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PROPRIEDADE HORIZONTAL
VÃO DE COBERTURA
PARTE COMUM
OBRA INOVADORA
ABUSO DE DIREITO
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)
I. O vão de cobertura (vão de telhado ou sótão), em edifício submetido ao regime de propriedade horizontal, não é de considerar parte imperativamente comum (por não ser, naturalística ou funcionalmente, assimilável aos conceitos de «telhado» ou «terraço de cobertura»), mas apenas presuntivamente parte comum.
II. Essa presunção de comunhão pode ser ilidida mediante a prova da afectação material ab initio (reportada ao momento da constituição da propriedade horizontal ou, a fortiori, ao da construção do prédio) do vão de cobertura a algum condómino.
III. O vão de cobertura a que se aceda exclusivamente pelo interior de duas facções (as que se encontram imediatamente sob ele), que esteja dividido ao meio por uma parede (permitindo a utilização de cada uma das suas duas metades pelo condómino proprietário da fracção autónoma que, respectivamente, se encontra sob si), e que faça parte de um edifício em que as demais fracções possuem um espeço próprio adjacente para arrumos, tudo assim sucedendo desde a construção do prédio e a constituição do condomínio, deve considerar-se como fazendo parte das ditas fracções autónomas cimeiras, por estar afectado ao seu uso exclusivo.
IV. A abertura de janelas em fachada exterior de prédio constituiu uma obra inovadora; e, sendo a fachada parte comum do edifício, terá de ser autorizada por maioria de dois terços dos condóminos, sob pena de poder ser ordenada a reposição do edifício ao seu estado inicial.
V. Sendo conhecida por condómino, há mais de vinte anos, a ilícita abertura de janelas em fachada, e nunca tendo reagido a ela, podendo fazê-lo, não deverá ser autorizado a agir desse modo após aquele período de tempo, quando se mantiveram inalteradas as circunstâncias em que a respectiva passividade/inércia se manifestou, por essa actuação consubstanciar abuso de direito, na modalidade de supressio.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada
1.1.1. F. C. e mulher, M. J. (aqui Recorrentes), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra S. C. e mulher, R. L. (aqui co-Recorridos), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, e contra F. J. e mulher, M. F. (aqui co-Recorridos), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, pedindo que
· fosse declarado que o vão de cobertura (sótão) do edifício onde todos habitam (apossado pelos Réus) é parte comum do mesmo, sendo os Réus condenados a reconhecê-los a eles próprios (enquanto condóminos) como seus comproprietários;
· fossem os Réus condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que privem, impeçam ou dificultem a susceptibilidade de uso e fruição, por si próprios, da identificada parte comum do edifício (vão de cobertura);
· fossem declaradas ilegais as obras realizadas pelos Réus no sótão e na abertura de janelas a que procederam nas paredes estruturais do edifício (por não terem sido aprovadas ou autorizadas pelos condóminos, e por prejudicarem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício), sendo os mesmos condenados a reconstituir a situação existente em momento anterior à sua acção sobre as mencionadas partes comuns do edifício (nomeadamente, demolindo as divisórias construídas no sótão, fechando os respectivos acessos do interior das fracções do 1.º andar ao vão de cobertura, bem como as janelas abertas nas paredes estruturais laterais do edifício).
Alegaram para o efeito, em síntese, serem eles próprios e os Réus proprietários das fracções autónomas que respectivamente habitam, integrantes de edifício constituído em propriedade horizontal.
Mais alegaram terem tido conhecimento há cerca de dois anos que os Réus se apossaram do vão de cobertura (sótão) existente por cima das respectivas habitações, a que se acede pelo respectivo interior, tendo para o efeito realizado diversas obras (v.g. alargaram a abertura pré-existente, construíram uma escada horizontal, edificaram uma parede divisória e várias outras); e afectaram a parte que se encontra por cima das respectivas habitações, de forma individualizada, a arrumos, vários afazeres e casa de máquinas.
Por fim, os Autores alegaram que, sendo o vão de cobertura (sótão) parte comum do edifício, e não tendo as obras ali realizadas pelos Réus sido autorizadas ou aprovadas pelo condomínio, os intimaram a devolvê-la, o que os mesmos se recusaram e recusam a fazer, reclamando-se proprietários exclusivos e titulados da parte correspondente à cobertura da sua fracção autónoma.
1.1.2. Regularmente citados, os Réus (S. C. e mulher, R. L., e F. J. e mulher, M. F.) contestaram conjuntamente, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada.
Alegaram para o efeito, em síntese, não ser o vão de cobertura classificado por lei como parte comum; e ser o aqui em causa de uso exclusivo deles próprios, porque situado imediatamente a seguir à sua placa de tecto e com acesso exclusivo pelo interior das suas fracções.
Mais alegaram que as respectivas fracções já tinham a configuração que hoje apresentam quando as adquiriram, não tendo eles próprios realizados nelas as obras descritas pelos Autores.
Defenderam, por isso, ter inexistido qualquer apossamento seu de qualquer parte comum.
1.1.3. Foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 8.000,00; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); admitindo os requerimentos probatórios das partes; e designando de imediato data para realização da audiência final.
1.1.4. Realizada a mesma, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) V. DECISÃO Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se: - julgar improcedente por não provada a acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados pelos AA. Custas pelos AA. – artº 527º do CPC. Registe e notifique. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os Autores (F. C. e mulher, M. J.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se julgasse o mesmo procedente e se revogasse integralmente a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que julgasse a acção totalmente procedente.
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
1 - Os Recorrentes não podem conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, que declarou a acção improcedente, motivo pelo qual interpõem o presente recurso, que versa sobre matéria de direito.
2 - Os Recorrentes entendem que o tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos invocados, não tendo aplicado corretamente o direito aplicável aos factos em causa.
3 - O espaço físico existente no vão da cobertura constitui, sempre e imperativamente, uma parte comum do edifício (cfr., artigo 1421.º, n.º 1, als. a) e b) do código civil), da qual é comproprietário cada um dos condóminos – cfr., artigo 1420.º, n.º 1, do Código Civil.
4 - A referida parte comum não está destinada ao uso de qualquer fração que integra o edifício, em particular, as dos Réus, nem tampouco está afeta ao uso exclusivo de qualquer um daqueles, ou de qualquer outro condómino.
5 - Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, em “Código Civil Anotado”, p. 419, em anotação ao art. 1421º do referido diploma: “Aenumeraçãodaspartescomunsdo edifício,feitanonº1,éimperativa,nosentidodequeoselementosnelaincluídossão necessariamentecomunsatodososcondóminos”.
6 - É consabido que o título constitutivo da propriedade horizontal é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, sendo esta um direito real que combina a propriedade singular e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova.
7 - Assim, conforme estabelece o art. 1420º nº 1 do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (sendo estas, obrigatoriamente, as indicadas no art. 1421º nº 1, para além de outras que possam ficar sujeitas ao mesmo regime).
8 - Ora, para que uma parte comum do edifício possa ser objecto de uso exclusivo de um condómino (sem perder a sua natureza de parte comum) é necessário que seja previsto expressamente no título constitutivo do regime de propriedade horizontal ou autorizado por todos os condóminos, o que não se sucedeu no presente caso (cfr. factos provados nºs 5 e 20).
9 - O objectivo do vão de cobertura, desde a constituição do edifício, foi só e apenas a de ser utilizado na sua função natural de caixa de ar do edifício, caso contrário, estaria prevista, no título constitutivo da propriedade horizontal, a sua afectação a uma das fracções.
10 - Com efeito, atenta a função por eles desempenhada, os vãos do cobertura/telhado devem ser considerados partes imperativamente comuns por serem parte integrante do telhado.
11 - E não se diga que a (pequena) abertura nas fracções dos réus que as ligava ao vão de telhado lhes atribui qualquer afectação material, uma vez que, como refere Aragão Seia, em “Propriedade Horizontal”, Almedina, Fevereiro de 2001, a pág.s 74 e 75, a todos os condóminos é permitido o acesso ao vão do telhado para reparação de telhas ou colocação de equipamentos necessários e ainda que o acesso se faça pelo interior de uma das fracções:: “Oacessoéfeitooupelacaixadaescadaquandoestasobeatéaotelhado,normalmentenestecasopossuiclarabóia,ouatravésdeumalçapãonotectodacaixadaescada,quandoelanãoultrapassaoúltimopiso,ou,até,porumalçapãoqueseposicionanotectodequalquerdasdependênciasdosapartamentosdoúltimoandar.Oacesso,quenesteúltimocasoconstituiumaverdadeiraservidãodepassagem,destina-seapermitiravisitaaotelhadoparareparações,colocaçãodeantenas,dearcondicionado,etc”.
12 - É de costume, e perfeitamente natural, que no tecto do último andar seja deixada uma abertura de acesso ao vão de telhado, não para afectar este ao andar, mas tão só para permitir o acesso ao telhado para possível vistoria, reparações, colocações de antenas, e detecções de infiltrações de água ou ruptura dos depósitos aí existentes.
13 - Tal como se refere nos factos provados nºs 12 e 13, os recorridos alargaram a abertura que das suas fracções dava acesso ao vão de cobertura, colocando escadas por forma a ali acederem.
14 - Ora, estas obras tiveram de ser realizadas por uma razão muito simples, a pequena entrada existente em cada uma das fracções não tinha como objectivo a afectação dessas mesmas fracções ao vão de telhado, uma vez que eram demasiado pequenas para serem assim utilizadas, existindo apenas para utilizar/aceder ao vão de telhado em caso de necessidade.
15 - Neste sentido vão os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/11/2002, proc. nº 02A3479 e o de 12/02/2004, proc. nº 03B4273.
16 - Ora, mesmo que se considere que o vão de telhado não é uma parte imperativamente comum do prédio, e se considere que é uma parte presuntivamente comum de acordo com o disposto no nº 2 do art. 1421º CC – o que expressamente não se aceita mas se acautela por mero dever de patrocínio -, esta presunção apenas poderia ser ilidida perante prova de afectação material abinitio do vão de telhado a algum condómino, como o próprio tribunal aquo reconhece na fundamentação da sua decisão.
17 - Pelo já exposto, não podemos considerar que a existência de uma pequena abertura na fracção dos recorridos que teve de ser alargada por estes e onde estes tiveram de colocar escadas para aceder ao vão de telhado seja prova de qualquer tipo de afectação abinitio do vão de telhado à sua fracção.
18 - Assim, não se pode considerar que os recorridos tenham conseguido ilidir a presunção do art. 1421º, nº 2 do CC, uma vez que foi apenas graças às suas obras de melhoria que o vão de telhado se tornou acessível.
B) DAS OBRAS DE MELHORIA
19 - Ficou provado que os Recorridos realizaram obras nas já referidas zonas comuns do edifício (cfr. factos provados 12 a 16), alargando a abertura da sua fracção que comunicava com o vão de telhado, pavimentando-o, revestindo o tecto e abrindo janelas em cada um dos lados do edifício.
20 - Aqui, faremos nossas as palavras do tribunal aquo na sua sentença.
21- Conclui, no entanto, erradamente ao afirmar que a doutrina e a jurisprudência que cita não se aplica ao caso concreto pois não se estariam a discutir obras em partes comuns pois o vão do telhado não é parte comum.
22 - Ora, pelo exposto supra, o vão do telhado é imperativamente parte comum do edifício, e mesmo que assim não se entenda (o que não se aceita), os Recorridos não conseguiram ilidir a presunção do 1421º nº 2 CC, pelo que será, de uma maneira ou outra, zona comum.
23 - Quanto às janelas, como também fundamenta a citada sentença, é inegável que as mesmas configuram alteração no arranjo do edifício, pois sendo janelas, vêem-se do exterior.
24 - Ora, por efeito das obras lavadas a cabo pelos recorridos, o edifício passou a ter mais duas janelas, sendo certo que, quer nos termos do art. 1422º nº 3 e do art. 1425º, ambos do CC, este tipo de obras carece de autorização de 2/3 do valor total do prédio, o que nunca se sucedeu.
25 - A sentença em crise violou, entre outros, diversas disposições legais a saber: os artigos 202º, 1420º, 1421º, 1422º e 1425º todos do Código Civil, entre outros.
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1.2.2. Contra-alegações
Os Réus (S. C. e mulher, R. L., e F. J. e mulher, M. F.) contra-alegaram conjuntamente, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a sentença recorrida.
Concluíram as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
1 - Os Recorrentes defendem que que o vão de cobertura constitui sempre e imperativamente uma parte comum do edifício e que as janelas abertas no edifício pelos apelados careciam de autorização de 2/3 dos condóminos o que não aconteceu.
2 - Face a toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento resulta claro que sem ser pelas fracções dos Recorridos, o vão de cobertura não é acessível pelas partes comuns do prédio.
3 - Só as fracções dos Recorridos comunicam, desde sempre, com o vão de cobertura.
4 - O que objectivamente demonstra que “ab inicio” aquele espaço se destina ao uso exclusivo das frações dos Recorridos.
5 - Pelo que, apenas se pode considerar ilidida a presunção constante do art. 1421º, nº 2 do CC.
6 - Quanto às obras de abertura das janelas, ficou amplamente provado, pela prova testemunhal produzida, que as mesmas foram efectuadas há bem mais de 20 anos.
7 - Porque claramente visíveis, os Recorridos sempre delas souberam, que nada fizeram durante 30 anos.
8 - Pelo que, a sua pretensão de que as referidas janelas sejam tapadas e o edifício seja colocado no seu estado anterior, só pode ser neutralizada pelo abuso de direito.
9 - Na modesta opinião dos Recorridos, diga-se que as alegações dos Recorrentes não têm qualquer sustentação de direito, pelo que bem andou o tribunal recorrido ao decidir como decidiu.
10 - Não há qualquer fundamento para se revogar a douta sentença proferida, a qual deve pois manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença final, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:
· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei, nomeadamente por o vão de cobertura ser uma parte comum (imperativamente, ou por os Réus não terem ilidido a presunção legal existente nesse sentido) e inexistir qualquer abuso de direito na exigência de eliminação das janelas abertas pelos Réus na fachada do edifício, devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, ordenando-se a reposição do vão de cobertura no estado em que se encontrava antes de ser objecto de obras realizadas nele pelos Réus, e ordenando-se a eliminação das janelas abertas por estes na fachada do edifício) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Factos Provados
Com interesse para a apreciação da questão enunciada, o Tribunal a quo considerou provados (sem sindicância das partes) os seguintes factos: 1 - F. C. e mulher, M. J. (aqui Autores) são proprietários, desde 06 de Junho de 1991, da fracção «A», correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com cave para arrumos do seu lado, integrante do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito no lugar de … ou …. (actualmente, Rua …), lote número 7, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da freguesia de ....
2 - S. C. e mulher, R. L. (aqui 1.ºs co-Réus) são proprietários da fracção «C», correspondente ao 1.º andar esquerdo, daquele edifício, desde 9 de Junho de 2003.
3 - F. J. e mulher, M. F. (aqui 2.ºs co-Réus) são proprietários da fracção «D», correspondente ao 1.º andar direito, daquele edifício, desde 26 de Setembro de 1990.
4 - A propriedade horizontal sobre o mencionado edifício foi constituída a 23 de Fevereiro de 1990 (conforme documento que é fls. 13 e seguintes dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
5 - O documento de constituição da propriedade horizontal nada estipula quanto ao espaço denominado vão de cobertura/sótão, espaço entre o tecto das fracções dos Réus (S. C. e mulher, R. L., e F. J. e mulher, M. F.) e o telhado do edifício.
6 - Desde a construção do prédio que existe acesso ao vão de cobertura, através de aberturas situadas no interior das fracções do 1.º andar (fracções «C» e «D»).
7 - Desde a construção do prédio que o espaço vão de cobertura/sótão tem uma parede a meio.
8 - A parede a meio do espaço vão de cobertura/sótão permitia a sua utilização em parte pela fracção «C» e em parte pela fracção «D».
9 - Nunca existiu qualquer acesso ao vão de cobertura quer pelas partes comuns do edifício, quer por outras fracções.
10 - A única comunicação existente com o espaço vão de cobertura é a abertura existente nas fracções «C» e «D».
11 - Os Autores (F. C. e mulher, M. J.), os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.), o anterior proprietário da fracção «C», e o proprietário da fracção «B» ocuparam as fracções anos antes da realização das escrituras.
12 - Em data anterior ao ano 1990, os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.) e o anterior proprietário da fracção «C», alargaram a abertura que das suas fracções dava acesso ao vão de cobertura.
13 - Em data anterior ao ano 1990, os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.) e o anterior proprietário da fracção «C» colocaram escadas por forma a acederem ao vão de cobertura.
14 - Em 1990, os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.) e o anterior proprietário da fracção «C» revestiram o pavimento e o tecto do espaço vão de cobertura.
15 - Após o referido nos factos anteriores, os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.) e o anterior proprietário da fracção «C» fizeram do espaço vão de cobertura zonas de arrumos e de máquinas (conforme fotografias que são fls. 17 e seguintes dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), que usam em exclusivo.
16 - Os 2.ºs co-Réus (F. J. e mulher, M. F.) e o anterior proprietário da fracção «C abriram, cada um deles, uma janela na parede lateral do edifício (conforme fotografias que são fls. 18 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
17 - Os Autores (F. C. e mulher, M. J.) tomaram conhecimento das obras elencadas nos factos provados enunciados sob os números 12 a 17 na altura em que foram realizadas.
18 - Não foi dada autorização pelo Município para a realização das obras elencadas nos factos provados enunciados sob os números 12 a 17, tendo corrido processo (que se mostra apenso por linha a estes autos) na sequência de queixa do Autor (F. C.) em final de 2017.
19 - Não estavam previstas no projecto as alterações introduzidas (conforme decorre da documentação constante do apenso).
20 - Não foi dada autorização pelo Condomínio, para realização das obras elencadas nos factos provados enunciados sob os números 12 a 17.
21 - Em 2017 e pela primeira vez, os Autores (F. C. e mulher, M. J.) puseram em causa a legalidade das obras realizadas nas fracções «C» e «D», reivindicando a utilização do vão de cobertura.
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3.2. Factos Não Provados
Com interesse para a apreciação da questão enunciada, o Tribunal a quo considerou ainda (sem sindicância das partes) que, quanto «ao mais alegado, não foi considerado por não ter sido feita prova da sua verificação e/ou por se tratar de matéria irrelevante, de direito ou com natureza conclusiva», sobrando apenas como facto não provado:
. Facto não provado único - Apenas há cerca de dois anos os Autores (F. C. e mulher, M. J.) tenham tido conhecimento das obras realizadas pelos Réus (S. C. e mulher, R. L., e F. J. e mulher, M. F.).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Propriedade horizontal - Partes comuns
4.1.1.1. Propriedade horizontal
Lê-se no art. 1414.º do CC que as «fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal».
Mais se lê, no art. 1415.º do CC, que só «podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública».
Logo, a propriedade horizontal pressupõe «a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais, por forma a que, entre dois planos, se compreendam uma ou várias unidades independentes, ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 84).
Lê-se ainda, no art. 1420.º do CC, que cada «condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício» (n.º 1), sendo o conjunto dos dois direitos incindível (n.º 2).
Logo, na propriedade horizontal concorrem dois direitos reais: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objecto as fracções autónomas do edifício (art. 1420.º, n.º 1 do CC); e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns (art. 1421.º do CC) (1).
Fala-se então de condomínio, «figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial - daí a expressão condomínio - sobre fracções determinadas» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 84).
Logo, o «que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária - o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 84, com bold apócrifo).
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4.1.1.2. Partes comuns
As fracções autónomas serão individualizadas no respectivo título de constituição da propriedade horizontal (2), aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada uma delas (art. 1418.º do CC).
O que aí não esteja especificado como pertencente a cada fracção, será, em princípio, havida como parte comum, a não ser que esteja afectada ao uso exclusivo de um dos condóminos (art. 1421.º, n.º 2, al. e), do CC).
Ora, das partes comuns do edifício (art. 1421.º do CC), umas há que são imperativamente comuns a todos os condóminos (n.º 1) (3); e outras partes comuns são-no apenas presuntivamente (n.º 2).
4.1.1.2.1. Imperativamente
Com efeito, lê-se no art. 1421.º, n.º 1, do CC que são «comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares e paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
Logo, serão imperativamente comuns as partes que integrarem a estrutura do prédio (como elementos vitais de toda a construção); e sê-lo-ão «ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
Serão ainda imperativamente comuns as partes que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revistam interesse colectivo por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio, já que, se «a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, (…) a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 420).
Compreende-se, por isso, que no elenco legal das partes imperativamente comuns do prédio encontremos «todas as partes restantes [que não solo, alicerces, colunas, pilares e paredes mestras] que constituem a estrutura do prédio», bem como «o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção» (als. a) e b) do n.º 1 do art. 1421.º citado).
Trata-se aqui de elementos que constituem o esqueleto do prédio, que são parte integrante da sua ossatura, forçosamente comum pela função capital (v.g. de sustentação, de cobertura ou protecção) que exercem em relação a toda a construção, logo no interesse colectivo de todos os condóminos.
Compreende-se, ainda, que desse modo devam desde logo ser qualificadas as «fachadas», isto é, «as frentes de construção de um edifício que confrontam com arruamentos ou espaços públicos»; e «identificam-se com a designação de fachada principal (onde se localiza a entrada principal), fachadas laterais esquerda e direita, e fachada tardoz» (Vocabulário Urbanístico, 2.ª edição, 1994, editado pela Direcção-Geral do Território e Desenvolvimento Urbano).
Com efeito, todas as paredes exteriores de um edifício (que se comportam como o seu revestimento), e ainda que não mestras, constituem o seu esqueleto, a sua ossatura; e, por isso, são partes comuns, não podendo qualquer condómino aí intervir livremente (embora em área adjacente à sua fracção), ainda que apenas para nelas colocar equipamento de ar condicionado, placas publicitárias, ou estendais de roupa (4).
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4.1.1.2.2. Presuntivamente
Lê-se no art. 1421.º, n.º 2 do CC que presumem-se «ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos».
Mais se lê, no n.º 3 do mesmo preceito, que o «título constitutivo [da propriedade horizontal] pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns».
Está, assim, perante uma presunção (de comunhão) ilidível.
Logo, uma parte do prédio não afectada ao uso exclusivo de um dos condóminos poderá ser tida como parte integrante da sua fracção autónoma, quando existam elementos que apontem nesse sentido (5).
Já quanto à «afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos», a mesma pode resultar, não só de forma expressa do título constitutivo da propriedade horizontal, como da afectação material (6) ab initio (7) dela a algum condómino, ou da natureza da situação (8).
De forma conforme, a presunção da natureza comum de parte do edifício deve considerar-se afastada em relação a coisas que, não integrando o elenco das imperativamente comuns, não podem servir senão, pela sua destinação objectiva, a um dos condóminos (9).
Compreende-se, por isso, que já se tenha decidido que, «não se encontrando especificadas como privativas, no título constitutivo da propriedade horizontal, todas as coisas que não estejam afectas ao uso exclusivo de um deles, devem ainda as mesmas ser consideradas, presumivelmente, como partes comuns e, portanto, compropriedade de todos os condóminos, com possibilidade de afastamento dessa presunção, nos termos do estipulado pelo artigo 1421º, nº 2, e), do CC.
Quer isto dizer que deixam de ser comuns aquelas coisas que estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos, bastando, para o efeito, a fim de afastar a presunção de comunhão, uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respectivo título constitutivo da propriedade horizontal.
Esta destinação objectiva verificar-se-ia, por exemplo, na hipótese de uma parte do edifício que deixaria de ser comum para passar ao uso exclusivo do condómino, em virtude de só poder ter acesso ou comunicação, através de uma fração autónoma desse condómino, isto é, à qual só fosse possível aceder, mediante a fração adjacente, devendo entender-se, então, que esse espaço pertence à mesma fração, ainda que a respectiva afectação não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, não sendo uma parte comum, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 423; STJ, de 8-2-2000, BMJ n º494, 338» (Ac. do STJ, de 15.05.2012, Hélder Roque, Processo n.º 218/2001.C3.S1, com bold apócrifo) (10).
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4.1.1.3. Vão de cobertura
Discute-se, nomeadamente nos tribunais, se o espaço existente entre o tecto do último piso de um edifício constituído em propriedade horizontal e o respectivo telhado ou terraço de cobertura - vulgarmente denominado como vão de cobertura / vão de telhado / sótão - é, ou não, parte comum.
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Dir-se-á desde já que não se pode considerar o mesmo como parte imperativamente comum, uma vez que, não constando expressamente do elenco do n.º 1, do art. 1421.º do CC, também não é subsumível às realidades materiais/naturalísticas e funcionais «telhado» ou «terraço de cobertura».
Com efeito, entende-se habitualmente por: telhado, o conjunto constituído pelo travejamento (ou outras estruturas de apoio) onde assentam as telhas e por estas (ou por outros materiais com idêntica estrutura), que encima exteriormente, cobrindo-o, um imóvel; terraço de cobertura, a placa impermeabilizada e vazia que encima exteriormente, cobrindo-o, um imóvel; e vão de cobertura, o espaço existente entre o último piso superior de um edifico e o respectivo telhado, normalmente com tectos inclinados, que permite múltiplas destinações, desde exclusiva caixa de ar até normal uso habitacional ou mera área de arrumação.
Compreende-se, por isso, que já se tenha decidido que «o vão de telhado não é naturalisticamente identificável com os conceitos de telhado ou terraço de cobertura, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional.
Em consonância, a jurisprudência e doutrina dominantes, vêm entendendo que os sótãos ou vãos de telhado, não integram a estrutura do edifício nem são, pela função que desempenham, partes do mesmo relativamente às quais seja de exigir a afetação ao gozo de todos os condóminos, para caberem na previsão da al. b) do nº 1 do art. 1421º, como coisa obrigatoriamente comum (cf. acs. RC, de 9-12-86 (CJ XI-5-83), STJ, de 28-9-1999 (proc. 98B703), de 08-02-2000 (BMJ 494-338) e de 16-12-2004 (proc. 04B3814); RUI V. MILLER, “A Propriedade Horizontal No Código Civil”, 3ª ed., 163 e F. RODRIGUES PARDAL e M. B. DIAS DA FONSECA, “Da propriedade horizontal”, 5ª ed., 213).
Com efeito, como, em sede argumentativa, tem sido convocado, a inclusão desse espaço do edifício entre as partes obrigatoriamente comuns tornaria impossível, em contradição com a realidade conhecida, a individualização e afetação exclusiva do sótão, ou de parte dele, com a inerente consequência de vedar qualquer especificação com esse sentido ou conteúdo, ou de adoptar qualquer cláusula tendente a excluir a comunhão, no título constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de violação do seu próprio regime imperativo.
Acresce que, exigindo-se a inclusão da afectação no título constitutivo, resultaria inútil a admissão das presunções de comunhão, especificadas ou residualmente previstas, contempladas no n.º 2 do artigo, pois que haveriam de se considerar obrigatoriamente comuns todas as partes sem destino fixado no título.
Em suma, a natureza e utilidade dos sótãos ou vãos de telhado não impõem, em sede interpretativa, a sua obrigatória qualificação como “instrumentos de uso comum do prédio”.
Conclui-se, no seguimento do expendido, que (…), considerado parte comum do edifício, o sótão ou vão de escada não é de considerar parte imperativamente comum» (Ac. do STJ de 04.07.2013, Alves Velho, Processo n.º 63/10.0TJLSB.L1.S1, com bold apócrifo).
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Dir-se-á ainda que (não sendo parte imperativamente comum) o vão de cobertura deverá ser considerado parte presuntivamente comum, nos termos do art. 1421.º, n.º 2, al. e), do CC (isto é, «as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos»).
Com efeito, «deve entender-se que, não constando do título que o sótão se encontra afectado ao uso exclusivo da fracção dos réus, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.
De facto, "se fosse intenção do legislador considerar comuns todas as partes cuja afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos não constasse do título, então não faria sentido o nº 2 falar em presunção, bastaria o preceito dizer: São comuns, salvo menção em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal". Acórdão de 8.2.2000, CJ/STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 71» (Ac. da RP, de 17.11.2015, Augusto Carvalho, Processo n.º 95/11.1TBVCD.P1, com discriminação de jurisprudência anterior desconforme, e de maioritária jurisprudência conforme).
Mais se deve entender que, encontrando-se o dito espaço afecto materialmente ao uso exclusivo de um condómino, e ainda que o título constitutivo da propriedade horizontal seja omisso a esse respeito, deverá o mesmo ser considerado parte integrante da respectiva fracção.
Logo, se, «por exemplo, determinado logradouro só tem acesso através de uma das fracções autónomas do rés-do-chão, deve entender-se que pertence a esta fracção (...). E o mesmo se diga, ainda a título de exemplo, do sótão ou das águas furtadas do edifício, quando, no todo ou por parcelas, estejam apenas em comunicação com a fracção ou as fracções autónomas do último piso (faltando esta afectação material, o sótão será comum)» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 423).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.1.2.1. Concretizando, verifica-se que, no título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em causa (onde residem todas as suas partes), não se especificou que o vão de cobertura integrava qualquer fracção; e, por isso, o mesmo presumir-se-ia parte comum (conforme al. e), do n.º 2, do art. 1421.º, do CC).
Contudo, sendo a dita presunção ilidível, nomeadamente pela prova da afectação material de tal espaço a algum condómino, foi esta demonstração feita nos autos, conforme correctamente ajuizado pelo Tribunal a quo, lendo-se na sentença recorrida: «(…) Revertendo ao caso em apreço, a propriedade horizontal foi constituída em 3.9.1990, sendo certo que da mesma não consta qualquer afectação deste espaço a qualquer uma das fracções, no entanto, resultou cabalmente demonstrado, que desde a construção do prédio que apenas as fracções pertencentes ao RR têm acesso aquele espaço, note-se que as únicas aberturas existentes a dar acesso ao vão de cobertura situavam-se e situam-se nas fracções dos RR, não havendo acesso algum pelas partes comuns do edifício, a tal espaço tanto basta quanto a nós, para concluir que se mostra ilidida a presunção de que aquele espaço é parte comum, só as fracções dos RR têm, desde a construção do edifício comunicação com tal espaço, pelo que ainda que nada tenha ficado a constar da propriedade horizontal, objectivamente foi feita a afectação desse espaço ao uso exclusivo das fracções que lhe davam acesso. Nestes termos, é claro e inequívoco, que ao dar-se acesso exclusivo ao espaço unicamente pelo interior de determinadas fracções, que se pretendeu a afectação exclusiva desse espaço aquelas fracções, não se podendo considerar parte comum, assim se mostrando ilidida a presunção. (…)»
Precisa-se, ainda, que depõe igualmente a favor de um tal juízo o facto de, desde a construção do prédio, o dito espaço vão de cobertura se encontrar dividido ao meio por uma parede, por forma a permitir a sua utilização individualizada em parte pela fracção «C» e em parte pela fracção «D» (precisamente, na parte superior e correspondente às mesmas).
Depõe igualmente nesse sentido o facto de ambas «as fracções do rés-do-chão têm cave para arrumos» (artigo 27.º da petição inicial, com bold apócrifo) sendo expectável que as fracções do 1.º andar dispusessem igualmente de espaços privativos idóneos a essa utilização.
Logo, encontrando-se o sótão afectado ao uso exclusivo das fracções «C» e «D», e de forma individualizada quanto a cada uma delas, o que sucede desde a construção do prédio e a constituição do condomínio, cada uma destas duas metades integra uma das ditas fracções, precisamente a que a utiliza de forma exclusiva (11).
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4.1.2.2. Reconhece-se, porém, que os Autores vieram defender, no recurso que interpuseram, que o «objectivo do vão de cobertura, desde a constituição do edifício, foi só e apenas a de ser utilizado na sua função natural de caixa de ar do edifício, caso contrário, estaria prevista, no título constitutivo da propriedade horizontal, a sua afectação a uma das fracções».
Ora, sendo assim, nada de relevante se poderia retirar do facto do acesso àquele espaço se fazer exclusivamente pelo interior das fracções dos co-Réus, uma vez que a todos os condóminos é permitido o acesso ao vão do telhado para reparação de telhas ou colocação de equipamentos necessários, e ainda que o acesso se faça pelo interior de uma das fracções.
Precisando, o «acesso é feito ou pela caixa da escada quando esta sobe até ao telhado, normalmente neste caso possui clarabóia, ou através de um alçapão no tecto da caixa da escada, quando ela não ultrapassa o último piso, ou, até, por um alçapão que se posiciona no tecto de qualquer das dependências dos apartamentos do último andar. O acesso, que neste último caso constitui uma verdadeira servidão de passagem, destina-se a permitir a visita ao telhado para reparações, colocação de antenas, de ar condicionado, etc.» (Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, Fevereiro de 2001, págs. 74 e 75).
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, nem os Autores fizeram prova da alegada e exclusiva afectação do vão de cobertura a caixa de ar do edifício, nem é verdade que só o que for referido no título constitutivo da propriedade horizontal como integrando as fracções autónomas poderá fazer parte das mesmas (já que, a sê-lo, esvaziaria de sentido a ilidível presunção de comunhão prevista no art. 1421.º, n.º 2, do CC.
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Mostra-se, assim, infundado nesta parte o recurso dos Autores (F. C. e mulher, M. J.), mantendo-se a qualificação como parte não comum do vão de cobertura do edifício em causa, integrando cada uma das suas metades a fracção «C» e a fracção «D», mercê do respectivo e exclusivo acesso a que a ele se faz por elas, e da utilização exclusiva de cada metade por aqueles precisos condóminos.
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4.2. Obras novas 4.2.1.1. Limites à actuação dos condóminos
Lê-se no art. 1422.º, n.º 1 do CC que os «condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».
Dir-se-á mesmo que o que há «de específico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal do domínio, mas que a lei estabelece ou permite em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 147).
Compreende-se, por isso, que se afirme que sendo a «relação entre os poderes de cada condómino e os poderes do conjunto dos condóminos» o «primeiro grande problema da regulação a propriedade horizontal», o mesmo não é, porém e singelamente, «resolvido pela distinção entre partes comuns e frações autónomas, na medida em que não é concebível que cada condómino possa exercer sem limites o seu “direito de propriedade” sobre a sua fracção autónoma. As linhas de fratura entre o que é individual e o que é colectivo passam não somente pela definição do que entra nas partes comuns e do que cabe nas fracções autónomas mas também pela definição dos poderes do conjunto dos condóminos relativamente às frações autónomas» (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, pág. 127).
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Mais se lê, no art. 1422.º, n.º 2, al. a), do CC que é «especialmente vedado aos condóminos» prejudicar, «quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício»; mas as «obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização a assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio» (n.º 3 do mesmo art. 1422.º).
Lê-se ainda, no art. 1425.º do CC, que as «obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio» (n.º 1) (12); mas nas «partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns» (n.º 7).
Embora não de forma unânime, defende-se maioritariamente que este art. 1425.º do CC se reporta exclusivamente a obras inovadoras realizadas nas partes comuns, e não também nas fracções autónomas (13); e que o art. 1422.º do CC se reporta exclusivamente a obras realizadas em fracções autónomas (14).
Com efeito, «embora não se ignore que, nesta matéria, existem algumas divergências de interpretações, pensamos que a opinião largamente dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, vai no sentido de que as "obras novas" a que alude o nº 2 do Art. 1422º, são aquelas que os condóminos efectuem nas fracções autónomas de que são os exclusivos proprietários, enquanto as "inovações" referidas no Art. 1425º, dizem respeito às introduzidas nas partes comuns, em que todos comungam em compropriedade. Não procede, por isso, a interpretação que o acórdão recorrido pretende retirar do nº 1 do Art. 1422º, já que, nesse preceito, apenas se estabelece a regra geral. De facto, a natureza jurídica da propriedade horizontal, atenta a sua especificidade, tem uma estrutura dualista, na medida em que conjuga o direito de plena propriedade, que incide sobre as fracções autónomas, pertencente exclusivamente aos respectivos condóminos, com a propriedade de todos os condóminos, que incide sobre as partes comuns do edifício.
O que o referido nº 1 do Art. 1422º faz, é afirmar essa realidade composta, aliás, resultante já do Art. 1420º nº 1, e daí que, naturalmente, determine, que os condóminos nas relações entre si, estão sujeitos às limitações gerais do direito de propriedade e do direito de compropriedade.
Porém, atendendo à interdependência entre as diversas unidades que integram o prédio, bem como às especiais relações de contiguidade e vizinhança que se estabelecem, necessariamente, entre os condóminos, logo no seu nº 2 impõe especiais limitações ao direito de propriedade exclusivo de cada condómino sobre a sua fracção autónoma» (Ac. do STJ, de 20.03.2012, Moreira Alves, Processo n.º 470/14, www.colectaneadejurisprudencia.com, com bold apócrifo).
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4.2.1.2. Obras inovadoras
Precisando o que sejam «obras novas», e como o próprio significado etimológico da expressão «inovações» permite, serão aquelas que «criem», «façam algo de novo», introduzam uma «novidade», ou seja, algo diferente daquilo que está, incluindo o desaparecimento de pré-existências; e esta alteração do estado original da edificação tanto pode ser de substância, como de forma, e ainda relativa ao destino ou à afectação que antes era dada ao espaço sobre a qual foi consubstanciada a obra inovadora (15).
Sendo as obras inovadoras realizadas sobre partes comuns sem a prévia autorização da assembleia de condóminos (16), serão ilícitas, correspondendo-lhes a sanção da demolição ou da destruição, conforme art. 829.º, n.º 1 do CC, por forma a que o edifício seja reposto no seu estado anterior (17).
Precisa-se que, para a natureza ilícita de tais obras, é indiferente que as mesmas sejam realizadas pelo proprietário da fracção autónoma, ou pelo seu mero arrendatário, já que também este está sujeito «às limitações impostas aos proprietários de coisas imóveis» (art. 1071.º do CC).
Com efeito, «determinante é, antes, para o mesmo efeito, o facto das modificações introduzidas incidirem sobre a fracção autónoma que a cada condómino pertença, ou sobre as partes comuns, e ainda a circunstância dessas modificações se conterem, ou não, nos estritos limites dos poderes que a lei confere a cada um dos condóminos em relação a essas parcelas» (Ac. da RP, de 21.10.2014, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 551/09.1TBPVZ.P1).
Precisa-se, ainda, que nem mesmo o eventual licenciamento camarário que tais obras tenham tido obsta ao juízo referido, já que o dito licenciamento respeita unicamente a fins administrativos (salubridade, ordenamento do território, estética das povoações, segurança) e não ao direito de propriedade que escapa à sua alçada (18).
Com efeito, o eventual licenciamento camarário não dá nem tira direitos privados, concedidos aos cidadãos pela lei civil, nomeadamente os decorrentes de disposições imperativas, como são as atinentes aos direitos reais em geral, maxime as restrições ao direito de propriedade e à propriedade horizontal em particular. Compreende-se, por isso, que se afirme que a aprovação camarária das obras em partes comuns constitui realidade diversa da sua autorização pelo condomínio, sendo os âmbitos das mesmas diferentes, não podendo a primeira suprir ou dispensar a segunda (19).
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4.2.1.3. Linha arquitectónica - Arranjo estético do edifício
Precisando agora o que seja «a linha arquitectónica», entende-se pela mesma «o conjunto dos elementos estruturais da construção que, integrados em unidade sistemática lhe conferem a sua individualidade própria e específica» (Ac. da RL, de 11.01.2007, Manuel Gonçalves, Processo n.º 5650/2006-6).
Já «o arranjo estético do edifício» «tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto» (Ac. da RP, de 07.07.2003, Caimoto Jácome, Processo n.º JTRP00036340); e, assim, uma «modificação que produz desarmonia no conjunto do edifício constitui uma alteração das suas características e da sua estética» (Ac. do STJ, de 22.06.2004, Afonso de Melo, Processo n.º 04A2054).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que os 2.ºs co-Réus e o anterior proprietário da fracção «C» realizaram diversas obras, nomeadamente no acesso e no interior do vão de cobertura adjacente (por cima do tecto) da área das respectivas fracções, por forma a permitir a sua normal utilização como espaço de máquinas e de arrumos.
Ora, estas obras foram todas feitas no interior das suas fracções (uma vez já qualificado o vão de cobertura como integrando as mesmas, por ilisão aqui da sua mera presunção de parte comum).
Assim, ainda que seguramente sejam inovadoras, não estavam sujeitas à prévia aprovação por dois terços da maioria dos condóminos (conforme o exige o art. 1425.º, n.º 1, para as inovações em partes comuns); e sendo ainda insusceptíveis de prejudicar a linha arquitectónica e/ou o arranjo estético do edifício (precisamente por serem interiores), não estavam sujeitas à prévia aprovação por dois terços da maioria dos condóminos (conforme o exige o art. 1422.º, n.º 3, para obras novas com tais características em fracções autónomas).
Mais se verifica que, os 2.ºs co-Réus e o anterior proprietário da fracção «C», cada um deles, abriu ainda uma janela na fachada do edifício.
Já relativamente à abertura de janelas, feita em fachada, não há dúvida que se trata da uma obra inovadora, realizada em parte comum do prédio; e, por isso, exigia a sua prévia aprovação por uma maioria de dois terços dos condóminos (conforme art. 1425.º, n.º 1 do CC), o que no caso não se verificou.
Do mesmo modo o entendeu o Tribunal a quo, lendo-se na sentença recorrida: «(…) Isto posto, está demonstrado que os RR fizeram obras no espaço cujo uso exclusivo lhes está afecto desde a construção do edifício, pavimentaram o sótão, usando-o para arrumos, alterando o respectivo acesso, no fundo, alargando a abertura e dando-lhe um acesso pela construção de escadas (anteriormente havia apenas uma abertura – tipo alçapão - sita nas fracções dos RR), tudo executando na sua fracção e no espaço cujo uso exclusivo lhe está, desde sempre, destinado, ali abrindo janelas para permitir a entrada de luz. (…) Ou seja, as obras novas a que se reporta o art. 1422º, nº2, al. a), respeitam às efetuadas na fração autónoma do condómino, enquanto as inovações a que se reporta o art. 1425º respeitam às introduzidas nas partes comuns, sendo que aqui não falamos de partes comuns, porque está ilidida a presunção, o sótão, o vão de cobertura não é parte comum, outrossim integra as fracções que com ele em exclusivo comunicam desde a construção do edifício. Isto posto, e quanto às obras realizadas à excepção da abertura das janelas, nenhum preceito está, quanto a nós, desrespeitado, não se nos afigurando que das mesmas resulte prejuízo da linha estética ou arquitetónica do edifício. Já no concernente às janelas é inegável que as mesmas configuram alteração no arranjo do edifício, que passou a ter mais duas janelas, sendo certo, que quer nos termos do artº 1422º nº 3 ou do artº 1425º, ambos do CC, esse tipo de obras carece de autorização de 2/3 do valor total do prédio. (…)»
Mostrar-se-ia, assim, fundado nesta parte o recurso dos Autores (F. C. e mulher, M. J.), isto é, dever-se-ia reconhecer o carácter ilícito de tais janelas e ordenar a sua eliminação, repondo-se a fachada em causa no estado anterior à abertura das ditas janelas.
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4.3. Abuso de direito 4.3.1.1. Em geral
Lê-se no art. 334.º do CC que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Dir-se-á assim, e antes de mais, que o instituto do abuso de direito assenta na existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual, resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito exercido.
Trata-se de uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o legislador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, pág. 63) (20).
Pretende-se ainda com ele assegurar expectativas e direccionar condutas (uma das funções primárias do Direito): assegurar, por um lado, a confiança fundada nas condutas comunicativas das «pessoas responsáveis», assente na própria credibilidade que estas condutas reivindicam; e, por outro, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as possibilidade de certas condutas no futuro. Ambas as funções relacionam-se com aquela «paz jurídica» que, ao lado da «justiça» é referida como uma das expressões da própria «ideia de direito» (Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pág. 346).
A lei utiliza aqui, propositadamente, conceitos indeterminados («boa fé», «bons costumes», «fim social ou económico do direito») como modo privilegiado de atribuir ao aplicador intérprete - maxime ao juiz - instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 198) (21).
Adoptou-se, ainda, uma concepção de abuso de direito «objectiva», isto é, «não é necessária a consciência de se excederem, como seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.
Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso de direito consagrado no artigo 334º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 298).
Exige-se, porém, que o excesso cometido seja «manifesto», isto é, que o direito em causa tenha sido exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, por a invocação e aplicação de um preceito concreto da lei, válida para o comum dos casos, resultar na hipótese concreta intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico dominante na colectividade (boa fé e bons costumes), ou desvirtuar os juízos de valor positivamente nele consagrados (fim social ou económico).
Concluindo, o abuso do direito pressupõe, logicamente, a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), e que o titular respectivo se exceda no exercício dos seus poderes. «A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deva ser exercido» (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 300).
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4.3.1.2. Modalidades - Supressio
Encontram-se já identificadas pela doutrina e pela jurisprudência as figuras mais típicas de manifestação de abuso de direito, contando-se entre elas: o venire contra factum proprium; as inalegabilidades formais; a supressio e a surrectio; o tu quoque; e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
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Precisando, no que à locução dupla supressioe surrectio diz respeito, traduz «a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar o princípio da boa fé» consagrado no art. 762.º do CC; ou o inverso do mesmo fenómeno, isto é, uma pessoa veria, por força da boa fé, surgir na sua esfera uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria (sendo a surrectio a contraface da supressio).
Contudo, exige-se um decurso significativo de tempo (22), acompanhado de várias circunstâncias (v.g. o conhecimento do direito e da possibilidade de o exercer) (23), sem exercício do direito, acompanhado de indícios de que tal direito não mais será exercido (24), sendo desnecessária culpa ou qualquer outro elemento subjectivo por parte do não exercente (25) (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé No Direito Civil, Volume II, Colecção Teses, Almedina, pág. 797).
Compreende-se que assim seja, já que o papel indireto da supressio é o de complementar a área tradicional da prescrição e da caducidade, aperfeiçoando-a e diferenciando-a; e surge como um remédio subsidiário, que acode a situações extraordinárias, que não encontrem saída perante os remédios normais(Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Vol., 2011, págs. 237 e 322).
Logo, «a realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na ruptura das expectativas de continuidade da auto-apresentação praticada pela pessoa que, tendo criado, no espaço jurídico, uma imagem de não-exercício, rompe, de súbito, o estado gerado.
(…) A supressio pode, pois, considerar-se uma forma de proscrever os comportamentos contraditórios», estando a sua chave «na alteração registada na esfera da contraparte, perante o não exercício. Protege-se a confiança desta, em que não haverá mais exercícios; a bitola pode ser procurada no sentido que o destinatário normal daria ao não exercício - Art. 236º, nº 1 do Código Civil» (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé No Direito Civil, Volume II, Colecção Teses, Almedina, pág. 813).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a supressio é um subtipo do venire contra factum proprium, traduzindo também ela uma «contradição inadmissível em boa fé entre uma omissão prolongada do exercício do direito, em circunstâncias tais que suscitam a expectativa de que ele não virá a ser exercido. Uma vez consolidada a confiança e a expectativa - a fé - e desde que essa consolidação da confiança seja imputável ao titular do direito, a brusca inflexão de atitude é contrária à boa fé» (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 685).
Contudo, «a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro» (Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pág. 416, com bold apócrifo).
Terá, então, de ser composto «um modelo de decisão, destinado a proteger a confiança de um beneficiário», que pressuponha um «não-exercício prolongado», uma «situação de confiança», uma «justificação para essa confiança», um «investimento de confiança» e a «imputação da confiança ao não-exercente».
«O não exercício prolongado estará na base quer da situação de confiança, quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítimade que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. Finalmente: tudo isso será imputável ao não exercente, no sentido de ser social e eticamente explicável pela sua inação. Não se exige culpa: apenas uma imputação razoavelmente objectiva» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Volume, 2011, págs. 323 e 324, com bold apócrifo).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo a abertura de janelas na fachada do edifício em causa (remanescente obra a considerar, pelo seu carácter ilícito) sido realizada há mais de vinte anos, os Autores (F. C. e mulher, M. J.) tiveram desde logo conhecimento dela; e nada fizeram até 2017, só então reagindo aquela ilegalidade.
Ora, este exercício prolongado do seu direito a impugnarem a dita obra, permitiu que os co-Réus formassem a convicção de que nunca seria questionada, e por isso não tenham diligenciado pela sua legalização, confiando que não seria necessário (tudo face à actuação omissiva dos Autores, registada quando era certo que conheciam a realidade material em causa e estavam em condições de reagirem a ela).
Defende-se, por isso, que, quando quase trinta anos depois (e sem qualquer alteração da situação de facto vivida até então) os Autores vêm reagir à dita obra (apenas porque não querem ser obrigados a contribuir para os obras no telhado) - nomeadamente, por queixa junto das Autoridades Camarárias e em juízo -, o fazem em manifesto abuso de direito, na modalidade de supressio.
Do mesmo modo o entendeu o Tribunal a quo, lendo-se na sentença recorrida: «(…) Sucede, porém, que demonstrado está que essas janelas têm mais de 20 anos, foram abertas, pelos proprietários dos 1ºs andares, em 1990, tendo o A., na altura conhecimento das mesmas, não só porque as janelas eram como são hoje, visíveis, mas porque é irmão do anterior proprietário da fracção do R. S. C. e esposa, frequentando a sua casa. Mais, ao que percebemos do julgamento o A., só quando confrontado com a necessidade de proceder, a obras no telhado e obrigação de custear as mesmas como os demais proprietários, mormente os do 1º andar, se insurgiu quanto a esta situação das obras no sótão e seu uso exclusivo pelos RR e abertura de janelas, efectuando até a 29.12.2017 denuncia da situação junto do Município, quando é certo que o mesmo há mais de 20 anos que tem conhecimento das janelas e da realização das obras. (…) A jurisprudência tem afirmado que, para sedimentar a confiança é necessário o decurso de um prazo de, por exemplo, de sete anos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2008, Ezaguy Martins, 10615/2007) ou de dez anos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.12.2014, Gouveia Barros, 414/12). Ora, no caso em apreço, as obras no sótão – no próprio espaço e nas fracções do 1º andar, mormente o aumento da abertura e colocação das escadas - e abertura das janelas, têm mais de 20 anos, e ainda que o condomínio não tenha dado formalmente qualquer autorização, não há deliberação nesse sentido, o certo é que, nunca ninguém se opôs à situação, mormente o A., tendo tido claro e inequívoco conhecimento da sua realização há largos anos. Note-se que este longo período de inação do A. mais de 20 anos, – se não concordava porque não o disse antes quando as janelas foram abertas, quando o irmão e o vizinho puseram as escadas e melhoram o sótão para ali fazerem arrumos? - gerou a confiança justificada dos RR, no sentido que jamais aquela situação seria questionada. Termos em que se conclui que a pretensão dos AA. em pretender que sejam tapadas as janelas e colocação do espaço no estado anterior, está neutralizada pelo abuso de direito na modalidade da supressio. (…)»
Mostra-se, assim, igualmente infundado nesta parte o recurso dos Autores (F. C. e mulher, M. J.), isto é, não obstante as janelas abertas pelos co-Réus na fachada do edifício (parte comum) consubstancie uma obra inovadora ilícita (porque não foi previamente aprovada por dois terços dos condóminos), os Autores (demais condóminos), que não reagiram durante mais de vinte anos a ela, não são autorizados a fazê-lo agora, por esse exercício ser manifestamente abusivo (na modalidade de supressio).
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Improcede, assim, totalmente o recurso de apelação interposto pelos Autores (F. C. e mulher, M. J.), devendo confirmar-se integralmente a sentença recorrida.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (F. C. e mulher, M. J.) e, em consequência, em
· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelos Autores recorrentes (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
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Guimarães, 19 de Novembro de 2020.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
1. Compreende-se, por isso, que, «em termos descritivos», se defina a propriedade horizontal como o «conjunto coordenado de direitos de propriedade sobre um prédio onde exista um edifício, incidindo cada um de tais direitos, isoladamente, sobre uma parte especificada do prédio (uma fracção autónoma) e, em concurso com os demais direitos, sobre as partes comuns do prédio» (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, págs. 123 e 124).
2. Dir-se-á, mesmo, que o título constitutivo da propriedade horizontal «é, fundamentalmente, um acto gerador de autonomização jurídica das fracções do edifício que preencham os requisitos indicados no art. 1415º e poderá ser também - acrescente-se agora - um acto modelador do estatuto da projectada propriedade horizontal, sempre que nele se estabeleçam regras que completem o regime legal ou dele se afastem (na medida em que a lei o permita). Estas regras, embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou reguladora, vinculando desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 100).
3. A doutrina é unânime no considerar que as realidades referidas no n.º 1 do art 1421.º do CC são necessariamente comuns, tal como a generalidade da jurisprudência (conforme referido por Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, págs. 141 e 142, com discriminação de autores conformes e aresto desconforme).
4. Neste sentido, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, pág. 143, com discriminação de doutrina e jurisprudência conformes.
5. Neste sentido, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, págs. 142 e 143.
6. Precisa-se quea afectação a que se alude aqui «é uma afectação material - uma destinação objectiva - existente à data da constituição do condomínio» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 423).
7. A exigência de que a afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos se verifique ab initio, desde a constituição do condomínio, é mais ou menos pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Neste sentido, Ac. do STJ, de 19.05.2009, Salazar Casanova, Processo n.º 1793/05.4TBFIG.C1.S1, onde se lê que, «à luz da aludida interpretação do artigo 1421.º/2, alínea e), continua a assegurar-se um critério distintivo válido e operante fundado no momento da constituição do condomínio por se considerar relevante a afetação objetiva ao uso exclusivo de um dos condóminos existente à data da constituição do condomínio, excluindo-se, portanto, do seu âmbito os casos em que a afetação se verifica ulteriormente, não deixando, assim, de subsistir um critério objetivo, impondo-se apenas averiguar se ocorria ou não uma afetação material objetiva anterior cujo ónus incumbe a quem pretende que seja reconhecido o seu exclusivo domínio sobre a coisa (artigo 342.º/1 do Código Civil). Esta é a orientação que também promana dos Acs. do S.T.J. de 17-6-1993 (Araújo Ribeiro) C.J.,2, pág. 158, de 14-10-1997 (Torres Paulo) C.J.,3, pág. 80 , de 28-9-1999 (Machado Soares) B.M.J. 489-358, de 8-2-2000 (Garcia Marques) C.J.,1, 67. E, quanto a outros, a orientação contrária ou se funda numa realidade de facto diversa, tal o caso do Ac. do S.T.J. de 9-5-1991 (Tato Marinho), B.M.J. 407-545 em que a afetação ocorreu depois de constituída propriedade horizontal, ou o caso do Ac. do S.T.J. de 31-10-1990 (Figueiredo de Sousa) B.M.J. 400-646 em que o proprietário construiu no edifício que depois constituiu em propriedade horizontal dependências em águas furtadas que não integraram o título como frações autónomas nem tão pouco ficaram afetas ao uso exclusivo dos condóminos».
8. Neste sentido, José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1995, pág.462.
9. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 419.
10. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 17.06.1993, CJSTJ, Ano I, Tomo II, pág. 158, onde se lê que «deixa de ser considerada parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal a que, desde início, foi adquirida juntamente com a fracção autónoma para ser utilizada em exclusivo por determinado (s) condómino (s), ainda que tal exclusividade não fosse referida no título constitutivo». Ainda Ac. do STJ, de 19.05.2009, Salazar Casanova, Processo n.º 1793/05.4TBFIG.C1.S1, onde se lê que, «se do título constitutivo da propriedade horizontal não constar a afectação de parte de um prédio a alguma fracção autónoma, a presunção derivada da alínea e) do n.º 2 do artigo 1421.º pode ser ilidida, nomeadamente se se demonstrar que ab initio essa parte esteve afecta em exclusivo a determinada fracção, não se exigindo que a afectação material conste do respectivo título executivo. Encontramos esta tese sufragada, entre outros, pelos Acs. do STJ de 28.09.99, www.dgsi.pt, de 08.02.2000, CJ/STJ, T I: 67, RL de 18.02.97, www.dgsi.pt, de 29.06.99, www.dgsi.pt, de 07.05.2002, www.dgsi.pt, e RC, de 26.02.2002, www.dgsi.pt. Dizer que a elisão da presunção relativa, contida na citada norma, está dependente da demonstração de que ab initio a parte do prédio esteve afecta ao uso exclusivo de determinado condómino, tem algo de ambíguo. Ambiguidade que fica afastada se se concretizar que é entendimento maioritário na jurisprudência o de que o termo inicial coincide com o momento da constituição da propriedade horizontal ou, a fortiori, com a construção do prédio (cf. Acs. STJ de 28.09.99, 08.02.2000 citados)».
11. Neste sentido, Ac. da RP, de 17.11.2015, Augusto Carvalho, Processo n.º 95/11.1TBVCD.P1, onde se lê que, de «acordo com esta matéria de facto, desde o início da construção do prédio, o sótão esteve afectado em exclusivo à fracção autónoma dos réus, apenas com esta tendo comunicação, e, por conseguinte, deve considerar-se que foi ilidida a presunção estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º. A afectação material do sótão à fracção dos réus, existindo à data da constituição do condomínio, afasta-o do âmbito das coisas comuns mencionadas no citado preceito».
12. Relativamente a esta «exigência de uma maioria reforçada», é clara a respectiva razão de ser: «as inovações podem ter impactos funcionais, estéticos e económicos significativos e não consensuais, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre o princípio da prevalência da maioria e o da proteção dos interesses dos minoritários» (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, págs. 170 e 171, com bold apócrifo).
13. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, págs. 433 e 434; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, págs. 101 e segs; Henrique Mesquita, «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», RDES, XXIII, pág. 139, nota 3; e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, pág. 176. Porém, em sentido contrário, Rui Vieira Miller, Código Civil Anotado, Volume III, págs. 214 a 216. Na jurisprudência, defendendo que o n.º 1 do art. 1425.º do CC só regula inovações nas partes comuns, e que o art. 1422.º, n.º 2, al. a), só abrange as obras em fracções autónomas, Ac. da RC, de 26.04.2006, CJ, Ano XXXI, Tomo II, págs. 29 e segs.
14. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, págs. 433 e 434; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, págs. 101 e segs; Henrique Mesquita, «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», RDES, XXIII, pág. 139, nota 3. Defendendo que o art. 1422.º, n.º 2, n.º 3 e n.º 4, só se aplica às fracções autónomas, Ac. do STJ, de 22.02.2017, CJSTJ, Ano XXV, Tomo I, págs. 83 e segs..
15. Neste sentido, Ac. da RL, de 08.10.2019, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 32016/16.0T8LSB.L1-7, onde se lê que, conforme «jurisprudência do STJ, obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, bem como as modificações à sua afetação ou destino» (com discriminação de arestos conformes).
16. A aprovação dos condóminos exigida pelo n.º 1, do art,. 1425.º do CC deverá ser dada por deliberação da assembleia de condóminos (embora este concreto preceito não o precise), meio normal de formação daquela vontade colectivas (conforme referido nos demais preceitos pertinentes a esta matéria). Neste sentido, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, Setembro de 2020, pág. 170.
17. Neste sentido, Ac. da RC, de 05.07.2005, Ferreira de Barros, Processo n.º 1754/05, Ac. da RL, de 15.12.2011, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5133/09.5TBOER.L1-8, e Ac. do STJ, de 17.05.2017, Nunes Ribeiro, Processo n.º 309/07.2TBLMG.C1.S1.
18. Neste sentido, Ac. do STJ, de 04.10.1995, Sousa Inês, BMJ, n.º 450, págs. 492-502.
19. Neste sentido, Ac. da RP, de 19.03.1996, Rapazote Fernandes, Processo n.º 9520077, e Ac. do STJ, de 05.02.2004, Ferreira de Almeida, Processo n.º 03B4453.
20. No mesmo sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 3.ª edição, pág. 60; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 298.
21. Contudo, pode dizer-se que: . boa fé - objectiva-se em regras de actuação (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, págs. 180 e 182): é a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 2.ª edição, Almedina, 1989, pág. 78), reporta-se à correcção e lealdade (Fernando Augusto Cunha e Sá, Abuso de Direito, CEFDGCI, Lisboa, 1973, pág. 193). Por isso, agir de boa fé é «agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesse da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar» (Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ, n.º 412, pág. 460). A este propósito deverá ser tido em consideração o disposto nos arts. 227.º e 762.º, ambos do CC, que se referem à exigência da actuação de boa fé nos preliminares e formação do contrato, no cumprimento da obrigação e exercício do direito. . os bons costumes - é conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico, acolhidas pelo Direito, em cada momento histórico, que, não estando codificadas, provocam consenso em concreto, pelo menos nos casos limite, encontrando-se na sua concretização um grupo que se prende com princípios cogentes da ordem jurídica e outro que se liga à moral social (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 193. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ, n.º 412, pág. 460, onde se lê que os bons costumes são «um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social»). Logo, para se determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 299). . o fim/função social ou económico do direito - tem a ver com a sua configuração real, a apurar através da interpretação; se um direito é atribuído com certo perfil, já não haverá direito quando o titular desrespeite tal norma constitutiva (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 283).
22. Precisando o«quantum de tempo necessário para concretizar a supressio, dir-se-á que o mesmo varia. Podemos, todavia, marcar balizas: será inferior ao da prescrição, ou a supressio perderá utilidade; além disso, equivalerá àquele período decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo juiz, já não será de esperar o exercício do direito atingido» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Volume, 2011, págs. 322 e seguintes, com bold apócrifo).
23. Reiterando que os «indícios objetivos que complementam o decurso do prazo relacionam-se com a posição do titular atingido», e que este «não deve surgir como impedido patentemente de atuar mas, antes, como pessoa consciente que, podendo fazê-lo, não aja», Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Volume, 2011, págs. 322 e seguintes, com bold apócrifo.
24. A «supressio, justamente por não dispor da precisão facultada pelo factum proprium, vai requerer circunstâncias colaterais que melhor alicercem a confiança do beneficiário» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Volume, 2011, págs. 322 e seguintes).
25. Reiterando que a supressio «é apresentada como um instituto totalmente objectivo», que não requer qualquer culpa do titular atingido, mas apenas o facto da sua inacção» (e por isso, fica «prejudicada pelos fatores voluntários que, nos termos a lei, interrompam ou suspendam a rescrição ou a caducidade», já que «vêm destruir, por definição, a ideia de que o direito não mais será exercido»), Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Volume, 2011, págs. 322 e seguintes, com bold apócrifo.