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PROPRIEDADE HORIZONTAL
INFILTRAÇÕES
RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
CULPA IN VIGILANDO
Sumário
I – O condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício. II - Quando o proprietário de uma fracção autónoma integrada num prédio constituído em propriedade horizontal pede que o condomínio proceda a obras de reparação dos danos causados na sua fracção por infiltrações de água provocadas por falta de conservação e reparação de zona comum ou ao pagamento do custo dessa reparação está em causa uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos artigos 483º e seguintes do Código Civil. III – Atento o dever de vigilância que recai sobre o condomínio quanto às partes comuns do edifício em propriedade horizontal, é aplicável o regime do artigo 493º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. IV - Provando-se que o condomínio incumpriu o mencionado dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis, não estando demonstrados factos susceptíveis de excluir a sua culpa quanto à falta de conservação e reparação necessárias ou que revelem que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa, fica aquele obrigado a indemnizar o condómino pelos danos que lhe sobrevieram como consequência directa daquela omissão ilícita e culposa.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO A[ …… SOCIEDADE PORTUGUESA DE SUSHI, LDA.] com sede na Praceta Professor Alfredo de Sousa, número …., 1495- 241 Algés, na freguesia de Algés, concelho de Oeiras intentou contra B [ CONDOMÍNIO do imóvel sito na PRACETA ….., 4, 5, 6 E 7], cuja administração é exercida pela sociedade C [ …. – Contabilidade e Administração de Imóveis, Lda.], com sede na Estrada da Portela, …., 4.º A, Portela de Carnaxide, 2790-125 Carnaxide a presente acção declarativa de condenação, com processo comum em que pede a condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 71 356,81 (setenta e um mil trezentos e cinquenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados, acrescida de juros vencidos e vincendos e custas de parte.
Alegou, em síntese, o seguinte:
Ø Entre a Autora, que se dedica à restauração, Paulo …. e Maria de ……, vigora um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao piso zero, do prédio urbano sito na Praceta Professor Alfredo de Sousa, n.ºs …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º …, inscrito na matriz predial da União das Freguesia de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo sob o artigo ….º, destinada ao exercício da actividade de prestação de serviços de restauração e de bar, de que os segundos são proprietários;
Ø Em 20 de Março de 2018, a ré interpelou a autora para a realização de uma intervenção urgente na canalização da fracção afecta ao restaurante, devido a supostas infiltrações existentes na garagem do piso -1 do edifício, que, alegadamente, não permitiriam o estacionamento por parte do condómino proprietário, o que esta tentou averiguar junto da construtora responsável pela realização dos trabalhos de remodelação inicial do restaurante, que disse não ter existido intervenção na rede de águas e esgotos que passam naquela parede objecto da reclamação, do que deu conhecimento à ré;
Ø Nessa ocasião, a Autora notificou a ré dos diversos estragos causados ao nível do pavimento flutuante do restaurante, decorrentes de infiltrações de águas oriundas de partes comuns do edifício;
Ø O estado do pavimento, devido às infiltrações, impossibilitava a operacionalidade do restaurante, com risco de ocorrência de acidentes por parte dos colaboradores e clientes da autora que, já na altura, começaram a suceder, o que levou a que esta procedesse às obras de substituição do pavimento face à demora da ré na reparação, tendo sido acordada a colocação de pavimento de cerâmica;
Ø Após a assembleia de condóminos do dia 22 de Maio de 2018, a Autora foi informada pela empresa “…. - Arquitectura e Gestão de Projectos” que sendo verificadas humidades e infiltrações activas no tecto da garagem, abaixo do restaurante “Ama……” após período longo de ausência de chuvas, não era possível determinar a causa-efeito entre as chuvas, as águas que se infiltram pela muralha e as humidades no pavimento flutuante, havendo que avançar para outras pesquisas destrutivas no restaurante aquando do seu fecho para obras;
Ø Antes da realização das obras de substituição do pavimento do Restaurante, no dia 5 de Junho de 2018, foi realizada uma vistoria conjunta ao restaurante, em cujo relatório se concluiu não existirem infiltrações provenientes da rede residual doméstica na zona dos WC ao nível do Piso -1 e que a entrada de água no espaço alvo de estudo advinha das caleiras periféricas, por ausência de impermeabilização e drenagem, mas a ré escusa-se a reparar os danos causados;
Ø As obras para a substituição do pavimento do restaurante tiveram início no dia 03 de Junho de 2018 e foram concluídas no dia 16 de Junho de 2018; os 13 (treze) dias que a actividade do Restaurante da autora ficou sem operar, em virtude das obras realizadas, geraram um prejuízo correspondente a lucros cessantes na ordem dos € 30 371,41 (trinta mil trezentos e setenta e um mil euros e quarenta e um cêntimos), IVA incluído e despendeu os valores necessários para as obras, num prejuízo total de € 51 356,81 (cinquenta e um mil trezentos e cinquenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), para além dos danos não patrimoniais causados à marca e imagem do restaurante da Autora, que ascendem a vinte e cinco mil euros.
O réu contestou e suscitou quer a ilegitimidade activa, por a sociedade autora não ser parte na relação material controvertida dada a sua qualidade de arrendatária da fracção e por não terem intervenção na acção os respectivos proprietários, quer a ilegitimidade passiva, pela circunstância de existirem quatro blocos habitacionais que se organizaram em quatro pessoas colectivas distintas, com quatro administradores, números de identificação fiscal e regulamentos de condomínio diferentes, pelo que a acção deveria ter sido movida contra o Condomínio onde se situa a fracção ou contra os quatro condomínios, e não contra uma pessoa equiparada a pessoa colectiva ficcionada; mais refere que em 7-11-2018 a Assembleia de Condóminos deliberou por unanimidade informar os inquilinos e o proprietário que o condomínio não tem qualquer responsabilidade pelos danos causados, onde esteve presente o proprietário, que aprovou a deliberação e não a impugnou no prazo legal.
Excepcionou ainda a caducidade do direito de acção por estar em causa a reclamação de defeitos construtivos, prevista no art. 1225º do Código Civil, estando já decorridos os cinco anos do prazo de garantia do construtor e expirado o prazo de caducidade de um ano contado a partir da denúncia e previsto para a reclamação dos danos, pois que a existência de infiltrações no pavimento era já pública e notória, pelo menos desde o Verão de 2017.
Impugnou os factos alegados após o artigo 8º da petição inicial, referindo que quer durante a instalação, quer durante o período de abertura do restaurante foram diversas as queixas de proprietários, relativamente a fumos, cheiros e infiltrações, oriundas daquela fracção reportadas ao condomínio, bem como intervenções efectuadas nas tubagens das instalações sanitárias, cozinha, garagem e no ar condicionado sem autorização do condómino; na ocasião das obras no restaurante foi obstruído o sistema de escoamento de águas oriundas da parede de contenção, designadamente do furo existente na caleira para drenagem das águas oriundas da parede de contenção com aproximadamente 3 centímetros, o que conduziu a que detritos e massas se acumulassem na caleira provocando obstrução do escoamento e os danos no pavimento da autora; negou que tenha sido efectuada qualquer obra correctiva por parte do condomínio ao nível das demais lojas, que foram intervencionadas pelos proprietários a suas expensas, tendo feito apenas uma intervenção preventiva ao nível das caleiras, para verificar se algum outro proprietário ou arrendatário das fracções autónomas teria os furos obstruídos, o que apenas ocorreu com a autora e no mais refuta os valores peticionados por esta, concluindo pela procedência das excepções e pela sua absolvição da instância ou, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Em 14 de Junho de 2019 foi proferido despacho que convidou a autora a responder às excepções deduzidas, convite a que esta não acedeu (cf. Ref. Elect. 119897940).
Em 11 de Julho de 2019 o Tribunal recorrido proferiu despacho a dispensar a realização de audiência prévia, fixou o valor da causa, proferiu despacho saneador no contexto do qual julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva e dispensou a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (cf. Ref. Elect. 120378461).
Em 29 de Outubro de 2020 o réu apresentou articulado superveniente em que alegou que no final do mês de Agosto de 2019 a administração do condomínio recebeu novas queixas da existência de infiltrações oriundas da fracção autónoma onde se encontra o estabelecimento comercial da autora, tendo sido solicitada a realização de uma vistoria com os peritos da seguradora, que foi agendada para o dia 14 de Outubro de 2019, com autorização do proprietário da fracção, tendo sido recusada a entrada no estabelecimento comercial por parte do legal representante da autora; no início do mês de Outubro de 2019 e previamente à chegada das chuvas, verificava-se a existência de infiltração de água na garagem do edifício n.º 4, que advém da fracção autónoma em causa. Conclui no sentido de ser necessária a realização de uma vistoria à fracção autónoma e à garagem do prédio a fim de se apurar a origem das infiltrações e danos (cf. Ref. Elect. 15691491).
A audiência de julgamento iniciou-se a 29 de Outubro de 2020, tendo sido ordenada a realização de perícia e fixado o respectivo objecto (cf. Ref. Elect. 121956036).
Em 8 de Novembro de 2011, a autora respondeu ao articulado superveniente pugnando pela sua rejeição por a invocada infiltração na garagem do piso -1 ser do conhecimento do réu há mias de um ano, para além do que deveria ter sido deduzido no prazo de dez dias posterior à notificação da data designada para a audiência final (cf. Ref. Elect. 15756393).
Em 12 de Dezembro de 2019 foi remetido aos autos o relatório pericial (cf. Ref. Elect. 15988995).
Na sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 13 de Dezembro de 2019 foi proferido despacho a admitir o articulado superveniente e, após a prestação de esclarecimentos pelos senhores peritos, foi ordenada a apresentação de relatório de esclarecimento quanto à resposta ao quesito n.º 4, que foi junto em 18 de Dezembro de 2019 (Ref. Elect. 122817978 e 16026008).
Concluída a audiência final, em 10 de Março de 2020 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
“VI.1- Condeno o R. CONDOMÍNIO do imóvel sito na Praceta Professor Alfredo de Sousa, ……, representado pela sua administração exercida pela sociedade ….. – Contabilidade e Administração de Imóveis, Lda., sociedade por quotas a pagar à A. …… – SOCIEDADE PORTUGUESA DE SUSHI, LDA., a quantia de € 20.985,4 acrescida de juros à taxa legal relativa a juros civis, a contar da citação, até integral e efectivo pagamento;
VI.2-Condeno o R. a pagar à A. o montante que se liquidar em incidente de liquidação ao abrigo do disposto no art.º 609.º, n.º 2, do CPC relativamente ao pedido de indemnização por lucros cessantes, com o limite máximo de €30.371,41, ao qual acrescerão juros a contar da decisão a proferir no incidente de liquidação.
VI.3. Absolvo o R. do demais peticionado.”
É desta sentença que o réu recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
1. O Tribunal a quo veio a condenar o R. no pagamento de todos os prejuízos patrimoniais peticionados pelo A. com base no facto de ter dado como provados os factos 65, 66, 73, 76, verificando-se que da prova produzida em sede de audiência de julgamento e bem assim da prova pericial, existiu uma concorrência de causas para a produção dos danos verificados no estabelecimento comercial do A.
2. Pelo que, se impunha ao Tribunal a quo que tivesse feito uma outra avaliação quanto à responsabilidade imputada ao R. Condomínio, não devendo ter sido condenado ao pagamento sem mais dos valores peticionados pelo A.
3. No caso concreto, estamos perante uma situação de concorrência de culpa, nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil, porquanto não poderá o A. imputar a culpa ao R. descartando de todo a existência de culpa da parte do mesmo.
4. Ora, de acordo com a prova testemunhal e prova pericial observa-se no caso em apreço uma multiplicidade de causas para a existência de danos no pavimento do estabelecimento comercial do Recorrido, não podendo por isso ser assacada inteira e exclusivamente a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos peticionados ao Recorrente.
5. No caso sub judice verifica-se a existência de diversos fatores concorrentes para a situação dos danos, concretamente, a conduta do lesado que omitiu por diversos anos a existência de danos no pavimento; a conduta ainda do lesado relativamente à realização de obras no interior do estabelecimento comercial e que afectaram diretamente a zona das caleiras e contribuíram para a sua obstrução; o facto de o prédio se inserir abaixo de uma ravina e que permite a acumulação anormal de águas que desaguam no edifício, apesar da existência das muralhas de contenção e da conservação e manutenção de obras pelo Condomínio.
6. Em face do acima exposto, salvo melhor e douta opinião, deverá ser revogada a sentença recorrida e como tal não serem considerados procedentes como provados os factos n.º 65, 66, 73, 76.
7. De igual modo, atendendo à prova testemunhal produzida impunha-se que o Tribunal a quo tivesse feito uma interpretação de direito que impunha a caducidade da acção pelo Recorrido, dado que, as infiltrações remontavam para além do prazo de 3 anos, tendo em conta a data de instauração da presente ação.
A final conclui pela revogação da sentença recorrida.
A autora/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) – de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2 do CPC, ex vi art. 663º, n.º 2, do mesmo diploma).
Assim, perante as conclusões da alegação do réu/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da sentença;
b) A impugnação da matéria de facto e sua rejeição parcial;
c) A responsabilidade do réu pela reparação dos danos verificados na fracção autónoma ocupada pela autora;
d) A caducidade do direito da autora;
e) A fixação da indemnização.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de restauração e bar – Cfr. Certidão Comercial junta como documento n.º 1 com a Pi.
2. A A. tem a sua sede social na Praceta Professor Alfredo de Sousa n.º ….. Oeiras e tem como gerente Bruno ….. Cfr. Certidão Comercial junta como documento n.º 1 com a Pi.
3. Entre a Autora, Paulo ….. e Maria ……, vigora um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra “N” correspondente ao piso zero, destinada a comércio e serviços, do prédio urbano sito na Praceta Professor Alfredo de Sousa, n.ºs ……, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º …, inscrito na matriz predial da União das Freguesia de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo sob o artigo ….º, destinada ao exercício da actividade de prestação de serviços de restauração e de bar da Autora (doravante, “Prédio” ou “Edifício”).
4. Paulo …. e Maria ….. são os legítimos proprietários da referida Fracção – Cfr. Certidão Predial junta como documento n.º 2 com a PI.
5. Inicialmente, o contrato de arrendamento foi celebrado pela Autora com a Caixa – Imobiliário, S.A. – Cfr. cópia do contrato de arrendamento junto como documento n.º 3.
6. Em virtude do contrato de compra e venda da referida Fracção, por Paulo … e Maria …., ocorreu a transmissão da posição contratual (Cfr. documento n.º 2).
7. Passando, assim, a ser senhorios Paulo …. e Maria ….., ao invés da Caixa Imobiliário, S.A, e a Autora arrendatária.
8. A administração do referido Prédio constituído em propriedade horizontal é exercida pela aqui Ré.
9. Em meados de 2016 antes da abertura ao público do restaurante explorado pela A. foram realizadas por esta obras de adaptação do espaço a restaurante, que incluíram a realização de instalações técnicas de canalização, rede de esgotos (duas novas prumadas), construção de espaço de cozinha na zona adjacente a fachada tardoz e electricidade na zona das cozinhas e instalação sanitária para o pessoal com abertura de roços para introdução de tomadas de rede eléctrica na cozinha, na parede da loja que confronta com a parede de contenção do prédio (talude).
10. A obra referida em 9. foi realizada sem autorização expressa do condómino.
11. No dia 16 de Março de 2018 a administração da R. enviou ao proprietário da loja a comunicação junta a fls. 159 com o seguinte teor “venho informar sobre a necessidade da verificação do tubo proveniente da vossa cozinha/balcão que deita água nas garagens no piso 1- Agradeço a verificação do mesmo no prazo de 5 dias, a proprietária do lugar de garagem que se encontra no espaço onde o tubo deixa cair água encontra-se com vários problemas devido a dificuldade de estacionamento para não afetar a viatura”.
12. Através de e-mail, datado de 20 de Março de 2018, foi ainda a Autora interpelada pela Ré para a realização de uma intervenção urgente na canalização da Fracção afecta ao restaurante onde a Autora desenvolve a sua actividade (doravante, “Restaurante”) – Cfr. documento n.º 4.
13. A intervenção devia-se a infiltrações existentes na garagem do piso -1 do edifício, que, não permitiriam o estacionamento por parte do condómino proprietário da mesma – Cfr. documento n.º 4.
14. Em resposta a A. comunicou por email datado de 25/03/2018 que “já amanhã será solicitada a intervenção da empresa responsável pelas obras na canalização do restaurante para a averiguação e tomada de posição sobre a eventual assunção de responsabilidade (…)” cfr. doc. 5 de fls. 24.
15. A Autora notificou a construtora responsável pela realização dos trabalhos de remodelação inicial do Restaurante – a Construtora …., Lda. - Titular do Alvará de Construção n.º 6222) – solicitando as devidas averiguações sobre a situação apresentada pela Ré.
16. Após a realização de duas deslocações ao local para verificação das condições reportadas, os técnicos da Construtora ….., Lda., o Senhor Dr. Tiago …. e o Senhor Eng.º Miguel …. (membro Ordem dos Engenheiros n.º …), emitiram um Relatório, junto sob documento n.º 5 com a PI.
17. A referida construtora realizou duas deslocações ao local: uma no dia 27 de Março de 2018, na pessoa de Carlos ….., colaborador da construtora e outra no dia 30 de Março na qual promoveu uma reunião no local entre ambas as partes, tendo a construtora se feito representar por Tiago … e Eng.º Miguel …., respectivamente sócio gerente e colaborador da empresa.
18. Em suma, do Relatório, lê-se que: Na zona 1- Tecto da garagem sob a zona dos lavatórios certifica-se no piso -1 (garagem) junto à parede do fosso dos elevadores e imediatamente por baixo do local onde se encontram os lavatórios do WC de clientes do restaurante existe água a pingar do tecto com cadência e comportamento que indiciam que a laje naquele local se encontra saturada de água. A zona do tecto onde as pingas se formam fica perto do troço de tubagem de esgoto proveniente dos lavatórios que aí atravessa a laje. Na loja verifica-se que por baixo do pavimento flutuante o ambiente apresenta uma humidade elevada indiciando a presença constante de água. No conjunto de obras realizadas para a instalação do Restaurante, foram fornecidos os dois lavatórios que se encontram actualmente no WC de clientes, localizado sob o tecto da garagem em apreço. Os dois lavatórios foram ligados aos pontos de rede de águas e esgotos do edifício, i.e., às redes instaladas originalmente (pré-existentes) na construção do prédio. Assim, no âmbito dos trabalhos de remodelação do Restaurante realizados no ano de 2016, não houve qualquer intervenção na rede de águas e esgotos que passam naquela parede objecto da reclamação. Originalmente estavam instalados dois lavatórios naquele local, lavatórios estes que foram substituídos pela bancada e lavatórios agora existentes, tendo sido aproveitados os pontos de ligação já existentes na altura. A parede onde se encontram as ligações às redes de esgotos e água dos referidos lavatórios apresenta níveis de humidade elevados, medidos em vários pontos. Para além disso são visíveis algumas manchas que podem indiciar os locais onde existe ou terá passado mais água. As ligações das restantes águas residuais do restaurante foram feitas à prumada do edifício por coincidência na mesma zona onde se verifica agora o surgimento de água no tecto da garagem. No entanto esta ligação à rede de esgotos existente é toda ela à vista, sendo claro por observação no local que a mesma não apresenta rupturas e se encontrava em boas condições. A água pingava da laje e não das tubagens instaladas. De qualquer forma a água pinga da laje e não das tubagens à vista. No interior do restaurante verificam-se danos ao nível do pavimento desde a zona dos lavatórios até uma extensão que se prolonga até á zona do bar. Segundo indicado pela gerência do restaurante, estes danos (nomeadamente bolhas e empolamentos) têm vindo a aumentar diariamente indiciando que a fuga se mantém activa. Zona 2- tecto da garagem na zona da prumada de águas pluviais/residuais. Na visita ao piso -1 foi também possível verificar que existe água a surgir noutra zona a cerca de 3 m da referida acima, situando-se numa esquina junto à qual a prumada atravessa a laje. É possível e provável que esta rotura esteja também ela a originar os danos verificados ao nível do pavimento do restaurante. Nesse local não é possível observar directamente a parede em toda a sua extensão pois está lá instalada uma estrutura de madeira (banco corrido e canteiro) mas pela manifestação dos danos no pavimento pode-se concluir que estará também nessa parede um possível ponto de origem dos danos verificados.
19. Pelo menos desde inícios do ano de 2018 têm-se verificado no interior do restaurante explorado pela A. estragos ao nível do pavimento flutuante em madeira provocados por infiltrações de água, estragos esses evidenciados pelo surgimento de bolhas e empolamentos no pavimento que se prolongaram desde a zona dos lavatórios até à zona do bar.
20. No dia 4 de Abril de 2018, foi a Ré informada pela Autora, por e-mail, do teor do Relatório junto como documento n.º 5 fls. 25 e 26 supra referido.
21. Na mesma ocasião, a Autora notificou a Ré dos estragos causados ao nível do pavimento flutuante do Restaurante mencionados no mesmo relatório afirmando que esses danos no pavimento do restaurante decorreram das águas oriundas da prumada de águas pluviais/residuais do edifício que, ao escorrer ao longo do buraco onde se encontra instalada a canalização, espalhou-se pela laje do restaurante e provocou os estragos identificados nas imagens inseridas no relatório (Cfr. documento n.º 5 fls. 25).
22. No mesmo e-mail, datado de 4 de Abril de 2018, foi ainda a Ré informada de que poderia combinar directamente com a Gerência da Autora uma data e horário adequados para deslocação dos técnicos nomeados pela primeira, tendo em vista a análise da situação (Cfr. documento n.º 5 fls. 25v).
23. Pelo mesmo meio, foi a Ré alertada para o facto de tais danos poderem estar cobertos pela apólice de seguro eventualmente contratada pelo Condomínio e/ou contratadas pelos condóminos, individualmente, tendo sido sugerido os respectivos accionamentos (Cfr. documento n.º 5 fls. 25v).
24. Através de e-mail datado de 12 de Abril de 2018, a Ré informou que “o condomínio apenas assumirá as suas responsabilidades, devidamente consubstanciadas pelo relatório pericial do seguro ou de entidade competente para o efeito. Nesta senda aguardamos que V. Exa providencie junto do inquilino e proprietário a devida autorização para a administração poder efetuar as pesquisas necessárias na loja, e a regularização das entradas de águas na mesma. Posteriormente a questão do chão, será devidamente resolvida. Aguardamos a devida autorização por e-mail.” (cfr. documento n.º 6 junto a fls. 31v).
25. Como já havia feito no e-mail datado de 4 de Abril de 2018, a Autora, devidamente autorizada pelos proprietários da Fracção, autorizou o condomínio a realizar as intervenções que entendesse necessárias (cfr. documento n.º 6).
26. No dia 19 de Abril de 2018, a pedido da Ré, a empresa designada por “André ….., Lda.,” ar... Arquitectura e Gestão de Projectos, através do seu interlocutor, o Senhor Arquitecto Edgar ….., agendou uma primeira pesquisa na sala principal do Restaurante e uma segunda na sala do pessoal (cfr. documento n.º 7 fls. 36v).
27. Sendo que, a pesquisa na sala principal do Restaurante serviria “para verificação da prumada de esgotos e para abertura da parede e colocação da prumada à vista” e, bem assim, a pesquisa na sala do pessoal “para abertura de 3 zonas para inspecção da parede dupla” (cfr. documento n.º 7).
28. Em Maio de 2018 o responsável técnico Edgar …..deslocou-se ao local com vista a efectuar uma inspecção de carácter técnico às infiltrações existentes no edifício nomeadamente nas lojas e pisos inferiores de garagem do edifício n.ºs 4-7.
29. Para o efeito, procedeu à abertura de paredes duplas e remoção de grelhas existentes nos diferentes pisos de garagem para análise das situações emergentes nos pavimentos da loja 4B, 5A, 6A, 7A e 7/B e consequente aparecimento de escorrimentos nos tectos e parede dos dois pisos de estacionamento.
30. As inspecções foram realizadas em diferentes dias e ao longo dos meses de Março a Maio de 2018, com tempo em condições diversas de períodos de chuva e após dias sem ocorrência de chuva para análise da evolução comportamental.
31. Relativamente à loja 4B o técnico procedeu à abertura de duas zonas da parede dupla da sala de pessoal: uma na lateral e outra na parede de fundo. Verificou-se o interior da parede e não aparentou existir obstrução ou águas em abundância na caleira.
32. No relatório elaborado pela ar... Arquitectura e Gestão de Projectos junto a fls. 48 a 59 assinado por Edgar ….. lê-se nas conclusões que: “Após as verificações das circunstâncias existentes nas diferentes zonas no muro de contenção posterior e parte da lateral do edifício pode constatar-se que existem deficiências na sua execução quer na continuidade da muralha na melhor estanquicidade da mesma, quer posteriormente na “recolha” e encaminhamento das águas que se infiltram pela estrutura de betão do muro de contenção posterior. Esta situação ocorre sobretudo nesta parede do fundo e parte lateral do bloco4. Ao contrário do que acontece nas restantes paredes limites aqui as caleiras apresentam deficiências na sua dimensão, regularidade, impermeabilização e dimensionamento nas furação entre pisos que entopem com facilidade face à acumulação de calcário, o que origina a infiltração das águas pelas lajes e betonilhas dos pisos das lojas e consequente pingar nos tectos da garagem e escorrimentos de águas nas paredes da zona posterior e nos pavimentos junto das mesmas (…) No entanto pode ainda concluir no que diz respeito às humidades no pavimento flutuante do restaurante “Amaterasu” e infiltrações no tecto geral da garagem do piso -1, abaixo do mesmo, não tem ligação com as infiltrações pela muralha quer pela sua posição quer pela sua ocorrência sem períodos de não chuva com a mesma intensidade como aquando desse fenómeno atmosférico. É por isso necessário proceder a pesquisas complementares para a determinação da causa dessas humidades e infiltrações no tecto da garagem.”.
33. Entretanto, a Assembleia Geral de Condóminos que visava a análise da situação, previamente agendada para o dia 10 de Maio de 2018, foi adiada para o dia 22 de Maio de 2018.
34. O adiamento da Assembleia Geral dos Condóminos justificou-se pela alegação, por um dos condóminos do Edifício, de irregularidades na convocatória realizada pela Administração da Ré.
35. Ainda antes da realização da Assembleia de Condóminos, no dia 30 de Abril de 2018, foi enviado pela Autora à Ré registo fotográfico a dar conhecimento do agravamento do estado do pavimento do Restaurante (cfr. documento n.º 8 de fls. 41 junto com a PI).
36. O estado do pavimento devido às infiltrações foi-se agravando, e acabou por impossibilitar a operacionalidade do Restaurante.
37. Além dos danos visíveis de degradação do piso, havia o risco de ocorrência de acidentes por parte dos colaboradores e clientes da Autora.
38. Na mesma ocasião, a Autora, com base nos aconselhamentos técnicos prestados pelas empresas consultadas para a realização dos orçamentos entretanto disponibilizados à Ré, manifestou a opinião de que a melhor opção seria proceder-se à substituição do pavimento de madeira por um pavimento de cerâmica (cfr. email junto como documento n.º 8 com a PI enviado pelo ilustre mandatário da A. para a administração do condomínio R.).
39. Tal substituição evitaria, assim, que o piso viesse a ser afectado futuramente, caso semelhante problema de infiltrações viesse a ocorrer no edifício (cfr. documento n.º 8 junto com a PI).
40. Mais informando a A. pelo mesmo email que“…ponderados todos os aspectos e pese embora a preferência estética da nossa cliente por um piso de madeira, parece-nos evidente que a melhor opção seria proceder-se à substituição do actual pavimento de madeira por um pavimento de cerâmica. Assim e de acordo com o referido pelas empresas consultadas para a realização de orçamento o piso não seria afectado caso, no futuro, semelhante problema de infiltrações viesse a ocorrer. (…) conforme consenso alcançado com a Administração neste ponto, que o problema estrutural de mau isolamento/impermeabilização do prédio é mais complexo e demandaria uma obra de dimensões e valores consideravelmente superiores do que as intervenções que têm sido realizadas pelo Arquitecto Edgar-intervenções essas que, tal como tivemos ocasião de referir, são manifestamente insuficientes. Assim, gostaríamos de enviar em anexo dois orçamentos encomendados para o pavimento de modo a que a administração possa apreciar e eventualmente apresentar alternativas (…)”
41. A Autora disponibilizou-se a negociar um plano de pagamentos para a Ré, tendo em vista alcançar uma solução amigável para o problema (Cfr. mesmo documento n.º 8).
42. Em 30/04/2018 por email com autorização dos proprietários da Fracção, a A. autorizou a Ré ao accionamento da apólice de seguro detida pelos primeiros enviando em anexo a apólice do seguro do senhorio da loja (Cfr. documento n.º 9 junto a fls. 46).
43. No intuito de facilitar a exposição do assunto aos condomínios do prédio no dia 07 de Maio de 2018, a Autora enviou a seguinte comunicação (cfr. documento n.º 10 junto com a PI): “Boa tarde Dr. ….., Espero encontrá-lo bem. No seguimento das nossas conversas telefónicas e do seu e-mail infra, o qual agradecemos, aguardaremos então a AG da próxima Quinta-feira, para conhecer a posição oficial do Condomínio nesta matéria. De modo a que seja possível ouvir previamente os Condóminos sobre o assunto e, bem assim, conceder mais algum tempo à Administração para que proceda com as obras de reparação e secagem necessárias, a nossa Cliente propõe que o Restaurante feche para obras, impreterivelmente, no dia 04 de Junho de 2018. Uma vez que o Restaurante não poderá continuar a operar com o pavimento no estado de degradação actual – por motivos de segurança e preservação da imagem – agradecemos a vossa compreensão no sentido de encarar tal data como o prazo máximo para o início dos trabalhos. Caso contrário, o Restaurante terá de fechar e os lucros cessantes a serem pagos pelo Condomínio (por cada dia de inactividade) irão aumentar exponencialmente. Neste sentido, e de modo a que seja possível organizar todas as diligências necessárias, agradecemos que a Administração informe uma estimativa do tempo necessário para conclusão das obras que necessita fazer no Restaurante, para que a nossa Cliente possa agendar as obras de substituição do piso, que propomos que decorram logo após as intervenções da Administração. No mais, tendo em atenção que a AG é já na próxima Quinta-feira, agradecemos então a vossa colaboração no sentido da obtenção do orçamento alternativo até a reunião. Conforme falado com Sr. Arquitecto Edgar…, V. Exas. deverão contactar a Gerência do Restaurante para combinarem a deslocação para a realização do orçamento e, se necessário, eventuais intervenções que tencionem realizar e que não interfiram no funcionamento do Restaurante. Da nossa parte, estamos a providenciar a documentação na qual foram baseados os lucros cessantes – a qual enviaremos sob compromisso de confidencialidade – e enviaremos logo que possível.” – documentação, essa, que foi disponibilizada à Administração no dia 08 de Maio de 2018.”
44. Após a reunião ocorrida no dia 21 de Maio de 2018 entre os representantes da Autora, a administração da Ré e o Senhor Arquitecto Edgar ….., na manhã do dia 22-05-2018 agendado para a Assembleia de Condóminos, a Autora foi informada pela empresa “AR Projectos Arquitectura e Gestão de Projectos” do seguinte: “Após a visita de hoje ao Páteo da Colina para recolha de fotografias complementares, foi possível verificar que as humidades e infiltrações no tecto da garagem, abaixo do restaurante “…” estão novamente activas, mesmo após este período longo de ausência de chuvas. Neste sentido não se pode determinar causa efeito entre as chuvas, as águas que se infiltram pela muralha e as humidades no pavimento flutuante. Assim sendo será imprescindível avançar para outras pesquisas destrutivas no restaurante aquando do seu fecho para obras para se encontrar a sua real origem.” (cfr. documento n.º 11 fls. 47v).
45. No dia 22 de Maio de 2018 realizou-se uma Assembleia de Condóminos do prédio sito na praceta Alfredo Sousa, n.º …., em Algés com a seguinte ordem de trabalhos: 1- Esclarecimento sobre as últimas intervenções relativas às infiltrações de águas do edifício; 2- Obras de intervenção nas paredes de contenção de águas do edifício; 3- Obras a realizar no restaurante Amaterasu do Bloco 4 devido às infiltrações de água; 4- Esclarecimentos sobre os custos a ocorrerem sobre o tempo de paragem de actividade do restaurante; 5- Explicações sobre os danos ocorridos numa viatura do condómino do 3.º esq.º Bloco n.º 5. 6- Apresentação de propostas para seguros; 7- Outros assuntos relacionados com as infiltrações existentes.
46. Foi aprovado por unanimidade dos condóminos presentes o seguinte: não assume o condomínio qualquer responsabilidade relativamente aos danos apontados pelo arrendatário sem que previamente exista reclamação dos mesmos por parte do proprietário e de que, através de relatório técnico a elaborar pelo perito nomeado pelo condomínio se determine o ponto de origem e a responsabilidade do dano. Encontrando-se em elaboração esse relatório adia-se a deliberação para próxima assembleia a convocar na semana subsequente á entrega do relatório.
47. O Dr. Victor ….., enquanto mandatário da A. presente nessa reunião indicou o seguinte: O restaurante não consegue operar no estado em que está, por estar a necessitar urgentemente de obras; Dada a nova avaliação de que voltou a aparecer água nas garagens, indica que também aguarda nessa medida novo relatório técnico devidamente fundamentado, a ser efectuado pelo Arq. Edgar. Assim, caso se comprove a responsabilidade do condomínio, o restaurante quer colocar o chão em cerâmica ao invés do que está aplicado. Apresenta que para as obras a realizar será necessário parar o funcionamento do restaurante e que implica também que o condomínio terá que colmatar o valor de rendimento mínimo diário. Todavia apresentou uma proposta de redução para metade do valor da obra do pavimento a realizar e dos lucros, a ser ressarcido pelo condomínio caso: A assembleia permita a extensão da abertura do restaurante até às 23h aos fins-de-semana e feriados e até às 22h durante a semana. Também para aumento de mais 2 metros do espaço da explanada Ainda indicou que o restaurante aceita o pagamento faseado em 10 vezes.
48. Após, a assembleia informou que a proposta seria avaliada e efectuada uma contraproposta a ser apresentada em nova Assembleia. A decisão será unânime.
49. Antes da realização das obras de substituição do pavimento do Restaurante, no dia 5 de Junho de 2018, foi realizada uma vistoria ao Restaurante.
50. A referida vistoria foi efectuada a pedido da A. pela empresa externa de consultadoria ..., Lda., representada pelo Senhor Eng.º Nuno …… (Engenheiro Sénior inscrito na Ordem dos Engenheiros n.º 504448) e pela empresa externa “André ….., Lda.”, representada pelo Senhor Arquitecto Edgar ….
51. Contou-se, ainda, com a presença do Senhor Dr. Hugo …., na qualidade de administrador da Ré, do Senhor Hermínio, enquanto zelador dos edifícios, e do Senhor Bruno ….., na qualidade de gerente da Autora (cfr. documento n.º 12 junto com a PI).
52. A vistoria foi realizada nos dias 1, 4 e 6 de Junho de 2018.
53. No âmbito da inspecção técnica conjunta realizada no local, foram realizados os seguintes actos (cfr. documento n.º 12):
= Verificação da rede de drenagem de equipamento de Ar condicionado;
= Verificação da rede residual doméstica na zona dos Wc e cozinha;
= Teste à rede de abastecimento de águas;
= Verificação das caleiras periféricas entre o muro exterior e o parâmetro interior que separa a cozinha e vestiário.
54. No ponto 3. do relatório da ..., Lda. Relativo ao diagnóstico lê-se que “de forma a entender-se o funcionamento da rede residual existente foi realizada a seguinte experiência nos respetivos dias: -No dia 05/06/2018 realizou-se um conjunto de testes de descarga de água na linha de escoamento com incorporação de corantes biodegradáveis de forma a se poder analisar em moldes visuais o funcionamento da rede residual existente sem métodos destrutivos e verificar se existe alguma infiltração ou fuga. Além disso criou de forma aleatória um conjunto de aberturas expiatórias identificadas no mapa principal no sentido de verificar que quantidade existe de infiltração de água e que corre na caleira periférica que possa justificar a quantidade de água dentro das betonilhas. De forma a se perceber o seu escoamento fez um levantamento da inclinação do pavimento acima da betonilha. Da mesma forma e com o objectivo de verificar se poderia haver alguma infiltração oriunda da má conexão entre as unidades inferiores de climatização e a rede dedicada, realizou-se a demolição da parte frontal onde estes se encontravam montados.
55. Dos testes efectuados nos dias 1, 4 e 6 de Junho de 2018, o Senhor Eng.º Nuno …. da ..., Lda. concluiu que (cfr. documento n.º 12): Não existem quaisquer infiltrações provenientes da rede residual doméstica na zona dos WC ao nível do Piso -1; Em toda a caleira periférica do Edifício, existe de forma geral uma linha de água superior a 2 cm, sendo que em alguns casos atingem cotas superiores às cotas aritméticas dos pavimentos interiores, sem que se verifique a existência de possíveis escoamentos necessários de forma a minimizar a entrada dentro do espaço em questão; Existem constantemente riachos de água provenientes das muralhas que por sua vez batem constantemente e continuadamente nas paredes de alvenaria na zona da cozinha; Neste âmbito e com o intuito de minimizar mais prejuízos foi realizada pela equipa existente no local “afeto ao gestor de condomínio” um conjunto de furos verticais de forma a garantir a diminuição de cota altimétrica da linha de água, assim como a limpeza das caleiras de forma a aumentar o fluxo nessa zona. Assim sendo, verifica-se uma diminuição de infiltração proveniente da quantidade de água que circula na caleira periférica, permitindo maior rapidez ao nível de secagem das betonilhas na sua generalidade Aconselha-se de forma preventiva que se realize a impermeabilização das referidas caleiras de forma correta assim como a colocação do lamino dreno junto á face do paramento interior, sendo actualmente inexistente assim como a realização de um conjunto acrescido de tubos de descarga de forma a minimizar possíveis infiltrações. Se conclui de forma concreta que a entrada de água no espaço alvo de estudo advém das caleiras periféricas por ausência de impermeabilização e drenagem. (…).
56. Pela “André ….., Lda.” - ar... Arquitectura e Gestão de Projectos foi proferido em 15/06/2018 o novo relatório de inspecção de carácter técnico as infiltrações no edifício junto a fls. 109 a 125.
57. Lê-se nesse relatório que as inspecções foram realizadas em diferentes dias e ao longo dos meses de Março a Junho de 2018, com tempo em condições diversas de períodos de chuva e após dias sem ocorrência de chuva para análise da evolução comportamental.
58. E que relativamente à loja 4B o técnico procedeu à abertura de duas zonas da parede dupla da sala de pessoal: uma na lateral e outra na parede de fundo. Verificou-se o interior da parede e não aparentou existir obstrução ou águas em abundância na caleira.
59. Mais se lê no relatório que “No tecto da garagem por baixo do restaurante pela imagem recolhida no dia 21 de Maio de 2018 pode verificar-se infiltrações generalizadas na laje. Pela situação temporal e considerando não existirem chuvas há algumas semanas e mantendo-se o escorrimento no tecto da garagem, pode concluir-se que os mesmos não têm origem pelas muralhas e caleiras junto da sala do pessoal. Foi por isso necessário proceder a novas pesquisas e sondagem em outras zonas da loja. Após a remoção do pavimento flutuante do restaurante, pode verificar-se a humidade na betonilha, com pendência para a zona das casas de banho e zona da escada do edifício. Procedeu-se à abertura da parede dupla da cozinha do restaurante para verificação do estado do interior da caleira e da muralha, por comparação às ocorrências anteriormente detectadas nas outras lojas. Pode verificar-se a existência de água abundante no seu interior. Procedeu-se a várias aberturas e posterior aspiração da caleira, para remoção da água e dos resíduos interiores da mesma. Procedeu-se à selagem de uma das entradas de água mais activas na muralha para a caleira, por forma a permitir a realização dos trabalhos de inspecção e requalificação geral da caleira. Após a limpeza e a aspiração de todo o fundo pode analisar-se a obstrução da saída existente na caleira da cozinha. Abertura da saída existente na caleira: furação existente após a remoção dos sedimentos que impediam o escoamento natural das águas de infiltração da muralha. Na sala do pessoal na zona técnica de ventilação da garagem verifica-se humidades e escorrimentos pelas alvenarias interiores na betonilha. Procedeu-se a uma abertura para escoamento de futuras águas para o piso inferior. Zona exterior da zona técnica de ventilações: analisando as zonas envolventes não é clara a origem dos pontos de entrada das águas para o interior da zona técnica da corete das ventilações. Pode estar relacionado com um conjunto de envolventes para as quais é necessário proceder à remoção das pedras de revestimento para melhor análise das impermeabilizações junto ás juntas e abaixo das mesmas.
60. Para depois se concluir no mesmo relatório que “as infiltrações e humidades verificadas nas betonilhas da sala principal do restaurante, e nos tetos da garagem das arrecadações e zonas técnicas advém principalmente de uma obstrução na saída da caleira da parede dupla na zona da cozinha do Restaurante”.
61. E que “esta obstrução levou ao enchimento da caleira e trasvazar dos seus limites para as betonilhas do pavimento e consequente alastramento até zonas ilustradas na imagem geral da sala”
62. Além destas obstruções e infiltrações pela muralha, detectou-se infiltrações pelas paredes interiores e zona superior da corete técnica das ventilações da garagem, com a presença de eflorescências nas paredes da sala do pessoal e infiltrações por água na zona técnica do piso-1. Estas não se consideram ter impacto para o pavimento do restaurante, uma vez que as caleiras envolventes não tinham a presença de águas retidas à altura das pesquisas.
63. Prevenção Requalificação das furações de escoamento na caleira da cozinha, sala do pessoal e instalações sanitárias, com colocação de tampas de visita para inspecção periódica. Não aplicar revestimentos susceptíveis de alteração com humidades nos suportes, nomeadamente nas paredes limites e no pavimento junto das mesmas.
64. Reparação Abertura de paredes duplas para requalificação das caleiras, abertura de novas saídas de maior dimensão, impermeabilização da caleira e diminuição da área de infiltração pelas paredes, com encaminhamento das mesmas para junto dos fundos da caleira. Observações: Esta intervenção irá procurar minimizar o impacto das infiltrações que ocorrem pela estrutura do muro de contenção da zona tardoz do edifício. Estas não conseguirão ser contidas na sua totalidade uma vez que não é possível realizar uma intervenção estrutural e/ou exterior do edifício. Assim sendo não é possível controlar as infiltrações que venham pela laje estrutural ou pelas betonilhas abaixo das caleiras interiores existentes.
65. Na parte 3. relativa às conclusões “Após as verificações das circunstâncias existentes nas diferentes zonas no muro de contenção posterior e parte da lateral do edifício pode constatar-se que existem deficiências na sua execução quer na continuidade da muralha na melhor estanquicidade da mesma, quer posteriormente na “recolha” e encaminhamento das águas que se infiltram pela estrutura de betão do muro de contenção posterior. Esta situação ocorre sobretudo nesta parede do fundo e parte lateral do bloco 4 e 7. Ao contrário do que acontece nas restantes paredes limites aqui as caleiras apresentam deficiências na sua dimensão, regularidade, impermeabilização e dimensionamento nas furação entre pisos que entopem com facilidade face á acumulação de calcário e sedimentos, o que origina a infiltração das águas pelas lajes e betonilhas dos pisos das lojas e consequente pingar nos tectos da garagem e escorrimentos de águas nas paredes da zona posterior e nos pavimentos junto das mesmas (…) Face ao exposto e à impossibilidade de uma intervenção “de fundo” para uma impermeabilização exterior da estrutura é aconselhável proceder a uma optimização da recolha e encaminhamento das águas que se infiltram pela estrutura e assim minimizar os danos e impactos causados pelas infiltrações. Sugere-se que seja ainda suavizado o perfil do talude, sobretudo na parte superior que sejam refeitas as caleiras de recolha e encaminhamento das águas pluviosos e ainda seja consolidado o solo para diminuir os deslizamentos do solo.”
66. As infiltrações e humidades verificadas nas betonilhas e pavimento da sala principal do restaurante referidas em 19. foram causadas por infiltrações de água na zona da muralha com escorrências na parede vertical com origem em possível linha freática a montante, assim como infiltrações nas zonas das caleiras periféricas que recolhem as águas.
67. Essas águas eram visíveis nas zonas de parede dupla do piso 0, onde se localiza o restaurante e nos pisos da garagem -1 e -2, parede dupla essa no meio da qual foram colocadas as caleiras periféricas.
68. As águas de níveis freáticos atravessavam a muralha, infiltrando-se pela estrutura de betão do muro de contenção posterior, por fendilhação e permeabilidade da muralha por deficiente estanquicidade desta, e escorriam pela referida parede vertical.
69. As quais eram entregues nas caleiras periféricas horizontais que encaminham as mesmas.
70. As caleiras apresentavam deficiências na sua dimensão, regularidade, impermeabilização e no dimensionamento na furação e tubos entre pisos que entupiam com facilidade face à acumulação de calcário e sedimentos.
71. E devido à obstrução do tubo de drenagem vertical na saída das caleiras da parede dupla na zona da cozinha do restaurante da autora, causada por calcário e restos de obra (inertes, argamassas e restos cerâmicos).
72. Agravada pela existência de um único tubo de drenagem.
73. Originava o enchimento das caleiras e trasvazar dos seus limites, e a infiltração destas águas pela laje e betonilhas do piso e pavimentos do restaurante e consequente alastramento até às zonas referidas em 19. e pelos tectos da garagem e arrecadações dos pisos -1 e -2.
74. As obras para a substituição do pavimento do Restaurante – as quais incluem, nomeadamente, o transporte do mobiliário, o levantamento, a secagem, a montagem do piso danificado e a limpeza do espaço – tiveram início no dia 03 de Junho de 2018 e foram concluídas no dia 16 de Junho de 2018.
75. Sendo que nesse período a empresa “André …., Lda.”, executou os trabalhos referidos em 59. a 65., sob a autoridade da Ré.
76. A A. suportou os seguintes montantes com as obras e trabalhos realizados:
a) Factura n.º 426 junta a fls. 81v – Descritivo: Levantamento do pavimento danificado; Secagem do pavimento pós levantamento, incluindo equipamento; fornecimento e colocação de pavimento e materiais subsidiários (180m2) - € 16.847,30 (dezasseis mil, oitocentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos), IVA incluído;
b) Factura n.º FT 201800511/019155 junta a fls. 82– Descritivo: Pav Granito 33x33 Out Preto CX 18949861 – € 514,15 (quinhentos e catorze euros e quinze cêntimos), IVA incluído;
c) Factura n.º FT 201800227/022761 junta a fls. 82v– Descritivo: Pav Granito 33x33 Out Preto CX 18949861 – € 220,35 (duzentos e vinte euros e trinta e cinco cêntimos), IVA incluído;
d) Factura n.º FAC F/ 1589 junta a fls. 83. – Descritivo: Prestação de Serviços de Transporte e Mudanças – € 455,10 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos), IVA incluído;
e) Factura n.º 0545 junta a fls. 83v– Descritivo: Serviço de limpeza pós obra - € 1.845,00 (mil, oitocentos e quarenta e cinco euros), IVA incluído;
f) Recibo n.º 2709873 de fls. 84– Descritivo: Aluguer de armazém = 550,00 (quinhentos e cinquenta euros);
g) Factura FT/14 – Descritivo: serviços de consultadoria de engenharia = € 553,50 (quinhentos e cinquenta e três euros) – Cfr. documentos n.ºs 15 a 21juntos com a PI.
77. Durante os 13 (treze) dias referidos em 74. o Restaurante da Autora ficou sem operar, em virtude das obras realizadas.
78. O que gerou um prejuízo correspondente a lucros cessantes em montante não concretamente apurado.
79. A empresa contratada pela Ré, “André ……, Lda.” disponibilizou, antes da Assembleia de Condóminos realizada no dia 22 de Maio de 2018, um orçamento para obras de substituição do piso do Restaurante no montante de € 19.745,13 (dezanove mil, setecentos e quarenta e cinco euros e treze cêntimos), IVA incluído (Cfr. documento n.º 22 junto a fls. 93).
80. Interpelada pela A. a pagar o montante de € 51 356,81 no dia 31 de Julho de 2018, através de carta registada com aviso de recepção (cfr. documento n.º 13 junto a fls. 68v e ss), a Ré escusa-se a pagar o montante solicitado pela A..
81. No dia 7 de Novembro de 2018 ocorreu uma Assembleia Geral Ordinária do condóminos do prédio em causa, tendo como ordem de trabalhos no seu ponto 1- Análise do processo Amaterasu-restaurante.
82. Quanto a esse ponto o Dr. Carlos ….. deu início à Assembleia pronunciando-se sobre a reclamação de danos causados na loja do bloco 4 por parte dos advogados do proprietário que assumiram a reclamação do inquilino.
83. Face ao exposto o Dr. Carlos …. explicou aos condóminos quais as suas opções de resposta ao peticionado pelos inquilinos e corroborado pelos proprietários da Loja: 1.º informar os mesmos que o condomínio não têm qualquer responsabilidade pelos danos causados na loja e que os mesmos foram em grande parte causados pelas obras efectuadas na fracção. 2.º a assembleia reunir-se com o proprietário da fracção e assumir parte dos danos causados nas lojas e, a posteriori tentar imputar os encargos á Câmara Municipal de Oeiras e à construtora Somague. 3.º a assembleia aceita os termos e condições apresentados no pedido de indemnização apresentado pelo inquilino da Loja 4 e ratificado pelo proprietário e paga a estes os valores solicitados.
84. Dr. Carlos …. alertou a assembleia para os eventuais riscos que representa seguirem com a acção judicial advertindo a possibilidade de o tribunal imputar parte dos danos causados ao condomínio.
85. De seguida o arquitecto Edgar explicou aos condóminos que não poderá provar na totalidade que os danos causados na loja (entupimento da caleira) estão directamente ligados as obras efectuadas na mesma em virtude de não ter acompanhado a obra.
86. Postas as opções a votação a escolha recaiu sobre a 1.ª opção apresentada pelo Dr. Carlos …., tendo sido votada por unanimidade dos presentes.
87. André …. Lda. apresentou ao R. o orçamento junto como doc. 2 a fls. 126 onde apresenta o valor de 9 723 € com IVA incluído, para feitura da obra de substituição do pavimento do restaurante da A. por pavimento flutuante similar.
88. A R. propôs acção contra a construtora Somague que corre termos como Proc. 3503/16.1T8CSC do Tribunal Judicial de Lisboa Oeiras, Juízo Local Cível de Oeiras.
89. A A. solicitou à CM de Oeiras a realização de obras de requalificação na crista do talude da zona envolvente ao alvará de loteamento 5/2004 tendo em 05/01/2019 o Chefe de Divisão Divisão de Gestão Urbanística do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística comunicado que se encontra em negociações com a Armada Portuguesa por forma a obter autorização para a realização da obra em falta na crista do talude, o que foi dado a conhecer ao R. em 14/01/2019 (V. Docs. 7 de fls. 160v e 161).
90. No final do mês de Agosto de 2019 a administração do condomínio recebeu novas queixas da existência de infiltrações oriundas da fracção autónoma onde se encontra o estabelecimento comercial da A.
91. Verificava-se a existência de infiltração de água na garagem do edifício n.º 4, o que motivou igualmente a insistência por parte do condomínio na realização da vistoria à fracção autónoma.
92. Infiltração essa com início na envolvente do tubo de esgoto da fracção de restauração da A. com origem na instalação sanitária do público decorrente de uma pequena rotura nas águas domésticas do lavatório do referido local, situada na tubagem de adaptação da rede de esgoto dos lavatórios no espaço superior de restauração e que não afecta a zona superior do restaurante.
93. Para minimizar os danos no chão e bem assim no veículo automóvel que se encontra adstrito a tal lugar de estacionamento foi colocado um caixote de lixo a fim de abarcar a água que advém da fracção autónoma onde se encontra o estabelecimento comercial da A..
94. Após diversas comunicações com o proprietário da fracção autónoma e ainda com o mandatário da A. foi solicitada a realização de uma vistoria com os peritos da seguradora UON e ainda de um perito da empresa Checkhouse.
95. A vistoria em causa foi agendada para o dia 14 de Outubro de 2019, pelas 09:30 horas, tendo sido autorizada pelo proprietário da fracção autónoma.
96. A administração do condomínio, na pessoa do Exmo. Sr. Hugo …., acompanhado pelo perito Paulo …. dirigiram-se ao estabelecimento comercial da A. a fim de se iniciar a peritagem.
97. Todavia, foi recusada a entrada no estabelecimento comercial por parte do legal representante da A..
98. Em face de tal recusa foi elaborado um relatório pelo perito que esteve no local, tendo igualmente sido notificada a administração do condomínio e o proprietário da fracção autónoma da deslocação ao local e da recusa do arrendatário em se proceder à vistoria da fracção, conforme documentos n.º 1 a 3 juntos com o articulado superveniente.
99. Para tentar resolver a situação das infiltrações de água referidas em 66. a 73. o condomínio R. efectuou limpeza das caleiras da parede dupla (muralha e pano de alvenaria) e instalou 4 novos drenos verticais (tubos de drenagem) de descarga nas zonas das caleiras aplicando tubos PVC DN 70, com 70 mm.
*
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
a) A A. sofreu danos no bom nome e na imagem do seu Restaurante pelo período que operou com o pavimento degradado.
b) Inteiramente causados pela inércia da Ré que, mesmo perante toda a colaboração da Autora, demonstrou total desinteresse pela resolução do problema.
c) Na altura da realização das obras de adaptação da fracção a restaurante pela A. foi obstruído o sistema de escoamento de águas oriundas da parede de contenção, designadamente do furo existente na caleira para drenagem das águas oriundas da parede de contenção com aproximadamente 3 centímetros.
d) provocando obstrução do escoamento e os danos no pavimento da A.
e) encontrava-se já projectada uma obra de reformulação do restaurante, que não se resumia à substituição do pavimento.
f) o período de encerramento foi de 7 dias.
g) durante a realização das obras de substituição do pavimento do Restaurante, os trabalhos foram por diversas vezes interrompidos devido a reclamações e queixas efectuadas por alguns condóminos à autoridade de Polícia Municipal.
h) Já após intervenção da A. em 2018, existiu uma nova infiltração na garagem, tendo-se encontrado vestígios de arroz na caleira, o que deu origem à apresentação de queixa-crime por dano, junto das autoridades competentes.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Da nulidade da sentença
Sustenta a apelante que a sentença é nula, nos termos do art. 615º, n.º 1, c) do CPC, por existir contradição entre os fundamentos e a decisão, porque a 1ª instância a condenou no pagamento de todos os prejuízos patrimoniais peticionados por ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 65., 66., 73. e 73. da matéria de facto provada, sucedendo que da prova produzida em audiência de julgamento e da prova pericial resulta que existiu uma concorrência de causas para a produção dos danos ocorridos no estabelecimento comercial da autora/recorrida, pelo que não poderia ter sido condenado no pagamento de todos valores.
Ora, atentando na motivação do recurso verifica-se que o recorrente reconduz a sua discordância, quer quanto aos factos que foram dados como provados sobre os pontos 65., 66., 73. e 76., quer quanto à apreciação jurídica da causa a uma situação de nulidade da sentença.
Por sua vez, a autora/recorrida nas suas contra-alegações, negando que exista qualquer contradição entre a decisão e os seus fundamentos, prossegue a sua apreciação seguindo o diapasão utilizado pelo recorrente, isto é, discorrendo sobre a prova produzida em audiência de julgamento e sobre aquilo que dela se pode retirar como estando provado ou não provado.
A senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC (cf. Ref. Elect. 127252105).
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
“1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luía Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
A oposição entre os fundamentos e a decisão mencionada na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art. 615º do CPC corresponde a “uma «construção viciosa», ou seja, “[…] um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendia – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ouoposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.” – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 370-371.
Com efeito, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão não pode ser confundida com um erro de julgamento, que ocorrerá quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impunha uma solução jurídica diferente – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 738; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, p.p. 736-737 – “[…] quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
A leitura da motivação argumentativa deduzida pelo recorrente nas suas alegações é bastante para facilmente detectar-se o erro em que este incorre quando, pugnando no sentido de que o tribunal a quo, face à prova produzida, não podia ter dado como provados os pontos acima indicados, pretende, por essa via, concluir pela existência de uma nulidade da sentença traduzida numa contradição entre os fundamentos e a decisão.
É de meridiana clareza que a discordância do recorrente incidente sobre a resposta positiva que os factos descritos nos pontos 65., 66., 73. e 76. da matéria de facto receberam se traduz na invocação de um erro de julgamento, pois que no entender do apelante tais factos não podiam ter sido dados como provados e, uma vez sendo retirados do elenco factual provado, então sim, a decisão a proferir teria de ser outra.
Ora, como é evidente, se a modificação da decisão depende da modificação da resposta que o tribunal recorrido deu a determinados pontos da matéria de facto, tal significa que a decisão, qua tale, não está em contradição com os fundamentos de facto e/ou de direito, mas sim que o tribunal recorrido, segundo a visão do recorrente, errou na interpretação que efectuou da prova e, consequentemente, errou na decisão que proferiu com base nos factos que deu como provados.
Não se trata, pois, de uma questão de discrepância lógica entre os fundamentos invocados e a decisão, o resultado alcançado, mas sim de incorrecta valoração da prova e/ou da subsunção dos factos à previsão normativa abstracta, questões que apenas podem ser ponderadas em sede de recurso da decisão e não por via da nulidade da sentença.
Improcede, neste ponto, a pretensão recursória não se detectando qualquer nulidade da decisão recorrida.
* Da Impugnação da matéria de facto/Rejeição Parcial
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito, afere-se que em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, imposição que se insere no ónus de alegação de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.
Abrantes Geraldes pugna no sentido de que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. B));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” – cf. ob. cit., 2016, 3ª edição, pág. 142.
É conhecida a divergência jurisprudencial quanto a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no normativo legal supra transcrito, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. art.ºs 635º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC).
Quanto a esta questão o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, relator Tomé Gomes, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 disponível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt[2] pronuncia-se nos seguintes termos:
“[…] a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.”
A especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, não se afigurando necessário que a especificação dos meios de prova e, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
Num outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, relator Lopes do Rego, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 aduz-se “ser possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação []; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.”
E o mesmo Tribunal afirmou no acórdão de 31-5-2016, relator Garcia Calejo, processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1 que:
“[…] do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. Tem sim, essa especificação de ser efectuada nas alegações. Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.”
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.
Ora, como se retira do acima expendido, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados; da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Acresce que, não obstante as exigências inerentes à impugnação da matéria de facto deverem ser apreciadas “à luz de um critério de rigor”, enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, não se deve interpretá-las a um nível de exigência tal que seja violado o princípio da proporcionalidade, com a consequente denegação de reapreciação da decisão da matéria de facto – cf. neste sentido, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 143.
Além disso, deve considerar-se que “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.” – cf. acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 acima referido; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-02-2018, relatora Maria da Graça Trigo, processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1.
O texto das alegações apresentadas pelo recorrente revela a sua dificuldade em identificar cabalmente o percurso recursivo adequado a alcançar a modificação da decisão recorrida.
Tendo enveredado pela qualificação de uma nulidade da sentença (já afastada), passou a sustentar a existência de uma concorrência de causas para a produção dos danos verificados no estabelecimento comercial da autora/recorrida e, pelo meio, transcreveu passagens de depoimentos para demonstrar que os danos no pavimento de madeira do restaurante eram visíveis desde a inauguração do restaurante e concluir que não é possível determinar desde quando as infiltrações ocorriam:
O Tribunal a quo veio a condenar o R. no pagamento de todos os prejuízos patrimoniais peticionados pelo A. com base no facto de ter dado como provados os factos 65, 66, 73, 76.
Porém, da prova produzida em sede de audiência de julgamento e bem assim da prova pericial, observa-se que existiu uma concorrência de causas para a produção dos danos verificados no estabelecimento comercial do A.
Pelo que, se impunha ao Tribunal a quo que tivesse feito uma outra avaliação quanto à responsabilidade imputada ao R. Condomínio, não devendo ter sido condenado ao pagamento sem mais dos valores peticionados pelo A.
No caso concreto, estamos perante uma situação de concorrência de culpa, nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil, porquanto não poderá o A. imputar a culpa ao R. descartando de todo a existência de culpa da parte do mesmo.
Dispõe o artigo 570.º do Código Civil que: ‘’1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.’’
Senão vejamos,
CD1
Hugo …..
“02:26 o que me tem a dizer sobre estas situações de infiltrações do restaurante, do piso -1 o que é me tem a dizer sobre isto?
02:30 a parte da informação que já está no processo, desde a nossa entrada na gestão do condomínio há 10 anos que infelizmente o problema das infiltrações começaram a ocorrer com a abertura do restaurante Amaterasu em 2015”
03:25 a partir da obra do restaurante onde foram feitas obras de intervenção para adaptação do espaço à atividade, pouco tempo depois começou a haver problemas nos espaços comuns”
Ora, de acordo com a prova testemunhal, nomeadamente, pelo administrador do condomínio foi possível verificar que a existência de infiltrações remontava pelo menos ao ano 2015 e que tinha consequências nas partes comuns, sendo a origem do estabelecimento comercial do A.
Na verdade, o que se observa de acordo com a prova produzida é que as infiltrações terão tido origem num período muito anterior ao da instauração da ação judicial pelo A., colocando em crise a tempestividade da ação relativamente ao prazo de 3 (três) anos da responsabilidade extracontratual.
Pois não foi de todo possível determinar a data em concreto em que se iniciaram as infiltrações, sendo que, as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento relataram que os danos no pavimento de madeira eram visíveis desde a inauguração do restaurante.
Miguel …….
“10:59 na altura não tínhamos conhecimento dessa caleira, nem que existia isso ali.
11:06 em relação à ravina, basicamente temos ali um grande monte que enfim nota-se só de ver que ali trata-se de uma grande esponja que ali acumula água e que se não houver um sistema de drenagem de água … é muito difícil conter aquelas águas? Confirma isso?
11:34 Confirmo, acho que ali foi já uma tentativa de recurso que deve ter acontecido na zona de construção, não estavam a contar que aquilo estivesse tao alto e que existisse tanta água mas é possível ver que a curto prazo e a longo prazo ali vão surgir muitos problemas devido a essa infiltração de água. É muito difícil conter a água quando existe uma presença, acho que ali vai haver sempre um problema”
Tomás ……..
01:13 Fui a segunda pessoa a comprar casa ainda em planta.
No dia 28 de dezembro de 2007 recordo-me porque a escritura foi nesse dia e comecei por habitar logo no dia a seguir e foi a minha primeira casa.
03:05 a loja onde está o restaurante era um stand de vendas, tinha paredes pintadas e rebocadas, tinha inclusivamente um chão feito
04:20 em que ano surgiu o restaurante?
04:23 olhe a minha filha nasceu, o meu filho nasceu em 2012 e a minha filha nasceu em 2015 e lembro-me de ir à inauguração do restaurante em 2016 ela ainda estava no ovo.
05:08 antes da inauguração não havia notícias de infiltração.
Inês ……. 01:30 eu e o meu marido temos dois lugares de estacionamento, eu estaciono o meu veículo no piso -1 e é o imediatamente abaixo do restaurante 02:02 é a senhora testemunha que está atualmente impedida de utilizar o lugar? 02:03 exatamente é o meu lugar 06:28 eu tenho esta fração, comprei em dezembro de 2007 e passei a habitar em setembro de 2008. Até o restaurante ter ocupado esta fração por cima do lugar de garagem tinha um tubo gordo, quando o restaurante foi para lá em 2015/2016 surgiram novas tubagens quer em cima do meu lugar de garagem, quer em cima do lugar ao lado do meu. 07:59 há uma nova tubagem do restaurante que vem ligar ao tubo grande que já existia 08:57 como condómina teve conhecimento da existência de infiltrações no restaurante? 08:59 sim 09:07 o restaurante veio invocar perante o condomínio de infiltrações através de uma carta a invocar essa situação e isso foi por volta de março/abril de 2018. 09:55 num momento anterior, janeiro de 2018 aconteceu-me uma situação exatamente semelhante no meu lugar de garagem e interpelamos a administração. Vejam o que se passou com o restaurante. Foi nessa altura que o condomínio que foi verificar o que se passa. Mas é nessa altura que o restaurante vem dizer que havia danos no pavimento. 11:53 e aquilo que eu tinha visto já no restaurante na altura não dei relevância nenhuma, porque no ano anterior por volta de outubro de 2017 fui ao restaurante uma ou duas vezes me alertaram. 12:44 íamos ao Amaterasu porque era o mais perto e numa dessas idas até foi um amigo do meu marido que comentou que o chão estava danificado e o chão ter problemas e era ali uma zona perto do bar, casas de banho. o aspecto do chão era de um chão de ondulação típica que tinha problemas de água, era um chão de madeira. Tinha mancha de água. Voltei a pensar no assunto porque quando foi recebida a carta, mas era certa que o problema já existia antes. Em outubro de 2017 já existia problemas no chão.
Ora, nos autos não foi possível determinar com certeza desde quando é que as infiltrações ocorriam e que levaram à existência de danos no estabelecimento comercial do A.”
Posto isto, o recorrente passa a discorrer sobre a teoria finalista da acção e o ilícito negligente e ainda a teoria do risco permitido para efeitos de imputação do resultado à conduta do agente, ao que dedica quatro páginas das suas alegações (da página 5 à página 8).
Só então passa a analisar a prova pericial produzida em conjugação com os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em sede de audiência final, para concluir que existiram diversos factores concorrentes para a produção dos danos em causa nestes autos, concluindo pela necessária consideração como não provados dos factos descritos nos pontos 65., 66., 73. e 76.:
“Verifica-se, no caso concreto, uma multiplicidade de causas dos danos.
De acordo com a prova pericial e que se passa a citar “existiram 3 fases de obra, sendo a primeira a construção do edifício, a segunda as remodelações da Autora com remodelação do espaço, aplicação de novas tubagens de drenagem e construção de cozinha de modo a exercer a sua atividade comercial e por fim as recentes do condomínio com limpeza de caleiros e colocação nos adjacentes ao espaço da autora 4 novos tubos verticais de drenagem com uma secção de 70mm, como reforço”
De igual modo, em resposta ao quesito n.º 5 do relatório pericial saliente-se que “Não consegue aferir com total isenção a equipa de peritagem se os detritos encontrados especificamente na zona de caleiro anexa ao espaço da autora (piso 0) e que foram causa do entupimento do tubo vertical, foram originados pelas obras efetuadas pela abertura de roços para introdução de tomadas da rede elétrica na cozinha da autora ou se já provinham da obra original, situação que foi possível verificar noutras zonas e noutras caleiras ou até se ambas as situações são válidas. Na data da visita confirmou-se que existiam detritos na referida zona coincidentes com detritos de obra (restos de inertes e argamassas).”
Ainda em resposta ao quesito n.º 7 “7 – Averigúe e esclareça se ocorreu alguma obstrução nas caleiras existentes no piso onde funciona o estabelecimento da Autora, bem como no tubo por onde escorrem as águas da mesma caleira, qual a causa da obstrução e se foi realizada obra para reparar essa obstrução. R: De acordo com imagens dos documentos constantes dos autos, terá existido uma obstrução da tubagem de drenagem vertical na zona da cozinha da autora causada por restos de obra (inertes, argamassas e restos cerâmicos). Estes restos de obra podem ter origem na fase de construção assim como é também admissível que tal obstrução tenha sido agravada com alguma eventual projeção de restos de obra fruto da abertura de roço em fase da construção da cozinha pela autora.”
Ainda de acordo com os esclarecimentos prestados pelos peritos em sede de audiência de julgamento cumpre salientar o seguinte:
“04:51 este edifício a este nível pela parte de trás está francamente enterrado é uma encosta muito acentuada e segundo aquilo que vimos na camara, haverá grandes linhas de água nessa zona.
A encosta está na parte inferior e a parte de trás do restaurante está totalmente enterrada, bem como os pisos inferiores. Na parte de trás o que vimos é que este edifício é quem apanha mais água de infiltração.
Essa água vem de onde? Vem da terra e circula no terreno e quando vê um obstáculo, a muralha tenta furar, mas já estava previsto que assim fosse.” […]
Ora, de acordo com a prova testemunhal e prova pericial observa-se no caso em apreço uma multiplicidade de causas para a existência de danos no pavimento do estabelecimento comercial do Recorrido, não podendo por isso ser assacada inteira e exclusivamente a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos peticionados ao Recorrente.
No caso sub judice verifica-se a existência de diversos fatores concorrentes para a situação dos danos, concretamente, a conduta do lesado que omitiu por diversos anos a existência de danos no pavimento; a conduta ainda do lesado relativamente à realização de obras no interior do estabelecimento comercial e que afetaram diretamente a zona das caleiras e contribuíram para a sua obstrução; o facto de o prédio se inserir abaixo de uma ravina e que permite a acumulação anormal de águas que desaguam no edifício, apesar da existência das muralhas de contenção e da conservação e manutenção de obras pelo Condomínio.
“Resulta da lei que o princípio na indemnização é o da reconstituição natural (cfr. art.ºs 562/1 e 566/1) e que a indemnização apenas é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2009, disponível em www.dgsi.pt)
Pelo que, se impunha que o Condomínio/Recorrente devesse somente custear o valor do pavimento que existia originalmente no estabelecimento comercial do A., permitindo assim a recolocação de pavimento de madeira e consequentemente verificar-se a reconstituição natural e que resulta da matéria de facto dada como provada, em concreto o facto n.º 87 (87. André ….. Lda apresentou ao R. o orçamento junto como doc. 2 a fls. 126 onde apresenta o valor de 9723€ com IVA incluído, para feitura da obra de substituição do pavimento do restaurante da A. por pavimento flutuante similar)
O que não veio a ocorrer por iniciativa do A./Recorrido que, unilateralmente, veio a proceder à colocação de um pavimento de mosaico, o que necessariamente, atendendo ao tipo de material e método de colocação, encareceu o valor e que é imputado ao Recorrente.
Assim, o Tribunal a quo em face da prova produzida, sempre deveria ter dado como provado, que não se encontravam preenchidos os pressupostos para a verificação da responsabilidade extracontratual no sentido de que mais do que uma causa externa à ação ou omissão do Recorrente contribuiu para a existência dos danos verificados.
“O vício da decisão a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do NCPC (2013) – contradição entre os fundamentos e a decisão – existe quando a fundamentação de facto ou de direito aponta para um sentido, que lógica e formalmente não é comportado pela decisão, estando com ela em frontal colisão, tornando-a incoerente e ininteligível.” (Cfr. Acórdão do STJ de 12/12/2014)
Ora existindo uma multiplicidade de causas concorrentes entre si para a produção do dano incumbia ao Tribunal a quo avaliar se o prejuízo peticionado seria devido inteiramente pelo Recorrente ou tal como ocorreu quanto aos lucros cessantes condenar de forma genérica, remetendo a concretização dos danos para sede de incidente de liquidação.
Em face do acima exposto, salvo melhor e douta opinião, deverá ser revogada a sentença recorrida e como tal não serem considerados procedentes como provados os factos n.º 65, 66, 73, 76.”
Como decorre da alegação do apelante, este insurge-se contra a sentença recorrida e contra a convicção formada pelo Tribunal a quo, sustentando que este não atendeu cabalmente às provas produzidas e pugna pela modificação da decisão recorrida com base num argumento chave que é o de que terá existido uma concorrência de causas para a produção dos danos verificados no estabelecimento comercial da autora/recorrida e que identifica do seguinte modo:
1) O lesado, a aqui recorrida, omitiu por diversos anos a existência de danos no pavimento;
2) A realização de obras pela autora no interior do estabelecimento que afectaram directamente a zona das caleiras e contribuíram para a sua obstrução;
3) O prédio estar inserido abaixo de uma ravina, que permite a acumulação anormal de águas que desaguam no edifício, apesar da existência das muralhas de contenção e da conservação e manutenção de obras pelo condomínio.
Sucede que a posição que o recorrente carreia para os autos quanto à identificação dos factores que, no seu entender, concorreram para a produção dos danos assume um cariz manifestamente genérico, não concretizado e sem cumprimento do ónus de impugnação que a lei lhe impõe, conforme supra expendido.
Na verdade, não obstante invoque as declarações prestadas por Hugo … e os depoimentos das testemunhas Miguel P… e Inês A…, com transcrições de excertos de tais depoimentos, fica-se sem se perceber o que pretende o recorrente demonstrar, pois que nada aduziu nesse âmbito. Não indicou quais os factos que pretendia demonstrar com tais meios de prova, ou aqueles que, tendo sido dados como não provados, deveriam resultar provados e tão-pouco indicou factos que, tendo sido alegados, não tenham recebido qualquer pronúncia por parte do tribunal recorrido.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018, relator Jorge Teixeira, processo n.º 123/11.0TBCBT.G1:
“Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
De igual modo, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012, relatora Brízida Martins, processo n.º 245/09.8GBACB.C1, refere-se que “O recorrente que queira impugnar a matéria de tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Neste caso, o recorrente não se propôs efectuar tal concretização, ao menos no que diz respeito à matéria de facto que pretenderia ver respondida de modo diverso ou inovatoriamente introduzida no elenco factual e sobre a qual o tribunal recorrido não se tivesse pronunciado, convocando agora diversos factores que, segundo a sua óptica, terão contribuído para a verificação dos danos sem que especifique quais os factos atinentes que foram alegados nos articulados e não obtiveram pronúncia por parte da 1ª instância ou que, obtendo-a, foram incorrectamente julgados.
Aliás, o recorrente aponta factos que deveriam ter sido julgados introduzindo factualidade que nem tinha sido alegada antes, como seja, a existência de infiltrações desde o ano de 2015 (na sua contestação, o réu alegou que a existência de infiltrações no pavimento seria pública e notória, pelo menos desde o Verão de 2017 - cf. artigos 39º, 43º, 67º e 76º) e a existência da ravina que, apesar da conservação e manutenção de obras pelo condomínio, leva à acumulação anormal de águas.
Ora, é sabido que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cf. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, relator Gonçalves Rocha, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 – “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”.
Veja-se ainda, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2019, relator Carlos Castelo Branco, processo n.º 1100/18.6T8STB.L1-2:
“Ora, como é sabido, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas […]
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso. “A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES). […]
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que, alegadamente, foram erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos alegados pelas partes, quer os que constituem a causa de pedir, quer aqueles que sustentam as excepções invocadas (e sem prejuízo do disposto no nº 2 do art.º 5º do Novo Código de Processo Civil).
Na realidade, é no confronto do elenco de factos provados e não provados com os factos alegados pelas partes que o recorrente que pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto deve dar cumprimento à exigência de especificação acima referida, indicando cada um dos concretos pontos de facto que, sendo integrantes da causa de pedir ou de cada uma das excepções alegadas, mereciam decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, e sob pena de rejeição dessa impugnação.”
Ora, no que concerne à matéria inovatoriamente introduzida pelo recorrente nas suas alegações quanto aos factores que hão-de ter contribuído para a verificação dos danos, não foi feita qualquer indicação dos factos que terão sido erradamente julgados ou que, tendo sido alegados, não receberam pronúncia por parte do tribunal recorrido ou sequer, em última instância, não alegou que tenham aqueles resultado da instrução da causa e deles se pretenda prevalecer, sendo certo que, nessa sede, não foi efectuado o mínimo esforço concretizador, não competindo a esta Relação exercer qualquer tarefa de adivinhação sobre qual seja a pretensão do recorrente, para além do que, por essa via, sempre resultaria afectado o exercício do contraditório por parte da recorrida.
Como tal, não tendo sido cumprido, nesta parte, o ónus decorrente do disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, tal determina o não conhecimento do objecto do recurso, no que tange à impugnação da matéria de facto em questão, ou seja, aquela a que se refere o ponto 5. das conclusões.
Quanto ao mais, considerando que no ponto 6. das suas conclusões o recorrente deixou expresso aquilo que pretendia ver dado como não provado – os factos descritos em 65., 66, 73. e 76. –, para além de na motivação do seu recurso ter analisado a prova pericial que, no seu entender, deve conduzir a tais afirmações e negações fácticas, e fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade, por se considerar ser ainda possível reconhecer um mínimo cumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto, tanto mais que a sorte do recurso depende, precisamente, da modificação da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, impõe-se reapreciar os aludidos factos descritos nos pontos 65., 66, 73. e 76., tidos como objecto da impugnação. Pontos 65., 66. e 73. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte: 65. Na parte 3. relativa às conclusões “Após as verificações das circunstâncias existentes nas diferentes zonas no muro de contenção posterior e parte da lateral do edifício pode constatar-se que existem deficiências na sua execução quer na continuidade da muralha na melhor estanquicidade da mesma, quer posteriormente na “recolha” e encaminhamento das águas que se infiltram pela estrutura de betão do muro de contenção posterior. Esta situação ocorre sobretudo nesta parede do fundo e parte lateral do bloco 4 e 7. Ao contrário do que acontece nas restantes paredes limites aqui as caleiras apresentam deficiências na sua dimensão, regularidade, impermeabilização e dimensionamento nas furação entre pisos que entopem com facilidade face á acumulação de calcário e sedimentos, o que origina a infiltração das águas pelas lajes e betonilhas dos pisos das lojas e consequente pingar nos tectos da garagem e escorrimentos de águas nas paredes da zona posterior e nos pavimentos junto das mesmas (…) Face ao exposto e à impossibilidade de uma intervenção “de fundo” para uma impermeabilização exterior da estrutura é aconselhável proceder a uma optimização da recolha e encaminhamento das águas que se infiltram pela estrutura e assim minimizar os danos e impactos causados pelas infiltrações. Sugere-se que seja ainda suavizado o perfil do talude, sobretudo na parte superior que sejam refeitas as caleiras de recolha e encaminhamento das águas pluviosos e ainda seja consolidado o solo para diminuir os deslizamentos do solo..”.
66. As infiltrações e humidades verificadas nas betonilhas e pavimento da sala principal do restaurante referidas em 19. foram causadas por infiltrações de água na zona da muralha com escorrências na parede vertical com origem em possível linha freática a montante, assim como infiltrações nas zonas das caleiras periféricas que recolhem as águas.
73. originava o enchimento das caleiras e trasvazar dos seus limites, e a infiltração destas águas pela laje e betonilhas do piso e pavimentos do restaurante e consequente alastramento até às zonas referidas em 19. e pelos tectos da garagem e arrecadações dos pisos -1 e -2.
E fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“O tribunal assentou a sua convicção na análise critica e conjugada do depoimento das testemunhas e declarações das partes prestados em audiência de discussão e julgamento, da prova documental junta aos autos bem como dos relatórios periciais e esclarecimentos dos Srs. peritos, de acordo com as regras da experiência comum e juízos de normalidade.
Concretizando […]
Para prova dos factos 56 a 65 e 75 o tribunal teve em conta o doc. junto a fls. 109 a 125. […]
Para resposta aos factos provados 9, 10, 36 a 39, 66 a 78 e 90 a 99 o tribunal teve em conta:
- o relatório pericial conjugado com os esclarecimentos dos Srs. Peritos prestados em sede de audiência.
Os Srs. Peritos em sede de audiência explicaram a localização, implantação e características do edifício, explicando que o restaurante vai desde a parte da frente até ao tardoz, que nesta parte está enterrada. Atrás vê-se que o edifício em causa é o que apanha mais água que circula no terreno e ao encontrar a muralha (muro de suporte de terras que engloba os três pisos e de estrutura do edifício) tenta furar.
Na construção do edifício foi feita uma parede dupla: uma segunda parede com uma caleira e uma outra parede que estaria seca (parede dupla e no meio no chão é feita uma caleira com uma inclinação), com um tubo vertical.
Explicam que os pisos zero, -1 e -2 estão enterrados na parte traseira. No piso do restaurante ao nível da laje do chão, no piso -1 ao nível da laje do chão e no piso -2 ao nível da laje do chão foram colocadas caleiras. As caleiras são difíceis de limpar., têm 10/15cm, onde caiem restos de construção e normalmente não estão limpas e havia poucos tubos para drenar a água.
O tubo ficou obstruído então a caleira transbordou e veio para o pavimento, foi o que aconteceu.
Nos pisos inferiores do -1 e -2 também corre água pela parede interior. Devido a isso no interior das duas garagens meteram um perfil metálico, uma espécie de segunda caleira nos pisos da garagem e que tem sinais de ter tido muita água a correr, por estar corroído.
Segundo lhes disseram terão sido executados roços no restaurante para a eletricidade e pode ter havido de algum dos roços mais lixo para dentro da caleira, mas tal é uma causa eventual, muito hipotética, e pouco expressiva; e se existiu, não é significativa, não é relevante e estão todos os peritos de acordo quanto a isso.
Viram detritos de origem da construção. O prédio tem 12 anos. Mesmos nos pisos inferiores viram os detritos da construção activos e por isso o estacionamento continua a ser inundado.
Viram duas outras infiltrações: uma numa tubagem responsabilidade das partes comuns e outra da responsabilidade do restaurante, relativa a rotura de águas domésticas do lavatório.
Mais esclareceram a resposta ao quesito 4.º ao nível do último parágrafo e que iriam corrigir por escrito.
Esclareceram que os detritos que visualizaram são de origem da construção da obra inicial e que reduzem a velocidade de escoamento. Também podem solidificar calcários e inertes da própria muralha e que acumulam massa e que agrava a drenagem e, com o tempo, a tendência era as caleiras ficarem cada vez mais obstruídas.
Explicaram que obras foram realizadas pelo condomínio para debelar a situação e para que os tubos não transbordem com facilidade, relativas com limpeza de caleiros e colocação nos adjacentes ao espaço da autora 4 novos tubos verticais de drenagem com uma secção de 70 mm, como reforço com mais do dobro do anterior ficando com 10x mais capacidade de escoamento da caleira. Garantem que um só tubo, como estava, naquela situação, em que é sistemática a água, é insuficiente. O grande problema está na insuficiência dos tubos e no lixo nas caleiras.
Nos pisos -1 e -2 também as caleiras têm depósitos que diminuem a drenagem das caleiras e causa infiltrações.
Para prova desses mesmos factos 9, 10, 36 a 39, 66 a 78 e 90 a 99 o tribunal teve ainda em conta o depoimento das seguintes testemunhas:
-Miguel ….., engenheiro civil que fez obra de beneficiação do restaurante há ¾ anos pela Construções Al..., Lda. cujo depoimento relevou ainda para prova dos factos 15 a 18. Explicou quais as obras que foram realizadas pela A. de adaptação da fracção para restaurante. Que foi aplicado revestimento nos pavimentos, tectos falsos, revestimentos nas paredes, redes de águas e esgotos, electricidade, pinturas, portas interiores. Foi feita uma zona de lava loiças na cozinha, rede de águas, uma casa de banho do lado direito, casa de banho do lado direito, sanita e lavatório. Os esgotos foram ligados a prumadas existentes. A A. foi notificada em 20/03 que havia pingos de água e a sua empresa foi ao local. Numa primeira fase fizeram testes de pressão á agua e não existia fugas. Foram à garagem e viram escorrer água na zona da tubagem comum da coluna de água comum. Escorria por fora do cabo. Na garagem a água onde pingava não era do local onde tinham feito intervenção. Diz que na altura da obstrução das caleiras não esteve no local pelo que não pode verificar se resultava de restos de obras do restaurante. Fizeram intervenção furando a laje para fazer as ligações de água com tubagem PVC. Foi-lhe exibido o relatório de fls. 75 e ss. Fez o relatório de visita da Construções Al..., Lda. de fls. 27 ss. Refere que o restaurante está no piso 0 e tem garagens no -1 e no -2.
Diz que viu água a escorrer em dois locais na garagem -1 um por baixo das casas de banho no tubo comum escorria água por ele. Está à vista no tecto da garagem à vista. Não sabe de onde vem a água. Mas a água não saia da canalização, escorria por fora do tubo.
-Nuno ……, cujo depoimento relevou ainda para prova dos factos 49 a 55. engenheiro civil, que fez o relatório técnico em 2018, trabalhando para empresa ..., Lda., e que foi contratado pelo Sr. Nuno …... Deslocou-se ao local em Junho de 2018. Foi 3x. ao estabelecimento de restaurante e ao piso -1, com o administrador do condomínio e com o zelador do prédio o sr. Edgar …. Foi lá a pedido da A. . Numa 1.ª fase fizeram um conjunto de despistes, ensaios e foram ao piso -1 não havia fugas no reabastecimento de água nem na rede doméstica nem no ar condicionado. Verificaram uma infiltração na zona técnica do piso -1. Viram a caleira cheia de água obstruída e com resíduos de construção. As caleiras não tinham pendentes não estavam impermeabilizadas e deixavam entrar água para dentro do edifício. Todos chegaram á mesma conclusão. Diz que o problema é estrutural. Quanto às infiltrações na zona técnica do -1 que vinha do tecto do piso -1 e fachada exterior do prédio, a água escorria na zona técnica do piso -1. Havia um pingar no tecto do piso -1. Esclarece que colocou corantes na água do abastecimento para ver se havia fugas e não se confirmou. As caleiras situam-se ao nível da laje do restaurante entre a parede interior do restaurante e a parede exterior que se destina à drenagem periférica. É uma caleira de drenagem periférica do interior do prédio que faz parte do prédio. Essa caleira estava cheia de água, tinha detritos e não estava impermeabilizada; havia nascentes de água em bica a bater na parede do restaurante. A água caía na caleira, infiltrava-se nas betonilhas causando danos no pavimento do restaurante e no piso -1.
Na altura tomaram medidas preventivas; limpou-se toda a cadeira, tirou-se a água, os detritos eram argamassas, restos de tijolo. A caleira é feita de argamassa. Devia ser impermeabilizada. Foi construída na origem do prédio. A origem da água são as bicas de água e não havendo escoamento a mesma infiltra-se para o interior. O tubo de queda da caleira tinha um buraco estreito, havia falta de escoamento no tubo de queda da caleira. Não havia drenagem vertical. Observou na fachada exterior eflorescências e criptâncias e na parede interior. Na parte exterior, na zona de escada. Essa água provém do exterior. Existe má impermeabilização da parede. A origem é a entrada de água na caleira a qual está obstruída e não está impermeabilizada. Havia bicas de água em zona lateral que dá para o morro lateral.
- Edgar ….., cujo depoimento relevou ainda para prova dos factos 26 a 32, 44 e 56 a 65, arquitecto prestou serviços para o condomínio de pesquisa e origem das infiltrações, tem uma empresa André …., Lda., foi confrontado com o doc. de fls. 109 e ss (doc. 1 junto pela R.) tendo confirmado o relatório, que foi feito por ele em nome da sua empresa. Diz que as infiltrações vêm da muralha que retém a água. Caleiras obstruídas com argamassas de cimento e areia. Impermeabilizou a caleira e estancar furos da muralha/morro para minimizar a saída de água.
Diz que quem instalou tomadas abriu um roço, deixou entrar argamassa de cimento e areia no buraco e ajudou a entupir a caleira. As infiltrações advêm da obstrução e enchimento da caleira. Confirma as conclusões do seu relatório. Diz que foi a semana passada ao prédio e viu infiltrações na garagem para o piso -1, pingava água do tecto da garagem na altura não conseguiu determinar a origem da infiltração, mas tudo indica que será de esgoto. Não havia águas a vir da muralha. O esgoto da cozinha do restaurante. Diz que chegou a haver fuga de água da canalização do restaurante porque caia água e arroz. Essa situação foi debelada. Diz que o restaurante estava encerrado por sua iniciativa e estava a fazer a obra de substituição do pavimento, que diz que 7 dias para o fazer parece-lhe pouco.
Fizeram a sua intervenção também nessa altura nas caleiras, a fazer a desobstrução. Os danos no piso do restaurante causados pelas águas que vinha da caleira obstruída. Limparam a caleira. Abriram a parede na zona da copa. Não havia dúvidas que as águas vinham pela muralha.
Diz que na altura viram que a empresa que estava a fazer obras estava a obstruir a caleira com argamassas, mas foi tudo limpo.
Diz que na altura do depoimento estavam a ocorrer infiltrações mas não chegou a detectar a origem porque no restaurante não foi permitida a entrada.
Esteve em duas assembleias. Na última a sua posição haveria obstrução da caleira que transbordou e infiltrou-se e danificou o pavimento do restaurante.
-Hugo …… representante legal da Fiscalhouse que faz a gestão do condomínio do prédio em causa fazendo a administração há 10/11 anos, sendo gestora do condomínio a Marisa …... Diz que os problemas começaram a surgir com a abertura do restaurante em que foram feitas obras de adaptação do espaço a restaurante. Começaram a aparecer infiltrações no lugar de garagem do Sr. António ….., condómino. O restaurante fez obras e colocaram tubagens no tecto da garagem. Foram feitas obras de canalização, casas de banho e cozinha do restaurante, que não existia, ligações que não foram bem feitas. Duas tubagens de águas sujas no tecto da garagem que vem do restaurante. Todas as tubagens deram origem a infiltrações. Em 2016, 2017 e 2018. Diz que as tubagens foram mandadas arranjar pelo proprietário do restaurante. O problema que existiu de infiltração para o -1 veio das obras feitas pela A.. Restos de obra feita pela A. entupiram a caleira que faz a contenção das águas. Pode ter-se infiltrado no prédio no restaurante. Confirma a substituição do piso no restaurante. Existem lençóis freáticos da ravina, as paredes de contenção o prédio a nível da caleira interna. A A. fechou o restaurante para fazer obras. Confirma que o condomínio recebeu uma missiva da A. a pedir pagamento de quantia. Não pagaram porque não sabem a origem da infiltração. Houve infiltrações no restaurante. Foram feitas vistorias. Da parte do condomínio não se chegou a conclusão da origem as infiltrações. O condomínio tentou perceber a origem. O condomínio fez o aumento dos furos das caleiras. Tem informação que os tubos executados pelo restaurante para o -1 e -2 foram feitas furações e foi detectado numa caixa de visita visualizou novamente, massas e restos de intervenção na caleira, correndo o risco de novo entupimento. Fizeram na cozinha canalizações de água e de esgotos. Em fevereiro e março de 2016. Um dos condóminos António que tinha um lugar de estacionamento foi dizer-lhe que estava a pingar água no lugar dele e havia, ele disse que aquelas canalizações já estavam de origem na loja. Diz que existe uma caleira na separação entre a parede do restaurante e do prédio. Chamaram três empresas para fazer peritagem e depois chamaram o perito Eng.º Miguel ….. que explicou o que se passava e de onde a água estava a vir. a água vinha do exterior, uma cascata que vinha pela parede. O condomínio abriu 3 buracos na cozinha e dois no pessoal, para a água escoar. A caleira tinha água corrente sempre tipo cascata, retiraram a água toda. Tinha muita altura de água. A caleira não era lisa, a água estava estagnada e só um ponto de escamento.
-Bruno ……, legal representante da A., explicou o tipo de obras que foi feito na fracção para a adaptar a restaurante. Fizeram uma casa de banho na zona do pessoal, A água infiltrava-se o piso de madeira da sala começou a apodrecer. Colocaram então chão de cerâmica porque não iam arriscar a por de novo madeira. A solução de cerâmica é mais cara que a madeira. A obra custou €18/19 mil euros. Tiveram despesas com a retirada dos móveis para se poder fazer a obra. Não aceita que tenha sido das obras no restaurante. Tentaram chegar a um acordo.
Tentaram chegar a um entendimento com o condomínio. Existe uma infiltração activa da parede actualmente.
-Marisa ……., que trabalha na empresa que gere o condomínio como gestora de cliente, que confirma que foi feita uma reclamação do inquilino do restaurante. O Mandatário chegou a estar numa assembleia. Houve apresentação de propostas. Foram as situações expostas em Actas. Confirma que existem infiltrações no -1 e a dificuldade de usar alguns lugares de garagem (Sra. Inês e Sr. Rui …). Houve uma obra de colocação de um tubo pelo restaurante que atravessa a placa entre o piso 0 e o -1. Teve conhecimento do relatório do Arquitecto Edgar. Refere que o seguro das partes comuns foi feito após esta situação.
-Tomás ……., engenheiro civil condómino, foi a 2.ª pessoa a comprar casa, comprou a fracção n. º6, 5.º dt., em planta e foi para lá viver em 2007, foi a todas as reuniões de condomínio, com excepção de uma, a loja onde está o restaurante era o stand de vendas da Somague construtora que nunca tinha tido qualquer infiltração. O restaurante surgiu em final de 2016. Foi à inauguração do restaurante. Há uma parede de contenção de um talude e o restaurante queixou-se do chão levantado e que seria por causa da água.
Confirmou a existência de água a cair nos lugares de garagem a pingar dos canos que pinga quer chova quer não chova diz que vinham também detritos de comida, (arroz) mas ele não viu. Viu lá um caixote a aparar a água. Passa por lá todos os dias. A água bem dos canos que estão por cima dos lugares de garagem.
O restaurante adaptou a loja. Diz que não houve autorização para a colocação dos canos pelo restaurante.
Diz que esteve na assembleia em que esteve o mandatário do A., e propor um acordo, proposta que foi rejeitada, porque não sabiam de onde vinham as infiltrações. Viu relatório do Eng.º Edgar. O condomínio para aferir a situação tentou fazer uma vistoria, mas o restaurante não deixou entrar no restaurante.”
O réu/apelante sustenta a modificação da decisão recorrida com base no argumento de que terá existido uma concorrência de causas para a produção dos danos verificados no estabelecimento comercial da autora/recorrida – a omissão pela lesada da existência de danos no pavimento, a realização de obras pela autora no interior do estabelecimento que afectaram directamente a zona das caleiras e contribuíram para a sua obstrução e a existência de uma ravina, que permite a acumulação anormal de águas que desaguam no edifício - e pretende, desse modo, que se dêem como não provados pontos 65., 66., 73. e 76., que identificam a causa das infiltrações ocorridas no pavimento do restaurante da autora/apelada como sendo a água existente na zona da muralha, que é recolhida na caleira, que devido às deficiências que apresentava (cf. pontos 70. a 72.) encheu e trasvazou, invadindo as zonas descritas no ponto 19. da matéria de facto.
Para tanto louva-se na prova pericial produzida nos autos e esclarecimentos dos senhores peritos, que identificaram três fases de obra - a construção do edifício, as remodelações feitas pela autora, com aplicação de novas tubagens de drenagem e as obras efectuadas pelo condomínio para limpeza das caleiras e colocação de novos tubos verticais de drenagem – e afirmaram não conseguirem determinar se os detritos encontrados na zona da caleira e que causaram o entupimento do tubo vertical foram originados pelas obras iniciais de construção ou pelas obras feitas pela autora, para além de referirem a existência da ravina, com grandes linhas de água, que origina as infiltrações no edifício.
A recorrida sustenta que ficou provado exactamente o oposto daquilo que o recorrente ora vem alegar, conforme a adenda ao relatório apresentada pelos senhores peritos e onde afirmam que os detritos que originaram o entupimento são da obra de construção inicial, para além do facto de a testemunha Miguel …. ter referido que as obras de remodelação que executou no restaurante não implicaram quaisquer perfurações da parede, pelo que não podiam ter contribuído para os detritos existentes na caleira; mais refere que a testemunha Nuno … esclareceu que as caleiras não tinham pendente, não estavam impermeabilizadas e que por essa razão permitiam a entrada de água para dentro do edifício, o que aliás também foi referido pela testemunha Edgar ….
O ponto fulcral que cumpre dilucidar é precisamente saber se a prova produzida permite a conclusão vertida nos pontos 66. e 73. (este necessariamente em conjugação com os pontos 67. a 72. que antecedem a afirmação nele vertida), ou seja, a de que os danos identificados no pavimento do restaurante da apelada foram causados pelas infiltrações de água decorrentes da acumulação de água na caleira periférica, que, por deficientemente executada, conduziu ao entupimento do tubo de escoamento, causando o transbordo, levando a que a água invadisse e alastrasse pelo pavimento.
Em primeiro lugar, no que ao ponto 65. diz respeito não proceder a pretensão do recorrente, porquanto, como facilmente se percebe, desde logo pela fundamentação do tribunal recorrido quanto à sua demonstração, aquilo que ali foi vertido cinge-se a uma transcrição parcial do teor do documento de fls. 109 a 125, que corresponde ao documento n.º 1 junto com a contestação e constitui o relatório, com data de 15 de Junho de 2018, elaborado pela empresa André…, Lda. – ar... Arquitectura e Gestão de Projectos, na sequência de vistoria solicitada pela autora e em que participou, para além dessa empresa, a empresa ..., Lda. (cf. ponto 50. da matéria de facto).
Trata-se, pois, da reprodução do texto das conclusões vertidas no ponto 3. desse relatório, pelo que desse ponto nada mais se retira para além daquelas que foram as conclusões da análise efectuada pela entidade subscritora do relatório. Tal facto vale por si e poderá corroborar ou não a conclusão vertida no ponto 66. dos factos provados, não podendo, contudo, ser colocada em crise aquela que foi a percepção do autor do relatório ali expressada, independentemente de ser ou não correcta.
Mantém-se, pois, inalterado tal ponto.
Para a determinação da origem e causa das infiltrações que vieram a provocar os danos no pavimento do restaurante da autora/recorrida importa ter presente que foram carreados para os autos, pelas partes, quatro relatórios distintos, tal como se pode aferir da factualidade provada e não impugnada:
1) Relatório elaborado pelo Eng.º Miguel ….., da empresa Al... Construções, Lda., com data de 3 de Abril de 2018 (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial), onde foram identificados dois focos de infiltrações na rede de águas e/ou de esgotos, concluindo-se que se localizam em zonas não intervencionadas nas obras de instalação do restaurante em 2016, executadas pela própria empresa, mas sim em instalações de água e/ou esgotos executados na construção do edifício (cf. pontos 16. a 18);
2) Relatório elaborado por Edgar ….., arquitecto, da empresa André ….. - ar... Arquitectura e Gestão de Projectos, com data de 21 de Maio de 2018 (cf. documento n.º 11 junto com a petição inicial – cf. Ref. Elect. 14427345 de 29-03-2019), onde, após inspecções efectuadas entre Março e Maio de 2018 aos edifícios que integram o conjunto de condomínios naquele local, se refere terem sido constatadas deficiências de execução do muro de contenção posterior e parte da lateral do edifício, em termos de estanquicidade e deficiências na dimensão, regularidade e impermeabilização das caleiras e dimensionamento na furação entre pisos, mas, no que diz respeito às humidades no pavimento flutuante do restaurante e infiltrações no tecto da garagem no piso -1, refere-se não ter ligação com as infiltrações pela muralha, quer pela sua posição quer pela sua ocorrência existir sem períodos de não chuva, com a mesma intensidade, sendo necessário proceder a pesquisas complementares para a determinação da causa (cf. pontos 26. a 32.);
3) Relatório elaborado por Edgar ….., arquitecto, da empresa André ….. Arquitectura e Gestão de Projectos, com data de 15 de Junho de 2018 (cf. documento n.º 1 junto com a contestação), após nova intervenção, designadamente, abertura na parede dupla da cozinha do restaurante para verificação do estado da caleira e da muralha, refere-se ter sido detectada água abundante no seu interior, que foi aspirada e limpa dos resíduos existentes, verificando-se que a saída estava obstruída, concluindo que as humidades verificadas nas betonilhas da sala principal do restaurante e nos tectos da garagem advêm principalmente de uma obstrução na saída da caleira da parede dupla, na zona da cozinha do restaurante, que levou ao enchimento da caleira e trasvazar dos seus limites e consequente alastramento até ao pavimento da sala, concluindo pela impossibilidade de intervenção de fundo para uma impermeabilização exterior da estrutura, propondo uma optimização da recolha e encaminhamento das águas e que sejam refeitas as caleiras de recolha e encaminhamento das águas pluviais no talude e consolidado o solo (cf. pontos 49., 50. e 56. a 65.);
4) Relatório elaborado pelo Eng.º Nuno …., da empresa ..., Lda., com data de 5 de Junho de 2018 (cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial – cf. Ref. Elect. 14427619 de 29-03-2019), que após descrever as diligências tomadas, concluiu terem sido verificadas infiltrações provenientes da rede residual doméstica na zona dos wc ao nível do piso -1; que em toda a caleira periférica existe, de forma geral, uma linha de água superior a 2 cm, sendo que em alguns casos atingem cotas superiores às cotas altimétricas dos pavimentos interiores, sem que se verifique a existência de possíveis escoamentos necessários de forma a minimizar a entrada dentro do espaço em questão; existem constantemente riachos de água provenientes das muralhas que batem constantemente nas paredes de alvenaria na zona da cozinha, tendo relatado a execução de furos verticais para escoamento da água e aconselhado a impermeabilização da caleira de forma correcta e colocação de conjunto acrescido de tubos de descarga, concluindo que a entrada de água no espaço advém das caleiras periféricas por ausência de impermeabilização e drenagem (cf. pontos 49., 50., 54. e 55.).
Acresce que, conforme oficiosamente determinado pelo tribunal a quo, foi junto aos autos relatório pericial elaborado pelos senhores peritos, indicados pelas partes e pelo tribunal, com data 12 de Dezembro de 2019 e adenda de 18 de Dezembro de 2019 (cf. Ref. Elect. 15988995 e 16026008, de 12-12-2019 e 18-12-2019, respectivamente), sendo certo que os senhores peritos prestaram esclarecimentos em juízo no decurso da audiência final, tornando claras as conclusões a que chegaram sobre a origem/causa das infiltrações e subsequentes danos ocorridos no pavimento do restaurante.
Conforme decorre da transcrição supra efectuada da motivação do tribunal recorrido, verifica-se que este assentou a sua convicção, sobremaneira, no conteúdo do relatório pericial para dar como provados os factos descritos nos pontos 66. a 73. no elenco factual provado.
Conjugada a prova documental, testemunhal e pericial atendida pela 1ª instância, adianta-se, desde já, que não se pode deixar de acompanhar o juízo probatório formulado e as conclusões a que se chegou.
Ainda que o primeiro relatório acima identificado não seja especialmente esclarecedor sobre a origem das infiltrações que se vieram a verificar no tecto do piso -1 e, bem assim, no pavimento do restaurante da recorrida, foi aí afastada a possibilidade de terem sido provocadas pela execução das obras de remodelação do restaurante ou com origem em pontos em que tal intervençãotenha tido lugar.
Por outro lado, tendo o segundo relatório afastado que as humidades no pavimento flutuante do restaurante e infiltrações no tecto da garagem no piso -1 tivessem ligação com as águas advindas da muralha, não deixou de ser inconclusivo ao expressar a necessidade de pesquisas complementares para a determinação da causa. Uma vez efectuadas novas pesquisas, no terceiro relatório, elaborado pelo mesmo técnico, com data de 15 de Junho de 2018, é claramente referido que, inspeccionada a parede dupla situada atrás da cozinha do restaurante para verificação da caleira e da muralha, foi detectada água abundante no seu interior pela obstrução da saída, concluindo-se que as humidades foram originadas por tal circunstância, ou seja, a obstrução da saída de água da caleira, que a fez transbordar permitindo que a água alastrasse até ao pavimento da sala.
O quarto relatório acima identificado corrobora o terceiro, ou seja, identifica a existência de água, de uma forma geral, em toda a caleira periférica, sem o escoamento necessário e suficiente, para além de mencionar constantes riachos de água provenientes da muralha, levando a que a caleira enchesse e transbordasse e a água alastrasse para a zona do pavimento do restaurante.
Daqui se retira que, não obstante a dúvida que ressalta nos autos e é invocada pelo réu/recorrente na sua contestação quanto aos motivos determinantes do mau escoamento da água da caleira e a existência de detritos que poderiam ter decorrido das obras de remodelação realizadas pela autora, certo é que se torna patente, quer em face dos relatórios elaborados a solicitação da autora, quer daqueles que foram executados por solicitação do réu, que a caleira periférica encheu, a água não escoou correctamente por obstrução da saída e daí a infiltração e os danos verificados no pavimento do restaurante.
O recorrente pretende sustentar que os danos não podem ser imputados a falta de conservação ou reparação por parte do condomínio, porquanto também a autora teria contribuído para a sua ocorrência, ao executar obras no espaço permitindo que fiassem detritos depositados na caleira, que impediram o correcto fluir da água e causaram a obstrução da saída.
O relatório pericial é esclarecedor quanto a tal matéria e não existe qualquer outro elemento de prova – que tão-pouco o recorrente convocou (sendo certo que se limitou a aduzir nas suas alegações que a prova testemunhal e pericial apontam para uma multiplicidade de causas, sem indicar a que depoimentos, em concreto, se louva para assim concluir) – que permita afirmar que as obras realizadas a mando da autora aumentaram os detritos existentes na caleira e contribuíram para o seu entupimento.
Na verdade, ao contrário do que o recorrente afirma nas suas alegações - omitindo a adenda ao relatório pericial de 18 de Dezembro de 2019 - no quesito 4º, pelo qual se pretendia saber a origem/causas das infiltrações no pavimento do restaurante e nos pisos -1 e -2, os senhores peritos afastaram uma efectiva contribuição para a obstrução por parte da autora, ou, pelo menos, que a pudessem confirmar.
Certo é que, inicialmente, os senhores responderam o seguinte ao quesito 4º:
“Na visita efetuada os peritos constataram a existência de águas de infiltração na zona de muralha com escorrências na parede vertical e origem em possível linha freática a montante assim como nas zonas dos caleiros que recolhem as águas referidas. Estas águas são visíveis nas zonas de parede dupla do piso 0 (espaço da autora) e nos pisos de garagem -1 e -2.
As águas de níveis freáticos atravessam a muralha por fendilhação e permeabilidade da mesma e escorrem verticalmente como referido.
São entregues nos caleiros horizontais que encaminham as mesmas por tubos PVC entre pisos e posteriormente para coletor ou bacia de retenção para o coletor público (através de gravidade ou bomba). Os referidos caleiros apresentavam na data da visita detritos de obra ainda que pontuais que podem provocar o entupimento dos tubos verticais e assim originar infiltrações e humidades nas lajes adjacentes situação de manchamentos visíveis no piso de garagem -1 e -2.
Não consegue aferir com total isenção a equipa de peritagem se os detritos encontrados especificamente na zona de caleiro anexa ao espaço da autora (piso 0) e que foram causa do entupimento do tubo vertical, foram originados pelas obras efetuadas pela abertura de roços para introdução de tomadas da rede elétrica na cozinha da autora ou se já provinham da obra original, situação que foi possível verificar noutras zonas e noutras caleiras ou até se ambas as situações são válidas. Na data da visita confirmou-se que existiam detritos na referida zona coincidentes com detritos de obra (restos de inertes e argamassas).”
E quanto ao quesito 7º, onde se pretendia saber se ocorreu alguma obstrução nas caleiras no piso onde funciona o estabelecimento da autora, bem como no tubo por onde escorrem as águas daquela e qual a causa da obstrução, disseram os senhores peritos:
“De acordo com imagens dos documentos constantes dos autos, terá existido uma obstrução da tubagem de drenagem vertical na zona da cozinha da autora causada por restos de obra (inertes, argamassas e restos cerâmicos). Estes restos de obra podem ter origem na fase de construção assim como é também admissível que tal obstrução tenha sido agravada com alguma eventual projeção de restos de obra fruto da abertura de roço em fase da construção da cozinha pela autora. A estes factos deve ainda ser associada a existência de um único tubo de drenagem (na altura dos factos) que agravou particularmente todas as anteriores falhas.
Na data da visita a caleira do piso 0 estava razoavelmente limpa apesar de existirem ainda detritos pontuais. Reforçamos que o condomínio instalou e foram visíveis pela equipa de peritos, 4 novos tubos com uma dimensão muito considerável (aumento do antigo tubo de 32 mm com 4 novos tubos de 70mm).”
Se o texto do relatório lança a dúvida sobre se os detritos encontrados na caleira periférica tinham origem na obra inicial ou se poderiam decorrer das obras executadas pela autora aquando da remodelação do estabelecimento, a prestação de esclarecimentos pelos senhores peritos em sede de audiência de julgamento não deixou margem para tais dúvidas.
Com efeito, os senhores peritos confirmaram terem visitado todo o local, ou seja, todos os quatro edifícios que são contíguos e onde se integra o edifício onde está instalado o estabelecimento da autora, nomeadamente, a garagem que é contígua a todos eles e que percorreram de lado a lado, confirmando que o problema das infiltrações repete-se ao longo de toda ela, ou seja, conclui-se, não se trata de uma situação pontual existente nos pisos -1 e -2 situados por baixo do restaurante, mas transversal a toda a garagem, o que, por si, já revela que muito provavelmente existem causas distintas de uma eventual má execução de obras por parte da autora para o aparecimento das infiltrações.
Os senhores peritos identificaram infiltrações activas, situadas sobretudo ao fundo, ou seja, a tardoz, na zona em que, efectivamente – como refere o recorrente -, a parte posterior do edifício está enterrada, pois que ali existe uma encosta muito acentuada, onde, segundo informação da câmara municipal, haverá grandes linhas de água, sendo que o restaurante da autora, situado na ponta esquerda do edifício, apanha toda a profundidade, desde a frente do edifício até às traseiras, de tal maneira que a parte tardoz do restaurante está virada para a encosta, sendo este o edifício que recebe mais água da infiltração que vem da terra, pois os outros vão recebendo cada vez menos.
Esclareceram também que esse era um facto já conhecido aquando da construção, daí que para evitar as infiltrações tenha sido construída uma parede dupla, ou seja, a muralha de contenção, com criação da caleira junto ao solo e a segunda parede, para que a água corresse pela caleira e escoasse e já não passasse para a parede interior. Esta solução foi criada quer ao nível do piso 0, onde está situado o restaurante, quer ao nível dos pisos -1 e -2. Assim, a caleira periférica (existente à volta de todo o edifício) recebe as águas que provêm da encosta e são por aí conduzidas para um tubo vertical que vai de piso em piso até ao colector, sendo que isto foi previsto em projecto, o que revela que quem o projectou já sabia que esta situação iria ocorrer.
Os senhores peritos identificaram as razões para o surgimento da água:
ü as caleiras são sempre muito difíceis de limpar, por princípio, e isso ocorre já de origem, porque ao ser executada a parede interior acaba sempre por cair bocados de massa do assentamento de tijolos e como o espaço é escasso (são 10/15 cm), não se consegue ir ao fundo e limpar bem o que cai, ficando ali massa solta, sendo que a caleira deveria ter uma superfície limpa e contínua, para a água passar livremente;
ü os tubos que recolhem a água e a levam para o piso inferior são em número insuficiente, mediando muitos metros entre um tubo e o seguinte, o que facilita a acumulação de água, que, no caso, acabou por transbordar, passando pela parede e seguindo para o pavimento; o que aconteceu no restaurante deveu-se à obstrução junto a um tubo de queda, que deixou de ter capacidade de escoamento e transbordou, o que sucedeu ao nível do piso 0.
No que à origem da obstrução diz respeito e quanto a determinar-se se as obras de remodelação do restaurante poderão ter contribuído para a existência de detritos na caleira e seu entupimento, esclareceram os senhores peritos que tais obras (identificadas no quesito 1º como intervenção na rede de esgotos com duas novas prumadas, construção de espaço de cozinha na zona adjacente à fachada tardoz e instalação sanitária para o pessoal), implicaram abertura de roços para a electricidade, mas não para a água, podendo suceder que nessa altura tivesse caído mais algum lixo para dentro da caleira, mas qualificaram essa causa como “eventual e pouco expressiva” (conforme, aliás, é referido pelo tribunal a quo na decisão recorrida), mas que poderia agravar a situação. No entanto, desconhecem se isso sucedeu, mas a ter ocorrido não é significativo, no que todos se revelaram de acordo.
Mais disseram, em esclarecimento do último parágrafo da resposta ao quesito 4º, que os detritos que viram no local, na caleira, eram detritos de origem, tanto mais que, conforme referiram, nos pisos inferiores, sem qualquer ligação com o restaurante, ainda existem esses detritos activos, não foi feita limpeza das caleiras e parte do estacionamento continua a ser inundada (identificaram ainda duas outras situações activas, mas em que uma delas nada tem que ver com o restaurante e a outra só tem consequências para o piso inferior e não no restaurante – cf. último parágrafo da resposta ao quesito 2º).
Mais confirmaram os senhores peritos, tal como já resultava dos relatórios acima mencionados, que constataram situações que visivelmente não estão bem impermeabilizadas, o que, aliás, é evidente face à colocação de uma caleira interior que verificaram no local (no piso -1 foi colocado um perfil metálico, que exerce a função de segunda caleira, à vista, que tem água e sinais de ter tido muita água, porque está todo corroído).
E asseveraram ainda: “os detritos que vimos hoje, não são de obras recentes, não são da remodelação do restaurante; ainda há detritos mas são de origem; se existirem outros detritos, hipótese que se admite de algum roço, esse desapareceu hoje; se houve esse problema a agravar, hoje já não o vimos. O tal roço que possam ter feito para a electricidade, se isso aconteceu foi limpo, porque o que lá está é sujidade antiga” – cf. minuto 26.00 e seguintes dos esclarecimentos.
Assim, concluíram que o que viram são detritos da altura da execução das paredes de contenção; não podendo afirmar se aquando do entupimento havia lá outros detritos para além dos que viram, aqueles que lá existem são da obra original, o que afirmam pela sua natureza, pela distribuição e pela constituição, ou seja, são areias com cimento e não cacos de tijolo e reboco de uma parede, de uma alvenaria; ou seja são restos de betão e argamassa e não de alvenaria, e estão depositados de forma contínua e uniforme – cf. minuto 28.50 e seguintes.
Para além disso, quando o condomínio interveio para limpar a caleira e aumentar a capacidade desta, criou aberturas na parede, pelo que também podem ter surgido novos detritos por força disso. De todo o modo, reforçaram que nos pisos -1 e -2 as caleiras apresentam o mesmo tipo de detritos, o que sucede ao longo dos vários edifícios, o que revela, conclui-se, que a falta de limpeza original é transversal a toda a caleira e ao longo dos vários edifícios, o que significa que se trata de um problema de origem causador, por si só, da maior dificuldade do escoamento da água.
Em face desta posição, a senhora juíza a quo solicitou aos senhores peritos que esclarecessem a sua resposta ao quesito 4º, o que estes fizeram através da adenda de 18 de Dezembro de 2019, nos seguintes termos:
“Do laudo produzido e após esclarecimentos solicitados em julgamento efetuado dia 13 de dezembro de 2019 onde estiveram presentes os 3 peritos signatários, estes indicam para maior clareza no quesito nº 5[3] ao nível do último parágrafo, o seguinte:
1) na data da visita os caleiros existentes ao nível do piso 0 e seguintes apresentavam generalizadamente pequenos detritos da obra de construção inicial.
2) existiram 3 fases de obra, sendo a primeira a construção do edifício, a segunda as remodelações da Autora com remodelação do espaço, aplicação de novas tubagens de drenagem e construção de cozinha de modo a exercer a sua atividade comercial e por fim as recentes do condomínio com limpeza de caleiros e colocação nos adjacentes ao espaço da autora 4 novos tubos verticais de drenagem com uma secção de 70mm, como reforço.”
Assim, aquilo que resultou claro dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos é que os detritos encontrados não são recentes, são certamente da obra original e, não o sendo, não têm mais de meia dúzia de anos; por outro lado, a abertura de roços para electricidade, com 3 a 4 cm, não chega, por regra, a metade da espessura da parede, por isso não é provável que tenham caído detritos para o interior da caleira nessa altura; que o problema é de drenagem, desde logo porque a superfície da caleira não foi limpa e a existência de um único tubo de saída de água, com um diâmetro de 32 mm era insuficiente; o problema estava na insuficiência dos tubos e no lixo genérico existente.
Além disso, os detritos solidificaram, o que reduziu a velocidade de escoamento. A água que atravessa a muralha desfaz parte dos inertes desta, os sais, que nela vêm dissolvidos, pelo que a água recebida na caleira, que ali fica estagnada, constitui também um processo de acumulação de lixo, pois ao secar, os calcários solidificam, o que agrava a situação da caleira.
Da conjugação dos relatórios existentes nos autos com a prova pericial produzida resulta evidente que todo o processo de enchimento, transbordo e alastramento da água teve origem nas águas que provêm da encosta, atravessam a muralha e são recolhidas na caleira, sendo que devido à deficiente execução desta – por falta de limpeza da superfície, existência de detritos solidificados, falta de impermeabilização, errado dimensionamento na furação de um piso para o outro e dos tubos colocados – deu-se a obstrução da saída, o enchimento da caleira e o trasvazar da água, que acabou por invadir o pavimento do restaurante da recorrida.
Diversamente, nada de relevante, seguro e bastante se apurou que permita afirmar que aquando das obras de remodelação do restaurante, eventuais detritos tenham caído para o interior da caleira e tenham provocado ou agravado a obstrução da saída de água e que assim tenham contribuído para a verificação dos danos identificados no pavimento do restaurante.
Note-se que o recorrente não identificou qualquer testemunha que a tanto se tenha reportado ou que o tenha afirmado, limitando-se a invocar vagamente a “prova testemunhal”, sendo certo que lhe incumbia, em sede impugnação da matéria de facto, como resulta do acima expendido, convocar os concretos meios de prova que entendia relevarem para a modificação dos factos tal como propugna, o que não fez, limitando-se a convocar a prova pericial e os esclarecimentos dos senhores peritos, os quais não autorizam a conclusão que pretendeu ver aqui reconhecida.
Ademais, tal como referiu a autora/recorrida, no seu depoimento a testemunha Miguel …., engenheiro civil e autor do primeiro relatório acima referido, tendo sido responsável pelas obras de remodelação do restaurante, refutou que estas pudessem ter originado a obstrução da caleira junto à parede traseira, porque para isso seria necessário que a parede tivesse sido trespassada e não existiram trabalhos com esse impacto.
Também a testemunha Edgar ….., arquitecto, que interveio nas reparações por intermédio da sua empresa, a André ….., Lda. identificou como causa da infiltração o enchimento da caleira e a obstrução da saída, referindo que o orifício existente seria suficiente mas com o tempo pode ter sido obstruído. Mas, em consonância com aquilo que os senhores peritos disseram ter encontrado no local, referiu que a saída estava obstruída com argamassas de cimento e areia, não tendo referido bocados de tijolo, como seria de admitir se tivesse existido o trespassar da parede de alvenaria.
Finalmente, a testemunha Nuno ……, engenheiro civil, que elaborou o quarto relatório técnico acima referido, referiu também a existência de riachos ou nascentes na parede tardoz da cozinha, a caleira cheia de água, com detritos de construção anterior, sendo que a água estava a vir para o interior, identificando como problemas da caleira: a existência dos detritos que entupiam o escoamento normal da água; a ausência de pendente, inclinação suficiente; o orifício que não permitia o escoamento; a ausência de impermeabilização, sendo que a sua execução em argamassa permitia a infiltração para dentro dos pavimentos. Explicou que a água caiu na caleira, infiltrou-se nas betonilhas porque o nível freático estava superior e causou danos no pavimento do restaurante e no tecto do piso inferior.
Daqui se retira que, diversamente do que sustenta o recorrente, a prova produzida não permite afirmar que para a infiltração da água e a invasão do pavimento do restaurante tenha contribuído a execução das obras pela autora ou que destas tenha resultado o aumento de detritos no interior da caleira, confirmando-se, pelo contrário, a demonstração daquilo que a senhora juíza a quo verteu nos pontos 66. e 73. da matéria de facto provada, que se devem manter inalterados.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto também nesta parte. Ponto 76. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
76. A A. suportou os seguintes montantes com as obras e trabalhos realizados:
a) Factura n.º 426 junta a fls. 81v – Descritivo: Levantamento do pavimento danificado; Secagem do pavimento pós levantamento, incluindo equipamento; fornecimento e colocação de pavimento e materiais subsidiários (180m2) - € 16.847,30 (dezasseis mil, oitocentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos), IVA incluído;
b) Factura n.º FT 201800511/019155 junta a fls. 82– Descritivo: Pav Granito 33x33 Out Preto CX 18949861 – € 514,15 (quinhentos e catorze euros e quinze cêntimos), IVA incluído;
c) Factura n.º FT 201800227/022761 junta a fls. 82v– Descritivo: Pav Granito 33x33 Out Preto CX 18949861 – € 220,35 (duzentos e vinte euros e trinta e cinco cêntimos), IVA incluído;
d) Factura n.º FAC F/ 1589 junta a fls. 83. – Descritivo: Prestação de Serviços de Transporte e Mudanças – € 455,10 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos), IVA incluído;
e) Factura n.º 0545 junta a fls. 83v– Descritivo: Serviço de limpeza pós obra - € 1.845,00 (mil, oitocentos e quarenta e cinco euros), IVA incluído;
f) Recibo n.º 2709873 de fls. 84– Descritivo: Aluguer de armazém = 550,00 (quinhentos e cinquenta euros);
g) Factura FT/14 – Descritivo: serviços de consultadoria de engenharia = € 553,50 (quinhentos e cinquenta e três euros) – Cfr. documentos n.ºs 15 a 21 juntos com a PI.
E fundamentou este facto do seguinte modo:
“Para prova dos factos 76 a 77 o tribunal teve em conta os docs. juntos com os n.ºs 15 a 21 com a PI.”
Louvou-se ainda no relatório pericial e depoimentos das testemunhas, tal como acima se deixou transcrito.
Essencialmente, o que se consignou no ponto 76. da matéria de facto corresponde ao conteúdo das facturas juntas pela autora como documentos n.ºs 15 a 21 (cf. Ref. Elect. 14427619 de 29-03-2019), cujos valores a recorrida suportou para substituição do pavimento em madeira flutuante. Esta substituição foi, aliás, confirmada pelo legal representante da empresa administradora do condomínio, Hugo ….., e justificada pelos senhores peritos que confirmaram, através das fotografias constantes dos relatórios juntos ao processo, que o pavimento original de madeira ficou seguramente muito afectado, tendo sido todo arrancado e substituído por mosaico.
Nada tendo sido aduzido pelo recorrente em contrário, nem tendo sido convocados quaisquer meios de prova que infirmassem o facto vertido no ponto 76. ou que revelassem a insuficiência dos elementos probatórios convocados para o fundamentar, deve manter-se inalterado o facto mencionado nesse ponto.
Improcede, deste modo, em toda a extensão, a impugnação da matéria de facto.
* Da responsabilidade do condomínio pela reparação dos danos verificados na fracção autónoma ocupada pela autora
Da análise das alegações apresentadas pelo recorrente e das respectivas conclusões decorre que, na essência, os fundamentos invocados no presente recurso e que se reportam à discussão do mérito da causa tinham como pressuposto a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Com efeito, tal dependência entre o fundamento do recurso atinente ao mérito da causa e a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto emerge de forma clara das conclusões 1. a 6., porquanto o recorrente efectua uma apreciação jurídica da causa diversa da vertida na decisão recorrida apenas com base no resultado da prova, que defende dever ser o inverso daquele que foi o retirado pelo tribunal de 1ª instância, ou seja, de que os factos vertidos nos pontos 65., 66. e 73., que se reportam à causa da infiltração que veio a danificar o pavimento do restaurante, não poderiam ser dados como provados, existindo uma multiplicidade de causas, de tal modo que não poderia ser o apelante responsabilizado pela reparação, na totalidade, dos danos causados.
Neste contexto, face à rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que se mantém inalterada, não se descortinando fundamento que legitime a sua alteração quanto ao demais, mostra-se prejudicada a apreciação do mérito da causa no que diz respeito à causa dos danos, visto que a alteração da decisão dependia directamente da demonstração de que tal causa não radicava nas águas que transbordaram da caleira, incorrectamente executada.
Tendo soçobrado a impugnação que incidiu sobre os pontos relevantes e acima apontados e não merecendo censura o enquadramento jurídico que lhe foi dado na sentença recorrida – censura que o apelante tão-pouco lhe dirige, porque se limita a pugnar pela improcedência da acção com base na pretendida, e não deferida, alteração daquela matéria -, prejudicada se mostra a apreciação do recurso quanto ao mérito da causa – cf. art.ºs 608.º, n.º 2 do CPC ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma legal; cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-07-2017 e de 2-11-2017, relatora Maria João Matos, processos n.ºs 5527/16.0T8GMR.G1 e 501/12.8TBCBC.G1.
Aliás, ainda que assim não fosse, sempre se subscreveria a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Na verdade, a questão em discussão nestes autos contende com o âmbito das obrigações que recaem sobre o condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, onde está integrada a fracção autónoma em que a autora/recorrida instalou o seu estabelecimento de restaurante, tendo em conta os danos causados por vícios ou patologias existentes em partes comuns do edifício.
Assim, importa determinar que obrigação específica impende sobre o réu com vista à realização de obras tendentes à eliminação de tais vícios ou patologias, se aquele cumpriu ou não essa obrigação e se deve ser civilmente responsável pelos danos causados à autora/recorrida, que no caso concreto se traduzem no prejuízo decorrente da necessidade de substituição do pavimento, na impossibilidade de o restaurante manter a sua actividade, na paragem da actividade durante o período das obras de substituição do pavimento e respectivos lucros cessantes - cf. pontos 19., 21., 36., 37., 74., 76. a 78. da matéria de facto provada.
Atento o estatuído no art. 1427º do Código Civil, qualquer condómino, na falta ou impedimento do administrador, pode executar, por sua própria iniciativa, as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns com vista a evitar a ocorrência de danos (ou o seu agravamento), fazendo repercutir, depois, o custo por si suportado pelos demais condóminos, segundo os critérios previstos no art. 1424º do mesmo Código – cf. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 437.
Não obstante isso, sobre a administração do condomínio, enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, designadamente, quanto a eventuais obras de reparação destas e sobre o conjunto dos condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo, recai o dever de administrar e conservar as partes comuns, de modo a que destas não decorram danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma – cf. art.ºs 1424º e 1430º do Código Civil.
Nestes autos, está, pois, em causa, a invocada responsabilidade civil do réu condomínio do edifício sito na Praceta Professor Alfredo de Sousa, 4 pelos danos causados à autora, por não ter procedido à conservação e reparação da caleira periférica existente no prédio, de modo a impedir as infiltrações de água que provinham do talude situado a tardoz do prédio, que caíam na caleira, que ficou obstruída, levando a que as águas progredissem para o pavimento do restaurante, que assim teve de ser substituído.
Como é sabido, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os seus respectivos direitos sobre as partes comuns, por princípio definidos segundo o regime da compropriedade – cf. art. 1420º, n.º 1 do Código Civil.
Logo, simultaneamente com o direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fracção autónoma, sendo, como tal, titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, o que lhe confere o direito de exigir de qualquer terceiro, seja outro condómino, seja um terceiro ou o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de actos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fracção.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 1305º do Código Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.
É assim que, face ao estatuído no art. 483º do Código Civil, a violação desse direito subjectivo pode determinar a obrigação de indemnização, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.
Com efeito, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2018, relator Jorge Seabra, processo n.º 972/14.8T8GDM.P1:
“[…] esta obrigação, tal como se pode constituir nos casos em que o objecto do direito de propriedade do lesado não se integra em propriedade horizontal e o agente da violação é totalmente alheio ao imóvel, igualmente se pode constituir, nos mesmos termos, quando esse bem se integra numa propriedade horizontal e o autor da violação é outro dos condóminos (danos provindos de outras fracções autónomas) ou o próprio condomínio (danos provindos de partes comuns).
«Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza do direito real do lesado lhe impõe.» […] Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio ou do próprio administrador, a título pessoal, mas para tanto é suposto que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.”
Cumpre, pois, determinar se ao aqui réu/recorrente assistia um dever geral de actuação com vista a conservar e reparar as partes comuns, cuja violação ou omissão implique o não cumprimento de um dever de agir e, como tal, ilícita, tendo em conta que, como decorre dos pontos 66. a 73., a origem das infiltrações no pavimento radicou nas águas advindas da zona da muralha, que caíam na caleira horizontal situada entre a parede de contenção e a parede interior, caleira deficientemente executada e onde se originou a obstrução, com o transbordo da água, ou seja, com origem numa parte comum do edifício – cf. art. 1421, n.ºs 1, a) e 2, e) do Código Civil (sendo certo que não é discutida nos autos a natureza de parte comum do ponto em concreto onde se verificou a obstrução).
A esta questão respondeu de modo clarividente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2014, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 1046/08.6TBVLG.P1, com argumentação a que se adere e em relação à qual não se descortinam razões para divergir:
“Não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo em relação às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio de reparar as partes comuns. Por outro lado, a alínea a) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não é o que está em causa na acção. Por sua vez a alínea f) do artigo 1436º do Código Civil define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
Porém, em simultâneo, existem várias normas que se referem às despesas de conservação das partes comuns. É o caso do artigo 1424º, o qual dispõe sobre o critério de repartição pelos condóminos das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, do artigo 1427º, que autoriza qualquer um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, a efectuar ele mesmo as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, ou ainda do artigo 1411º do Código Civil, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum. E pode ainda citar-se a norma do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que impõe um dever geral de conservação das edificações, prescrevendo que estas devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
Parece assim poder afirmar-se que embora inexista norma legal expressa com tal conteúdo, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel. Tendo o condomínio, através da sua administração e por impulso da autora, ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício apresentava rupturas e se encontrava danificada ao ponto de se ter tornado imprestável e ter conduzido mesmo a danos numa das fracções autónomas, é evidente que se tem de considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuação no sentido de reparar os danos daquela conduta e reposição das condições normais de utilização do edifício e das suas diversas fracções. Trata-se de uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários.
Podemos assim concluir que o condomínio estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino aqui autor dos danos que este sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.”
Neste mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-06-2009, relatora Rosa Ribeiro Coelho, processo n.º 232/07.0TBSXL.L-7, do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2018 acima mencionado e de 27-09-2018, relatora Francisca Mota Vieira, processo n.º 3181/16.8T8VFR.P1, do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2019, relatora Maria da Graça Trigo, processo n.º 2446/15.0T8BRG.G2.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-30-2014, relatora Maria Domingas Simões, processo n.º 1566/11.5TBVIS.C1 e de 14-02-2012, relator Francisco Caetano, processo n.º 1388/09.3T2AVR.C1 e do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2017, relator Rui Machado Moura, processo n.º 1680/16.0TBFAR.E1.
Tendo o condomínio réu, através da sua administração, tomado conhecimento, por iniciativa da autora, através de mensagem de correio electrónico de 4 de Abril de 2018, que existiam estragos no pavimento do restaurante e que estes teriam origem nas águas que provinham da prumada de águas residuais/pluviais do edifício (cf. pontos 19. a 21.), tendo procedido à análise da situação, vindo a obter relatórios que davam conta que as infiltrações provinham das águas que passavam através da muralha de contenção, caíam na caleira e que esta, por obstrução, transbordava (cf. pontos 28. a 32. e 49. a 65. da matéria de facto provada), causando aqueles danos, tendo intervindo, já após a verificação dos danos, para reparação da caleira, alargamento dos furos e colocação de um conjunto maior de tubos de saída, em conformidade com o que foi expressado nos relatórios (cf. pontos 55. e 63. a 65.), impõe-se reconhecer que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuar no sentido de proceder às obras de conservação e reparação necessárias para impedir tais infiltrações.
Note-se que esta obrigação legal de conservar e reparar as partes comuns do prédio em propriedade horizontal não é afastada pela circunstância de as deficiências ali detectadas resultarem, total ou parcialmente, de defeitos de construção, pois, ainda que assim seja, a obrigação de conservação/reparação a cargo do condomínio subsiste, sem prejuízo de uma eventual responsabilização da empresa construtora, caso ainda seja possível – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2019, acima mencionado; em sentido aparentemente diverso mas reportado ao período em que se mantém a possibilidade de demandar o construtor, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1-03-2012, relator Ezagüy Martins, processo n.º 9014/04.0TBOER.L1-2, acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2012:9014.04.0TBOER.L1.2.
Relativamente ao dever de proceder à reparação dos danos existentes no interior da fracção ocupada pela autora, está em causa uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, como tal subsumível ao regime geral dos art.ºs 483º e seguintes do Código Civil.
Neste âmbito, a jurisprudência tem convocado a aplicação do regime do art. 493º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Ficou demonstrado que relativamente às partes comuns do edifício em propriedade horizontal aqui em causa, o dever de vigilância recai sobre o réu condomínio.
Tal como nos art.ºs 491º, 492º, e 493º, nº 2 do Código Civil, no n.º 1 deste último normativo legal estão consagrados deveres de segurança no tráfego ou deveres de prevenção do perigo, isto é, aqueles que visam abranger uma situação potencialmente perigosa para os membros da comunidade jurídica, com origem, designadamente, na inimputabilidade de uma pessoa, em edifícios ou obras, que podem ter vícios de construção ou defeitos de conservação, em pessoas ou animais que estejam sob vigia ou em actividades perigosas, pela sua natureza ou pela dos meios utilizados.
Nessas situações que emergem de relações jurídicas específicas, legais ou negociais, está em causa a protecção não das partes nessas relações, mas sim a protecção de terceiros – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações Tomo III, 2010, pp. 587-588.
A propósito do regime decorrente do art. 493º do Código Civil expendeu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, relatora Maria da Graça Trigo, processo n.º 7895/05.0TBSTB.E1.S1 nos seguintes termos:
“Tradicionalmente, tanto a doutrina (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, I, 2000, págs. 594 e seg.; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, pág. 588) como a jurisprudência nacionais (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2012 (proc. nº 1451/07.5TBGRD.C1.S1), de 28/10/2014 (proc. nº 1593/07.7TBPVZ.P1.S1) e de 09/07/2015 (proc. nº 385/2002.E1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt) entendem que o regime do art. 493º, nº 2, do CC, consagra uma presunção de culpa do titular da actividade, sendo que se vem também afirmando (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs Responsabilidade: A precaução como fundamento da interpretação delitual?, 2006, pág. 377; Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, 2014, pág. 589) que essa presunção é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude da conduta. Neste sentido se pronunciou igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2007 (proc. nº 07A96).”
Com efeito, o Prof. Menezes Cordeiro sustenta que “a “presunção de culpa” é uma presunção de ilicitude, isto é, perante os danos, postula-se ter havido inobservância do dever de vigiar” – cf. op. cit., pág. 584.
Ana Prata, referindo não ser fácil a destrinça entre ilicitude (omissão da vigilância) e culpa (diligência na vigilância), propende para a necessidade de se separar as duas realidades, pelo que por força do n.º 1 do art. 493º do Código Civil, seria de presumir apenas a culpa – cf. Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 675.
Nos termos da mencionada disposição legal são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que a tiverem em seu poder e tenham, cumulativamente, o dever de a vigiar, assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas a evitar a lesão.
Na situação sub judice, atenta a factualidade apurada, não há dúvida que a autora logrou fazer prova de que, pelo menos desde o início do ano de 2018, têm ocorrido no interior do restaurante estragos ao nível do pavimento flutuante em madeira, provocados por infiltrações de água, com origem na linha freática existente a montante da muralha, que é recolhida na caleira, que, pelas deficiências apresentadas e obstrução da saída, transbordou, permitindo que a água alastrasse para o interior do edifício.
Está, pois, estabelecido que devido ao mau estado da caleira periférica existente no interior da parede dupla do prédio, zona comum, ocorreu a entrada das águas e a fracção da autora sofreu danos, o que permite convocar o mencionado n.º 1 do art.º 493.º do Código Civil, presumindo-se a culpa dos condóminos, enquanto comproprietários das partes comuns, com o dever de as vigiar e conservar.
O condomínio estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, sendo que a caleira foi mantida em mau estado, sem capacidade suficiente de escoamento, com detritos que permitiram a sua obstrução, constatando-se por parte do réu condomínio o incumprimento daquele dever por omissão negligente de zelo, o que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (cf. art. 487º do Código Civil), pelo que está obrigado a indemnizar o condómino (a aqui autora) dos danos que sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.
Ao réu/recorrente cabia ilidir tal presunção de culpa, provando a falta de culpa ou que os danos se teriam produzido ainda que sem culpa sua, o que de todo não fez.
Em consonância com o acima expendido, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada na 1ª instância, nenhum ponto dela constante revela, por um lado, qualquer contribuição por parte da autora/recorrida para a situação deficitária em que se encontrava a caleira periférica ou para a sua obstrução e, por outro, a existência da ravina e escorrência das respectivas águas, como bem esclareceram os senhores peritos, não constituíram qualquer situação anormal e imprevisível, porque já em fase de projecto tal questão foi ponderada, o que é, desde logo, evidente, face à construção de uma parede dupla e caleira para escoamento de tais águas, circunstância que, desde logo, deveria ter alertado o condomínio para a necessidade de vigiar o seu correcto funcionamento.
Sendo este o enquadramento fáctico e jurídico impõe-se concluir, como a 1ª instância, que a autora tem direito a ver reconhecido o direito de indemnização pelos danos invocados.
Sucede que na sua contestação o réu invocou a excepção de caducidade considerando que o prazo para a propositura da presente acção já expirara, por estar em causa uma situação de reclamação de defeitos construtivos, pelo que seria aplicável o disposto no art. 1225º do Código Civil, ou seja, o réu teria um ano para instaurar a acção, contado a partir da denúncia, sendo que esta ocorreu em 20 de Março de 2018, mas a existência de infiltrações no pavimento já era notória desde pelo menos desde o Verão de 2017 e a petição inicial deu entrada em juízo em 29 de Março de 2019.
O Tribunal recorrido apreciou esta questão nos seguintes termos:
“Invoca, porém, a R. a excepção de caducidade da acção por já se encontra expirado o prazo de caducidade de um ano contado a partir da denúncia e previsto para a reclamação dos danos previsto no art.º 1225.º, do CC. Contudo, os presentes autos deram entrada em juízo de 29 de março de 2019, volvido mais de um ano sobre a reclamação e sobre o conhecimento da sua existência.
Porém, ao caso dos autos não é de aplicar o prazo de caducidade previsto no art.º 1225.º, do CC por não estar em causa esse instituto jurídico, mas sim o previsto no art.º 483.º, do CC cujo prazo de prescrição é o previsto no n.º 1 do art.º 498.º, do CC que seguramente não ocorreu à data da propositura da acção. Improcede, pois essa excepção.”
Nas suas alegações de recurso o réu continua a sustentar a caducidade do direito de interpor a presente acção, referindo agora que as infiltrações remontavam para além do prazo de três anos, por referência à data da interposição da acção, sendo que da prova produzida resulta que ocorriam desde a inauguração (presume-se, porque não é dito, a inauguração do restaurante).
Ora, o recorrente não aduz em que norma jurídica se louva para convocar uma caducidade decorrente do decurso do prazo de três anos desde a verificação das infiltrações.
Admitindo-se que pretende convocar a norma do art. 498º, n.º 1 do Código Civil, sempre se teria de considerar, por um lado, que não está demonstrado que as infiltrações já ocorriam três anos antes da interposição da acção, pois no ponto 19. ficou provado que os estragos ao nível do pavimento foram verificados pelo menos desde o início do ano de 2018 e, por outro, o prazo previsto no normativo em referência é um prazo de prescrição do direito de indemnização decorrente de um facto ilícito, sendo certo que a prescrição não é de conhecimento oficioso e não foi invocada pelo réu, tratando-se, como tal, de questão nova de que não pode este tribunal conhecer – cf. art. 303º do Código Civil.
No que à indemnização fixada pela 1ª instância diz respeito, o apelante refere que, existindo uma situação de concorrência de culpa, não poderia aquele tribunal ter imputado a totalidade dos danos ao condomínio, atento o estatuído no art. 570º do Código Civil.
Dispõe o art. 570º do Código Civil:
“1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”
Decorre deste normativo legal que o comportamento censurável do lesado pode eliminar ou atenuar a responsabilidade do lesante, sendo essencial que essa actuação censurável seja adequada à produção do dano.
No entanto, como refere José Alberto González, “pode suscitar-se a questão de saber se o tema invocado pela designação “concorrência de culpas” deve ser tratado na dimensão da culpabilidade ou antes no nível do nexo de causalidade. Na verdade, pelo menos quando a produção do dano seja inteiramente atribuível ao comportamento do lesado, faz sentido considerar o problema exclusivamente a propósito da imputação objectiva […] Ao invés, quando o lesado apenas tenha contribuído em parte para a verificação do dano, o que, sobretudo, se torna necessário averiguar é se, e em que medida, o seu comportamento diminui ou exclui a censurabilidade da atuação do lesante. E este é um juízo que não pode ser feito a propósito da imputação objectiva, amas apenas no nível valorativo da culpa.” – cf. Código Civil Anotado, Volume II – Direito das Obrigações, 2012, pp. 334-335.
Conforme resulta já do atrás explanado não logrou o recorrente demonstrar a concorrência do comportamento da lesada, a aqui recorrida, para a verificação dos danos ocorridos no pavimento do seu restaurante, pelo que soçobra a pretensão de ver reduzida ou eliminada a sua obrigação de indemnização, nos termos do art. 570º do Código Civil.
Por fim, alega o recorrente que resulta da lei, nos termos dos art.ºs 562º, n.º 1 e 566º, n.º 1 do Código Civil, que a indemnização se rege pelo princípio da reconstituição natural, pelo que aquela só será fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, o que significa que só deveria custear o valor do pavimento que existia originalmente no estabelecimento da autora, conforme valor indicado no ponto 87. dos factos provados, ou seja, só teria de custear a recolocação de pavimento de madeira, sendo que a recorrida, unilateralmente, procedeu à colocação de um pavimento de mosaico, o que aumentou o custo da obra.
Nas conclusões das suas alegações, o apelante deixou cair este ponto da sua argumentação, pelo que deixou de estar abrangida no objecto do recurso.
De todo o modo, sempre se dirá que aquilo que a lei visa, neste âmbito, é a directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 582.
Daí que a indemnização em dinheiro, pecuniária ou compensatória, tenha natureza subsidiária e não alternativa em relação à indemnização específica ou reconstitutiva, dada a natureza excepcional da sua constituição original (impossibilidade de reconstituição natural, insuficiência da reparação natural ou onerosidade excessiva dela para o devedor).
No entanto, se assim é, quando o lesante não repare, ou não repare em tempo útil, tendo em consideração o tipo de dano real produzido, o lesado fica legitimado a mandar proceder a essa reparação, à custa do lesante e a debitar-lhe o respectivo valor da reparação.
Neste caso, apurou-se que a autora comunicou ao réu a existência das infiltrações de água e estragos no pavimento, no início de Abril de 2018 e no final desse mês deu conhecimento do agravamento do estado do pavimento, que acabou por impedir que o restaurante operasse, devido, nomeadamente, ao riscos de acidentes com os trabalhadores e clientes – cf. pontos 20., 35. a 37. da matéria de facto provada.
Informou, de igual modo, que, conforme aconselhamento técnico recebido, seria mais adequado substituir o pavimento em madeira, por pavimento de cerâmica, para evitar futuros estragos em consequência de novas infiltrações, atenta a circunstância de se revelar difícil a solução definitiva do problema em referência – cf. pontos 38. a 40..
A assembleia de condóminos, não obstante ter recebido o reporte da situação, informou que não assumiria qualquer responsabilidade enquanto não se apurasse o ponto de origem da infiltração, tendo sido alertada, novamente, que o restaurante não poderia funcionar naquelas circunstâncias – cf. pontos 46. e 47..
Após novas vistorias e durante a execução de obras de reparação e limpeza da caleira, tiveram lugar as obras de substituição do pavimento, mas o réu recusou o pagamento do custo destas quando para tal foi notificado – cf. pontos 74., 75. e 80. a 86..
Ora, perante a recusa do réu em proceder à reparação do pavimento, nada obstava a que a autora procedesse a tais trabalhos imputando o respectivo custo ao lesante, sendo que, nesse circunstancialismo, o que a autora exerce é ainda o seu direito à reparação ou reconstituição natural da coisa danificada.
Neste sentido, se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2007, relator Custódio Montes, processo n.º 06B4430:
“Constitui restauração natural e não indemnização por equivalente as despesas suportadas pelo lesante para substituição ou reparação do bem danificado. (…)
O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente.
Mas a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer o interesse do lesado que não o do lesante, embora a lei determine que o dano, em princípio, se deve reparar com a reconstituição natural.
Na verdade, o que interessa é saber de que forma se deve reconstituir a "situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação," sem esquecer que esta alternativa é estabelecida em favor do lesado que não do lesante.
Este apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, podendo também discutir o respectivo montante. […]
Por outro lado, não é verdade que a atribuição do montante em causa constitua indemnização por equivalente.
De facto, os 35.212,10 € fixados destinam-se à "execução das obras de reconstrução do muro dos autores," o que integra restauração natural e não indemnização por equivalente. […]
Em apoio do que defendemos, Júlio Gomes, ao analisar o âmbito da “restauração natural, entende, na esteira da doutrina Alemã, que "tratando-se da lesão de um bem, caberá certamente neste domínio a sua reparação".
E, na doutrina nacional, indica que esse também parece ser o entendimento de A. Varela: "entre nós, Antunes Varela, ....parece sugerir que as despesas com a substituição cabem ainda na reparação natural ..."
De facto, este Mestre dá como exemplos de restauração natural a reparação do bem danificado: "se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente."
E quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que, em determinados casos, o lesado opte pelos custos para reparar o bem danificado, estando em tais casos, no domínio da restauração natural.
São os casos em que "o lesado não confiará no lesante, para proceder à aquisição do bem substitutivo ou para efectuar as reparações", sendo "o próprio lesado a substituir o bem ou a repará-lo". […]
O muro não pode ser idêntico ao que foi derrubado, porque o derrube de terras "obriga à reconstrução do muro de betão armado em 25 metros".
Portanto, o dano real dos AA. só pode ser reposto com a reconstrução do muro, cujo custo foi avaliado com peritagens no processo, devendo ser removido "à custa do responsável", como ensina A. Varela.”
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4-06-2009, relator Vaz Gomes, processo n.º 3564/05.9TVLSB.L1-2.
Conclui-se, assim, que a autora estava legitimada a mandar reparar o pavimento do restaurante e a fazê-lo com a substituição por pavimento de cerâmica, por só assim poder considerar-se que, face aos riscos de novas infiltrações que não poderiam ser totalmente suprimidos, se colocaria na situação anterior aos danos, ou seja, estaria em condições de utilizar e fruir a fracção e destiná-la ao exercício do seu comércio
Em face do expendido, improcede, na íntegra, a apelação devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante.
Lisboa, 24 de Novembro de 2020[4] Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano Amélia Alves Ribeiro
_______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt. [3] Os senhores peritos reportavam-se ao quesito 4º, como resulta claro da audição dos seus esclarecimentos e foi consignado antes da prolação da sentença (cf. Ref. Elect. 123386885 de 24-01-2020). [4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.