar daquela compensação.
22 – Em algum momento, designadamente ao longo deste processo (incluindo a fase administrativa) a defesa da recorrente é contrariada. Sendo indiscutível a obrigação do ex trabalhador reparar os prejuízos que a sua conduta provocou à entidade empregadora expressa e declaradamente assumidos pela declaração que consta da factualidade provada.
23 – Ainda, relativamente à admissibilidade ou não da compensação, não se pode aceitar o que consta da sentença recorrida quando refere que é de “duvidosa legalidade”. Competia à Mª Juiz “a quo” conhecer ou não da legalidade da mesma.
24 – A declaração efetuada pelo ex trabalhador atribui-lhe semelhante posição á que é prevista no artº 24º nº 1 da LGT e nº 1 do artº 551º do Código do Trabalho.
25 – Não se pode deixar de sublinhar que o ex-trabalhador nunca se opôs à concretização da compensação através de qualquer comunicação dirigida à recorrente.
26- Compensação esta que, contrariamente ao que consta na sentença recorrida ocorre após a cessação do contrato de trabalho, por isso, discorda-se da aplicação do apelo que ali se faz ao artº 279º do Código do Trabalho.
27 – O entendimento da recorrida e o que é acolhido na sentença recorrida consubstancia evidente violação ao disposto no artº 334º do Código Civil – Abuso de direito.
28 – Pelas razões expostas não praticou a recorrente as infrações que são imputas nestes autos, consequentemente não lhe pode ser aplicada qualquer sanção.
29 – Sendo que, a sanção aplicada também não se encontra devidamente justificada e fundamentada.
30 - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação, entre outras, das disposições legais que constam nestas conclusões.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO MERECER TOTAL PROVIMENTO E CONSEQUENTEMENTE REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR DECISÃOI QUE JULGE PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COMO É DE INTEIRA
J U S T I Ç A !”
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso invocando que a sentença não padece de qualquer vício, nulidade ou contrariedade à lei pelo que deve ser mantida..
Subidos os autos a este Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: “Na senda da posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância, concorda-se com a posição constante na decisão recorrida, que aqui se acompanha, acrescentando-se apenas que a «duvidosa legalidade» da compensação decorrente da cláusula do contrato de trabalho em referência, a que esta alude e que nas alegações de recurso se pretende dever ter sido apreciada conclusivamente, se considera uma não duvidosa ilegalidade, nem que seja face ao disposto no art. 334º do C. Civil.”
A arguida respondeu ao parecer discordando do seu teor e concluindo como no recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
De acordo com os artigos 33º nº 1 e 50º do Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro) e, subsidiariamente, com os artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 do CPP aplicáveis ex vi do artigo 74.º n.º 4 do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in DR, série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraia da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
Assim, no âmbito do presente recurso importa conhecer as seguintes questões:
1ª-Da questão prévia da inadmissibilidade do recurso da decisão que aplicou a coima de €2.000.00.
2.ª- Se a Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da Região Autónoma da Madeira é incompetente, em razão do território, para o procedimento contra-ordenacional em apreciação nos autos.
3.ª- Se a decisão administrativa padece de nulidade.
4.ª- Se a sentença é nula.
5.ª-Se, no caso, é admissível a compensação.
6.ª- Em caso de resposta negativa à questão anterior, se a sanção aplicada não se mostra justificada nem fundamentada.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1 - A arguida dedica-se à actividade de comércio por grosso de peças e acessórios para veículos automóveis.
2 - A arguida teve ao seu serviço (…), admitido a 28 de Agosto de 2012, com a categoria profissional de encarregado.
3 - (…)auferia o ordenado base de €800,00 (oitocentos euros).
4 - No dia 7 de Dezembro de 2012, (...) assinou uma declaração nos termos da qual, na qualidade de legal responsável da filial da Madeira da arguida, “declara para todos os devidos e legais efeitos que o stock do estabelecimento comercial da sociedade se encontra em perfeitas condições, isto é, corresponde ao stock informático, conforme documentos de inventário realizado a 07/12/2012. Mais declara, que a partir desta data, quaisquer anomalias no mesmo stock, bem como do restante material do estabelecimento, passam a ser da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer eventuais anomalias que se venham a verificar. Declaro ainda que, a caixa do estabelecimento, passa a ser também da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer diferenças que venham a existir, a partir desta data. A presente declaração fica anexa ao contrato de trabalho do declarante, sendo parte integrante do mesmo. O declarante não pode suscitar a nulidade da presente declaração por corresponder à sua consciente vontade sendo certo que, para a entidade empregadora este é um requisito essencial para a formação da vontade de contratar.”
5 - Por carta de 11 de Abril de 2019, recebida pela arguida a 15 de Abril de 2019, com o assunto “rescisão/contrato de trabalho”, (...) comunicou à arguida a denuncia do contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 10 de Junho do presente ano e que tinha férias a gozar pretendendo gozá-las, solicitando que até ao dia 10 de Junho de 2019 a arguida lhe pagasse todos os valores a que tinha direito no ano da cessação do contrato de trabalho, nos termos do art. 245.º do Código do Trabalho, a par do subsídio de Natal e proporcional e vencimentos até à cessação efectiva do contrato de trabalho.
6 - No período compreendido entre 15 de Abril de 2019 e 14 de Junho de 2019 (...) esteve ausente do trabalho por se encontrar com incapacidade temporária para o trabalho.
7 - Por carta de 17 de Maio de 2019, a arguida comunicou a (...) que iria proceder à realização de inventário integral ao stock da filial da Madeira, solicitando a sua comparência ou de um representante para assistir, acompanhar e fornecer as explicações necessárias ao inventário no dia 13 de Junho de 2019 e no dia 14 de Junho de 2019, a partir das 09:00 horas, durante todo o horário laboral.
8 - Por carta de 18 de Julho de 2019, a arguida comunicou a (...) que do inventário realizado resulta a falta de peças e acessórios para veículos automóveis que totaliza o montante global de € 3.062,82 (três mil e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), conforme o mapa remetido, e que na data da efectiva cessação do contrato de trabalho por (...) procedeu ao apuramento dos créditos respectivos a seu favor, nomeadamente os montantes a que tem direito respeitantes a subsídios de férias, subsídio de Natal e férias não gozadas que totalizam o montante final líquido de € 1.783,51 (mil setecentos e oitenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), conforme recibo de vencimento n.º 38523 de Junho de 2019.
9 - Comunicou ainda a arguida a (...) que, por força da autorização assinada, procedeu à compensação do crédito/débito dos montantes referidos, pelo que depois de efectuada a compensação encontra-se em débito por (...) para com a arguida a quantia de € 1.279,31 (mil duzentos e setenta e nove euros e trinta e um cêntimos).
10 - No dia 30 de Junho de 2019, a arguida emitiu um recibo de vencimento referente a Junho de 2019, em nome de (...), referente a subsídio de férias/2018, férias não gozadas (dias)/2018, subsídio de férias/2019, férias não gozadas (dias)/2019 e subsídio de Natal, no montante ilíquido de € 2.191,58 (dois mil cento e noventa e um euros e cinquenta e oito cêntimos) e líquido de € 1.783,51 (mil setecentos e oitenta e três euros e cinquenta e um cêntimos).
11 - A Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva apurou a importância em dívida pela arguida relativamente ao trabalhador no valor de € 2.060,33 (dois mil e sessenta euros e trinta e três cêntimos) e € 801,85 (oitocentos e um euros e oitenta e cinco cêntimos) para a segurança social.
12 - A arguida estava ciente de que deveria ter cumprido com as obrigações em causa e que ao agir como descrito não procedeu com o cuidado e diligência que, na sua qualidade de entidade patronal, lhe era exigido.
13 - Sabia que a sua descrita conduta constituía contraordenação punida com coima.
14 - E ao ser notificada para o cumprimento de uma obrigação legal e ao não demonstrar a sua regularização até à data do levantamento do processo representou como possível a existência de infracção laboral.
15 - No ano de 2018, a arguida teve um volume de negócios de € 12.267.432,00 (doze milhões duzentos e sessenta e sete mil quatrocentos e trinta e dois euros).
*
A sentença ainda considerou que, com relevância para a decisão em causa inexistia qualquer facto a considerar não provado.
Fundamentação de direito
Comecemos, então, pela questão prévia da inadmissibilidade do recurso da decisão que aplicou à arguida a coima de €2.000.00.
Conforme resulta dos autos a arguida foi condenada pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação prevista e punida pelo art. 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho na coima de € 2.000,00 e pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação prevista e punida pelo art. 263.º, n.º 1, n.º 2, alínea b) e 3 do Código do Trabalho na coima de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros).
O artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09. elenca as decisões que admitem recurso para o Tribunal da Relação.
Assim nos termos do n.º 1 do mencionado artigo, “ Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos no termos do artigo 39.º, quando: a)For aplicada ao arguido uma coima superior a 25UC ou valor equivalente; b)A condenação do arguido abranger sanções acessórias; c)O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público. d) A impugnação judicial for rejeitada; e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º”
E de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, “ Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.”
No caso, estando em causa a admissibilidade do recurso com base na al.a) do artigo 49.º da referida Lei posto que não foi aplicada qualquer uma das sanções acessórias previstas no artigo 562.º do CT, nem a situação se enquadra em nenhuma outra das alíneas do n.º 1 do artigo 49.º, o recurso é admissível se tiver sido aplicada à arguida uma coima superior a 25UC (€2.550.00) ou valor equivalente, sendo que, face ao disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal, o valor da coima para efeitos de recurso deve ser aferido em face da coima concreta aplicada a cada infracção e não em face da coima resultante do cúmulo jurídico.
Com efeito, como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06.12.2017, in www.dgsi.pt, “(…) no n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, expressamente se prevê que se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites. Refira-se que o mesmo regime resulta do artigo 73.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO). Daqui decorre que a admissibilidade de recurso face ao valor da coima se há-de aferir em função da coima concretamente aplicada a cada infracção, e não em função do montante da coima única aplicada em cúmulo jurídico. Este tem sido, de resto, o entendimento uniforme deste tribunal, como podem ver-se, entre outras, as decisões sumárias de 20 de Março de 2012 (Proc. n.º 350/11.0TTEVR.E1), de 21-06-2012 (Proc. n.º 405/11.1TTSTB.E1) e de 13-08-2013 (Proc. n.º 271/12.0TTEVR.E1). Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2012 (Proc. n.º 602/11.0TTGMR.P1, disponível em www.dgsi.pt), «o legislador, ao dispor, como dispôs, no nº 3 do art. 49º da Lei 107/2009, de 14.09, não poderia deixar de saber que, contemplando a decisão condenatória várias infracções, estas não poderiam deixar de ser objecto de cúmulo jurídico e, por consequência, da aplicação de uma coima única encontrada a partir das coimas parcelares correspondentes a cada uma das infracções cometidas, pelo que a citada norma reporta-se ao valor da coima parcelar.».
Consagrando igual entendimento veja-se, ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal de 10.11.2017, mesma pesquisa.
Consequentemente, tendo sido aplicada à arguida a coima de €2.000.00 pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho, é de concluir que não se verificam os pressuposto de recorribilidade quanto a esta decisão, termos em que não se admite o recurso nesta parte.
Resta, pois, a apreciação da decisão que condenou a arguida pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 263.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 3 do Código do Trabalho, na coima de €9.300,00.
Comecemos por apreciar a questão de saber se a Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da Região Autónoma da Madeira é incompetente, em razão do território, para o procedimento contra-ordenacional em apreciação nos autos.
Sobre a alegada incompetência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva escreve-se na sentença recorrida o seguinte: “Começa a arguida por invocar a incompetência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da Região Autónoma da Madeira para a instauração do presente processo contraordenacional, pelo facto de a sua sede se localizar em Vila do Conde. Vejamos, então. Nos termos do art. 4.º, alínea a) da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, com a epígrafe “competência territorial”, são territorialmente competentes para o procedimento das contraordenações, no âmbito das respectivas áreas geográficas de actuação de acordo com as competências previstas nas correspondentes leis orgânicas: os serviços desconcentrados da ACT em cuja área se haja verificado a contraordenação. De acordo com o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o facto considera-se praticado no lugar em que, total ou parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, devia ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido. No caso em análise, as contraordenações imputadas à arguida prendem-se com o não pagamento ao trabalhador da retribuição referente a 2 dias do mês de Junho de 2019 e 20 dias de férias não gozadas e respectivo subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado no ano de 2019, em virtude da denúncia do contrato de trabalho levada a cabo pelo trabalhador. No que se reporta à retribuição, dispõe o art. 277.º, n.º 1 do Código do Trabalho que esta deve ser paga no local de trabalho ou noutro lugar que seja acordado. Ou seja, se considerarmos esta norma igualmente aplicável aos créditos decorrentes da cessação da relação laboral, e dado que o local de trabalho do trabalhador era nesta Região Autónoma da Madeira, dúvidas inexistem da competência da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da Região Autónoma da Madeira. Mas, ainda que porventura assim não se entendesse, atento o facto de a relação laboral ter cessado, a igual solução se chegaria por via do art. 774.º do Código Civil. Com efeito, nos termos desta norma, se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento. Conclui-se, assim, pela competência da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da Região Autónoma da Madeira para o presente processo contraordenacional.”
Discordando do entendimento do Tribunal a quo, defende a arguida que estava acordado e é prática comprovada nos autos que esta paga os salários na sua sede social sita em Vila do Conde, que é neste local que se encontram os serviços administrativos e recursos humanos onde se processam os salários e se efectuam os pagamentos, sendo certo que na fase administrativa a recorrida solicitou todas as informações à recorrente directamente na sua sede e não no estabelecimento sito no Funchal, que a cessação do contrato de trabalho não determinou qualquer alteração da obrigação de pagamento, designadamente no que respeita ao local do cumprimento da obrigação na sede da sociedade recorrente e que o entendimento que consta da sentença assenta no errado pressuposto de que não estava estipulado o local do cumprimento da obrigação, pelo que a Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva da RAM é incompetente, em razão do território, para o processo contra-ordenacional.
Vejamos:
Nos termos do artigo 4.º, al.a) da Lei n.º107/2009, de 14 de Setembro, são territorialmente competentes para o procedimento das contraordenações, no âmbito das respectivas áreas geográficas de actuação de acordo com as competências previstas nas correspondentes leis orgânicas: os serviços desconcentrados da ACT em cuja área se haja verificado a contra-ordenação.”
E onde é que se considera verificada a contra-ordenação?
Responde o artigo 6.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro, aplicável ex vi do artigo 60.º da Lei n.º107/2009, de 14.09: “ O facto considera-se praticado no lugar em que, total ou parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.”
Como decorre do n.º 1 do artigo 277.º do CT, chamado à colação pelo Tribunal a quo e que não vemos razão para afastar posto que em causa estão créditos laborais, “a retribuição deve ser paga no local de trabalho ou noutro lugar que seja acordado, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.”
Analisados os autos não existem dúvidas de que o local de trabalho do ex-trabalhador da arguida era na Região Autónoma da Madeira.
Por outro lado, contrariamente ao que afirma a recorrente, não está comprovado nos autos que foi estipulado outro local para o cumprimento da obrigação.
Acresce que, não obstante a sede da arguida ser em Vila do Conde e aí serem processados os salários do seu ex-trabalhador, o certo é que o n.º1 do artigo 277.º do CT reporta-se ao local de trabalho e não ao local onde são processados os salários, os quais muitas vezes nem coincidem.
Por fim, mesmo admitindo-se, como refere a recorrente, que a retribuição do seu ex-trabalhador era paga mediante transferência bancária, a verdade é que a falta de pagamento, ou seja, o resultado típico da contra-ordenação produziu efeitos onde laborava o ex-trabalhador que era na Região Autónoma da Madeira.
Por conseguinte, não merece reparo a sentença recorrida quando afirma a competência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva para o presente procedimento contra-ordenacional.
Vejamos, agora, se a decisão administrativa padece de nulidade.
Sobre a invocada nulidade pronunciou-se o Tribunal a quo assim: “Nos termos do art. 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias contém: a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias. Os requisitos previstos neste artigo, cuja redacção é igual à do art. 58.º Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, e que devem obrigatoriamente constar da decisão administrativa, visam, essencialmente, assegurar ao arguido a “possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que se pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.” [cfr. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, 3ª edição, Janeiro 2006, pág. 386 e 387]. Ou seja, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição, ainda que sumária, dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. Na verdade, assumindo tal decisão o carácter de uma sentença condenatória em matéria contraordenacional, tem uma estrutura semelhante à prevista para a sentença penal no art. 374.º do Código de Processo Penal, embora só aproveitando desta os elementos mais elementares e básicos: a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão. Prescinde-se, na decisão que aplica a coima, do relatório, da enumeração dos factos não provados e do exame crítico da prova, que só encontram justificação no âmbito do processo penal, dada a maior dignidade deste e a relevância que assume para a liberdade das pessoas. [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 06P3200, de 21/09/2006, disponível em www.dgsi.pt] No caso, a arguida invoca que a decisão administrativa não contém a descrição dos factos, nem a apreciação crítica da prova e é omissa quanto à moldura na aplicação da coima e quanto aos fundamentos seguidos para o cúmulo jurídico. Ora, no que se reporta ao exame crítica da prova, o art. 25.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, não exige expressamente que na decisão administrativa conste o exame crítico da prova, a que alude o art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, limitando-se a exigir a indicação das provas obtidas. Conclui-se, assim, no que se reporta ao exame crítico da prova, que a decisão administrativa não tem de o fazer. No demais, analisando a decisão administrativa, verifica-se que esta efectua uma descrição, ainda que sumária, dos factos, indicando de forma clara as normas violadas e punitivas e respectiva moldura da contraordenação, tendo a arguida apreendido facilmente os factos em causa, conforme o demonstra o exercício do seu direito de defesa e a impugnação judicial apresentada. Por outro lado, no que se reporta à fundamentação do cúmulo jurídico, invoca-se na decisão administrativa o disposto no art. 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, considerando-se tal referência, em conjugação com os demais factos constantes da decisão administrativa, suficiente. Não se vislumbra, de resto, qualquer efeito útil em tal concretização, na medida em que a coima única, resultante do cúmulo, tem como limite máximo o valor de € 13.300,00 (treze mil e trezentos euros) e mínimo o valor de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros) e a arguida foi sancionada com o valor de € 10.000,00 (dez mil euros), ou seja, um valor próximo do mínimo legal. Por último, invoca a arguida que a decisão não se pronunciou sobre invocada incompetência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva. Efectivamente, constata-se que a arguida, na fase administrativa, apresentou defesa, na qual invocou, para além do mais, a incompetência desta inspecção regional para o procedimento de contraordenação. A decisão administrativa não se pronunciou expressamente sobre tal incompetência. Todavia, não pode deixar de se considerar que a Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva ao proferir decisão, nos moldes em que o fez, ainda que de forma implícita, considerou-se territorialmente competente para o efeito, não dando, assim, razão aos argumentos da arguida. Deste modo, e por todo o exposto, conclui-se que a decisão administrativa se encontra suficientemente fundamentada, não enfermando, assim, da nulidade imputada.”
Apreciando.
O artigo 25.º da Lei n.º107/2009 de 14.09. enumera a menções que devem constar da decisão administrativa.
Assim, de acordo com o n.º 1 da referida norma: “1-A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a)A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção; b)A descrição dos factos imputados com a indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.”
Por seu turno, estatui o seu n.º 5 que “ A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.”
Mantém a recorrente que a decisão administrativa é nula porque não se pronunciou expressamente sobre a incompetência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva para este procedimento contra-ordenacional;
Analisada a decisão administrativa constata-se ser certo que esta não se pronunciou expressamente sobre a arguida incompetência territorial da Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva para o presente procedimento contra-ordenacional.
Sucede, porém, que a entidade administrativa, apesar de não ter conhecido expressamente da mencionada excepção, proferiu a decisão, o que pressupõe, necessariamente, que se considerou competente territorialmente para tal efeito. Donde, acompanha-se a sentença recorrida quando conclui que “não pode deixar de se considerar que a Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva ao proferir decisão, nos moldes em que o fez, ainda que de forma implícita, considerou-se territorialmente competente para o efeito, não dando, assim, razão aos argumentos da arguida.”
Ainda invoca a recorrente que a decisão administrativa confunde a factualidade provada com a fundamentação e esta com aquela.
Do ponto II da decisão administrativa constam os factos que foram considerados provados.
Sucede que da alínea j) dos factos provados, em vez de constarem factos é explanada a motivação de determinados factos, bem como consta matéria de direito, quando a fundamentação de direito foi incluída no ponto III da decisão, pelo que, nesta parte, confunde-se matéria de facto com motivação e com matéria de direito.
E na alínea i) dos “Factos provados” consta uma conclusão (“Que, não resulta, pois, para o caso subi uris prova líquida de que as quantias reclamadas pelo trabalhador tenham sido regularizadas, através da junção aos autos de qualquer meio de quitação dos valores apurados, nem quaisquer transferências bancárias coincidentes com os valores em causa”).
Mas contrariamente ao referido pela recorrente, na al.i) consta um facto (“Que as testemunhas arroladas pela arguida corroboraram na sua totalidade os argumentos aduzidos na resposta escrita apresentada pela sua defesa (cfr.fls.79 a 83”).
Contudo, considerando o fim prosseguido pelo artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09 é evidente que as mencionadas irregularidades formais não comprometem, de modo nenhum, o direito de defesa da recorrente, não gerando, assim, a nulidade da decisão.
Também alega a recorrente que a decisão administrativa é contraditória por fazer constar que “as testemunhas arroladas pela arguida corroboram na sua totalidade os argumentos aduzidos na resposta escrita apresentada pela sua defesa” (al.i) dos factos provados). Salvo o devido respeito, não vemos de onde retirar essa contradição.
Com efeito, apesar de considerarmos que, em termos sistemáticos, a matéria da alínea i) melhor assentaria na parte descritiva dos actos realizados na fase administrativa, o certo é que a decisão limitou-se a constatar o facto de que as testemunhas arroladas pela arguida corroboraram os argumentos por esta invocados na resposta que apresentou, e só, o que é realidade bem distinta de ter dado como provados os factos alegados pela arguida na resposta e que, eventualmente, levariam à absolvição da contra-ordenação.
Mas ainda sustenta a recorrente que a decisão administrativa é nula porque não faz uma apreciação crítica da prova.
Como refere a sentença recorrida, o artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09, não exige que seja feita uma apreciação crítica da prova. E nesse sentido também apontam os n.ºs 4 e 5 do referido preceito legal.
E como já se decidiu no Acórdão deste Tribunal e Secção de 30.11.2016, in www.dgsi.pt e no qual a ora relatora interveio como adjunta: “Ora, mirando o teor das al. b) e c) do n.º 1, verificamos que a lei exige que a decisão administrativa contenha (b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; (c) a fundamentação da decisão. E destes preceitos em lado nenhum encontramos seja a necessidade de uma apreciação crítica das provas, seja a de uma fundamentação extensiva da decisão. Citando o acórdão da Relação de Guimarães de 24.09.2007, "I – Na decisão administrativa em recurso, no que concerne à materialidade dos factos que são imputados à arguida, não foi feito o exame crítico da prova a que alude o nº 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal. II – Simplesmente, não se vislumbra a necessidade de tal exame: - Primeiro porque o citado artigo 58° o não exige expressamente, limitando-se a exigir a indicação das provas (no sentido de que a fundamentação das decisões administrativas se basta com a indicação das provas, não sendo exigível o seu exame crítico, contrariamente ao que ocorre com as decisões judiciais, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10-7-2003, procº nº 903/03, rel. Maria Augusta). - Depois, porque a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar pelo que não há que chamar à colação o artigo 374° do Código de Processo Penal (cfr. v.g. os Acs da Rel. de Coimbra de 13-1-1999, recº nº 955/98, de 17-3-1999, recº nº 11/99, ambos in www.trc.pt). - Finalmente, porque os requisitos consignados no citado artigo 58° visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. III – Por isso, sublinham os Consº Simas Santos e Lopes de Sousa, as exigências feitas no citado artigo 58° “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercido desses direitos”(Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pág. 387) IV – Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. V – 0 que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa” (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, CoI. de Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, procº nº 1223/03, in www.trc.pt)". De resto, o n.º 4 até se contenta, verificados os respetivos pressupostos, com uma mera remissão para os autos de noticia ou de infração ou para a participação, o que mostra que a lei optou decididamente por simplificar, até onde é possível, a decisão administrativa. Não se ignora que a questão do exame crítico da prova tem sido discutida (por todos cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Univ. Cat. Editora, 238, nota 4 (5), nem sempre com respostas unívocas. Mas não pode ignorar-se, por um lado, que este artigo (citado art.º 25) rege o conteúdo da decisão administrativa de forma suficiente, não carecendo de ser integrado por outros diplomas; por outro, que há uma enorme diferença entre esta decisão e uma sentença judicial, não valendo aquela mais, no fundo, do que uma simples acusação, como resulta do disposto no art.º 37 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro ("O Ministério Público torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação"), aliás como também dispõe o art.º 62 do RGCO. E pretender que uma acusação há de estar sujeita aos requisitos de uma sentença judicial, salvo o devido respeito, não tem sentido. Neste sentido cfr. o acórdão da Relação de Évora de 11-10-2011: "I-A decisão administrativa, em todo o caso, até está fundamentada de facto. II-Sem prejuízo de o artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações dever ser analisado à luz dos princípios do artigo 32.º da Constituição, não deverá ignorar-se, tão-pouco, que a imputação ao arguido pela autoridade administrativa de uma contra-ordenação e subsequente estabelecimento do contraditório nos termos previstos no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações não traduz ainda uma acusação pública, surgindo esta apenas com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo Ministério Público na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa nos termos do artigo 62.º do mesmo diploma legal. III-O respeito pelos direitos de defesa e contraditório bem como o princípio da presunção de inocência não impõem a observância no procedimento e decisão administrativa do mesmo grau de exigências formais impostas a uma decisão judicial produzida no termo de um processo moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela dos direitos fundamentais".”
Assim, não vislumbramos que a falta de apreciação crítica das provas possa inquinar a decisão administrativa, tanto mais que desta ressaltam, sem qualquer dúvida, os factos imputados à arguida, bem como o enquadramento legal que determinou a sua condenação, o que tudo foi compreendido pela arguida como se extrai da defesa que juntou aos autos, estando, pois, fundamentada de facto e de direito.
Por fim, ainda invoca a recorrente que a decisão administrativa é nula por ser omissa quanto à moldura penal aplicável.
No ponto III da decisão refere-se: “ Impende sobre a arguida igualmente a acusação de infringir o disposto no n.º 1 e na al.b) do n.º 2 do artigo 263.º (subsídio de Natal) do Código do Trabalho, o que constitui infracção muito grave nos termos do n.º 3 do artigo 263.º do Código do Trabalho, a que corresponde, a coima de €9.180.00 a €30.600.00 (90 UC a 300UC) por a infracção ser punida a título de negligência, de harmonia com o disposto na primeira parte da alínea e) do n.º 4 do artigo 554.º do Código do Trabalho.
Ou seja, no que toca à contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 263.º n.ºs 1 e 2 al.b) do CT à qual se cinge o recurso, a decisão administrativa identificou a moldura da coima, termos em que não se verifica a invocada omissão.
Em conclusão, não merece censura a sentença recorrida quando conclui pela inexistência das nulidades imputadas à decisão administrativa.
Analisemos, agora, se a sentença é nula.
A este propósito invoca a recorrente, em resumo, que os pontos 12, 13 e 14 da sentença não podem ser considerados por expressarem um raciocínio conclusivo e não encontrarem qualquer sustentação em qualquer elemento de prova e que a sentença omite a fundamentação quanto a tais pontos dos factos provados o que consubstancia nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil e que é feita uma deficiente e obscura alusão aos factos provados e não provados o que compromete o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contende com o acesso à justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no artigo 20.º da CRP.
Vejamos.
Em decorrência da imposição constitucional consagrada no artigo 205º n.º 1 da CRP que estatui que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, dispõe o n.º 4 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09., que “O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.”
Nos termos do artigo 379.º do CPP aplicável ex vi do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09 e do artigo 41.º do DL n.º 433/82 de 27.10: “1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
Por seu turno, dispõe o n.º 2 do artigo 374.º do CPP que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, enquanto que a al.b) do n.º 3 prevê que “A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) (…); b) A decisão condenatória ou absolutória; (…).”
Analisada a sentença dela resulta que sob o título II Fundamentação e sob A- Factos Provados - foram enumerados os factos provados com relevância para a decisão e sob B- Matéria de Facto Não Provada - ficou consignado que “Com relevância para a decisão em causa inexiste qualquer facto a considerar não provado.”
Assim, dúvidas não existem de que a sentença enumerou os factos provados com interesse para a decisão da causa, como deixou claro que com relevância para a decisão da causa não existem factos a considerar não provados.
E motivou a matéria de facto provada nos termos seguintes: “A convicção para a determinação da matéria de facto considerada provada resultou da prova produzida em audiência de julgamento conjugada com a documentação constante dos autos. Assim, em concreto, tiveram-se em consideração: a) O depoimento de (…), inspectora do trabalho, a desempenhar funções na Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva, o qual confirmou o auto de notícia de fls. 2, descrevendo as circunstâncias em que foi instaurado o processo de contraordenação à arguida; b) O depoimento de (…), o qual desempenhou funções para a arguida até Junho de 2019, e que descreveu o contexto em que procedeu à denúncia do contrato de trabalho, corroborando o documento de fls. 16. Em conformidade com os documentos de fls. 35 a 40, admitiu ainda que não lhe foi paga qualquer quantia em consequência da cessação do contrato de trabalho, tendo a arguida compensado a quantia em dívida com as quantias que apurou na sequência do inventário que realizou. Pese embora já não se recordasse da assinatura do documento de fls. 45, confirmou o mesmo. Relativamente ao período em que esteve ausente do trabalho valorou-se também o seu depoimento, tendo expressamente declarado que desde o dia 15 de Abril de 2019 não mais voltou ao trabalho, conjugado com os certificados de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 11 a 15. c) Os depoimentos de (…), o qual desempenhou funções para a arguida até 30 de Setembro de 2019, como responsável dos recursos humanos, José António de Oliveira Pereira e (…), ambos juristas, a desempenhar funções para a arguida, os quais, revelando conhecimento directo dos factos, adveniente das funções desempenhadas, em depoimentos concordantes entre si, confirmaram a assinatura pelo trabalhador da declaração de fls. 45, afirmando que tal corresponde a uma prática seguida pela arguida relativamente aos responsáveis. Descreveram, ainda, pormenorizadamente, a realização pela arguida de um inventário na filial da Madeira, na sequência da cessação do contrato do trabalhador (...), para apuramento/confirmação do stock existente e eventual responsabilidade deste, no âmbito do qual foi apurada a existência de peças em falta no valor de cerca de € 3.000,00 (três mil euros), tendo sido efectuada a respectiva compensação com os créditos de que o trabalhador era titular em consequência da cessação do contrato de trabalho. d) No que se reporta ao ordenado base do trabalhador foi tomado em consideração o recibo de fls. 18, quanto ao apuramento das responsabilidades pela Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva o mapa de reposição de fls. 4 e quanto ao volume de negócios da arguida o relatório único de fls.”
Do exposto, resulta que, efectivamente, na motivação, nada é referido quanto à factualidade não provada.
Contudo, tendo ficado consignado que com relevância para a decisão da causa inexiste qualquer facto a considerar não provado, não se vislumbra qual a fundamentação que merece o que nem se elencou como não provado.
No que respeita aos pontos 12 a 14 dos factos provados, a respectiva fundamentação extrai-se da motivação considerada no seu conjunto, sendo facilmente apreendida da motivação do elemento objectivo da contra-ordenação, sendo certo que apenas a falta absoluta de motivação, quer de facto, quer de direito é susceptível de gerar a nulidade da sentença, o que, manifestamente, não é o caso.
Quanto à alegação de que os pontos 12, 13 e 14 da sentença não podem ser considerados por serem conclusivos e não encontrarem qualquer sustentação em qualquer prova, relembre-se antes do mais o respectivo teor: “12 - A arguida estava ciente de que deveria ter cumprido com as obrigações em causa e que ao agir como descrito não procedeu com o cuidado e diligência que, na sua qualidade de entidade patronal, lhe era exigido. “ “13 - Sabia que a sua descrita conduta constituía contraordenação punida com coima. “ “14 - E ao ser notificada para o cumprimento de uma obrigação legal e ao não demonstrar a sua regularização até à data do levantamento do processo representou como possível a existência de infração laboral.”
A matéria em causa constitui o elemento subjectivo (cognitivo e volitivo da contra-ordenação) que é integrado por factos psicológicos, devendo, nessa medida, constar da factualidade provada, como consta.
A recorrente ainda invoca que estes pontos da matéria de facto não encontram sustentação em qualquer prova, o que equivale a impugnar a mencionada matéria de facto.
Sucede, porém, que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito.
A propósito desta norma escreve o Exmo. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime”, 2010, Almedina, pág. 169, ” O recurso em matéria de facto está limitado às situações referidas no art. 410º, nº2 do CPP, pelo que, em regra, a Relação apenas aprecia matéria de direito, funcionando, na prática, como tribunal de revista”.
Estabelece o art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b)-A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c)-Erro notório na apreciação da prova.”
Os vícios em causa são de conhecimento oficioso, sendo certo que analisada a sentença recorrida é de concluir que esta não padece dos mesmos.
Por fim, também não vemos que tenha sido feita uma deficiente e obscura alusão aos factos provados e não provados ou que esteja comprometido o direito ao recurso da matéria de facto, o qual, como já vimos, apenas é admitido nos limites acima referidos.
Nem a sentença omitiu pronúncia posto que conheceu de todas as questões que foram suscitadas pela recorrente no recurso de impugnação.
Nestes termos, impõe-se concluir que não assiste razão à recorrente quando invoca a nulidade da sentença.
Apreciemos, agora, se, no caso, é admissível a compensação.
Após efectuar o enquadramento legal das contra-ordenções imputadas à arguida e concluir no sentido de que esta deve ser absolvida da contra-ordenação prevista e punida no artigo 278.º n.ºs 1, 2 e 4 do CT, quanto ao mais, pronunciou-se a sentença recorrida nos termos seguintes: “No mais, inexistem dúvidas de que a arguida não procedeu à entrega dos montantes devidos ao trabalhador, em consequência da cessação do contrato de trabalho, a título de férias e subsídio de Natal e respectivos proporcionais, optando, antes, por proceder à sua compensação com os valores de que se considerava credora relativamente ao trabalhador. O instituto jurídico da compensação, como forma de extinção da obrigação, encontra-se previsto nos art. 847.º e seguintes do Código Civil. A compensação consiste numa “forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação directa.” [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, pág. 135]. Preceitua o art. 847.º do Código Civil que: “1- Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2 - Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3- A iliquidez da dívida não impede a compensação.” Por sua vez, estipula o art. 848.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra. Em suma, para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exigem-se a verificação dos seguintes requisitos: (a) a existência de dois créditos recíprocos; (b) a exigibilidade do crédito do autor da compensação; (c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações; (d) a não exclusão da compensação pela lei; e, (e) a declaração de vontade de compensar. [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/07/2014, Processo n.º 11148/12.9YPRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt] No caso em análise, a arguida sustenta que o trabalhador assumiu a responsabilidade pela gestão do inventário do estabelecimento comercial do qual foi encarregado, sendo que, neste âmbito, prestou autorização para a compensação dos créditos que viessem a ser apurados a favor da arguida. Na verdade, no dia 7 de Dezembro de 2012, (...) assinou uma declaração nos termos da qual, na qualidade de legal responsável da filial da Madeira da arguida, “declara para todos os devidos e legais efeitos que o stock do estabelecimento comercial da sociedade se encontra em perfeitas condições, isto é, corresponde ao stock informático, conforme documentos de inventário realizado a 07/12/2012. Mais declara, que a partir desta data, quaisquer anomalias no mesmo stock, bem como do restante material do estabelecimento, passam a ser da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer eventuais anomalias que se venham a verificar. Declaro ainda que, a caixa do estabelecimento, passa a ser também da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer diferenças que venham a existir, a partir desta data. A presente declaração fica anexa ao contrato de trabalho do declarante, sendo parte integrante do mesmo. O declarante não pode suscitar a nulidade da presente declaração por corresponder à sua consciente vontade sendo certo que, para a entidade empregadora este é um requisito essencial para a formação da vontade de contratar.” Estamos, assim, perante uma declaração em que o trabalhador assume a responsabilidade por quaisquer anomalias que se venham a verificar no stock, bem como no restante material do estabelecimento, e por quaisquer diferenças que venham a existir na caixa do estabelecimento. Em primeiro lugar, refira-se que é de duvidosa legalidade a assunção pelo trabalhador de toda e qualquer responsabilidade por qualquer anomalia, nos moldes em que o fez, designadamente face ao disposto no art. 483.º, n.º 2 do Código Civil. Mas, para além disso, ao contrário do alegado pela arguida, considera-se que tal declaração não contém, em si, uma prévia autorização do trabalhador para que a arguida, sem mais, compense quaisquer créditos decorrentes de tal responsabilidade. Aliás, atento o disposto no art. 279.º, n.º 1 do Código do Trabalho, com a epígrafe “compensações e descontos”, nunca uma declaração de autorização para compensação seria admissível na vigência do contrato de trabalho. Com efeito, determina esta norma que, “na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.” Tal disposição legal determina, na vigência do contrato de trabalho, a inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos do empregador sobre o trabalhador e só nos casos previstos no seu n.º 2, é admitida a compensação, a qual não pode exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição (n.º 3 do citado artigo), a não ser no caso da alínea a) do seu n.º 2. Concluindo, a declaração em causa não tem a validade que a arguida lhe atribui não podendo, pois, justificar a invocada compensação. Deste modo, a arguida apenas poderia proceder à compensação nos termos legais, mais propriamente se demonstrasse a existência de um crédito perante o trabalhador decorrente da violação por este dos seus deveres laborais, ou seja, teria de alegar e provar factos que permitissem concluir pela responsabilidade civil do trabalhador. Todavia, constata-se que a arguida, centrando, antes, a compensação na declaração emitida pelo trabalhador, não alegou, nem demonstrou factos concretos que permitissem concluir pela responsabilidade do trabalhador, a fim de se apreciar da eventual compensação de créditos. Com efeito, considera-se que o mero facto de o trabalhador ser o responsável pela filial e a arguida, no inventário que realizou, ter apurado da falta de peças e acessórios, não permite, sem mais, concluir pela responsabilidade civil contratual do trabalhador. Deste modo, não se reconhecendo o crédito indemnizatório que a arguida pretendia ver compensado com os créditos laborais do trabalhador, resta concluir pela verificação dos elementos do tipo objectivo das duas contraordenações imputadas. Num tal contexto, ao proceder à compensação da forma em que o fez, e encontrando-se a arguida ciente de que deveria ter cumprido com as obrigações em causa, sabendo que a sua conduta constituía contraordenação punida com coima, a sua conduta não pode ainda deixar de ser considerada negligente, preenchendo o elemento subjectivo do tipo legal em conformidade com o disposto nos art. 548.º e 550.º do Código do Trabalho e art. 8.º do Decreto-Lei n.º 433/82 ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. Com efeito, considera-se que existe negligência sempre que o agente viola o dever objectivo de cuidado adequado a evitar a ofensa do bem jurídico protegido pela norma; isto é, quando não toma a precauções necessárias adequadas a evitar o resultado, ou seja, a negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia. Deste modo, não restam, dúvidas que a arguida com a sua conduta praticou as duas contraordenações que lhe são imputadas, previstas e punidas pelo art. 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho e 263.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 3 do Código do Trabalho. Nesta sequência, considerando que a arguida não impugnou o quantitativo das duas coimas aplicadas, mantem-se a decisão recorrida quanto a estas.”
Defende a recorrente, por sua banda e em síntese, que dúvidas não subsistem que o seu ex-trabalhador assumiu através de declaração expressa a responsabilidade por quaisquer anomalias que se venham a verificar no stock, bem como no restante material do estabelecimento e por quaisquer diferenças que venham a existir na caixa do estabelecimento, que não se pode concordar que na sentença recorrida se afirme que “é de duvidosa legalidade a assunção pelo trabalhador de toda e qualquer responsabilidade por qualquer anomalia, nos moldes em que o fez, designadamente face ao disposto no artº 483º nº 2 do Código Civil.”, competindo à Meritíssima Juiz “a quo” apreciar da legalidade ou não da responsabilidade assumida pelo ex-trabalhador da recorrente, que face ao que consta da sentença recorrida, além da suscitada dúvida, nada mais ficou a saber quanto à admissibilidade da compensação, sendo certo que, não pode a recorrente concordar com tal dúvida, uma vez que, a declaração foi subscrita de forma livre e expressa pelo ex-trabalhador quando assumiu idênticas funções às de um gerente de uma sociedade, sendo o único responsável por toda a actividade desenvolvida na filial do Funchal, que verificada a responsabilidade do ex-trabalhador por danos que causou à entidade empregadora, tornou-se esta automaticamente credora daquele, crédito este que nem o ex-trabalhador nem quem quer que seja, designadamente a recorrida alguma vez colocou em causa, pelo que está verificado um dos requisitos para a compensação, ou seja, a existência de um crédito e contracrédito, que ainda que a declaração efectuada pelo ex-trabalhador não constituísse prévia autorização para a compensação, a verdade é que também não se opôs a que esta se concretizasse, pelo que, sempre estamos perante consentimento tácito para a realização da compensação nos termos do disposto no artº 217º do Código Civil, que ocorrendo a compensação após a cessação do contrato de trabalho não há que apelar ao artº 279º do CT, que tendo a sociedade recorrente demonstrado a existência de um crédito perante o trabalhador decorrente da violação dos seus deveres laborais, cuja responsabilidade jamais foi ou é questionada, não pode aceitar o que consta da sentença recorrida no que respeita à falta de alegação e demonstração de factos concretos que permitissem concluir pela responsabilidade civil contratual do trabalhador e que face ao que consta dos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados e à total ausência de oposição às comunicações que a recorrente remeteu ao ex-trabalhador não se pode admitir a prática das infracções que lhe são imputadas.
Vejamos:
Da factualidade provada decorre que: no dia 7 de Dezembro de 2012, (...) assinou uma declaração nos termos da qual, na qualidade de legal responsável da filial da Madeira da arguida, “declara para todos os devidos e legais efeitos que o stock do estabelecimento comercial da sociedade se encontra em perfeitas condições, isto é, corresponde ao stock informático, conforme documentos de inventário realizado a 07/12/2012. Mais declara, que a partir desta data, quaisquer anomalias no mesmo stock, bem como do restante material do estabelecimento, passam a ser da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer eventuais anomalias que se venham a verificar. Declaro ainda que, a caixa do estabelecimento, passa a ser também da minha inteira responsabilidade, respondendo por quaisquer diferenças que venham a existir, a partir desta data. A presente declaração fica anexa ao contrato de trabalho do declarante, sendo parte integrante do mesmo. O declarante não pode suscitar a nulidade da presente declaração por corresponder à sua consciente vontade sendo certo que, para a entidade empregadora este é um requisito essencial para a formação da vontade de contratar.”
Ou seja, na vigência do contrato de trabalho, cerca de 4 meses depois de ter sido admitido na recorrente com a categoria profissional de encarregado (facto 2), o ex trabalhador assumiu, por escrito, a responsabilidade por todas e quaisquer anomalias verificadas no stock, bem como pela caixa do estabelecimento comercial, respondendo por quaisquer eventuais anomalias no stock e diferenças na caixa que viessem a existir.
Ora, considerando o disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, cremos que um declaratário minimamente capaz e diligente colocado na posição do real declaratário, no caso a recorrente, retiraria de tal declaração apenas e tão só a assunção, por parte do ex- trabalhador, da responsabilidade pelo stock e por diferenças de caixa, caso estas viessem a ocorrer.
Com efeito, a declaração em causa não corresponde, nem incorpora qualquer autorização para compensação de créditos.
Donde, não existe, no caso, qualquer autorização prévia dada pelo ex-trabalhador da recorrente, durante a vigência do contrato de trabalho, para uma futura compensação de créditos.
E também não se nota nos autos que depois de cessada a relação de trabalho tenha existido qualquer convenção entre as partes nesse sentido, nem que seja possível afirmar qualquer consentimento tácito do ex-trabalhador para que operasse a compensação. Com efeito, a denominada compensação voluntária ou contratual exige que haja uma convenção entre as partes na qual seja acordada a compensação (cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Volume II, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pag.119), o que não se verificou e, a ter existido o dito consentimento, certamente que este figuraria nos factos provados, o que não sucede (decorre da motivação que o ex-trabalhador foi ouvido na audiência de julgamento).
Por outro lado, apesar de a sentença ter referido que “é de duvidosa legalidade a assunção pelo trabalhador de toda e qualquer responsabilidade por qualquer anomalia, nos moldes em que o fez, designadamente face ao disposto no artº 483º nº 2 do Código Civil”( expressão que já constava da decisão administrativa),o certo é que acabou por não dizer se tal assunção é, ou não, ilegal, nem daí retirou quaisquer consequências, pelo que dada a sua inocuidade para a questão nada há a referir sobre a mesma.
Mas provou-se ainda que, por carta de 11 de Abril de 2019, o ex-trabalhador comunicou à recorrente a denúncia do contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 10 de Junho do presente ano e que tinha férias a gozar pretendendo gozá-las, solicitando que até ao dia 10 de Junho de 2019 a arguida lhe pagasse todos os valores a que tinha direito no ano da cessação do contrato de trabalho, nos termos do art. 245.º do Código do Trabalho, a par do subsídio de Natal e proporcional e vencimentos até à cessação efectiva do contrato de trabalho (facto 5), que por carta de 17 de Maio de 2019, a arguida comunicou ao ex-trabalhador que iria proceder à realização de inventário integral ao stock da filial da Madeira, solicitando a sua comparência ou de um representante para assistir, acompanhar e fornecer as explicações necessárias ao inventário no dia 13 de Junho de 2019 e no dia 14 de Junho de 2019, a partir das 09:00 horas, durante todo o horário laboral (facto 7) e por carta de 18 de Julho de 2019, a arguida comunicou ao ex trabalhador que do inventário realizado resulta a falta de peças e acessórios para veículos automóveis que totaliza o montante global de € 3.062,82 e que na data da efectiva cessação do contrato de trabalho procedeu ao apuramento dos créditos respectivos a seu favor, nomeadamente os montantes a que tem direito respeitantes a subsídios de férias, subsídio de Natal e férias não gozadas que totalizam o montante final líquido de € 1.783,51, conforme recibo de vencimento n.º 38523 de Junho de 2019 (facto 8) e que a recorrente ainda comunicou ao ex-trabalhador que, por força da autorização assinada, procedeu à compensação do crédito/débito dos montantes referidos, pelo que depois de efectuada a compensação encontra-se em débito para com a arguida a quantia de € 1.279,31.
Será que perante esta factualidade se pode concluir, como conclui a recorrente, que está verificada a existência do crédito e que operou a compensação?
O artigo 847.º do CC prevê uma das formas de extinção das obrigações - compensação - estatuindo o seguinte: “ 1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificando-se os seguintes requisitos: a)ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade; 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”
Prevê esta norma o caso em que qualquer parte pode impor à outra a compensação dos seus créditos, exigindo para tanto a verificação cumulativa dos requisitos a que aludem as als.a) e b) do n.º 1.
Com efeito, como ensina o Professor João de Matos Antunes Varela na obra “Das obrigações em geral”, vol.II,3.ª edição, Almedina, pag.161 “ Logo que se verifiquem determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se que quando assim, é, que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral).”
No caso, uma vez que não houve acordo quanto à compensação de créditos, a admitir-se a compensação invocada pela recorrente esta só poderia enquadrar-se na dita compensação legal.
Para que possa operar a compensação legal exige a lei a reciprocidade dos créditos, que o crédito possa ser judicialmente exigível, o que não significa ter sido previamente reconhecido judicialmente, que não proceda contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material e que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Por seu turno, estatui o n.º 1 do artigo 848.º do CC que a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Entendeu a sentença recorrida que não se verifica o requisito relativo à reciprocidade de créditos.
E com razão.
Senão vejamos.
A relação que fundamenta o alegado crédito da recorrente funda-se no contrato de trabalho celebrado e que, entretanto, se extinguiu por denúncia.
E foi no âmbito desse contrato de trabalho que o ex-trabalhador assumiu a responsabilidade pelas anomalias que se apurassem no stock e pelas diferenças da caixa, pelo que impunha-se à recorrente, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do CC, alegar e provar a existência de um crédito perante o trabalhador decorrente da violação dos seus deveres laborais. E só assim, poderia ver compensado o seu crédito com os créditos do trabalhador.
Mas como também refere a sentença recorrida, tal não sucedeu, pelo que não é possível concluir pela responsabilidade civil do trabalhador; provou-se que na sequência do inventário realizado pela recorrente foram apuradas falhas, mas não se provou que a causa dessas falhas radicou na violação dos deveres laborais por parte do ex-trabalhador.
Acresce que a circunstância de o trabalhador ter assumido ab initio a responsabilidade por futuras anomalias do stock e diferenças na caixa, não fazem com que incorra, automaticamente, em responsabilidade civil, quer seja extra contratual (art.483.º do CC) quer seja contratual (art.798.º do CC), posto que naquela a obrigação de de indemnizar existe quando se verifiquem: o facto; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano; e um nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. o Código Civil Anotado acima citado, Vol. I, pag.444) e nesta, a responsabilidade depende da existência de culpa (pag.47 do vol.II da mesma obra), sendo que a culpa só se presume se existir falta de cumprimento por parte do devedor. (art.799.º n.º 1 do CC).
E os factos provados não permitem, sem mais, concluir pelo incumprimento dos deveres laborais e consequentes obrigações contratuais por parte do trabalhador que tenham causado os mencionados danos à empregadora.
Assim, para além e não se ter provado que o ex-trabalhador autorizou a compensação dos créditos (o artigo 279.º n.º 1 do CT apenas proíbe a compensação pelo empregador na pendência do contrato de trabalho), também não se extrai dos autos que tenha adoptado um comportamento violador dos seus deveres laborais que determinaram os alegados danos causados à recorrente ou que tenha confessado a prática do mesmo gerando, assim, o crédito da recorrente.
Por último, o artigo 551º n.º 3 do CT invocado pela recorrente aplica-se aos sujeitos responsáveis pela contra-ordenação, o que não será o caso do ex-trabalhador, na medida em que a contra-ordenação ocorreu exactamente porque não lhe foi pago o proporcional do subsídio de Natal devido no ano da cessação do contrato.
Consequentemente e tal como considerou a sentença recorrida, não é de reconhecer o crédito que a recorrente pretendia ver compensado com os créditos laborais, pelo que, não tendo a recorrente pago ao ex-trabalhador o valor relativo ao proporcional do subsídio de Natal (art.263. n.º 1 e 2 al.b do CT), incorreu na contra-ordenação prevista no n.º 3 do mesmo artigo, conforme lhe foi imputada.
Por último, importa apreciar se, como invoca a recorrente a sanção não se mostra justificada nem fundamentada.
Sobre a sanção escreve-se na sentença o seguinte: “Deste modo, não restam, dúvidas que a arguida com a sua conduta praticou as duas contraordenações que lhe são imputadas, previstas e punidas pelo art. 245.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho e 263.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 3 do Código do Trabalho. Nesta sequência, considerando que a arguida não impugnou o quantitativo das duas coimas aplicadas, mantem-se a decisão recorrida quanto a estas. Todavia, considerando que se absolve a arguida de uma das contraordenações pela qual vinha condenada e que foi tomada em consideração no cúmulo jurídico realizado, cumpre refazer o mesmo. Nos termos do art. 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro: “1 – Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 – A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo das contraordenações em concurso. 3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.” No presente caso, a arguida foi condenada nas coimas unitárias de € 2.000,00 (dois mil euros) e € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros). Assim, o limite mínimo da coima a aplicar corresponderá ao da coima máxima aplicada, ou seja, € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros) e o máximo à soma das coimas aplicadas, ou seja, € 12.300,00 (doze mil e trezentos euros). De salientar que a nova perspectiva, agora conjunta, não pode apagar a pluralidade de ilícitos praticados, mas ter-se-á de aferir uma nova culpa, que continuará a ser a culpa pelo facto, mas agora a culpa pelos factos na sua relação uns com os outros. Procedendo a uma valoração global das contraordenações ora em causa, atentos os factos que estão subjacentes a estas, temos de ponderar, em primeiro lugar, o facto de ambas terem sido praticadas nas mesmas circunstâncias. Com efeito, estamos perante valores devidos em consequência da cessação do contrato de trabalho, a título de subsídios de férias e de Natal e respectivos proporcionais. Assim sendo, entende-se ser adequada a aplicação à arguida de uma coima única no limite mínimo, ou seja, no valor de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros).”
Do exposto, decorre que a arguida não impugnou o quantitativo da coima aplicada, pelo que apenas restava ao Tribunal a quo, na sequência da absolvição da prática de uma das contra-ordenações, proceder a novo cúmulo das coimas restantes, como fez.
Consequentemente improcede a alegada falta de fundamentação da sanção e o recurso em toda a sua extensão, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Lisboa, 25 de Novembro de 2020
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos