SOCIEDADE
GERÊNCIA
DESTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO NÃO CONCORRÊNCIA
VOTAÇÃO
CONFLITO DE INTERESSES
Sumário

I - A obrigação de não concorrência com a sociedade constitui uma concretização do dever de lealdade e veda aos gerentes o exercício, por conta própria ou alheia, de atividades concorrentes com as que a sociedade exerça ou tenha deliberado exercer.
II - Porém, os sócios podem autorizar os gerentes a exercer, por conta própria ou alheia, atividades concorrentes com a sociedade, nos termos do art. 254º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, sendo que a infração do disposto nesta norma sujeita os gerentes a destituição com justa causa.
III - O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade, entendendo-se que esse conflito existe quando a deliberação recaia sobre o consentimento previsto no art. 254º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais.
IV - Assim, se autorização para o exercício de actividade concorrente com a sociedade é pedida por um gerente que seja sócio, este não poderá votar.
V - Contudo, mesmo que o tribunal tenha constatado que a deliberação da assembleia geral que autorizou os gerentes da sociedade a exercerem atividades concorrentes padece de irregularidades, não poderá conhecê-las, sob pena de cometer excesso de pronúncia, uma vez que não se trata de matéria de conhecimento oficioso e não foi suscitada nos presentes autos, não fazendo assim parte do objeto desta acção.

Texto Integral

Proc. nº 4448/18.6T8AVR

Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 3
Apelação
Recorrente: B…
Recorridos: C…, O… e “E…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor B… intentou ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais contra os réus C…, D… e “E…, Lda.”, invocando ser sócio desta última e pretendendo a suspensão e destituição dos primeiros do cargo de gerentes da ré sociedade.
Para tanto alegou que o capital social da ré sociedade é representado por cinco quotas no valor nominal de 10.000,00€ cada, sendo titulares de cada uma dessa quotas, para além do autor e dos réus, ainda F… e G….
Mais referiu que exerceu funções como gerente da sociedade, desde a data da sua constituição até 16.4.2018, data em que, sem que nada o justificasse, foi destituído do cargo, por deliberação dos réus, por si e em representação dos sócios F… e G….
Alegou também que se encontra pendente ação por si instaurada para apreciação da ilicitude da sua destituição, sendo que nessa mesma acção, a sociedade deduziu reconvenção, sem que tivesse sido tomada deliberação social que a autorizasse a tal.
Tendo os gerentes da sociedade apresentado depois uma ata contendo uma deliberação e com ela pretendendo a ratificação do ato (ata nº 7), documento que a seu ver não evidencia a vontade formada dos sócios, na medida em que não está assinada por todos os sócios, mas apenas pelos aqui réus, o que constituirá falsificação intelectual de documento, e ainda porque, ao contrário do que ali se consignou, não houve convocação para a assembleia em causa.
Por outro lado, o autor alegou igualmente ter tomado conhecimento de que os gerentes da sociedade e aqui réus, constituíram, cada um deles e com as suas respetivas mulheres, uma sociedade comercial por quotas, com actividade de natureza idêntica e concorrente à da 3ª ré.
Desconhecendo se os demais sócios da sociedade, F… e G…, disso têm já conhecimento, sócios estes que habitualmente se encontram, residem e trabalham nos Estados Unidos da América, sendo eles que normalmente aí recebem o pessoal e mão-de-obra que é contratada pela sociedade em Portugal,
Mais alegou que a natureza do objeto social de ambas as referidas sociedades coincide com o objecto social da sociedade ré, decorrendo do disposto no art. 254º nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais que nem sequer se exige que as atividades concorrentes exercidas pelos gerentes sejam coincidentes com a da sociedade protegida.
Razão pela qual os réus C… e D… deverão ser destituídos da gerência da sociedade ré, ao abrigo dos artigos 64º, 254º, nº 5 e 257º, nº 6 do Cód. das Sociedades Comerciais, já que, para além de terem faltado à verdade, encontram-se a desenvolver atividade concorrencial com a sociedade e em deslealdade dos seus sócios, revelando manifesta incapacidade e incompetência profissional para o exercício da gerência que vêm desempenhando.
Por esse motivo, mostra-se absolutamente necessário e urgente que se determine, ainda que de forma cautelar, a suspensão do exercício das funções dos réus, porque a atividade da sociedade consiste essencialmente no recrutamento e colocação de pessoal e mão-de-obra para clientes com diversas obras em curso em vários países do mundo, sendo que a maioria desse pessoal celebra e possui contratos precários, normalmente de prestação de serviços, de muito curta duração, normalmente de não mais de três meses.
Estando os réus, através das sociedades que constituíram, recrutando e colocando simultaneamente pessoal e mão-de-obra também para clientes com obras em curso nos Estados Unidos da América, Austrália, Europa, Ásia, etc, utilizando as instalações, equipamentos e escritório da sociedade e efetuando deslocações nas suas viaturas e assinando contratos em tudo idênticos.
Concluem, pois, que os réus estão a utilizar os meios ao dispor e os conhecimentos que lhes advieram das funções de gerentes que exercem na sociedade ré, utilizando as idênticas condições e práticas comerciais prosseguidas em benefício das sociedades comerciais concorrentes que constituíram, sem terem autorização e consentimento dos sócios da sociedade.
O autor alegou ainda que os sócios responsabilizam e fazem pagamentos indevidos por conta da sociedade, no seu interesse pessoal, em deslealdade e sem consentimento e conhecimento dos demais sócios, designadamente no que concerne à aquisição de uma viatura particular.
Acrescentam que os réus promoveram a sua destituição em assembleia geral, no seu próprio interesse, e não obstante isso, procederam ao pagamento dos serviços do mandatário constituído, por conta da sociedade, no montante pelo menos de 230,00€ e de 861,00€, para concluir que, no fundo, ele próprio também suportou de forma desleal a sua própria destituição da gerência.
O autor afirmou igualmente que, desde a sua destituição, os réus subtraíram toda a informação e documentação da ré sociedade e nada informam sobre a sua atividade, negócios, serviços, projetos, contabilidade, faturação, contas bancárias e número de contacto telefónico móvel.
Atuam com o propósito de conduzir a sociedade irremediavelmente ao seu infortúnio, à falta de lucros, ao encerramento da sua atividade, esvaziando e empobrecendo o seu património, com a desvalorização das quotas, o que de todo em todo deve ser evitado e acautelado enquanto há tempo.
De harmonia com o alegado, o autor peticiona:
a) A condenação dos 1º e 2º réus, determinando-se a suspensão imediata das funções de gerente que exercem na sociedade “E…, Lda.”, sem audiência prévia daqueles, porque suficientemente demonstrados a existência do direito e o justificado receio de agravamento da atividade da 3ª ré, com perda do direito à remuneração e demais regalias pelo exercício daquele cargo, ordenando-se a entrega imediata à sociedade 3ª ré de todos os bens inerentes ao exercício do cargo, designadamente, viaturas de serviço, equipamentos, telemóveis, computadores e toda a documentação da sociedade que esteja em seu poder;
b) A condenação dos 1º e 2º réus igualmente na destituição das funções de gerente que exercem na sociedade “E…, Lda.”, com fundamento em justa causa, por violação grave dos deveres gerais de cuidado, diligência e lealdade previstos no artº 64º do Cód. das Sociedades Comerciais e do dever específico de não concorrência com a sociedade 3ª ré, com perda do direito à remuneração e demais regalias pelo exercício daquele cargo;
c) A condenação dos 1º e 2º réus na entrega imediata à sociedade 3ª ré de todos os bens inerentes ao exercício do cargo, designadamente, viaturas de serviço, equipamentos, telemóveis, computadores e toda a documentação da sociedade que esteja em seu poder.
d) A condenação da 3º ré a reconhecer a suspensão e destituição dos 1º e 2º réus com os fundamentos supra expostos e em consequência promover o cancelamento dos respetivos registos de cessação de funções de gerência na Conservatória do Registo Comercial.
Dispensou-se a citação prévia dos réus e determinou-se data para inquirição das testemunhas indicadas a fim de apreciar o pedido de suspensão.
Após foi proferida decisão julgando improcedente o incidente de suspensão dos réus C… e D… dos cargos de gerentes da sociedade “E…, Lda.”
Os réus foram citados e no prazo legal vieram apresentar contestação conjunta, alegando, no essencial, que o autor falta à verdade quando afirma que a ata nº 7, na qual se ratifica a decisão de interpor ação contra o mesmo, constitui falsidade intelectual de documento e quando também alega que não foi regularmente convocado para a assembleia geral da sociedade realizada no dia 20.8.2018, não havendo qualquer desconformidade entre o que se mostra consignado na ata e o que se passou.
Os 1º e 2º réus reconheceram terem efetivamente constituído, cada um deles, uma sociedade comercial por quotas.
No entanto, na assembleia geral realizada em 10.10.2018, para a qual o autor foi devidamente convocado, não tendo comparecido por ter recusado a receção da carta foi deliberada a autorização a conferir aos réus para constituição de sociedades comerciais cuja atividade seja considerada concorrente com a da sociedade “E…, Lda.”, deliberação que recolheu a aprovação da totalidade dos sócios presentes e representados.
Razão pela qual, por força do que dispõe o art. 254º do Cód. das Sociedades Comerciais, podem exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente com a da sociedade.
Os réus alegaram ainda que o autor mente quando argumenta que não lhe foi prestada qualquer informação ou aos restantes sócios, bem sabendo que, desde que foi destituído da gerência, jamais solicitou quaisquer informações.
Por outro lado, os réus alegaram ainda ser verdade que o réu D… adquiriu uma viatura própria, tendo facultado certidão permanente da ré para o vendedor somente para justificar o exercício das funções de gerente da sociedade ré, não tendo com esse ato causado qualquer prejuízo à ré.
Não há qualquer fundamento para a destituição peticionada.
Inscreve-se a presente ação num quadro em que o autor foi destituído por justa causa da gerência da ré, mediante uma votação correspondente a 80% do capital da sociedade, tendo a deliberação proposta pelo autor para igualmente destituir os réus C… e D… sido liminarmente rejeitada por aqueles mesmos sócios representativos de 80% do capital social.
Foi proferido despacho saneador, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
Seguidamente, proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o autor que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.º No âmbito do processo supra referido, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto decido julgar a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolvo os réus de todos os pedidos, condenando o autor no pagamento integral das custas da acção”.
2.º [corresponde à transcrição dos factos dados como provados na sentença recorrida]
3º [corresponde à transcrição dos factos dados como não provados na sentença recorrida]
4.º Salvo o devido o respeito, o Tribunal a quo não andou bem ao dar como provados os factos referidos nos pontos 18), 19) e 24) dos factos provados (supra transcritos), bem como andou mal ao dar como não provados os factos referidos nos pontos c), d), e) f) e g) dos factos não provados e, por isso, expressamente se impugna a decisão proferida relativamente a esses concretos pontos de facto, cuja alteração se requer conforme supra alegado.
5.º Na verdade, deu-se como provado que o Réu D… constituiu a sociedade H…, Lda., em 21 de Setembro de 2019, tendo sido nomeado gerente da mesma nessa data e o réu D…, constituiu a sociedade I…, Lda. em 29 de Setembro de 2018, assumindo o cargo de gerente nesta mesma data.
6.º Na verdade, os Réus C… e D…, convocaram uma assembleia geral da sociedade E…, Lda., que estes afirmam ter sido realizada em 10/10/2018, a qual os Réus não podiam convocar, nem deliberar e votar, foram tomadas deliberações que permitiram aos referidos réus C… e D… passarem a exercer, através das respectivas sociedades que constituíram, uma atividade idêntica à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente pela Ré.
7.º Contratos esses que na qualidade de gerentes da sociedade E…, Lda. deixaram de ser celebrados entre esta sociedade e as entidades contratantes, como era seu dever, mas sim, entre as suas sociedades – H…, Lda., e I…, Lda. - e as referidas entidades contratantes, obtendo assim lucros que não eram repartidos com os restantes sócios da sociedade e do aqui sócio recorrente.
8.º Facto notório que não carece nem de alegação nem de prova, porque é por demais evidente que com a sua conduta os Réus C… e D… obtinham um lucro para si, ao celebrarem os contratos com as referidas empresas, contratos que deviam celebrar a favor da E…, Lda.
9.º Os Réus não se limitaram a entregar, como gerentes da sociedade Ré, os contratos às sociedades em que eram sócios e gerentes, mas alteraram também o objeto social da sociedade E…, Lda. para o ramo imobiliário e autorizaram a venda do imobilizado corpóreo, bem como deslocalizaram a sede da sociedade para outro distrito.
10.º Ata esta que não foi junta aos autos com a respectiva peça processual e só muito mais tarde é que a mesma deu entrada em juízo, quando já não era admissível a sua junção.
11.º Contrariamente ao que foi prolatado no douto acórdão do Tribunal a quo, o Recorrente não tem dúvidas em como houve por parte dos réus C… e D…, e devido às suas condutas desleais, uma violação clara e grave das obrigações sociais destes sócios e gerentes para com a sociedade.
12.º E assim é porque o facto provado 23) entra em contradição com o facto provado 18). Na verdade, o Tribunal a quo refere que os Réus passaram a exercer actividade concorrencial a partir das deliberações referidas em 17) e o facto provado 23) refere que a atividade concorrencial passou a ser exercida a partir das deliberações referidas em 16).
13.º Deste modo, o ponto 18) dos factos dados como provados não podia ser dado como provado e em consequência devem ser dados como provados os pontos c), d) e f) dos factos dados como não provados, porque da análise crítica dos depoimentos das testemunhas adiante referidas – que foram tidas como relevantes para a decisão desse ponto de facto - coadjuvada pelos designados mecanismos “sintomas da verdade” impunham outra decisão relativamente a esses pontos de facto.
14.º A prova testemunhal e documental produzida desencadeia e impõe diferente decisão relativamente a esses concretos pontos de factos expressamente impugnados, havendo assim erro na apreciação da prova.
15.º Isto porque dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente no que concerne à utilização das instalações e equipamentos de escritório da Ré E…, resulta como foi provado, que os contratos eram outorgados nas instalações da Ré E…, conforme se pode constatar na gravação do minuto 11:25:15 ao minuto 11:26:08, da testemunha J… e gravação do minuto 11:03:21 ao minuto 11:05:41, e do minuto 11:07:23 ao minuto 11:08:59 da testemunha K….
16.º No que toca utilização das viaturas, referidas no ponto d) dos factos não provados, a prova foi produzida, tendo os Réus abusivamente utilizado as viaturas da Ré E… para transportar os trabalhadores que tinham contratos com a I…, conforme se pode constatar na gravação do minuto 11:26:31 ao minuto 11:26:56, da testemunha J… e gravação do minuto 11:03:21 ao minuto 11:05:41 da testemunha K….
17.º Já quanto aos contratos de prestação de serviços, estes eram celebrados inicialmente com a Ré E… e depois passaram a ser celebrados com a I…, em claro e notório prejuízo para com a sociedade Ré E…, causando elevados prejuízos que a conduzirão ao insucesso e incumprimento perante credores, conforme resulta dos depoimentos da testemunha L… e se pode constatar nas gravações do minuto 10:40:28 ao minuto 10:40:35, do minuto 10:41:49 ao minuto 10:42:10, do minuto 10:42:15 ao minuto 10:43:14 e do minuto 10:46:28 ao minuto 10:46:47.
18.º Tanto mais que os Réus chegaram a colocar trabalhadores no estrangeiro com contratos em simultâneo com a Ré E… e a I…, causando assim prejuízo à sociedade, conforme se pode constatar a gravação do minuto 11:31:28 ao minuto 11:33:50, da testemunha J….
19.º Pelo que, deve ser dado como não provado o facto 18), na atual redação e dado como provado que os Réus passam a exercer actividade concorrencial a partir da data em que foram nomeados gerentes C… e D…, respectivamente das sociedades H…, Lda. e I…, Lda. e dados como provados os factos não provados c), d) e f).
20.º O ponto 19) dos factos dados como provados não podia ter sido dado como provado e consequentemente devia ter sido dado como provado o ponto g) dos factos não provados, porque o veículo foi adquirido a título pessoal e para uso privado do Réu D…, quando a prova vai no sentido de que a viatura foi adquirida pela Ré E… em proveito do sócio D….
21.º Aliás, se fosse o Réu D… a adquirir o veículo em causa para uso pessoal e a expensas suas, porque razão teria entregue este gerente ao vendedor M…, S.A. a certidão permanente da Ré E…, Lda., e pago a importância de €500,00, e a factura de compra passada, como foi, em nome da Ré E…, Lda.?
22.º Ora, tendo em conta a fatura passada em nome da Ré E…, Lda., não há dúvidas em como foi a mesma a pagar, tanto mais que o Réu D… não fez prova em contrário em como tivesse sido ele.
23.º E ao facultar a Certidão Permanente ao vendedor M…, S.A., e a fatura ter sido passada em nome da sociedade Ré E…, Lda., sem que a mesma tenha sido devolvida ao vendedor para a corrigir, entrando deste modo na contabilidade da empresa, é prova bastante em como o facto 19) não devia ter sido dado como provado, como erradamente o foi e cuja alteração se requer.
24.º Por sua vez, o ponto 24) dos factos dados como provados não podia ter sido dado como provado, porque não podem ser dados como provados dois factos contraditórios entre si; por um lado é facto assente que foi o Sr. Dr. N… que enviou a convocatória ao recorrente como advogado constituído da sociedade e, por outro, como o próprio afirmou por escrito, representa individualmente e particularmente os sócios gerentes C… e D….
25.º Em relação ao ponto e) dos factos não provados, os Réus C… não tinham autorização e o consentimento da maioria dos sócios porque os mesmos não podiam convocar, deliberar e votar na Assembleia Geral da Ré E… Lda., com a finalidade de obterem o consentimento da sociedade, para exercerem uma atividade concorrencial, ao fazê-lo como fizeram, a deliberação é nula e sem qualquer efeito legal, devendo em consequência tal facto ser dado como provado.
26.º Com a conduta dos Réus, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, houve prejuízo para a sociedade e restantes sócios, mas, especialmente para o aqui recorrente, que teve que suportar os custos de uma atividade que o Advogado exerceu em favor dos Réus C… e não da empresa Ré.
27.º Os Réus C… revelam assim um comportamento manifestamente desleal para com os restantes sócios e para com a própria empresa.
28.º Devem assim, ouvir-se, para efeitos de reapreciação da prova produzida em julgamento, os depoimentos das testemunhas J…, constante do excerto ao minuto 11:25:15 a 11:26:08, e minuto 11:26:31 e 11:26:56; C…, excertos minuto 10:40:28 a 10:40:35; minuto 10:41:49 a minuto 10:42:10; Minuto 10:42:15 a minuto 10:43:14; minuto 10:46:28 a minuto 10:46:47; K…, excertos minuto 11:03:21 a 11:05:41, minuto 11:07:23 a minuto 11:08:59; minuto 11:31:28 a 11:33:50.
29.º Há assim em nosso entender, erro na apreciação da prova e contradição entre os próprios factos provados na douta decisão recorrida, e entre os factos provados e não provados, pelo que devem ser dados como não provados os seguintes factos:
18) Após as deliberações referidas em 17), os réus C… e D… passaram a exercer, através das respectivas sociedades que constituíram, uma atividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente.
19) O réu D… adquiriu o veículo de marca Nissan com a matrícula .. – UO - .., para seu uso pessoal, tendo facultado certidão permanente da ré ao vendedor M…, S.A., tendo sido pago a título de sinal, através de multibanco, o valor de €500,00.
24) A convocatória para a assembleia geral de sócios referida em 7) foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado constituído pela sociedade, nos termos constantes de fls. 41 a 42 dos autos.
c) Os réus C… e D…, antes das deliberações referidas em 17), iniciaram uma atividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países.
d) Os réus C… e D…, no exercício das respectivas atividades referidas em 18), utilizaram as instalações, equipamentos e escritório da ré sociedade e efectuaram deslocações nas suas viaturas.
e) Os réus C… e D… não têm autorização e consentimento da maioria dos sócios da ré sociedade para exercer por conta própria ou alheia atividade concorrente com a da sociedade, pois isso não foi deliberado.
f) Actuando os réus com o propósito de conduzir a ré sociedade ao esvaziamento e empobrecimento do seu património e desvalorização das quotas.
g) O réu D… adquiriu o veículo referido em 20) através da sociedade, tendo sido esta a pagar tal veículo.
h) Os réus C… e D…, depois de terem promovido a cessação de funções de gerência do autor, nunca prestam qualquer informação aos sócios da sociedade ré, incluindo ao autor, ao contrário do que até aí sempre aconteceu.
i) Os réus C… e D… subtraíram toda a informação e documentação da 3ª ré, nada informam sobre a sua atividade, negócios, serviços, projectos, contabilidade, facturação, contas bancárias, número de contacto telefónico móvel, aliás, por si utilizado ainda antes da existência da 3ª Ré, etc..
30.º Devendo ser dados como provados os seguintes factos:
18) Os réus C… e D… passaram a exercer, desde as datas em que foram nomeados gerentes, da H…, Lda., em 21 de Setembro de 2019 e I…, Lda. em 29 de Setembro de 2019, respetivamente, através dessas sociedades que constituíram, uma atividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente.
19) O réu D… adquiriu o veículo de marca Nissan com a matrícula .. – UO - .., para seu uso pessoal, com dinheiro da sociedade E…, Lda, tendo facultado certidão permanente da ré ao vendedor M…, S.A., tendo sido pago a título de sinal, através de multibanco, o valor de €500,00.
24) A convocatória para a assembleia geral de sócios referida em 7) foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado, representando individualmente e particularmente os sócios gerentes C… e D….
28) Ao contrário do que se fez constar na referida acta nº 7, os sócios da ré E…, Lda. não foram convocados para a referida assembleia, incluindo o autor, por não lhe ter sido remetida qualquer comunicação com a respectiva convocatória, o que os réus C… e D… bem sabiam.
28) Os réus C… e D… antes das deliberações referidas em 17), iniciaram uma atividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países.
29) Os réus C… e D…, no exercício das respectivas atividades referidas em 18), utilizaram as instalações, equipamentos e escritório da ré sociedade e efectuaram deslocações nas suas viaturas.
30) A deliberação tomada em 17) é nula, nos termos do art. 251.º, n.º 1, al. e), por os Réus C… e D… não podia votar nem por si, nem em representação dos sócios F… e G…, relativamente à matéria da deliberação, por se encontrarem em situação de conflito de interesses com a sociedade.
31) Actuaram os réus com o propósito de conduzir a ré sociedade esvaziamento e empobrecimento do seu património e desvalorização das quotas.
32) O réu D… adquiriu o veículo referido em 20) através da sociedade, tendo sido esta a pagar tal veículo.
31.º A decisão proferida pelo Tribunal a quo também não foi a mais feliz na árdua tarefa da aplicação do Direito, ou seja, a decisão não foi ao encontro daquilo que se espera da atuação contemporânea do aplicador do Direito, componente interpretativa, necessária e indispensável à decisão justa no caso concreto.
32.º O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão ao abrigo do disposto nos artigos 257.º n.ºs 4 a 6, 64.º e 254.º, todos do Código das Sociedades Comerciais, fundamentando que os réus estavam legitimados pela maioria dos sócios para o exercício das respetivas atividades, não ocorrendo violação do previsto no artigo 254.º do Código das Sociedades Comerciais, o que não é correcto e conforme o direito.
33.º Porém, com tal decisão o Tribunal a quo violou os artigos 251.º, n.º 1, al. e), 257.º nº 1, 64.º e 254.º, todos do Código das Sociedades Comerciais e ainda, do disposto nos artigos 990.º e 334.º do Código Civil, aplicáveis por força do art. 3.º do Código Comercial e do art. 2.º do Código das Sociedades Comerciais.
34.º A sentença recorrida prima facie violou o disposto no artigo 251.º, n.º 1, alínea e), do CSC, porque os sócios gerentes C… e D…, não podiam ter participado, nem convocado, uma Assembleia Geral da sociedade Ré E…, Lda., - alegadamente realizada no dia 10 de Outubro de 2018 com a finalidade de obterem o consentimento da sociedade – o consentimento previsto no art.º 254.º, nº 1 o CSC - para exercerem uma actividade concorrencial com a Ré, nem votado a deliberação em causa, nem podiam representar outros sócios na votação ou na discussão da referida deliberação, devendo a mesma ser considerada nula e sem qualquer efeito legal.
35.º Mas ainda que assim não fosse, o que não se concede, as condutas dos Réus enquanto sócios e gerentes da sociedade Ré E…, Lda., violam o disposto no artigo 254.º, n.º 1 do CSC, e os deveres constantes no artigo 64.º, n.º 1, b) do CSC.
36.º Não só porque a deliberação que autorizava os Réus C… e D… a exercer atividade concorrencial à Ré E…, Lda. carecia da votação unânime de todos os sócios, tal como dispõe artigo 254.º, n.º 1 do CSC, como também é abusiva por satisfazer o propósito de apenas dois dos sócios, que conseguiram vantagens especiais para si em prejuízo da sociedade Ré e de outro sócio, o ora recorrente, tal como consta no disposto al. b) do nº 1 do art.º 58º CSC.
37.º De facto, o único entendimento que se pode retirar do segmento “sem consentimento dos sócios” referido no artigo 254.º, n.º 1 do CSC, é que o consentimento tem que ser dado por todos os sócios, porque se assim não for, então a norma não se poderia aplicar a situações em que os sócios são também gerentes da sociedade, ou seja, vestem a pele de “sócios” e “gerentes”.
38.º E se assim não fosse, a norma do artigo 254.º, n.º 1 do CSC, na interpretação de que sendo os gerentes também sócios da sociedade podem sem consentimento de todos os sócios exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente com a da sociedade, é inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os legais efeitos.
39.º Na verdade, os sócios gerentes da sociedade E…, Lda. não podiam exercer a mesma atividade noutras sociedades e como o fizeram, respondem pelos danos causados à sociedade aqui Ré, tal como dispõe o art.º 990.º do Cód. Civil, aplicável por força do art.º 3.º do Cód. Comercial e 2.º do CSC.
40.º Acontece que, caso a interpretação do disposto do art.º 990.º do Código Civil seja no sentido de que só os sócios podem exercer actividade concorrente, e que a norma em causa não se aplica aos gerentes quando estes são simultaneamente sócios da sociedade, está-se perante uma inconstitucionalidade da norma do artigo 990.º do Código Civil, que igualmente desde já se argui para todos os legais efeitos.
41.º Resulta dos factos provados, como já foi referido, que os réus C… e D… passaram a celebrar contratos entre as suas novas sociedades e clientes que eram da sociedade E…, Lda., obtendo lucros para si próprios e causando deste modo elevados prejuízos a esta primeira sociedade e ao Autor e sócio, aqui recorrente, B…, tendo assim uma “conduta de concorrência proibida”.
42.º Conduta essa que prevê sanções nos termos da alínea a), do art.º 1003º do Código Civil, sanções que são aplicáveis tanto no caso de exercício da atividade a título individual, como nos casos do sócio exercer as funções de gerente noutra sociedade, como é o caso.
43.º Com efeito, os Réus não eram, nem são, apenas sócios ou simplesmente gerentes, são sócios e gerentes de ambas as sociedades e tiveram comportamentos lesivos para com a sociedade E…, Lda., e para com o sócio B…, o que legitima não só a exclusão judicial dos mesmos como a destituição do cargo de gerentes desta sociedade.
44.º Sendo assim, o sócio e gerente que adote comportamentos como os que foram praticados pelos Réus C… e D…, viola deveres não apenas na qualidade de gerente, mas também enquanto sócio, ficando igualmente sujeito à sua exclusão da sociedade.
45.º Todavia, se se concluir que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com ele na sociedade mas fora da gerência, bastará que seja destituído desta com justa causa - cfr. o art.º 257.º do CSC – que é o que se pretende por ser conforme o direito e a prova produzida.
46.º A deliberação através da qual a sociedade deu aos sócios e gerentes D… e C… autorização para o exercício de atividades concorrenciais às da sociedade Ré, além de ser nula – art.º 251.º, 1, e) do CSC – é um claro abuso do direito previsto no art.º 334º do Código Civil, por os votos dos sócios gerentes terem sido abusivos, dado que os mesmos tinham em vista obter vantagens especiais para si, em detrimento da sociedade Ré e dos outros sócios, ou pelo menos do sócio ora recorrente.
47.º Assim, as normas legais que deviam ter sido aplicadas eram, entre outras, o artigo 254.º, n.º 1, do CSC no sentido de que os gerentes C… e D… não podiam, sem consentimento dos sócios F…, G… e B…, exercer por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade Ré.
48.º E bem assim o artigo 251.º, n.º 1, al. e) do CSC, no sentido de que sendo a pretensão dos sócios e gerentes C… e D…, obter o consentimento da sociedade para exercerem uma atividade concorrencial, é nula, inválida e sem qualquer efeito legal.
49.º Assim como o artigo 257.º, n.º 1, do CSC no sentido de que o sócio recorrente tem legitimidade para pedir a destituição dos sócios gerentes C… e D….
50.º Aplicando-se ainda o disposto no artigo 56.º, n.º 1 al. d) do CSC no sentido de que o conteúdo da deliberação destinada a conferir autorização para os Réus exercerem atividade concorrencial, é nulo por ser ofensivo dos bons costumes e de preceitos legais que não podem ser derrogados.
51.º Mais se aplica ao caso sub judice o disposto no artigo 64.º n.º 1, do CSC no sentido de que os gerentes C… e D… não observaram, como era seu dever e bem sabiam, os deveres de cuidado e lealdade no exercício do cargo e a diligência de um gestor criterioso.
52.º Sendo aplicável ainda o artigo 990.º do Código Civil, por força do art.º 3.º do Código Comercial e do art.º 2.º do Código das Sociedades Comerciais, no sentido de que os sócios gerentes C… e D… não poderiam sem expressa autorização de todos os outros sócios, exercer por conta própria ou alheia, atividade igual à da sociedade Ré.
53.º Por último, aplica-se ainda o artigo 334.º do Código Civil, por força do art.º 3.º do Código Comercial e do art.º 2.º do Código das Sociedades Comerciais, no sentido de que mesmo que não tivesse havido uma votação “fraudulenta” sempre se estaria perante uma clara e gritante violação do disposto na al. b) do nº 1 do art.º 58º CSC, ou seja, os votos dos sócios gerentes eram abusivos, porque com os mesmos se tinha em vista obter vantagens especiais para si, em detrimento da sociedade Ré e dos outros sócios ou pelo menos do sócio ora recorrente.
A finalidade da constituição das empresas H…, Lda., e I…, Lda., teve como finalidade os Réus deixarem de trabalhar na E…, Lda., não sem antes se apoderarem das suas instalações, do seu objecto, dos seus meios e da carteira de clientes.
55.º Resulta assim que a deliberação em causa é abusiva e está provada a intenção dos sócios Réus em prejudicar a sociedade Ré e os restantes sócios, através da própria participação do Réus na aprovação da deliberação em causa.
56.º Devendo-se assim julgar procedente o pedido de destituição dos réus C… e D… dos cargos de gerentes da sociedade E…, alterando-se a douta decisão recorrida conforme supra exposto.
57.º A douta sentença recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 251.º, n.º 1, al. e), 257.º nº 1, 64.º, al. b) do nº 1 do art.º 58º e 254.º, todos do Código das Sociedades Comerciais e ainda, do disposto nos artigos 334º, 990.º e alínea a), do art.º 1003º do Código Civil, aplicáveis por força do art.º 3.º do Código Comercial e do art. 2.º do Código das Sociedades Comerciais.
Pretende-se assim a revogação da sentença recorrida e a consequente procedência do pedido de destituição dos réus C… e D… dos cargos de gerentes da sociedade E….
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA
O autor/recorrente, nas suas alegações, veio juntar aos autos dois documentos, invocando a sua superveniência, por só ter tido conhecimento dos mesmos em 27.2.2020, e apoiando-se para tal no disposto no art. 651º do Cód. de Proc. Civil, conjugado com o art. 425º do mesmo diploma.
O primeiro corresponde à citação, em 10.1.2020, da sociedade “E…, Lda.” no âmbito de um processo de execução fiscal, por falta de pagamento das contribuições à Segurança Social, no montante total de 174.788,86€.
O segundo corresponde à convocatória, datada de 7.2.2020, para uma assembleia geral da sociedade “E…, Lda.”, a realizar no dia 27.2.2020, cuja ordem de trabalhos consistia em “Deliberar sobre a autorização a conceder à Gerência para constituir e registar uma hipoteca voluntária do Pavilhão da E…, Lda. (NIPC ………) e sito na Zona Industrial … – …. - …, …, inscrito na matriz predial da respectiva freguesia de … sob o artigo 3266, hipoteca que deverá ser constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., com sede na Avenida…, n.º .., …, …. - … em Lisboa, com o Número de Identificação Fiscal ……… e no valor de 219.238,20€, que considera o pagamento da dívida exequenda e respectivos juros de mora como o acréscimo de 25% da soma daqueles valores. A referida hipoteca voluntária destina-se a garantir o Plano Prestacional solicitado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo n.º 0101202000001813, relativo a contribuições devidas pela E…, Lda., enquanto Entidade Contratante e no âmbito dos seus Prestadores de Serviços.”
Apreciando:
Dispõe o art. 651º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância
Por seu turno, o art. 425º estabelece que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
António Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 3ª ed., págs. 203/204), em anotação ao citado art. 651º, escreve que “a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica.”
E mais adiante, prossegue:
“Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”
Neste caso, não cabem dúvidas de que estamos perante documentos objetivamente supervenientes. Porém, não se pode ignorar que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes e, se não forem juntos com esse articulado ou no prazo legal, poderão ainda ser apresentados até 20 dias antes da data da realização da audiência final nos termos que resultam do disposto no art. 423º, nºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil.
Ora, da análise dos documentos que foram juntos pelo autor nas suas alegações de recurso, o que se evidencia é que esses documentos se referem a factualidade respeitante a janeiro e fevereiro de 2020 e, por isso, posterior à propositura da ação, ocorrida em 20.12.2018, não podendo assim constituir meio de prova dos factos nesta alegados.
Com efeito, os factos relevantes para a decisão da presente ação são apenas os que ocorrem antes da sua propositura e não os que se venham a verificar durante a sua pendência.
Deste modo, inexistindo fundamento para a junção dos documentos apresentados em sede recursiva, decide-se ordenar o seu desentranhamento e subsequente restituição ao autor.
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APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Impugnação da matéria de facto;
IIDestituição por justa causa dos réus C… e D… da gerência da sociedade ré “E…, Lda.”
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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1) A ré E…, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua…, nº.., …, com o seguinte objecto social: indústrias transformadoras. Montagem, manutenção e reparação de máquinas e equipamentos eléctricos, electrónicos e industriais. Actividades de serralharia e mecânica geral. Construção civil.
2) O capital social da sociedade é constituído por cinco quotas, com o valor nominal de €10.000,0 cada uma, sendo titulares de cada uma dessas quotas:
a. B…;
b. F…;
c. G…;
d. C…; e
e. D….
3) O pacto social da sociedade não prevê que os gerentes possam exercer por conta própria ou alheia actividade concorrente com a da sociedade.
4) O autor B… foi nomeado gerente da referida sociedade em 02/01/2014, data da sua constituição, tendo cessado tais funções, em 16/04/2018, por destituição.
5) O réu C… foi nomeado gerente da referida sociedade em 02/01/2014, data da sua constituição.
6) O réu D… nomeado gerente da sociedade em 22/04/2014.
7) Na assembleia geral da sociedade, realizada em 16/04/2018, foi deliberada a destituição do autor do cargo de gerente, tendo tal deliberação obtido os votos a favor dos sócios C…, F… (este representado pelo primeiro), D… e G… (representado este pelo terceiro), nos termos e com os fundamentos constantes da acta nº 6, cuja cópia se encontra junta a fls. 20v/21 dos autos.
8) Na mesma assembleia geral foi ainda deliberada a destituição do gerente C… do cargo, tendo tal deliberação sido rejeitada com os votos contra de D… e de G…, este representado por aquele e com a abstenção dos demais presentes.
9) Na mesma assembleia geral foi ainda deliberada a destituição do gerente D… do cargo, tendo tal deliberação sido rejeitada com os votos contra de C… e F…, este representado por aquele e com a abstenção dos demais presentes.
10) O autor instaurou uma acção contra a sociedade E…, Lda., acção essa que corre termos no Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 1, tendo a sociedade ali deduzido reconvenção contra o autor.
11) Na sequência de notificação efectuada na referida acção à ali ré, conforme despacho proferido em 24/10/2018, para juntar a deliberação social prevista no artigo 246º nº 1 alínea g) do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade juntou cópia da acta nº 7, assinada apenas pelos réus C… e D…, referente à assembleia geral realizada em 20/08/2018, com o teor constante de fls. 24v/25 dos autos.
12) A ré sociedade remeteu ao autor uma carta registada com a convocatória para a assembleia geral referida em 11), em 31/07/2018, carta essa que foi devolvida com a menção “recusado”.
13) O réu C… constituiu em 21/09/2018, juntamente com a sua mulher O…, a sociedade H…, Lda. com sede na estrada E.N…., Avenida…, nº…, freguesia de …, … e …, concelho e distrito de Braga, com o capital social €5.000,00, representado por duas quotas, uma de €4.000,00, pertencente ao primeiro, e outra no valor de €1.000,00, pertencente à segunda.
14) O réu C… foi nomeado gerente da sociedade H…, Lda., sociedade essa que tem o seguinte objecto social: Fabricação, montagem, reparação e manutenção de diversos dispositivos e sistemas elétricos e eletrónicos, designadamente com recurso à domótica (incluindo sistemas integrados de iluminação interior e exterior). Instalação de sistemas elétricos e electrónicos (incluindo fibra óptica) em edifícios industriais, de serviços e residenciais. Fabricação e montagem de máquinas, equipamentos, acessórios, peças e demais componentes, nomeadamente para a indústria (construção, cerâmica, vidro, entre outras), reparação e manutenção de máquinas e equipamentos industriais, fabricação e montagem de tubos, condutas, perfis e respectivos acessórios em diversos materiais, nomeadamente em aço. Todas as actividades de serralharia (incluindo serralharia civil), fabricação e montagem de estruturas metálicas, fabricação e montagem de portas, janelas, caixilharias, portões e elementos de construção similares em metal. Gestão e manutenção integrada em edifícios, designadamente actividades de limpeza geral em todo o tipo de edifícios (fábricas, escritórios, lojas, residências, hospitais, escolas), manutenção das áreas exteriores, incluindo plantação e manutenção de jardins, logradouros e instalação e manutenção de piscinas. Actividades de exploração florestal, incluindo actividades de limpeza e manutenção de matas e floresta. Actividades de hotelaria e restauração, incluindo exploração de unidades hoteleiras e de alojamento, restaurantes, cafés, bares, pastelarias e salões de chá, com possibilidade de confecção e fornecimento de refeições para fora, (refeições takeaway, refeições para eventos, refeições para entrega ao domicílio, entre outras). Actividades de comércio de retalho de bebidas, produtos de pastelaria e confeitaria, pão, frutas e produtos hortícolas, mercearia, especiarias e demais produtos alimentares, naturais e dietéticos, para consumo humano ou animal. Organização de actividades relacionadas com turismo, incluindo animação turística, de marketing e de promoção de serviços para convenções e visitas, organização de eventos, apoio para alojamento, centros e convenções e lugares de entretenimento; dos guias turísticos; de permuta de condomínio "time-share" e outras actividades de reservas associadas às viagens (inclui transporte, hotel, restaurantes, aluguer de veículos, entretenimento e desporto). Actividades de transporte de passageiros em veículos ligeiros e aluguer de veículos automóveis sem condutor. Comércio de veículos automóveis, máquinas e equipamentos para diversos sectores de actividade. Comércio por grosso e a retalho, importação e exportação de bens e serviços. Prestação de serviços nas diversas áreas, formação e consultoria em diversas áreas.
15) O réu D… constituiu em 28/09/2018, juntamente com a sua mulher P…, a sociedade I…, Lda., com sede na Avenida…, nº…, …, freguesia de …, …, concelho de Anadia, distrito de Aveiro, com o capital social €5.000,00, representado por duas quotas, uma de €4.000,00, pertencente ao primeiro, e outra no valor de €1.000,00, pertencente à segunda.
16) O réu D… foi nomeado gerente da sociedade I…, Lda., sociedade essa que tem o seguinte objecto social: Fabricação, montagem, reparação e manutenção de estruturas e partes metálicas para pontes, torres, mastros, comportas, cofragens (armações), pilares e para outros fins. Inclui a fabricação de construções metálicas pré-fabricadas (elementos modulares para exposições, barracões de estaleiros de construção). Fabricação e montagem de máquinas, equipamentos, acessórios, peças e demais componentes, nomeadamente para a indústria (construção, cerâmica, vidro, entre outras), reparação e manutenção de máquinas e equipamentos industriais, fabricação e montagem de tubos, condutas, perfis e respectivos acessórios em diversos materiais, nomeadamente em aço. Todas as actividades de serralharia (incluindo serralharia civil), fabricação e montagem de estruturas metálicas, fabricação e montagem de portas, janelas, caixilharias, portões, elementos de construção similares em metal. Fabricação, montagem, reparação e manutenção de diversos dispositivos e sistemas eléctricos e electrónicos, designadamente com recurso à domótica (incluindo sistemas integrados de iluminação interior e exterior). Instalação de sistemas eléctricos e electrónicos (incluindo fibra óptica) em edifícios industriais, de serviços e residenciais. Gestão e manutenção integrada em edifícios, designadamente actividades de limpeza geral em todo o tipo de edifícios (fábricas, escritórios, lojas, residências, hospitais, escolas), manutenção das áreas exteriores, incluindo plantação e manutenção de jardins, logradouros e instalação e manutenção de piscinas. Actividades de silvicultura e exploração florestal, incluindo actividades de plantação de árvores, extracção de cortiça, resina, madeira e apanha de outros produtos florestais. Limpeza e manutenção de matas e floresta. Actividades de hotelaria e restauração, incluindo exploração de unidades hoteleiras e de alojamento, restaurantes, cafés, bares, pastelarias e salões de chá, com possibilidade de confecção e fornecimento de refeições para fora, (refeições takeaway, refeições para eventos, refeições para entrega ao domicílio, entre outras). Actividades de comércio de retalho de bebidas, produção e comercialização de produtos de pastelaria e confeitaria, pão, bolachas, biscoitos, tostas e pastelaria de conservação; comercialização de frutas e produtos hortícolas, mercearia, especiarias e demais produtos alimentares, naturais e dietéticos, para consumo humano ou animal. Organização de actividades relacionadas com turismo, incluindo animação turística, de marketing e de promoção de serviços para convenções e visitas, organização de eventos, apoio para alojamento, centros e convenções e lugares de entretenimento; dos guias turísticos; de permuta de condomínio "time-share" e outras actividades de reservas associadas às viagens (inclui transporte, hotel, restaurantes, aluguer de veículos, entretenimento e desporto). Actividades de transporte de passageiros em veículos ligeiros e aluguer de veículos automóveis sem condutor. Comércio de veículos automóveis, máquinas e equipamentos para diversos sectores de actividade. Actividades de agricultura em diversas áreas, incluindo exploração de terrenos agrícolas para diversos fins, designadamente cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos, cultura de frutos diversos (incluindo frutos de casca rija), olivicultura, cultura de flores e plantas (incluindo plantas ornamentais). Actividades de pecuária em diversas áreas, designadamente criação de ovinos e caprinos, avicultura, cunicultura, apicultura e criação de animais de companhia. Comércio por grosso de produtos agrícolas brutos e animais vivos. Todo o tipo de comércio por grosso e a retalho, importação e exportação de bens e serviços. Prestação de serviços nas diversas áreas, formação e consultoria em diversas áreas. Actividades de recolha, tratamento e eliminação de resíduos e valorização de materiais. Actividades de apoio social, designadamente para pessoas idosas (com e sem alojamento), incluindo todas as actividades de apoio domiciliário. Promoção imobiliária. Compra e venda de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento de bens imóveis.
17) Na assembleia geral da sociedade, realizada em 10/10/2018, foram tomadas as deliberações constantes da acta nº 8, junta a fls. 112 a 116v dos autos, não tendo o autor estado presente na referida assembleia.
18) Após as deliberações referidas em 17), os réus C… e D… passaram a exercer, através das respectivas sociedades que constituíram, uma actividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente.
19) O réu D… adquiriu o veículo de marca Nissan com a matrícula .. – UO - .., para seu uso pessoal, tendo facultado certidão permanente da ré ao vendedor M…, S.A., tendo sido pago a título de sinal, através de multibanco, o valor de €500,00.
20) A sociedade M…, S.A. emitiu então o recibo nº 102/2018, com data de 13/03/2018, tendo procedido ao seu envio em nome da E…, Lda.
21) O autor confrontado com o referido recibo remeteu ao réu D… um e-mail, com o teor constante de fls. 39v dos autos, tendo este último respondido igualmente por e-mail e nos termos também constantes de fls. 39v dos autos.
22) Os sócios F… e G… residem nos Estados Unidos da América e ali têm empresas que celebraram com a ré sociedade vários contratos de prestação de serviços que consistiam na colocação de pessoal em obras ali em curso.
23) Após as deliberações referidas em 16), os sócios F… e G… passaram a celebrar tais contratos também com as sociedades constituídas pelos réus C… e D….
24) A convocatória para a assembleia geral de sócios referida em 7) foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado constituído pela sociedade, nos termos constantes de fls. 41 a 42 dos autos.
25) O autor remeteu então ao referido advogado o e-mail com o teor constante de fls. 43 dos autos, entre o mais, solicitando que lhe fosse prestada por escrito as informações ali referidas.
26) Tendo em resposta o mesmo advogado remetido o e-mail com o teor constante de fls. 42v dos autos, entre o mais, referindo que as informações pretendidas teriam de ser solicitadas directamente aos gerentes da sociedade e não ao advogado que representava individualmente e particularmente os sócios gerentes C… e D….
27) A sociedade pagou ao Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado, as quantias de €738,50 e €861,00, pelos serviços identificados a fls. 43v e 44v dos autos.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Ao contrário do que se fez constar na referida acta nº 7, os sócios da ré E…, Lda. não foram convocados para a referida assembleia, incluindo o autor, por não lhe ter sido remetida qualquer comunicação com a respectiva convocatória, o que os réus C… e D… bem sabiam.
b) Os réus C… e D…, depois da destituição do autor, deixaram de prestar qualquer informação aos sócios, incluindo ao autor, designadamente nada informando sobre a sua actividade, negócios, serviços, projectos, contabilidade, facturação, contas bancárias, número de contacto telefónico móvel, aliás, por si utilizado ainda antes da existência da 3ª ré.
c) Os réus C… e D…, antes das deliberações referidas em 17), iniciaram uma actividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países.
d) Os réus C… e D…, no exercício das respectivas actividades referidas em 18), utilizaram as instalações, equipamentos e escritório da ré sociedade e efectuaram deslocações nas suas viaturas.
e) Os réus C… e D… não têm autorização e consentimento da maioria dos sócios da ré sociedade para exercer por conta própria ou alheia actividade concorrente com a da sociedade, pois isso não foi deliberado.
f) Actuando os réus com o propósito de conduzir a ré sociedade ao esvaziamento e empobrecimento do seu património e desvalorização das quotas.
g) O réu D… adquiriu o veículo referido em 20) através da sociedade, tendo sido esta a pagar tal veículo.
h) Os réus C… e D…, depois de terem promovido a cessação de funções de gerência do autor, nunca prestam qualquer informação aos sócios da sociedade ré, incluindo ao autor, ao contrário do que até aí sempre aconteceu.
i) Os réus C… e D… subtraíram toda a informação e documentação da 3ª ré, nada informam sobre a sua actividade, negócios, serviços, projectos, contabilidade, facturação, contas bancárias, número de contacto telefónico móvel, aliás, por si utilizado ainda antes da existência da 3ª Ré, etc.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I Impugnação da matéria de facto
O autor/recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como provada e não provada, impugnando os factos assentes com os nºs 18, 19 e 24 cuja redação é a seguinte:
“18) Após as deliberações referidas em 17), os réus C… e D… passaram a exercer, através das respectivas sociedades que constituíram, uma actividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente.”
“19) O réu D… adquiriu o veículo de marca Nissan com a matrícula ... – UO - .. para seu uso pessoal, tendo facultado certidão permanente da ré ao vendedor M…, S.A., tendo sido pago a título de sinal, através de multibanco, o valor de €500,00.”
“24) A convocatória para a assembleia geral de sócios referida em 7) foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado constituído pela sociedade, nos termos constantes de fls. 41 a 42 dos autos.”
Quanto ao facto nº 18 entende o recorrente que deveria o mesmo ser dado como não provado e como provado que os réus C… e D… passaram a exercer a atividade igual à da sociedade ré, após a constituição das suas novas sociedades e da sua nomeação como gerentes das mesmas.
Quanto ao facto nº 19 deveria ser dado como não provado e provado que o veículo foi adquirido pela empresa ré E…, Lda. para uso pessoal do Réu D….
No tocante ao facto nº 24 deveria ter sido dado como não provado e como provado que a convocatória para a assembleia geral de sócios referida em 7) dos factos provados foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado dos Réus C… e D….
Por outro lado, pretende o autor/recorrente que sejam dados como provados os factos não provados correspondentes às alíneas a), c), d), e), f) e g), cuja redação é a seguinte:
“a) Ao contrário do que se fez constar na referida acta nº 7, os sócios da ré E…, Lda. não foram convocados para a referida assembleia, incluindo o autor, por não lhe ter sido remetida qualquer comunicação com a respectiva convocatória, o que os réus C… e D… bem sabiam.
c) Os réus C… e D…, antes das deliberações referidas em 17), iniciaram uma actividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países.
d) Os réus C… e D…, no exercício das respectivas actividades referidas em 18), utilizaram as instalações, equipamentos e escritório da ré sociedade e efectuaram deslocações nas suas viaturas.
e) Os réus C… e D… não têm autorização e consentimento da maioria dos sócios da ré sociedade para exercer por conta própria ou alheia actividade concorrente com a da sociedade, pois isso não foi deliberado.
f) Actuando os réus com o propósito de conduzir a ré sociedade ao esvaziamento e empobrecimento do seu património e desvalorização das quotas.
g) O réu D… adquiriu o veículo referido em 20) através da sociedade, tendo sido esta a pagar tal veículo.
O autor/recorrente, no sentido das alterações pretendidas, e no tocante à prova produzida em audiência de julgamento, indica excertos dos depoimentos produzidos pelas testemunhas J…, L… e K….
*
Procedemos à audição integral destes depoimentos.
J… é eletromecânico e prestou serviços à ré, com início em Agosto de 2017. Disse também que prestou serviços à “I…” a partir de Novembro de 2018 e até Fevereiro de 2019 e depois de Junho a Agosto de 2019. Nas duas empresas foi contactado pela mesma pessoa – D… – e o serviço que prestou era exatamente o mesmo nas duas – eletromecânica –, sendo prestado sempre em Dallas, nos Estados Unidos. As viagens eram organizadas pelas sociedades e ia acompanhado por colegas. Encontravam-se na empresa de cá, no escritório da “E…”. Assinava o contrato e depois seguia para o avião. Iam em carrinhas para o aeroporto, não sabe precisar se as carrinhas eram sempre as mesmas, mas nos dois últimos contratos eram. Um pela “E…” e o outro pela “I…”. Mas depois referiu que só podia dizer que as carrinhas eram parecidas, da mesma cor, da mesma marca, não sabendo as matrículas. Quanto à fotografia do seu contrato junta aos autos, referiu que disse para um colega, em conversa, que não tinha vindo pela “E…”, mas sim pela “I…”. Ele comentou, posso ver o contrato, viu e deve ter tirado uma fotografia e enviado para Portugal. A testemunha referiu ainda que era o único que lá estava pela “I…” e supostamente eram todos da “E…”. No dia da viagem quando viu que o contrato era da “I…”, o Sr. D… disse-lhe para não se preocupar, que era da mesma sociedade. Normalmente eram contratos de três meses.
L… é serralheiro mecânico e já prestou serviços à ré “E…”. Tem conhecimento de que surgiram outras sociedades, mas acha que não estão relacionadas. Uma delas, a quem presta serviços, é a “H…”. Começou a prestar serviços a esta sociedade em Abril de 2019. Os serviços que presta para a “H…” são os mesmos que prestava para a “E…” – de serralheiro mecânico – e tem os prestado quase sempre na Alemanha. O contrato que celebrou com a “H…” não o assinou no escritório da “E…”, embora este fique perto. Também referiu que, trabalhando para a “H…”, nunca foi transportado em carrinhas da “E…”. Os instrumentos de trabalho são seus, mas quando trabalhava para a “E…” esta disponibilizava-lhe as ferramentas. Quando assinou o contrato com a “H…” não estava vinculado com ninguém.
K… é serralheiro mecânico e disse ter prestado serviços para a “E…” desde 2016 e até Dezembro de 2018. Depois, passou para a “H…”. Foi-lhe dito na altura que não haveria mais contratos com a “E…”, mas que as empresas eram do mesmo grupo e não haveria problema nenhum. Eram os mesmos clientes, os mesmos colegas de trabalho. Mais disse que o local de encontro para irem para o aeroporto era o mesmo, em frente à “E…”, presumindo ainda que as carrinhas que faziam o transporte eram as mesmas, não o podendo garantir, até porque elas não estavam identificadas. Sublinhou depois que o seu primeiro contrato com a “H…” foi em Janeiro de 2019 e o local de encontro foi exatamente o mesmo, em frente aos escritórios da “E…”. Disse que o primeiro contrato com a “H…” foi celebrado nas instalações da “E…” e o segundo foi num outro escritório. Em ambos os contratos com as duas empresas as obras eram as mesmas, em Dallas. Esclareceu que o local de encontro era na rua, num parque de estacionamento grande.
Procedemos ainda à audição da demais prova gravada produzida em audiência de julgamento, o que nos é consentido pela primeira parte do disposto no art. 640º, nº 2, al. b) do Cód. de Proc. Civil.
O réu C… foi ouvido em declarações de parte. Disse que só deu início à atividade da sua nova sociedade – a “H…” –, em finais de outubro de 2018, depois da assembleia geral de 10.10.2018, embora a sua constituição tivesse ocorrido em data anterior. Reduziu em 70% o seu vencimento na “E…”. Esta iria, aliás, mudar a sua atividade para o ramo imobiliário e não faria mais contratos na área da serralharia e da eletromecânica. A sua empresa tem ferramentas, viaturas e escritórios próprios. Não necessita de qualquer “ajuda” da “E…”. Do que tem conhecimento a viatura Nissan foi adquirida em nome próprio pelo D… e paga por ele. Não foi através da “E…”. Sabe, a este respeito, que o recibo de 500,00€ passado em nome da “E…” foi um erro da própria Nissan e já foi anulado. No que toca à assembleia geral de 16.4.2018, relativa à destituição da gerência do autor, o Dr. N… foi contratado pela sociedade “E…”, tendo sido esta que pagou os serviços.
O réu D… foi igualmente ouvido em declarações de parte. Disse que os veículos que utiliza na sua empresa – “I…” - foram adquiridos por ela e após a sua constituição. Na assembleia de outubro deliberaram ainda que iam alterar o ramo de atividade da “E…” para o imobiliário, depois de cumpridos todos os compromissos que ainda tinham para com os clientes. Disse também que a viatura Nissan foi adquirida em seu nome pessoal e efetuou o pagamento do sinal com o seu cartão multibanco. O pagamento de todas as prestações tem sido feito por si. O recibo do sinal foi emitido erradamente em nome da “E…” provavelmente porque forneceu elementos relativos à sua atividade profissional donde constava a sua ligação a esta sociedade. Relativamente à assembleia geral de destituição do autor foi a sociedade “E…” que pagou os serviços do Dr. N….
O autor B… foi também ouvido em declarações de parte. Disse que a atividade da “E…” está presentemente a ser exercida por empresas concorrentes e em que se dizia que pertenciam ao mesmo grupo e aos mesmos sócios. “É um plágio autêntico! Os logotipos são iguais!” Tal como há colaboradores que prestavam serviços à “E…” e agora passaram para as empresas “deles”. Viu trabalhadores das novas sociedades a serem transportados em viaturas da “E…”, tal como se apercebeu da utilização de ferramentas da “E…” por parte das novas empresas. Mais referiu quanto à viatura Nissan, face ao respetivo recibo de sinal, que o D… lhe disse que estava pensar comprá-la com os lucros da empresa, sendo que nesta altura o autor ainda estava na gerência.
F… é engenheiro mecânico e sócio da ré. É irmão do autor e está de relações cortadas com ele. Disse que o C… e o D… queriam sair da sociedade por causa de conflitos com o autor, mas o ora depoente e o G… não queriam que isso sucedesse porque já trabalhavam com eles há muito tempo e queriam manter essa relação profissional. A ideia era que a “E…” concluísse as situações que tinha pendentes e depois passasse a outra atividade (imobiliário). Não tem conhecimento da situação relativa à viatura Nissan.
G… é sócio da ré e cunhado do réu D…. Está de relações cortadas com o autor. Disse que tem sido sempre informado do que se passa com a “E…” em Portugal. Todas as decisões tomadas tiveram o seu conhecimento e a sua aprovação. Autorizou a constituição de novas sociedades, porque se assim não fosse iam perder os dois elementos válidos – o C… e o D…. De qualquer modo, embora passassem a trabalhar com novas sociedades, estes assumiram cumprir os contratos da “E…” até ao fim. Sublinhou que não tinha nenhum interesse em trabalhar com a “E…” se o C… e o D… dela saíssem. Não tem conhecimento da questão referente à viatura Nissan.
Q… é mecânico e presta serviços de reparação de viaturas para a ré. Disse que, em data que desconhece, comprou à “E…” uma carrinha Mercedes … que depois vendeu.
S… disse que desde Maio de 2018 que a sua empresa presta serviços de auditoria, contabilidade e apoio de gestão à sociedade ré “E…”. Os sócios C… e D… manifestavam a vontade de saírem da gerência, pretendendo constituir novas sociedades. A partir de 10.10.2018 a “E…” entrou num processo de desaceleração produtiva e, por isso, porque estão a acabar os contratos em curso, a utilização dos seus meios (viaturas; maquinaria) é cada vez menor. Depois ir-se-ia iniciar uma outra atividade – a imobiliária.
T… teve uma agência de viagens e tratava das viagens, para o estrangeiro, dos trabalhadores da ré sociedade, situação que cessou no início de Dezembro de 2018.
*
Prosseguindo.
a) No que concerne ao nº 18 da factualidade provada, que se cruza com o facto não provado c), a questão que se coloca, sendo certo que os réus C… e D… passaram a exercer com as sociedades que constituíram – a “H…, Lda.” e a “I…, Lda.” – uma atividade semelhante à da sociedade ré “E…, Lda.”, é a de saber se essa atividade se iniciou logo após a constituição destas duas sociedades, respetivamente em 21.9.2018 e 28.9.2018 [nºs 13 e 15], ou apenas depois da assembleia geral da sociedade “E…” realizada em 10.10.2018 e na qual foi autorizada a constituição daquelas sociedades [nº 17 – fls. 112 a 116v].
Ora, a prova produzida nos autos, onde se realçarão as declarações prestadas pelos réus C… e D… e os depoimentos das testemunhas F… e G…, não autoriza a que se possa concluir que a actividade das novas sociedades – “H…” e “I…” - se iniciou ainda antes da assembleia geral de 10.10.2018. Aliás, a própria convocação desta assembleia, onde se iria deliberar sobre propostas de autorização de constituição por parte dos sócios C… e D… de novas sociedades consideradas concorrenciais com a “E…”, mais reforça a ideia de que esse início de atividade ocorreu apenas depois de tal assembleia, que aprovou a constituição dessas sociedades.
Por outro lado, as próprias testemunhas indicadas pelo autor reportam a sua ligação às novas sociedades a datas posteriores à assembleia geral de 10.10.2018. J… refere-se a novembro de 2018, L… a abril de 2019 e K… a janeiro de 2019.
E os contratos de prestação de serviços celebrados com a “H…” e a “I…”, que parcialmente se mostram juntos autos (fls. 35/36 e 49/50), respeitam a datas posteriores àquela assembleia geral.
Assim, neste contexto probatório, não se vê motivo para alterar o teor do nº 18 da factualidade provada no sentido pretendido pelo autor/recorrente, tal como, em consonância, não se vê motivo para que a alínea c) transite para o elenco dos factos provados.
Quanto a uma eventual contradição existente entre o facto provado 18), onde se remete para as deliberações referidas em 17) respeitantes à assembleia geral de 10.10.2018, e o facto provado 23 que remete para as deliberações referidas em 16), importa referir que a mesma não existe.
É a seguinte a redação do nº 23: “Após as deliberações referidas em 16), os sócios F… e G… passaram a celebrar tais contratos também com as sociedades constituídas pelos réus C… e D….”
No nº 16, por seu turno, transcreve-se o objeto social da sociedade criada pelo réu D… – a “I…” -, não se fazendo referência a quaisquer deliberações. Deliberações essas que são referidas no subsequente nº 17.
Daqui resulta, com evidência, que nos encontramos tão-somente perante um mero erro de escrita, que se revela no próprio contexto da factualidade dada como provada e que não gera qualquer contradição, uma vez que o Mmº Juiz “a quo”, no nº 23, ao escrever “após as deliberações referidas em 16)” pretendia antes escrever “após as deliberações referidas em 17)”, como fez no nº 18.
Ora, uma situação que manifestamente se enquadra no erro da escrita, não gera qualquer contradição, como pretende o autor/recorrente, dando apenas lugar à possibilidade da sua retificação – arts.614º do Cód. de Proc. Civil e 249º do Cód. Civil.
b) Continuando, há que passar ao nº 19 da factualidade provada, que se correlaciona com a alínea g) dos factos não provados, referente à aquisição pelo réu D… da viatura de marca Nissan, matrícula ... – UO - ..., para seu uso pessoal, viatura que, na perspetiva do autor/recorrente, foi adquirida e paga, para essa finalidade, pela própria sociedade.
Dos autos consta um recibo de sinal no valor de 500,00€, emitido em nome de “E…” por “M…, SA”, no dia 13.3.2018, e referente a uma viatura Nissan – fls. 40v -, bem como uma troca de mails, pouco esclarecedora, entre o réu D… e o autor B… – fls. 39v/40.
Nas suas declarações o réu D… disse que adquiriu a viatura Nissan em seu nome pessoal e que efetuou o pagamento do sinal com o seu cartão multibanco, salientando depois que o pagamento de todas as prestações tem vindo a ser feito por si. Quanto ao recibo do sinal, constante de fls. 40v, referiu que foi emitido erradamente em nome da “E…”, provavelmente porque forneceu elementos relativos à sua atividade profissional donde constava a sua ligação a esta sociedade.
Sucede que dos autos não consta qualquer prova documental donde decorra que, pese embora o teor do recibo, o pagamento do sinal foi efetivamente realizado pela sociedade “E…” e mais ainda que o pagamento da viatura foi efetuado por esta mesma sociedade. Tal como também não consta qualquer elemento probatório donde resulte que foi o próprio réu D… a proceder ao pagamento da viatura.
De qualquer modo, sempre haverá que ter presente que em caso de dúvida esta terá que ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita – art. 414º do Cód. de Proc. Civil – e incumbindo o ónus da prova do facto aqui em apreciação ao autor, porque constitutivo do seu direito – art. 342º, nº 1 do Cód. Civil –, a dúvida resolver-se-á contra o autor.
Por conseguinte, manter-se-á nos seus precisos termos a redação do nº 19 da factualidade assente e a alínea g) permanecerá como não provada, uma vez que o material probatório reunido nos autos não é suficiente para dar como assente que o réu D… tenha adquirido a viatura Nissan através da sociedade “E…” e que tenha sido esta sociedade a pagá-la.
c) Quanto ao nº 24 da factualidade provada relativamente ao qual o autor/recorrente sustenta estar em contradição com os subsequentes nºs 25 e 26, pretendendo que seja dado como provado que a convocatória para a assembleia geral de 16.4.2018 foi remetida pelo Sr. Dr. N…, na qualidade de advogado dos réus C… e D… e não por este causídico na qualidade de advogado constituído pela sociedade, teremos que nos ater à documentação constante do processo – fls. 41 a 44.
Acontece que de toda esta documentação flui que o Sr. Dr. N… prestou serviços como advogado à sociedade “E…”, designadamente no que tange à destituição do gerente B… (fls. 43v, 44 e 44v), o que também foi corroborado pelas declarações de parte dos réus C… e D…, tal como flui que, conforme resulta do mail de fls. 42v, também se assumiu como representante individual e particular destes dois réus, sócios e gerentes da “E…”, o que, de resto, foi vertido no nº 26 da factualidade provada.
Neste contexto, entendemos que não existe qualquer contradição entre, por um lado, o nº 24 da factualidade assente e, por outro, os seus nºs 25 e 26, atendendo a que, tendo sido pagos ao Sr. Dr. N… pela “E…” os serviços relativos à destituição do autor da gerência, a convocatória para a respetiva assembleia geral destitutiva de 16.4.2018 não podia deixar de ser enviada por este causídico na qualidade de advogado constituído pela sociedade.
Deste modo, também o nº 24, ancorado em prova documental, permanecerá na factualidade provada sem qualquer alteração de redação.
d) No que concerne à alínea a) dos factos não provados – referente à não convocação do autor para a assembleia realizada em 20.8.2018 – importa destacar, desde logo, que este facto se correlaciona com o nº 12 da factualidade assente, onde se deu como provado que a ré sociedade remeteu ao autor uma carta registada com a convocatória para essa assembleia geral, em 31.7.2018, e que essa carta foi devolvida com a menção “recusado”.
Sucede que este facto nº 12, cuja prova se fundou na documentação constante de fls. 200v (cópia da carta remetida ao autor) e fls. 97v (registo da pesquisa efetuada nos CTT relativamente a essa carta), não foi objeto de impugnação por parte do autor/recorrente, o que inviabiliza qualquer eventual modificação quanto àquela alínea a) que, naturalmente, permanecerá como não provada.
e) Quanto à alínea d) dos factos não provados – utilização por parte dos réus C… e D…, na atividade das novas empresas que constituíram, das instalações, equipamentos, escritório e viaturas da “E…” - há a referir que a prova produzida nos autos não foi esclarecedora nesse sentido.
Do conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, L… e K…, algo imprecisos, transpareceu a ideia de que o local de encontro, com o surgimento das novas empresas, seria nas proximidades do escritório da “E…”, mas não nas instalações desta. Já no que concerne às carrinhas que os transportavam a testemunha K… disse presumir que eram as mesmas, não o podendo garantir, até porque elas não estavam identificadas. A testemunha J… começou por referir que as carrinhas eram sempre as mesmas, mas depois, retificando, disse que eram parecidas e a testemunha L… disse que, trabalhando para a “H…”, nunca foi transportado em carrinhas da “E…”.
Por conseguinte, inexiste prova que permita dar como assente que as novas sociedades – “H…” e “I…” – utilizaram instalações, equipamentos, escritório e viaturas da “E…”, razão pela qual permanecerá a alínea d) como facto não provado.
f) Passando à alínea e) há a destacar que do texto da ata da assembleia geral realizada em 10.10.2018, junta a fls. 112 e segs., decorre que aí foi deliberado que os sócios C… e D… foram autorizados a exercer atividades que sejam consideradas concorrentes com as da sociedade “E…” e, por esse motivo, manter-se-á este facto como não provado.
g) No que toca à alínea f) – propósito dos réus conduzirem a “E…” ao esvaziamento, ao empobrecimento do seu património e à desvalorização das suas quotas – também este facto, face ao conjunto da prova produzida nos autos, não poderá ser dado como provado, tanto mais que na referida assembleia geral de 10.10.2018 foi deliberado no sentido da alteração do objeto social da sociedade para o ramo imobiliário.
Em conclusão, a impugnação factual do autor/recorrente não será acolhida, mantendo-se nos seus precisos termos o conjunto dos factos provados e não provados.
*
II - Destituição por justa causa dos réus C… e D… da gerência da sociedade ré “E…, Lda
1. Com a propositura da presente ação o autor/recorrente B… veio pedir a destituição por justa causa dos réus C… e D… da gerência da sociedade ré “E…”, de tal modo que, no caso “sub judice” o que há a averiguar é da existência dessa justa causa.
O art. 257º do Cód. das Sociedades Comerciais estabelece que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes (nº 1), mas existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade (nº 4). Se a sociedade tiver apenas dois sócios a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em ação intentada pelo outro (nº 5).
E depois no nº 6 deste mesmo preceito estatui-se que constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.
2. Verifica-se pois que o legislador não avançou com um conceito de justa causa de destituição, deferindo para a doutrina e a jurisprudência a melhor determinação deste conceito.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.5.2013 (proc. 1686/10.3 TBFLG.C1.S1., relator Silva Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.) a propósito da justa causa de destituição prevista no nº 6 do art. 257º do Cód. das Sociedades Comerciais escreve-se que esta se pode definir “como toda a ação praticada pelo gerente que merece a abominação generalizada dos demais associados e que, devido à reprobabilidade individual daquela sua conduta, faz desaparecer a habitual segurança e boa-fé que antes e até aí existia, deste modo tornando impraticável a prossecução desta habitual ligação funcional e, inexoravelmente, reclamada para uma fortalecida administração da sociedade.”
Continua o mesmo aresto: “A doutrina vem estabelecendo que “será justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e, segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim…” (Baptista Machado; Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág. 21); e “exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos gerentes e a sua incapacidade para o exercício normal das suas funções” (Raul Ventura; Sociedade por Quotas; III; pág. 91).”
E mais adiante, ainda no mesmo aresto escreve-se:
“Em suma, “doutrina e jurisprudência convergem, pois, no entendimento, segundo o qual, para que exista justa causa de destituição, é necessário que haja ou incapacidade para o exercício do cargo ou que ocorram factos de tal modo graves e violadores dos deveres de gerência que impossibilitem a manutenção da relação de gerência” - Ac. STJ de 06-10-011; www.dgsi.pt.”
Por seu turno, no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.5.2017 (proc. 4891/11.1 TBSTS.P1.S1, relator Alexandre Reis, disponível in www.dgsi.pt) escreve-se o seguinte: “O conceito de “justa causa” preconizada no nº 6 do art. 257º do CSC, para o efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que, quebrando gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, revelem não ser justo exigir que a sociedade mantenha a relação contratual vinculante de gerência, ou seja, que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício.”[1]
A violação grave dos deveres do gerente deve configurar-se pois como uma situação que torne inexigível à sociedade a manutenção da pessoa em causa como gerente, comprometendo e desaconselhando a manutenção do vínculo – cfr. Paulo Olavo Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 6ª ed., pág. 751.[2]
3. No art. 64º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais[3] estatui-se que:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, relevando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores
O dever de cuidado consiste na obrigação de os administradores ou gerentes cumprirem com diligência as obrigações derivadas do seu ofício-função, de acordo com o máximo interesse da sociedade e com o cuidado que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares. Tal obrigação implica que os administradores ou gerentes hão-de aplicar nas atividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço e conhecimentos requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as circunstâncias (cfr. “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, vol. I, pág. 730).
O dever de lealdade, por seu lado, significa que os administradores ou gerentes, no exercício das suas funções, devem considerar e intentar em exclusivo o interesse da sociedade, com a correspetiva obrigação de omitirem comportamentos que visem a realização de outros interesses próprios e/ou alheios. Conduta desleal é aquela que promove ou potencia, de forma direta ou indireta, situações de benefício ou proveito próprio dos administradores (ou de terceiros, por si influenciados, ou de familiares), em prejuízo ou sem consideração pelo conjunto dos interesses diversos atinentes à sociedade, neles se englobando desde logo os interesses comuns dos sócios enquanto tais, e também os de trabalhadores e demais interessados relacionados com a sociedade, onde serão de incluir, por exemplo, os credores e os clientes (cfr. “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, vol. I, págs. 742/3).
E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.9.2014 (proc. nº 1195/08.0 TYLSB.L1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt) escreve-se o seguinte:
“O dever de lealdade é indissociável da ideia de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros. O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito.”
4. A obrigação de não concorrência com a sociedade constitui uma concretização do dever de lealdade e veda aos gerentes o exercício, por conta própria ou alheia, de atividades concorrentes com as que a sociedade exerça ou tenha deliberado exercer.
Porém, os sócios podem autorizar, expressa ou tacitamente, o exercício dessas atividades, considerando-se que o consentimento foi prestado quando o exercício dessas atividades é anterior à nomeação do gerente e do conhecimento de sócios que disponham da maioria do capital, bem assim como, quando existindo tal conhecimento da atividade do gerente, este continua a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova atividade da sociedade com a qual concorre e que vinha sendo exercida por ele – cfr. art. 254°, nºs 1 e 4 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, por atividade concorrente com a sociedade entende-se qualquer atividade abrangida no objeto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios – cfr. art. 254 °, n° 2 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Sucede que quando o gerente viola esta proibição de concorrência e infringe o disposto no nº 1 do art. 254º do Cód. das Sociedades Comerciais tal sujeita-o a destituição com justa causa e poderá fazê-lo incorrer em responsabilidade civil se a sociedade vier a sofrer prejuízos causados por atos por ele praticados no exercício da atividade concorrente com a da sociedade – cfr. art. 254º, nº 5 do mesmo diploma.
5. Regressando ao caso dos autos, o que se constata é que o principal fundamento que é avançado pelo autor no sentido da destituição da gerência dos réus C… e D… prende-se com a constituição por estes de novas sociedades – a “H…” e a “I…” – que desenvolveriam uma atividade concorrente com a da sociedade “E…”.
Acontece que o desenvolvimento desta atividade concorrente resultou assente, conforme se alcança dos nºs 18 e 23 da matéria de facto, onde se deu como provado que:
- os réus C… e D… passaram a exercer, através das respetivas sociedades que constituíram, uma atividade semelhante à da sociedade ré, designadamente colocando pessoal para clientes com obras em curso em vários países e celebrando contratos em termos semelhantes aos que eram feitos anteriormente [nº 18];
- os sócios F… e G… passaram a celebrar tais contratos também com as sociedades constituídas pelos réus C… e D… [nº 23].
6. Ora, conforme já atrás se referiu, a infração da regra da proibição da concorrência por parte dos gerentes, será uma conduta de tal modo grave destes para com a sociedade que constituirá fundamento para a sua destituição, a menos que tenha havido consentimento para tal prestado pelos respetivos sócios.
E esse consentimento decorre da assembleia geral da sociedade “E…”, realizada em 10.10.2018, onde foi deliberado autorizar os sócios C… e D… a exercerem atividades que sejam consideradas concorrentes com as da “E…”, exercício esse feito quer pelos próprios, quer através de sociedades comerciais onde participem ou se integrem como sócios e/ou gerentes, fazendo-se, inclusive, referência nessas deliberações ao art. 254º do Cód. das Sociedades Comerciais.
De resto, só após essas deliberações é que as novas sociedades entretanto constituídas iniciaram a sua atividade concorrencial com a “E…” [nºs 18 e 23], o que significaria a inexistência de qualquer violação da regra da proibição de concorrência contida no art. 254º do Cód. das Sociedades Comerciais.
7. Do ponto de vista jurídico, o autor/recorrente centra as suas alegações de recurso nas deliberações tomadas nesta assembleia geral de 10.10.2018, considerando-as nulas, inválidas, abusivas e levantando, inclusive e a propósito destas deliberações, questões de inconstitucionalidade.
Em tudo aquilo que é afirmado nas alegações pelo autor e da leitura que fazemos da ata nº 8 referente à aludida assembleia geral não podemos deixar de concluir pela sua pertinência.
Com efeito, nessa assembleia geral apenas estiveram presentes os sócios C… e D…, igualmente gerentes, achando-se o primeiro também em representação do sócio F… e o segundo em representação ainda do sócio G…. Não se encontrava presente o sócio B…, aqui autor.
As deliberações tomadas nesta assembleia geral foram todas elas aprovadas pela totalidade dos sócios presentes e representados.
O art. 251º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais diz-nos que «o sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade…»
E entende-se que se verifica situação de conflito de interesses quando se trate de deliberação que recaia sobre o consentimento previsto no art. 254º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais – cfr. art. 251º, nº 1, al. e).
Como já se referiu, nos termos do art. 254º, nº 1, os gerentes não podem, sem consentimento dos outros sócios, exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente com a da sociedade. Assim, se o consentimento for sujeito a deliberação dos sócios e o gerente que o pede for sócio, este não poderá votar.[4]
Acontece que no caso “sub judice” na assembleia geral de 10.10.2018 apenas estiveram presentes os dois sócios gerentes – C… e D… -, que, por si e em representação dos sócios F… e G…, aprovaram as deliberações que os autorizavam a exercer atividades concorrenciais com as da sociedade “E…”.
Contudo, sendo gerentes, não poderiam, nesta situação, ter votado nem por si, nem em representação de outros sócios, o que assim inquinaria essas deliberações por terem desrespeitado o preceituado nas disposições conjugadas dos arts. 251º, nº 1, al. e) e 254º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais.
8. De qualquer modo, pese embora se constate esta situação não pode este tribunal dela retirar qualquer consequência, pois a consideração de nulidades cometidas nas deliberações tomadas na assembleia geral de 10.10.2018 sempre implicaria excesso de pronúncia, uma vez que tal questão não é de conhecimento oficioso.
Com efeito, o autor ao propor a presente acção pede a destituição da gerência dos réus C… e D…, mas nada suscita quanto à dita assembleia geral de 10.10.2018, à qual, aliás, nem faz qualquer menção na sua petição inicial.
Não formulou, assim, qualquer pedido no sentido da declaração de nulidade das deliberações aí tomadas que autorizaram os gerentes C… e D… a desenvolver atividades concorrenciais com a da sociedade.
De resto, a realização dessa assembleia geral só foi trazida aos autos em sede de contestação apresentada pelos réus e, conforme o autor refere a fls. 118v, este, perante a junção da respetiva ata, veio suscitar a declaração de nulidade das deliberações dela constantes numa outra acção que está a ser tramitada sob o nº 1962/19.0 T8AVR do Juízo de Comércio de Aveiro.
Ou seja, a apreciação de nulidades cometidas na assembleia geral de 10.10.2018 não faz parte do objeto da presente ação, estando antes a ser discutida no âmbito de um outro processo.
E se é certo que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - arts. 5º, nº 3 e 608º do Cód. de Proc. Civil -, é em face do objeto da acção que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.
Ora, a eventual nulidade ou anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 10.10.2018 situa-se fora do objeto da acção e não pode ser aqui considerada sob pena de se cometer excesso de pronúncia.[5]
Sucede que tais deliberações produzem os seus efeitos enquanto não forem declaradas nulas ou anuladas, o que a verificar-se impõe que tudo se passe, relativamente a cada um dos sócios, como se elas não tivessem sido tomadas, sendo destruídos os efeitos que eventualmente se hajam produzido – cfr. art. 289º do Cód. Civil.
No entanto, mesmo neste caso, mantêm-se os direitos adquiridos de boa fé por terceiros – cfr. art. 61º, nº 2 do Cód. das Sociedades Comerciais -, sem embargo de qualquer deliberação poder vir a ser renovada pela maioria dos sócios, sendo que na situação prevista no art. 254º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, relativa ao afastamento da proibição de concorrência, será suficiente a maioria necessária, que corresponde à que vem prevista no art. 250º, nº 3 do mesmo diploma[6], onde se preceitua que «salvo disposição diversa da lei ou do contrato, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções.»
Deste modo, não se podendo apreciar nestes autos da nulidade ou anulabilidade das deliberações da assembleia geral de 10.10.2018, teremos que concluir pela inexistência de justa causa de destituição dos gerentes C… e D… com fundamento no art. 254º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Porém, ainda que se considere que não houve autorização para o exercício de atividade concorrencial, tendo em atenção o conjunto de tudo o que foi deliberado na referida assembleia geral, em que a maioria dos sócios aí constituída assumiu que a sociedade “E…” asseguraria apenas as obras ainda em curso, efetuaria depois uma alteração do respetivo objeto social para a área imobiliária e alienaria o imobilizado corpóreo, não cremos, em sintonia com a decisão recorrida, que o comportamento dos réus C… e D… possa assumir a gravidade necessária para que fosse decretada a sua destituição da gerência.
E aqui cabe referir que se desconhece se estas últimas deliberações foram sequer impugnadas, sendo certo que o atrás mencionado impedimento de voto para os gerentes apenas se aplicaria às deliberações referentes à autorização para o exercício por estes de atividades concorrenciais com a da sociedade.
Por último, no tocante à aquisição pelo réu D… de um veículo em nome da sociedade, face ao que consta da factualidade provada e não provada – nºs 19 a 21 e al. g) – não resultou provado que tivesse sido feito à custa da sociedade “E…”, nem sequer relativamente ao preço pago a título de sinal.
Conforme se afirma na sentença recorrida, a circunstância de o vendedor do veículo ter remetido um recibo à sociedade referente ao sinal não constitui, só por si, facto grave e suscetível de determinar a destituição deste réu das suas funções de gerência.
Assim, tendo em atenção o contexto acabado de expor, estando fora do objeto dos presentes autos a apreciação de nulidades relativas às deliberações tomadas na assembleia geral de 10.10.2018, inexiste fundamento para a destituição da gerência, por justa causa, dos réus C… e D…, o que implica a improcedência do recurso interposto pelo autor e a consequente confirmação da sentença recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor B… e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do autor/recorrente.
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Porto, 27.10.2020
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
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[1] Citado na decisão recorrida.
[2] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 16.6.2011 (proc. 6083/09.0 TVLSB-L1.6, disponível in www.dgsi.pt.), onde a propósito da destituição de administrador se escreve “justa causa de destituição será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de administração”.
[3] Na redação do Dec. Lei nº 76-A/2006, de 29.3.
[4] Cfr. Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, vol. IV, 2ª ed., pág. 72.
[5] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.5.2017, proc. 4891/11.1 TBSTS.P1.S1, relator Alexandre Reis, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, vol. IV, 2ª ed., pág. 110.