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PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
PROVISÓRIO
Sumário
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
1- Nos casos em que em sede de PER ou de PEAP o processo é encerrado com a homologação, respetivamente, do plano de revitalização ou do plano de pagamento, as custas do processo são a cargo do requerente, devendo os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judicial provisório serem consideradas na conta final, a título de encargos, a serem suportados pelo requerente, a título de custas de parte (arts. 17º-F, n.º 11, 222º-F, n.º 9 do CIRE e 529º, n.ºs 1 e 3 do CPC). 2- Nos casos em que o PER ou o PEAP sejam encerrados por outros motivos, designadamente, por desistência antecipada do requerente ou dos respetivos credores das negociações, por inviabilidade de chegaram a acordo quanto ao plano de revitalização (PER) ou de pagamento (PEAP) ou pelo decurso do prazo legal para as negociações, sem que o acordo quanto ao plano tenha sido alcançado, as custas do PER e do PEAP continuam a ser a cargo do requerente, por força do regime geral do art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 17º do CIRE, devendo os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judicial provisório serem considerados na conta final, nos termos referidos em 1). 3- Salvo nos casos em que o requerente do PER ou do PEAP beneficie de apoio judiciário que o isente do pagamento de custas ou na modalidade de pagamento faseado, não existe fundamento legal para que os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judicial provisório sejam adiantas pelo IGFEJ. 4- O regime do art. 32º, n.º 3 do CIRE, que manda que as custas sejam suportadas pela massa insolvente e, na ausência ou insuficiência desta, os encargos sejam adiantados pelo IGFEJ, considerando-se a quantia adiantada pelo último, na conta final, a título de encargos, apenas é aplicável aos processos de insolvência em que tenha sido declarada a insolvência do devedor por sentença transitada em julgado. 5- A diversidade dos regimes enunciados em 3) e 4) radica na circunstância de PER e PEAP terem pressupostos e finalidades distintas do processo de insolvência e das funções do administrador judicial provisório não se confundirem, sequer serem equiparáveis, às desempenhadas pelo administrador de insolvência, nos processos em que tenha sido declarada a insolvência do devedor, por sentença transitada em julgado, não existindo nessa diferenciação de regimes qualquer desproporção injustificada, sequer violação do princípio constitucional da igualdade.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
RELATÓRIO.
F. S., Lda., com sede na Travessa …, freguesia e concelho de Barcelos, instaurou a presente ação especial de revitalização, pedindo que lhe fosse nomeado administrador judicial provisório.
Proferiu-se despacho de admissão do processo de revitalização e nomeou-se administrador judicial provisório à requerente.
O administrador judicial provisório elaborou e juntou aos autos lista provisória de créditos.
Em 11/09/2020, o administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido de que a devedora e requerente, F. S., Lda., se encontra em situação de insolvência e requerendo a declaração de insolvência desta.
Juntou declaração emanada pela devedora, em que esta declara estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, encontrando-se em situação de insolvência e requerendo que se ponha termo ao presente processo de revitalização, por impossibilidade de alcançar acordo com os seus credores.
Por sentença proferida em 21/09/2020, declarou-se encerrado o processo negocial e ordenou-se a extração de certidão do requerimento e parecer apresentados pelo administrador judicial provisório e a respetiva remessa à distribuição como processo de insolvência.
Entretanto, o administrador judicial provisório requereu que lhe fossem fixados honorários e pagas as despesas que suportou no exercício das respetivas funções.
Sobre esse requerimento, recaiu em 28/09/2020, a seguinte decisão, fixando honorários ao administrador judicial provisório e determinando que a quantia arbitrada fosse adiantada pelo IGFEJ:
“Atento o trabalho efetuado pelo senhor Administrador Judicial Provisório, a lista provisória de credores apresentada e considerando também o encerramento prematuro do processo, fixo em € 1.500,00 os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.
Dê pagamento, a adiantar pelo IGFEJ, nos termos do art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (nos termos dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Não desconhecemos haver quem defenda que os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório não deveriam ser adiantados pelo IGFEJ, fazendo diferente interpretação da norma supra citada.
Vejamos quais as consequências práticas deste entendimento.
A ser assim, teria o senhor Administrador Judicial Provisório que extraprocessualmente reclamar junto dos devedores o pagamento da contrapartida do seu trabalho no processo, ficando dependente da vontade ou da disponibilidade financeira destes.
Dividamos a análise entre os PEAPs ou PERs que, uma vez findos, (1) vão provocar a declaração de insolvência do requerente e (2) aqueles em que isso não sucede:
(1) Nos casos em que o plano de pagamentos (ou de revitalização, nos PERs) não é aprovado ou, sendo, não é proferida sentença de homologação do mesmo, dando o senhor Administrador Judicial Provisório parecer de que o requerido se encontra insolvente, como irá o senhor Administrador Judicial Provisório cobrar os seus honorários e despesas?
Não podendo nesse caso receber diretamente do devedor, sob pena de favorecimento de credores, indevido e ilegal, outra solução não resta ao senhor Administrador Judicial Provisório que a de reclamar créditos no próprio processo de insolvência (nos termos do art. 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e como crédito comum, atrás de todos os créditos privilegiados e garantidos que vierem a ser reconhecidos e ao lado dos outros créditos comuns, esperando que o produto da liquidação seja suficiente para satisfação dos honorários do serviço que prestou.
Acresce, nesse caso, que o senhor Administrador Judicial Provisório não poderá aceitar a nomeação como Administrador da Insolvência no processo de insolvência, perdendo a remuneração e o trabalho que decorreriam dessa nomeação, sob pena de conflito de interesses, por se ver na posição de ter que reconhecer como Administrador da Insolvência um crédito que reclama como credor, ou seja, por ser ao mesmo tempo Administrador da Insolvência e credor.
(2) Mas nas situações em que o PEAP ou PER não dá origem a declaração de insolvência do requerente, a posição do senhor Administrador Judicial Provisório não é mais favorável.
Na verdade, também aí tem que esperar que o requerido tenha vontade e/ou disponibilidade financeira para proceder ao pagamento dos seus honorários e despesas.
Caso contrário, outra solução não lhe resta que a de intentar uma ação executiva contra um requerido para cobrança coerciva daqueles valores.
Perguntamos, terá o legislador querido submeter o senhor Administrador Judicial Provisório a estes procedimentos?
É que a ser assim, verifica-se uma discriminação gritante entre este e os restantes intervenientes processuais que são nomeados pelo tribunal para desempenhar funções num processo.
Peritos, tradutores, Administrador da Insolvência ou Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência, todos têm os seus honorários liquidados diretamente no próprio processo em que participem, sem necessidade de recurso a via judicial, na forma de outro processo, executivo ou de insolvência, sujeitando-se às vicissitudes, ao sucesso ou ao insucesso, normais para quem recorre ao tribunal.
Até as testemunhas podem requerer diretamente ao processo onde tenham prestado depoimento o pagamento das despesas de deslocação e fixação de uma indemnização equitativa (cfr. art. 525º do Código de Processo Civil), sem necessidade de intentarem outro processo judicial para sua cobrança.
Centremos a nossa análise sobre o Administrador Judicial no processo de insolvência (seja na função de Administrador da Insolvência, seja na função de Administrador Judicial Provisório).
O senhor Administrador da Insolvência em sede de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente - cfr. art. 29º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial) - ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 30º, nº 1 do mesmo diploma.
Também o Administrador Judicial que exerça funções como Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Desta forma, o legislador protegeu sempre o Administrador da Insolvência e o Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência, servidor da justiça nomeado pelo tribunal, permitindo sempre que este obtenha o pagamento dos seus rendimentos e despesas diretamente do processo onde presta funções.
Terá querido o legislador que fosse diferente quanto aos Administradores Judiciais Provisórios em PER e PEAP, discriminando-os?
Haverá razão para essa discriminação?
Cremos que não, atento o facto de em ambos os casos se tratarem de servidores da justiça nomeados pelo tribunal, para exercerem funções em processos judiciais, funções essas essenciais e imprescindíveis para o cumprimento do fim a que se destinam aqueles.
Vejamos novamente a norma em apreço (sempre “com as devidas adaptações” aos presentes autos por força do art. 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas): “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.
Qual a razão de ser da norma?
Cremos, salvo melhor opinião, ser a de garantir a remuneração do Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência (qualificando-a mesmo como um encargo compreendido nas custas do processo), que será sempre liquidada antes de findo o mesmo: ou através das disponibilidades da massa insolvente ou, na ausência destas, através do IGFEJ.
Razão de ser semelhante, aliás, à que está na génese dos já citados arts. 29º, nº 1 e 30º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
Daí que, procurando interpretar o art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (por força dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), se nos afigure ser de abolir a referência a “sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”, que não pode ser aplicado a estes processos, pois estes não têm, por natureza, massa insolvente ou património semelhante que possa responder pelo pagamento dos honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.
Consequentemente, os honorários e despesas do senhor Administrador Judicial Provisório constituirão um encargo compreendido nas custas do processo e serão suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, tratando-o o legislador da mesma forma e a par do Administrador da Insolvência e do Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência.
Aliás, só desta forma é que aqueles honorários e despesas passam a constituir um encargo compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que, a final, vier a ser condenado nas custas processuais, ou seja, o devedor (pelo que esta determinação legal de constituição dos honorários e despesas como um encargo compreendido nas custas do processo parece confirmar a interpretação que fazemos da norma).
De referir que surgiram já situações nos processos em que Administradores Judiciais Provisórios declararam apenas aceitar a sua nomeação para cargo em PER ou PEAP caso se determine previamente que os seus honorários seriam adiantados a final pelo IGFEJ.
Tal situação ocorreu, a título de exemplo, no PER nº 3007/20.8T8VNF do J3 deste Tribunal do Comércio, em que o senhor Administrador Judicial Provisório nomeado justificou a sua posição com o facto de, em PER anterior referente à mesma devedora, para o qual foi nomeado, nunca ter sido pago dos seus honorários, tendo acabado por exercer o seu trabalho gratuitamente, o que recusava que voltasse a acontecer.
Trata-se de uma ocorrência que não dignifica os tribunais…
Em face de tudo o exposto, concluímos que por força do disposto no art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (nos termos dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório nestes autos deverão ser adiantadas pelo IGFEJ e após constituídas como um encargo a ser compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que foi condenado no pagamento destas.
Deixamos consignado que o estudo que supra efetuamos constitui uma alteração de posição para futuro relativamente a outras anteriormente tomadas em sentido contrário noutros processos.
Termos em que determino que os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório nestes autos lhe sejam liquidados pelo IGFEJ e, após, constituídas como um encargo a ser compreendido nas custas do processo.
Notifique e, após trânsito, dê pagamento.
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1. O artº 32º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, prevê o pagamento da remuneração do administrador judicial provisório nomeado em processo de insolvência que constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, a ser suportado pelo IGFEJ, IP, quando a massa insolvente não as poder pagar;
2. Os honorários (e despesas) do administrador judicial provisório nos processos especiais derevitalização/para acordo de pagamento são exclusivamente pagos pelos devedores, após fixação pelo Tribunal mas sem que essa efetivação passe pelo controlo judicial;
3. Aquele normativo não é integralmente aplicável a tais processos especiais, onde inexiste qualquer massa insolvente relativamente à qual o IGFEJ, IP, possa ser subsidiariamente responsabilizado;
4. Assim, os arts. 17º-C, nº 4, e 222º-C, nº 4, apenas mandam aplicar o artº 32º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aos processos especiais de revitalização/para acordo de pagamento “comasdevidasadaptações”;
5. A única exceção a este entendimento reside na circunstância (casuística) de os devedores beneficiarem de apoio judiciário (também na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo), o que não acontece, caso em que, aí sim, será legítimo ao Tribunal determinar que o pagamento dos aludidos honorários (e despesas) fique a cargo do IGFEJ, IP;
6. Não existe fundamento legal para o IGFEJ, IP, ser responsabilizado a título principal, como se pretende no douto despacho sindicado, pois nem sequer quando prevista a sua intervenção tal sucede (na insolvência aquela responsabilização apenas ocorre após serem esgotadas as disponibilidades da massa insolvente);
7. De facto, tais encargos apenas são pagos pelo IGFEJ, IP, quando a massa insolvente (responsável a título principal) o não possa fazer;
8. Não há normativo legal que legitime o Tribunal a mandar pagar os honorários (e despesas) dos administradores judiciais provisórios em processos especiais de revitalização/para acordo de pagamento pelo IGFEJ, IP, que deverão posteriormente ser englobados numa conta de custas a ser eventualmente cobrada aos devedores;
9. Menos compreensível se torna o douto despacho sindicado se atentarmos que o (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) judicial provisório (a) requereu que a sua remuneração fosse fixada, e muito bem, a cargo da devedora;
10. O artº 32º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, funciona para os administradores judiciais provisórios nomeados em processo de insolvência (e só) como o artº 30º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, funciona para os administradores da insolvência;
11. O IGFEJ, IP, apenas é, então, responsabilizado, sempre a título subsidiário (nunca principal, como defendido no douto despacho em crise), e nos casos em que a lei prevê a existência de uma massa insolvente;
12. Não existindo massa insolvente nos processos especiais de revitalização/para acordo de pagamento, os honorários (e despesas) dos administradores judiciais provisórios são pagos pelos devedores;
13. A posição ora sustentada pelo Ministério Público encontra absoluto amparo em toda a jurisprudência encontrada que aborda esta temática;
14. Salvo qualquer lapso, que se ressalva a existir, não se encontrou nenhuma decisão de Tribunais Superiores que aconchegue o entendimento defendido pelo Tribunal aquo (que não cuidou de a citar);
15. Não pode recorrer-se à figura da equidade nem efetuar uma qualquer interpretação extensiva ou analógica, que não foi invocada;
16. Não está demonstrado que o Direito da Despesa Pública tenha aprovisionado uma parte dos bens públicos (ou previsto atos que envolvam a utilização/realização do dinheiro público nos termos averiguados) que tenha como objetivo satisfazer aqueles honorários (e correspondentes despesas) quando a lei é clara ao manifestar a não intervenção do IGFEJ, IP, nos casos como aquele que ora se aprecia;
17. Foram violados os arts. 17º-C, nº 4, 32º, nº 3, e 222º-C, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4º, 9º, nº 2 e nº 3, e 10º, nº 1 e nº 2, do Código Civil, todos por equívoca interpretação.
Termos em que se conclui como supra, proferindo-se douto acórdão que revogue o douto despacho investigado e determine que o pagamento dos honorários e despesas do (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) judicial provisório (a) nomeado (a) nos autos seja suportado pela devedora, sem qualquer intervenção (prévia ou ulterior) do IGFEJ, IP.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se a decisão recorrida, na parte em que determina que a quantia arbitrada, a título de honorários, ao administrador judicial provisório pelas funções exercidas no âmbito do presente processo especial de revitalização, seja adiantada pelo IGFEJ, I.P., e seja considerada como encargo, a ser compreendido nas custas do processo, a cargo da devedora F. S., Lda., padece de erro de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Tendo sido encerrado o presente processo especial de revitalização em virtude de a empresa requerente, F. S., Lda., ter reconhecido que não era possível celebrar qualquer acordo de revitalização com os seus credores, por se encontrar em situação de insolvência, e por o administrador judicial provisório ter emanado parecer no sentido de que a empresa requerente se encontra efetivamente em situação de insolvência e requerendo que esta seja declarada insolvente, a 1ª Instância declarou encerrado o presente processo especial de revitalização e ordenou que se extraísse certidão daquele parecer e requerimento do administrador judicial provisório e fosse instaurado, por apenso ao presente processo de revitalização, processo de insolvência, vindo a fixar a remuneração devida ao administrador judicial provisório pelo exercício das funções que exerceu no âmbito do presente processo de revitalização, determinando, contudo, que essa remuneração, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 32º do CIRE, “adaptado às especificidades do PER ou PEAP”, fosse adiantada pelo IGFEJ e após considerada na conta a elaborar, a título de custas de parte, enquanto encargos a suportar pela requerente.
Essa decisão da 1ª Instância, determinando que o IGFEJ adiantasse a quantia arbitrada ao administrador judicial provisório a título remuneratório, fundamentou-se na circunstância de quando o PER ou o PEAP são encerrados por se terem frustrado as negociações entre o requerente desses processos e os respetivos credores, por o primeiro já se encontrar em situação de insolvência e o administrador judicial provisório emanar parecer no sentido de que esse requerente se encontra efetivamente numa situação de insolvência e requerendo que seja declarada a insolvência deste, segue-se a declaração de insolvência do devedor e requerente, pelo que, segundo a 1ª Instância, o último já não poderá liquidar a remuneração e os encargos devidos ao administrador judicial provisório, sob pena de violar o princípio da igualdade entre credores, sendo o administrador judicial provisório obrigado a reclamar o seu crédito no âmbito do processo de insolvência, a par dos restantes créditos comuns, aguardando que a massa insolvente se revele suficiente para lhe dar pagamento, a qual, as mais das vezes, será insuficiente para satisfazer esse pagamento.
Acresce que segundo a 1ª Instância, a reclamação do crédito de honorários e despesas por parte do administrador judicial provisório no âmbito do processo de insolvência impede que este possa ser nomeado administrador de insolvência, sob pena de conflito de interesses, uma vez que o administrador surgiria, no processo de insolvência, na dupla qualidade de administrador de insolvência e de credor do insolvente, o que lhe acarretaria um duplo prejuízo, ou seja, o decorrente por, em regra, as forças da massa insolvente serem insuficientes para lhe liquidar o crédito a honorários e despesas que lhe foram arbitrados no âmbito do PER ou do PEAP, seguindo-se o prejuízo de não poder ser nomeado administrador de insolvência no processo de insolvência e de, assim, poder auferir a remuneração inerente ao desempenho dessas funções.
Finalmente, argumenta a 1ª Instância que peritos, tradutores, testemunhas e administrador judicial provisório e de insolvência, em sede de processo de insolvência, têm direito a serem pagos pelas despesas e/ou remunerações que lhe são devidas, seja através das forças da massa insolvente ou, na insuficiência desta, diretamente pelo IGEJ.
Com os enunciados argumentos, conclui a 1ª Instância que não existe fundamento legal para semelhante gritante discriminação entre, por um lado, o administrador de insolvência e os demais intervenientes processuais no processo de insolvência, como sejam peritos, tradutores e, inclusivamente, testemunhas e, por outro, o administrador judicial provisório no âmbito do PER ou do PEAP, e por aplicação do regime do art. 32º, n.º 3 do CIRE, “adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (nos termos dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”, determinou que os honorários arbitrados ao senhor administrador judicial provisório nos presentes autos de revitalização fossem adiantadas pelo IGFEJ e que a quantia adiantada fosse considerada na conta a elaborar, a final, a título de custas de parte, a cargo da requerente/devedora, F. S., Lda..
O Ministério Público insurge-se contra esse adiantamento, imputando erro de direito à decisão recorrida, na parte que o determina, argumentando que no âmbito do PER ou do PEAP não existe norma que permita ao tribunal a quo ordenar que a quantia arbitrada ao administrador judicial provisório a título de honorários e/ou despesas seja adiantada pelo IGFEJ; que o estatuto funcional do administrador provisório é distinto do que assiste ao administrador de insolvência e daí que os arts. 17º-C, n.º 4 e 222º-C, n.º 4 do CIRE, mandem aplicar ao administrador judicial provisório, respetivamente, em sede de PER e de PEAP, o disposto nos arts. 32º a 34º “com as devidas adaptações”; que no âmbito do PER e do PEAP nunca existe massa insolvente e, como tal, inexiste um património autónomo suscetível de responder pelas custas do processo, o que de per se leva à inaplicação do regime jurídico previsto nesse n.º 3 do art. 32º do CIRE ao PER ou ao PEAP e isto quando o art. 17º-F, n.º 7 do CIRE é expresso em estabelecer que as custas do PER e do PEAP são sempre a cargo do devedor, não se estando, portanto, perante qualquer lacuna legislativa que se imponha superar.
Quid juris?
O processo especial de revitalização (doravante PER), teve origem no memorando celebrado entre o Estado Português com o Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (1) e foi instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE), aprovado pelo DL. n.º 53/2004, de 18/03, e pretendeu “assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual” (2).
Esse processo especial veio a ser modificado pelo art. 4º do DL. n.º 26/2015, de 06/02, que alterou apenas o art. 17º-F, n.º 3, sendo objeto de posterior alteração de fundo, através do DL n.º 79/2017, de 30/06, apostado na “credibilização do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação, reforçou-se a transparência e a credibilização do regime e desenhou-se um PER dirigido às empresas, sem abandonar o formato para as pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes” (3).
Atualmente o regime jurídico do PER consta dos arts. 17º-A a 17º-J do CIRE.
Conforme consta da mencionada exposição de motivos da proposta de Lei que veio a dar origem à Lei n.º 16/2012, o n.º 1 do art. 17º-A do CIRE estabelece que “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à revitalização”.
Trata-se de um processo que se destina a favorecer a revitalização da empresa em dificuldades e que preencham dois pressupostos objetivos, a saber: a) encontrar-se a empresa em situação económica difícil ou de insolvência iminente; e b) que essa empresa se encontre em condições que permitam a sua recuperação, o que significa que apenas as empresas em situação económica difícil ou de insolvência iminente podem recorrer ao processo especial de revitalização (pressuposto positivo) e que só as empresas que se encontrem em situação suscetível de serem recuperadas podem a ele recorrer (pressuposto negativo), pelo que as que já se encontrem em situação de insolvência não podem recorrer a PER.
O PER realiza dois objetivos, um imediato, que se traduz na renegociação do passivo da empresa com os credores desta, e um mediato, que é o da recuperação da empresa (4), e daí que se trate de um processo pré-insolvencial aplicável apenas às empresas que, pela positiva, já se encontrem numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente e, pela negativa, que não estejam ainda numa situação de insolvência atual, a que visa obstar.
Para além de ser um processo pré-insolvencial, precise-se que o PER é ainda um processo concursal, a que são chamados todos os credores interessados do requerente/devedor, havendo, aliás, interesse da lei que nele intervenha o maior número de credores possível, atenta a ideia de que a recuperação da empresa será tanto mais eficaz quanto maior for o número de sujeitos relevantes (credores) envolvidos, isto apesar de a sentença homologatória do plano de recuperação aprovado no PER vincular todos os credores, mesmo os que não tenham reclamado os seus créditos ou participado nas negociações (art. 17º-F, n.º 10).
Trata-se de um processo urgente (art. 17º-A, n.º 3) e hibrido, dado que é composto por uma forte componente extrajudicial (a fase das negociações, em que não intervém o juiz), embora temperado com a intervenção deste último em momentos chaves, indispensável ao caráter concursal do mesmo.
Acresce que o PER é um processo recuperatório, pois visa permitir à empresa que seja suscetível de recuperação a obtenção de um acordo com os respetivos credores conducente à sua revitalização.
Finalmente, trata-se de um processo voluntário, em que a iniciativa do processo cabe unicamente à empresa/devedora (art. 17º-C, n.º 1), que tem a faculdade de pôr fim às negociações independentemente de qualquer causa (art. 17º-G, n.º 5), sendo que quanto aos credores, estes têm o ónus de reclamação e de impugnação de créditos (art. 17º-D, n.ºs 2 e 3), o poder de aderir às negociações a todo o tempo (art. 17º-D, n.º 7) e o direito de voto (art. 73º, n.º 1), sendo livres de exercer ou não esse direito e de, exercendo-o, poderem votar em qualquer sentido, seja a favor ou contra o plano de recuperação (5).
Precise-se que após um período inicial, em que o PER foi aplicado a todos os sujeitos passivos suscetíveis de serem declarados insolventes, quer fossem pessoas singulares ou coletivas, titulares ou não de empresas, bem como os patrimónios autónomos, em que se consideravam excluídos do seu âmbito de aplicação subjetivo apenas os sujeitos passivos que estivessem excluídos da declaração de insolvência, foi-se progressivamente instalando a dúvida sobre se o PER seria aplicável às pessoas singulares que não fossem titulares de empresa.
Essa dúvida foi ultrapassada com a alteração introduzida ao CIRE pelo DL n.º 79/2017, de 30/06, que introduziu na ordem jurídica nacional o processo especial para acordo de pagamento – PEAP (arts. 222º-A e segs, do CIRE).
O PEAP constitui um processo equivalente ao PER para devedores singulares que não sejam titulares de empresa e que comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, visando estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento (n.º 1 do art. 222º-A do CIRE).
Deste modo, em consequência da enunciada alteração legislativa, operada pelo DL n.º 79/2017, pode afirmar-se que o PER apenas se aplica a “empresa”, compreendida enquanto organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica (art. 5º do CIRE), que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, que pretenda estabelecer negociações com os seus credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização, quer essa empresa seja titulada por uma pessoa singular, coletiva ou integre um património autónomo (art. 2º, n.º 1 do CIRE), não sendo o PER aplicável a quem não tiver o estatuto de empresa.
Aos devedores que não sejam empresas e que se encontrem numa situação economia difícil ou em situação de insolvência iminente que pretendam estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento, é aplicável, como referido, o PEAP (art. 222º-A, n.º 1 do CIRE).
Decorre do que se vem dizendo, que quer o PER, quer o PEAP são processos bem distintos do processo de insolvência, uma vez que têm pressupostos e finalidades diferenciadas, posto que enquanto os dois primeiros visam, respetivamente, obstar que a empresa (no caso de PER) ou as não empresas (no caso de PEAP) que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, caiam numa situação de insolvência, mediante a celebração de acordo com os respetivos credores que possibilitem a respetiva reabilitação, o processo de insolvência tem subjacente uma situação de já efetiva insolvência do devedor, ou seja, que o devedor se encontre já numa situação impossibilitadora de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º, n.º 1) ou ainda, tratando-se de pessoa coletiva e patrimónios autónomos por cuja dívidas nenhuma pessoa responda pessoal e ilimitadamente, por forna direta ou indireta, numa situação em que o passivo destas já seja manifestamente superior ao respetivo ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (n.º 2 do art. 3º) (6).
Como decorrência dessa diversidade de pressupostos e de finalidades entre, por um lado, o PER e o PEAP e, por outro, o processo de insolvência, também as funções do administrador judicial provisório no âmbito do PER ou do PEAP não se confundam, sequer são equiparáveis, às do administrador de insolvência.
Com efeito, conforme referido, quer o PER quer o PEAP iniciam-se mediante requerimento apresentado, respetivamente, pela empresa ou pela pessoa singular não detentora de empresa no tribunal competente para declarar a respetiva insolvência (arts. 17º-C, n.º 3 e 222º-C, n.º 3 do CIRE).
Esse requerimento tem de ser acompanhado de declaração escrita e assinada pelo devedor assim como reúne condições necessárias para a sua recuperação e pelos documentos elencados no art. 17º-C, n.º 3 do CIRE, no caso de PER, ou tratando-se de PEAP, elencados no art. 222º-C, n.º 3.
Recebido esse requerimento, não sendo caso de indeferimento liminar ou de convite ao aperfeiçoamento, é nomeado pelo juiz, em ambos os processos (PER e PEAP), administrador judicial provisório, ao qual é aplicável o disposto nos arts. 32º a 34º, com as necessárias adaptações (arts. 17º-C, nº4, quanto ao PER e 222º-C, n.º 4, quanto ao PEAP).
Sobre o administrador judicial provisório recai em ambos os processos uma parte substancial da atividade de verificação dos créditos, cabendo-lhe receber as reclamações e elaborar a lista provisória de créditos (art. 17º-D, n.º 2, em sede de PER, e art. 222º-D, n.º 2 para o PEAP), lista essa que pode ser impugnada e caso não o seja, converte-se em definitiva (art. 17º-D, n.º 4 e 222º-D, n.º 5).
Findo o prazo de impugnação da lista provisória de créditos, segue-se, quer no PER, quer no PEAP, as negociações do devedor com os respetivos credores tendentes a conseguir alcançar o plano de revitalização (PER) ou o plano de pagamento (PEAP), sendo que em ambos os processos o administrador judicial provisório tem o dever de orientar e fiscalizar as negociações entre devedor e credores, assegurando que as partes não adotem expedientes dilatórios ou inúteis, prejudiciais à boa marcha do processo (cfr. art. 17º-D, n.º 9 para o PER e art. 222º-D, n.º 9 para o PEAP) e, bem assim o dever de se assegurar que, respetivamente, o plano de revitalização ou de pagamento é viável e credível (art. 17º-F, n.º 4 e art. 222º-F, n.º 1).
Concluídas as negociações com a aprovação de plano de revitalização (no PER) ou de pagamento (no PEAP) pelos credores, este é apresentado ao juiz para homologação e caso este o homologue, quer o plano de revitalização, quer o de pagamento, é vinculativo para todos os credores do devedor, ainda que não tenham reclamado os seus créditos, não tivessem participado nas negociações em sede de respetivamente, PER ou PEAP, ou, tendo-o feito, tivessem votado contra o plano que veio a ser aprovado e homologado (arts. 17º-F, n.º 10 e 222º-F, n.º 8 do CIRE).
No caso de homologação do plano de revitalização ou de pagamento, estabelece o art. 17º-F, n.º 11 (para o PER) e art. 222º-F, n.º 9 (para o PEAP), competir ao devedor suportar as custas do processo de homologação.
Deriva do que se vem dizendo, que apesar de ao administrador judicial provisório nomeado em sede de PER ou de PEAP ser aplicável o regime jurídico dos arts. 32º a 34º, com as devidas adaptações (arts. 17º-C, n.º 4 e 222º-C, n.º 4), como bem realça o apelante, não é aplicável aos referidos processos a parte final do n.º 3 do art. 32º do CIRE, na parte em que se estabelece que a remuneração devida ao administrador judicial provisório, em sede de processo de insolvência, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, configuram encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais, na medida em que sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.
Com efeito, como refere o apelante, no PER e no PEAP, não existe massa insolvente, que o art. 32º, 3 do CIRE manda responder pela satisfação da remuneração e das despesas devidas ao administrador judicial provisório (e demais encargos e custas do processo) e que apenas serão suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais (atual Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEJ)) na medida em que não possam ser satisfeitos pelas forças da massa insolvente.
Massa, e portanto, património autónomo suscetível de responder pelo pagamento da remuneração e os encargos devidos ao administrador (aliás, pela totalidade das custas do processo) apenas existe no processo insolvencial e que o IGFEJ liquida, em termos subsidiários, quando essa massa seja inexistente ou insuficiente para prover a essa liquidação.
No âmbito do PER e do PEAP não existe fase de apreensão e de liquidação de bens, pretendendo mesmo o legislador evitar essa apreensão e liquidação do património do devedor, pelo que neles não existe massa (7).
Depois, nos casos em que no âmbito do PER ou do PEAP ocorra a homologação judicial, respetivamente, do plano de recuperação ou de pagamento, o art. 17º-F, n.º 11, para o PER, e o art. 222º-F, n.º 9, para o PEAP, estabelecem expressamente que as custas do processo de homologação ficam a cargo do devedor.
Dir-se-á que apesar de não desconhecer que no âmbito do PER e do PEAP não existe nunca massa insolvente que possa responder pelas custas do processo (incluindo-se nestas a remuneração devida ao administrador judicial provisório e a restituição das despesas que este suportou no exercício das suas funções, dado que se trata de encargos do processo – art. 529º, n.ºs 1 e 3 do CPC), pelo que, a ser aplicável aos mencionados processos o regime integral do n.º 3 do art. 32º do CIRE, teria de ser sempre o IGFEJ a suportar a liquidação dessa remuneração e despesas devidas ao administrador judicial provisório e demais encargos do PER ou do PEAP, o legislador, em relação ao qual se tem, por imperativo legal, de se presumir que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, n.º 3 do CIRE), afastou, em caso de homologação do plano de recuperação ou de pagamento, aquele regime do art. 32º, n.º 3 do CIRE, ao estabelecer que as custas do processo de homologação no PER e no PEAP são sempre suportadas pelo devedor, o que apenas pode significar que o regime desse n.º 3 somente é aplicável aos processos de insolvência, mas nunca ao PER ou ao PEAP.
De resto, em consonância com o que vem dizendo, a Lei n.º 22/2013, de 26/02, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial, apesar de no seu art. 2º, n.º 2 estabelecer que o administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador de insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei, no seu art. 30º restringe o pagamento da remuneração e do reembolso das despesas pelo IGFEJ devidas ao administrador de insolvência às situações previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE, ou seja, aos processos de insolvência, no caso de inexistência ou insuficiência de massa para proceder à liquidação da remuneração e reembolso de despesas.
Note-se que essa diversidade de regimes que é aplicável, por um lado, ao PER e ao PEAP e, por outro, aos processos de insolvência tem na sua base a circunstância de se tratar de processos com pressupostos e com finalidades distintas, em que as funções do administrador judicial provisório não se confundem com as do administrador de insolvência.
Com efeito, para além do PER e do PEAP nunca comportarem a apreensão e a liquidação de bens do devedor, não havendo, por isso, neles massa, no âmbito desses processos recai sobre o administrador judicial provisório as funções de receber as reclamações e elaborar a lista provisória de créditos, o dever de orientar e fiscalizar as negociações entre o devedor e os respetivos credores, o de se assegurar que o plano que venha a ser celebrado entre devedor e os credores é viável e credível, o de autorizar (ou não) o devedor a praticar os atos de especial relevo a que se referem o art. 161º do CIRE (arts. 17º-E, n.º 2 e 222º-E, n.º 2 do CIRE), e de no caso de o devedor ou a maioria dos credores concluírem antecipadamente não ser possível alcançar o acordo ou de decorrer o prazo legal para as negociações sem aprovação de plano de revitalização (PER) ou de pagamento (PEAP), o dever de emitir parecer sobre a situação em que se encontra o devedor. Caso conclua que o devedor se encontra insolvente, o de requer a insolvência deste (arts. 17º-G, n.ºs 1 a 4 e 222º, n.ºs 1 a 4 do CIRE) (8), funções essas que além de serem bem mais restritas das que se encontram acometidas ao administrador de insolvência, não se confundem com as deste, dado que o papel do administrador judicial provisório no PER e no PEAP não envolve propriamente as funções de administrador ou liquidatário de bens, que é conferido ao administrador de insolvência.
Porque assim é, realça-se a circunstância de nos termos do art. 23º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 22/2013 (EAJ) se estabelecer que a remuneração do administrador judicial provisório, no que respeita tanto ao montante fixo da remuneração como ao montante variável dever ser estabelecida em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça e face à ausência de publicação dessa portaria, embora exista uma corrente jurisprudencial que aplica a Portaria n.º 51/2005, de 20/01, aplicável aos administradores de insolvência, analogicamente ao cálculo da remuneração devida ao administrador judicial provisório em sede de PER ou de PEAP (9), uma outra corrente, que cremos ser maioritária e à qual aderimos, entende que a mencionada Portaria é inadequada para fundamentar o cálculo da remuneração devida à atividade do administrador judicial provisório, “pois é sintomática a diferente natureza dos processos (recuperação/liquidação) e as concretas funções exercidas num e no outro” e que, por isso, “enquanto não for publicada a portaria prevista no art. 23º da Lei n.º 22/2013, aquela remuneração variável deve ser fixada com recurso à equidade, tendo em consideração as funções desempenhadas pelo administrador judicial provisório, atendendo ao número dos créditos reclamados, montantes dos créditos a satisfazer e tempo durante o qual exerceu as suas funções” (10).
Logo, dir-se-á que as razões que levam no âmbito do PER, no caso de homologação de acordo de revitalização, e em sede de PEAP, no caso de homologação de plano de pagamento, os arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, n.º 9 do CIRE a determinar que as custas do processo de homologação ficam a cargo do devedor radicam na diferente natureza e finalidades que se verificam entre, por um lado, o PER e o PEAP e, por outro, o processo de insolvência e na diferença funcional que existe entre o administrador judicial provisório no PER e no PEAP e o administrador de insolvência, não existindo aqui, contrariamente ao sustentado pela 1ª Instância, qualquer diferenciação, sequer a apodada “gritante discriminação”, mas antes a solução encontrada pela 1ª Instância, levaria, salvo melhor opinião, à equiparação do estatuto remuneratório do administrador judicial provisório ao administrador de insolvência, ficcionando-se uma igualdade de situações que, na realidade, não existe.
Acresce que essa equiparação seria manifestamente contra legem, na medida em que não se está, no caso, perante qualquer lacuna legislativa que se impusesse superar por recurso aos critérios do art. 10º do CC.
Com efeito, quando o PER ou o PEAP terminam com a homologação, respetivamente, do plano de revitalização ou de pagamento, existe em ambas as situações norma expressa (arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, n.º 9) que determina que as custas do processo ficam a cargo do devedor.
Note-se que quando o PER ou o PEAP encerre por o devedor ou a maioria dos seus credores terem antecipadamente concluído que não é possível alcançar acordo de revitalização ou plano de pagamento ou por decurso do prazo legal para as negociações, sem que o acordo entre devedor e os respetivos devedores tenha sido alcançado, como dito, cabe ao administrador judicial provisório, depois de ouvido o devedor e os credores, emanar parecer sobre a situação do devedor.
Caso conclua que o devedor não se encontra numa situação de insolvência, o processo é encerrado e cessam todos os seus efeitos (arts. 17º-G, n.º 2 e 222º-G, n.º 2 do CIRE); já se concluir que o devedor se encontra numa situação de insolvência, deverá emanar parecer nesse sentido e requerer que este seja declarado insolvente (art. 17º-G, n.ºs 3 e 4 e 222º-G, n.ºs 3 e 4 do CIRE).
Note-se que o parecer e o requerimento do administrador judicial provisório no sentido de que o devedor se encontra insolvente e requerendo a declaração de insolvência deste não é vinculativo para o juiz, na medida em que é ao órgão judicial que compete apreciar ou verificar os direitos e os estados de facto e produzir a respetiva sentença declarativa, pelo que a declaração de insolvência depende sempre da avaliação objetiva levada a cabo pelo juiz.
Acresce que conforme decidido pelo TC nos seus arestos n.ºs 401/2017, de 12/07, e 771/2017, de 16/11, a interpretação dos arts. 17º-G, n.ºs 3 e 4 do CIRE, no sentido de se determinar a insolvência do devedor, a requerimento do administrador judicial, sem prévia audição do devedor e sem que este tenha aceitado a situação de insolvência, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios contidos nos n.ºs 1 e 4 do art. 20º da CRP. Como tal, aberto o processo de insolvência, por apenso ao PER ou do PEAP, mediante a certidão do parecer e do requerimento do administrador de insolvência, solicitando a declaração de insolvência do devedor, o tribunal tem de cumprir necessariamente o contraditório quanto ao devedor, para que este deduza, querendo, oposição à declaração de insolvência.
Só nos casos em que o devedor, ouvido pelo administrador judicial provisório, no âmbito do PER ou do PEAP, se pronuncie no sentido da sua insolvência, como aconteceu no caso dos autos, se admite que o requerimento do administrador seja equiparado à apresentação à insolvência, podendo esta dar-se por confessada, nos termos do art. 28º (11).
Nos casos em que o PER ou o PEAP é encerrado em virtude do devedor ou os seus credores terem concluído antecipadamente pela impossibilidade de obter acordo de revitalização ou plano de pagamento, respetivamente, ou por ter decorrido o prazo legal de negociações sem que esse acordo ou plano tenham sido alcançados, e o processo seja encerrado por o insolvente não se encontrar numa situação de insolvência, ou estando-o, face à necessidade de instaurar processo de insolvência, nos termos acabados de enunciar, o CIRE nada diz quanto às custas do PER ou do PEAP, isto é, não contém norma equivalente à dos arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, n.º 9.
No entanto, ainda assim, não se está perante qualquer lacuna legislativa.
Na verdade, nessas situações, a questão das custas do PER e do PEAP carece de ser resolvida de acordo com as regras gerais previstas no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ao PER e ao PEAP enquanto direito subsidiário, nos termos do art. 17º do CIRE. Ou seja, nessas situações, as custas são a cargo do requerente do processo, isto é, os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judiciário provisório, enquanto encargos do processo, são a cargo do requerente (assim como, reafirma-se, todas as custas), que viu o PER ou o PEAP a improceder, não havendo, por isso, também, nesses casos, qualquer fundamento legal para que as quantias necessárias ao pagamento dessa remuneração e despesas sejam adiantadas pelo IGFEJ.
Decorre do que se vem dizendo que as custas do PER ou do PEAP, sejam elas quais forem, nelas estando incluindo a remuneração arbitrada ao administrador judicial provisório no âmbito desses processos e, bem assim as despesas que este suportou no exercício das suas funções, que são encargos do processo, são sempre a cargo do requerente/devedor, posto que se for aprovado, no âmbito do PER, plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, ou no âmbito do PEAP, plano de pagamento com igual finalidade, as custas desses processos ficam sempre a cargo do devedor, conforme se estabelece expressamente nos arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, nº 9 do CIRE; se tal não suceder, isto é, caso o PER ou o PEAP sejam encerrados por outro motivo que não a homologação de plano de revitalização ou do plano de pagamento, as custas também ficam a cargo do devedor, pois que vencido, nos termos gerais, para a lei, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que incorra são encargos, que caem no âmbito das custas de parte (12).
Deste modo, conforme realça o apelante, no âmbito do PER e do PEAP só existe fundamento legal para o IGFEJ adiantar a quantia necessária ao pagamento dos honorários e das despesas arbitradas ao administrador judicial provisório, nos casos em que o requerente/devedor litigue com apoio judiciário que o isente do pagamento de custas, em que por força do disposto nos arts. 19º, n.º 1 e 20º, n.º 2 do RCP, os encargos e as despesas para com terceiros são adiantas pelo IGFEJ, sem prejuízo de entrarem nas custas de parte e serem reembolsáveis, a final, pelo responsável pelo pagamento das custas.
Logo, dir-se-á que os distintos pressupostos e finalidades que presidem, por um lado, ao PER e ao PEAP e, por outro, ao processo de insolvência, assim como o distinto conteúdo funcional que se encontra acometido ao administrador judicial provisório no âmbito do PER e do PEAP e aquele que se encontra atribuído ao administrador de insolvência no âmbito do processo de insolvência, justifica plenamente que o legislador, em sede de custas, tenha expressamente previsto nos enunciados arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, n.º 9 do CIRE e nos art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 17º do CIRE, que as custas devidas no âmbito do PER e do PEAP, onde se inserem, a título de encargos, as quantias remuneratórias devidas ao administrador judicial provisório pelas funções exercidas no âmbito desses processos, incluindo as despesas que teve no exercício dessas funções, fiquem sempre a cargo do devedor, solução jurídica esta distinta da que se encontra prevista na parte final do n.º 3 do art. 32º do CIRE, que manda que, no âmbito do processo de insolvência, em que seja declarada a insolvência do devedor/insolvente, por sentença transitada em julgado, as custas sejam suportadas pelas forças da massa insolvente e, na falta ou insuficiência desta, pelo IGFEJ, sem que dessa diversidade de regimes se descortine a propalada “discriminação gritante” a que alude a 1ª Instância, sequer qualquer entorse ao princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP), mas antes um afastamento contra legem dos enunciados arts. 17º-F, n.º 11, 222º-F, n.º 9 do CIRE, e art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi 17º do CIRE.
Por último, dir-se-á que os riscos que a enunciada solução jurídica acarreta para a liquidação dos honorários e das despesas arbitradas ao administrador judicial provisório em sede de PER e de PEAP acabam por ser os mesmos que corre o administrador de insolvência nos casos em que o processo de insolvência venha a findar, sem a declaração da insolvência do devedor por sentença transitada em julgado, ou seja, em que a sentença de declaração de insolvência venha a revogada.
Com efeito, nos casos em que a insolvência não seja decretada por sentença transitada em julgado, as custas do processo de insolvência, nos termos do art. 304º do CIRE, são sempre a cargo do requerente, independentemente de ser ele o devedor ou outra pessoa para tanto legitimada para a instauração do processo do devedor.
Esse devedor das custas do processo insolvencial poderá igualmente encontrar-se numa situação de insolvência, obrigando, nesse caso, igualmente o administrador a instaurar processo de insolvência contra o devedor ou a ir reclamar o seu crédito de honorários e despesas em processo de insolvência já instaurado contra o último.
Resulta do que se vem dizendo que ao determinar que a quantia arbitrada ao administrador judicial provisório, a título de honorários, pelas funções que exerceu no âmbito do presente processo de revitalização, fossem adiantadas pelo IGFEJ, sendo consideradas na conta a elaborar, a título de custas de parte, a cargo da requerente F. S., Lda., a sentença recorrida, acabou por desconsiderar a diferença de finalidades e de natureza jurídica que intercede entre o presente processo de revitalização (o mesmo se diga quanto ao PEAP) e o processo de insolvência e, bem assim a diferença de conteúdo funcional que se encontra acometida ao administrador judicial provisório no âmbito do presente processo de revitalização (o mesmo se afirmando quanto ao PEAP) e as que se encontram acometidas ao administrador de insolvência no âmbito do processo de insolvência, quando seja decretada a insolvência por sentença transitada em julgado.
Essas diferenças justificam plenamente a diferença de regimes remuneratórios que emergem dos arts. 17º-F, n.º 11 (para o PER), 222º-F, n.º 9 (para o PEAP), estes do CIRE, 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi 17º do CIRE, aplicável às custas devidas no âmbito do PER e do PEAP, que são sempre a cargo do requerente, sem que exista fundamento legal para que o IGFEJ adiante as quantias arbitradas ao administrador judicial provisório no âmbito do PER ou do PEAP, a título de honorários e/ou liquidação de despesas (que são encargos do processo), salvo se o requerente, responsável pelo pagamento das custas, beneficiar de apoio judiciário que o isente do pagamento de custas ou na modalidade de pagamento faseado (arts. 19º, n.º 1 e 20º, n.º 1 do RCP) e a solução jurídica prevista no art. 32º, n.º 2 do CIRE para o processo de insolvência, em que o devedor tenha sido declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, em que as custas do processo insolvencial ficam a cargo da massa insolvente, devendo o IGFEJ adiantar as quantias necessárias à satisfação dos encargos, quando essa massa seja inexistente ou insuficiente para a liquidação desses encargos, devendo as quantias adiantadas serem consideradas na conta do processo, a título de custas de parte.
De resto, conforme referido, no caso dos autos não existe qualquer lacuna legislativa que imponha o adiantamento dos honorários arbitrados ao administrador judicial provisório pelo exercício das respetivas funções no âmbito do presente processo de revitalização pelo IGFEJ, mas antes norma expressa (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 17º do CIRE) que determina que esse encargo, assim como todas o encargos e custas do presente processo de revitalização, são da responsabilidade da requerente F. S., Lda., pelo que tais encargos do processo têm de ser considerados na conta a elaborar no âmbito dos presentes autos, em sede de custas de parte, da responsabilidade da requerente.
Decorre do que se vem dizendo, proceder a presente apelação, impondo-se revogar a decisão recorrida, na parte em que se determina que a quantia arbitrada a título de honorários ao administrador judicial provisório, seja adiantada pelo IGFEJ, e substitui-la por decisão em que se se determina que sendo os honorários encargos do presente processo de revitalização, sejam consideradas, na conta a elaborar, a título de custas de parte, a serem pagas pela requerente F. S., Lda.
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Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente apelação totalmente procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida, na parte em que se determina que a quantia arbitrada a título de honorários ao administrador judicial provisório, seja adiantada pelo IGFEJ, e determinam que esses honorários, sejam considerados, enquanto encargos, na conta final, a elaborar no presente processo de revitalização, devendo ser pagos pela requerente F. S., Lda., a título de custas de parte.
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Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 19 de novembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)
1. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 103
2. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de dezembro de 2011
3. Preâmbulo do DL. n.º 79/2017, de 30/06.
4. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, abril de 2018, pág. 340.
5. Maria do Rosário Epifânio, “Manuel de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 413; Catarina Serra, ob. cit., págs. 333 a 339.
6. Neste sentido Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., págs. 438 e 439, em que se lê: “O PER destina-se à recuperação da empresa que se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente. Pelo contrário, o processo de insolvência visa, em primeira linha, a satisfação dos interesses dos credores através de um plano de insolvência ou, se tal não for possível, através da liquidação do seu património e da repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º, n.º 1). Para além desta distinta finalidade, os processos divergem na sua natureza jurídica: o processo de insolvência tem natureza executiva (envolve, em regra atos de apreensão e liquidação de bens); no PER nunca são apreendidos ou liquidados bens da empresa. Em consequência destas diferenças (de finalidade e de natureza jurídica), a lei não associou (nem tinha que associar) ao PER os seguintes efeitos jurídicos. Desde logo, e em primeiro lugar, se no processo de insolvência, e em regra, o devedor, por mero efeito da declaração de insolvência, fica privado do poder de disposição e de administração dos bens que integram a massa insolvente (art. 81º, n.º 1); já no PER, a empresa fica apenas impedida de praticar atos de especial relevo sem a autorização do administrador judicial provisório (art. 17º-E, n.º 2). Para além disso, os efeitos sobre os créditos associados pela lei à declaração de insolvência (essencialmente nos arts. 90º-101º) também não se produzem no PER, designadamente, o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a condição suspensiva (art. 91º); a extinção de privilégios creditórios e de garantias reais previstas no art. 97º. Por isso também, não há lugar à resolução pelo administrador judicial dos atos prejudiciais à massa, praticados pela empresa nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (efeitos sobre os atos passados previstos nos arts. 120º e ss.). Em quarto lugar, no PER não se produzem os efeitos sobre os negócios em curso, disciplinados nos arts. 102º-119º, e determinados, em primeira linha, pela maximização de satisfação dos interesses dos credores e que, por isso, postergam em regra, os mecanismos gerais de tutela do credor face ao incumprimento do seu devedor – como, por exemplo, a exceção de não cumprimento do contrato, o direito de resolução, o direito a uma indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento). Em último lugar, no PER não é aberto qualquer incidente de qualificação da insolvência (previsto para o processo de insolvência, nos arts. 185º e ss.), não estando, por isso, a empresa, os seus administradores de direito e de facto, e os ROC ou CC sujeitos às consequências previstas no art. 189º, n.º 2”.
7. Ac. RP de 16/05/2016, Proc. 631/15.4T8AVR-A.P1, in base de dados da DGSI.
8. Catarina Serra, in ob. cit., págs. 356 a 358.
9. Ac. RG. de 24/11/2014, Proc. 1539/13.3TBFAF.G1, in base de dados da DGSI.
10. Ac. RP. de 16/05/2016, Proc. 631/15.4T8AVR-A.P1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Acs. RP. 05/02/2018, Proc. 914/16.6T8AMT.P1; 07/07/2016, Proc. 1270/13.0TYVNG-A.P1; de 23/02/2015, Proc. 3700/13.1TBBGDM.P1; RC de 16/02/2016, Proc. 914/16.6T8AMT.P1; RE. de 28/05/2016, Proc. 1111/14.0TBSTR.E1; RL de 09/02/2017, Proc. 1118/13.5TYLSB.L1-6, na mesma base de dados. Na doutrina, Catarina Serra, ob. cit., pág. 359, em que escreve “Alguns tribunais entendem, todavia, que a remuneração do administrador judicial provisório do PER deve fixar-se, mais simplesmente, de acordo com critérios de equidade, devendo, encontrar-se, em cada caso, o montante que melhor corresponda/mais proporcional seja o trabalho realizado. Dada a diversidade funcional entre o administrador judicial provisório e o administrador da insolvência talvez esta seja, em abstrato, a melhor solução”. Ainda Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 423.
11. Catarina Serra, ob. cit., págs. 429 a 433.
12. Ac. RG. de 06/11/2014, Proc. 1230/14.3TBBRG-A.G1. No mesmo sentido Acs. RE de 06/04/2017, Proc. 3097/15.5T8STR.E1; de 28/05/2015, Proc. 1111/14.0TBSTR.E1, in base de dados da DGSI.