AÇÃO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
PREÇO REAL E PREÇO DECLARADO
DEPÓSITO DO PREÇO
CADUCIDADE
Sumário


- para que se cumpra a lei, o artigo 1410º, n.º1 do CC exige que o preferente deposite o preço devido, e não o preço falso, declarado.
-Então, apenas se poderá dar como provado tal preço real posteriormente e após a sentença, pelo que o depósito da diferença ou o depósito do remanescente – nos casos como o dos autos em que o preço real é superior ao declarado- apenas poderá ter lugar a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio.
- se é só a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio é que começa a correr o prazo para o exercício da ação de preferência, também só será a partir do trânsito da decisão que começa a correr o prazo de 15 dias para o depósito do remanescente do preço devido, tudo sob pena de perder o direito ( pois como vimos estamos perante prazos de caducidade), pelo que considera-se que o prazo de 15 dias consignado na sentença para o depósito do remanescente está fixado em consonância com o prazo legal aludido no art. 1410º do CC.
- Se, apesar de existir prova gravada, não for apresentado qualquer recurso naquele prazo de 30 dias, nem nos 10 dias adicionais, o trânsito da sentença ocorre naquele prazo geral do art. 638º do CPC.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

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I- RELATÓRIO:

1. Em 12/01/2020 foi proferida sentença, na qual se decidiu:
A) Declarar que o autor J. A. é proprietário do prédio sito na freguesia da ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ....º, condenando-se os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. a reconhecê-lo;
B) Condenar os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. a reconhecer ao autor J. A. o direito de preferirem a estes últimos réus na aquisição operada através do instrumento de compra e venda outorgado em 09/09/2016 na Conservatória do Registo Predial de ..., verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f);
C) Determinar a substituição dos réus M. D. e M. J. pelo autor J. A. no instrumento de compra e venda outorgado em 09/09/2016 na Conservatória do Registo Predial de ..., e, consequentemente, considera-se transmitido a favor do autor o direito de propriedade relativo ao prédio sito na freguesia da ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ....º, verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f);
D) Condenar o autor J. A. a depositar à ordem destes autos, no prazo de 15 dias após trânsito em julgado, o montante de € 8.346,50 (oito mil, trezentos, quarenta e seis euros, cinquenta cêntimos), a título de preço devido;
E) Autorizar a entrega aos réus M. D. e M. J. do montante que vier a ser depositado em consonância com o determinado em d), sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.;
F), Condenar o autor J. A. a depositar à ordem destes autos, no prazo de 15 dias após trânsito em julgado, o montante correspondente ao I.M.T. que seria devido pela transacção do prédio identificado em c), pelo montante de € 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos escudos);
G) Autorizar a entrega aos réus M. D. e M. J. do montante que vier a ser depositado em consonância com o determinado em f), sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.;
H) Ordenar que, após trânsito em julgado, e verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f), sejam cancelados os registos efectuados a favor dos réus M. D. e M. J., quanto ao imóvel identificado em c);
I) Condenar o autor J. A. a pagar aos réus M. D. e M. J. o montante de € 200,00 (duzentos euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a notificação da contestação de fls. 49-59v e até efectivo e integral pagamento;
J) Absolver o autor J. A. do pedido reconvencional contra si formulado pelos réus M. D. e M. J., de reembolso das quantias pagas a título de imposto de selo e I.M.I.;
K) Decide-se condenar o autor J. A. e os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. no pagamento das custas da acção, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5, respectivamente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

2. A sentença foi notificada aos Ilustres Mandatários do autor e dos réus em 14/01/2020.

3. Em 12/03/2020, o autor apresentou requerimento juntando comprovativo de realizar nessa data D.U.C. no montante global de € 9.494,98, que indicou abranger as seguintes quantias:
“A) 8.346,50€ relativo à diferença do preço;
B) 930,00€ relativo ao IMT;
C) 200,00€ relativo à indemnização a que foi condenado;
D) 18,48€ a título de juros de mora, a que foi condenado”.

4. Perante a discórdia entre autor e réus acerca do cumprimento do prazo estabelecido na sentença para o depósito das quantias aí discriminadas, foi proferido o despacho nos termos do qual se decidiu, em síntese, o seguinte:
- “ verifica-se que o autor não respeitou os prazos fixados na sentença, e, nessa medida, impõe-se concluir pela caducidade do direito que veio fazer valer nesta acção (pelos motivos já aduzidos na sentença, para a qual se remete), o que se declara.
Notifique e publicite. “
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

1.º Dispõe o art.º 613.º do CPC que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa,” sem prejuízo de lhe ser lícito “retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença” - nos termos previstos no CPC;
2.º Resulta ainda do disposto no art.º 619.º do CPC que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”.;
3.º Analisada a situação em concreto, forçoso será de concluir que a decisão proferida em 29/06/2020, não é subsumível a nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art.º 613.º CPC porquanto não se destinou a: Rectificar erros materiais; Suprir nulidades; ou, Reformar a sentença;
4.º Não sendo subsumível a nenhuma das situações previstas no CPC, está o tribunal “a quo” impedido de proferir qualquer tipo de decisão;
5.º Ao praticar um acto que lhe estava legalmente vedado, ou para o qual não encontra qualquer base legal, esgotado que está o poder jurisdicional de que é titular até prolação da sentença, está tal despacho ferido de nulidade o determina a sua revogação, com todas as legais consequências;

Caso assim não se entenda

6.º Diz-se que transita em julgado a decisão que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, o que significa que o trânsito se dá no dia seguinte àquele em a parte, com legitimidade para tal e preenchidos os demais requisitos legais, renuncie ao direito de recorrer ou deixe decorrer o prazo para a prática daquele acto;
7.º Isto significa que o trânsito em julgado se poderá dar em prazos diferentes, de 10, 15, 25, 30 ou 40 dias, consoante o tipo de processo, o valor da causa, entre vários outros requisitos previstos no CPC;
8.º Mas também significa que a ausência efectiva de um recurso, não leva a retroagir a data do trânsito à data em que a decisão foi proferida;
9.º O recurso ordinário, para ser admitido, terá de obedecer aos requisitos previstos no art.º 639.º do CPC, constituindo aqueles requisitos de validade do recurso;
10.º Tal equivale a dizer que interposto um recurso sem que aqueles requisitos sejam cumpridos, ainda que dê entrada no prazo legalmente previsto para a prática desse acto, ainda assim terá de ser rejeitado e, em consequência disso, ter-se-á como data do trânsito em julgado da decisão em causa, o primeiro dia útil seguinte ao do fim do prazo para recorrer ou reclamar;
11.º O recorrente que pretenda ainda beneficiar do prazo previsto no n.º 7 do art.º 638.º deverá, não só instruir o recurso com os requisitos previstos no art.º 639.º mas também sujeitar ao Tribunal da Relação a reapreciação da prova gravada. O pedido de reapreciação da prova terá de respeitar todos os requisitos previstos no art.º 640.º do CPC, mais uma vez, sob pena de indeferimento, total ou parcial, do recurso apresentado após o 30.º dia;
12.º Total, se o recurso não versar sobre a reapreciação da matéria de facto, por violação do requisito previsto no n.º 7 do art.º 638.º CPC. Parcial se, apesar de suscitar a reapreciação da matéria de facto, não obedecer aos demais requisitos no art.º 640.º CPC;
13.º Assim, forçoso será de concluir que, os requisitos previstos no n.º 7 do artº 638.º, 639.º e 640.º, todos do CPC, são requisitos de forma, sem o cumprimento dos quais, o recurso não é admissível;
14.º Dito isto e considerando:
a) Que o trânsito em julgado não retroage à data em que a decisão foi proferida (inexistindo reclamação, recurso ordinário ou este não seja admitido);
b) Que só transita em julgado a decisão que já não admita recurso ordinário ou reclamação;
Terá de se considerar sempre que o trânsito em julgado se dará no dia seguinte àquele em que a decisão já não admite recurso ordinário ou reclamação;
15.º Ou seja, o trânsito em julgado terá de se considerar verificado (em regra):
a) Se a acção tiver um valor máximo de 5.000,00€ no 11.º dia seguinte àquele em que a decisão tiver sido proferida;
b) Se a acção tiver um valor superior a 5.000,00€ e a mesma for insusceptível de suscitar a reapreciação da matéria de facto, no 31.º dia seguinte àquele em que a decisão tiver sido proferida;
c) Se a acção tiver um valor superior a 5.000,00€ e for susceptível de reapreciação da prova gravada, no 41.º dia seguinte àquele em que a decisão tiver sido proferida.
16.º Se assim não fosse, não só a secretaria poderia emitir uma certidão com nota do trânsito em julgado antes de decorridos os 40 dias de que a parte dispunha para recorrer, como estaria a atribuir, sem fundamento legal, à ausência de recurso, efeitos retroactivos;
17.º Atento o exposto, forçoso será de concluir que, podendo o recorrente ter apresentado o competente recurso até ao dia 26/02/2020, desde que suscitasse, como poderia, a reapreciação da prova gravada, com respeito aos demais requisitos previstos no art.º 640.º do CPC, é no dia seguinte, 27/02/2020, que terá de se considerar transitada a sentença proferida e, em consequência disso, que o depósito do preço foi efectuado no prazo que consta da douta sentença;

Ainda sem prescindir,
18.º De acordo com o disposto no art.º 298.º do Código Civil “Quando, por força de lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição;
19.º Assim, para que a caducidade possa produzir os seus efeitos, extinguindo o direito que o credor pretenda exercer, terá essa cominação de estar prevista na Lei ou resultar da vontade das partes;
20.º A propósito da caducidade do direito de preferir, dispõe o art.º 1.410.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no n.º 4 do art.º 1.380.º que “O comproprietário a quem se não conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.”;
21.º Não existe, seja no Código Civil, seja noutro diploma, qualquer outra previsão legal que comine com a caducidade o direito de preferir de titular de prédio confinante quando este não proceda ao depósito do preço simulado no prazo de 15 dias (seja com a réplica, o recurso ou o trânsito em julgado da sentença);
22.º A falta de previsão legal determina que a obrigação imposta pelo tribunal, apenas terá como consequência, se não vier a haver o depósito do preço, a mora ou incumprimento, impondo-se à parte lesada, que pretenda receber, que instaure a competente execução porquanto, o preferente, que perca interesse na aquisição do imóvel, poderá desistir do pedido;
23.º A necessidade do preferente depositar um valor diferente do inicial, daquele que foi declarado na escritura de transmissão que dá origem à preferência, resulta duma actuação ilegal, consciente e dolosa, dos simuladores, por regra, com o único objectivo de se furtarem ao pagamento de impostos;
24.º Essa diferença de preço obriga o preferente a preferir num negócio distinto do inicialmente previsto, dificultando-lhe, muitas vezes, a obtenção do valor que se torna necessário a cobrir o novo preço pelo que, além de não haver previsão legal para o efeito, sancionaria a pessoa que cumpriu todas as suas obrigações legais, em detrimento daqueles que actuaram dolosamente;
25.º Face ao supra exposto, entende o Recorrente que, na falta de previsão legal que comine com a caducidade o atraso do depósito da diferença do preço (que se provou ter sido o pago no negócio dissimulado) não poderá o Tribunal declarar a sua verificação, restando ao simuladores;
26.º Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos art.ºs 613.º, 619.º, 628.º, 638.º a 640.º do CPC e 298.º, 1.410.º do Código Civil;
27.º Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas julgarem procedente por provado o presente recurso e, em consequência disso, proferirem acórdão que revogue a decisão proferida pela primeira instância em 29/06/2020 farão uma vez mais serena, sã e objectiva JUSTIÇA.”
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Os RR apresentaram contra-alegações e pugnaram pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido.

II-
A questão essencial a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas é a seguinte: apreciar se o direito que o autor pretende exercer na presente demanda se mostra ou não caduco, nomeadamente nos casos, como o dos autos, em que o preço declarado é inferior ao preço real, e tendo este preço sido declarado por sentença, na qual se estabeleceu prazo para depósito do remanescente ( 15 dias após trânsito), importa saber se é ou não com o trânsito da sentença que se define o termo inicial dos prazos de caducidade estabelecidos no art. 1410º, nº 1 do CC .
Esta questão contende com outra: Se deve ser considerado o prazo adicional de 10 dias no cálculo do trânsito em julgado de sentença proferida na sequência de julgamento com prova gravada, ainda que, não tenha sido interposto qualquer recurso da mesma.
E ainda: em relação ao prazo de 15 dias fixado na sentença para o depósito do remanescente importa saber se está fixado em consonância com o prazo legal aludido no art. 1410º do CC..

Outra questão é a seguinte:
- se se esgotou ou não o poder jurisdicional com a prolação da sentença para se apreciar, como se apreciou em despacho posterior, sobre a caducidade da ação.
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III- FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida atendeu aos seguintes factos ( já constantes do relatório):
1. Em 12/01/2020 foi proferida sentença, na qual se decidiu:
A) Declarar que o autor J. A. é proprietário do prédio sito na freguesia da ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ....º, condenando-se os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. a reconhecê-lo;
B) Condenar os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. a reconhecer ao autor J. A. o direito de preferirem a estes últimos réus na aquisição operada através do instrumento de compra e venda outorgado em 09/09/2016 na Conservatória do Registo Predial de ..., verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f);
C) Determinar a substituição dos réus M. D. e M. J. pelo autor J. A. no instrumento de compra e venda outorgado em 09/09/2016 na Conservatória do Registo Predial de ..., e, consequentemente, considera-se transmitido a favor do autor o direito de propriedade relativo ao prédio sito na freguesia da ..., concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ....º, verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f);
D) Condenar o autor J. A. a depositar à ordem destes autos, no prazo de 15 dias após trânsito em julgado, o montante de € 8.346,50 (oito mil, trezentos, quarenta e seis euros, cinquenta cêntimos), a título de preço devido;
E) Autorizar a entrega aos réus M. D. e M. J. do montante que vier a ser depositado em consonância com o determinado em d), sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.;
F), Condenar o autor J. A. a depositar à ordem destes autos, no prazo de 15 dias após trânsito em julgado, o montante correspondente ao I.M.T. que seria devido pela transacção do prédio identificado em c), pelo montante de € 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos escudos);
G) Autorizar a entrega aos réus M. D. e M. J. do montante que vier a ser depositado em consonância com o determinado em f), sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.;
H) Ordenar que, após trânsito em julgado, e verificadas que se mostrem as condições impostas em d) e f), sejam cancelados os registos efectuados a favor dos réus M. D. e M. J., quanto ao imóvel identificado em c);
I) Condenar o autor J. A. a pagar aos réus M. D. e M. J. o montante de € 200,00 (duzentos euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a notificação da contestação de fls. 49-59v e até efectivo e integral pagamento;
J) Absolver o autor J. A. do pedido reconvencional contra si formulado pelos réus M. D. e M. J., de reembolso das quantias pagas a título de imposto de selo e I.M.I.;
K) Decide-se condenar o autor J. A. e os réus M. A., A. N., M. N., M. D. e M. J. no pagamento das custas da acção, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5, respectivamente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

2. A sentença foi notificada aos Ilustres Mandatários do autor e dos réus em 14/01/2020.

3. Em 12/03/2020, o autor apresentou requerimento juntando comprovativo de realizar nessa data D.U.C. no montante global de € 9.494,98, que indicou abranger as seguintes quantias:
“A) 8.346,50€ relativo à diferença do preço;
B) 930,00€ relativo ao IMT;
C) 200,00€ relativo à indemnização a que foi condenado;
D) 18,48€ a título de juros de mora, a que foi condenado”.
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IV-

1) No que respeita à conclusão de recurso de que aquando da prolação do despacho recorrido se tinha esgotado o poder jurisdicional, nomeadamente com a sentença proferida, desde já, diga-se que o recorrente não tem razão.

O art. 613º do CPC enuncia o princípio de que proferida a sentença ( ou despacho), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, embora o mesmo possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as “questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu(1)
Como já referia o Prof. Alberto dos Reis o princípio justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e por outra de ordem pragmática, a saber:

“Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de ação e defesa. (…) E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respetivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.

A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.(…)”.

Vale tudo por dizer que com a sentença fica precludida a possibilidade de o juiz conhecer de qualquer questão (relativa ao antes processado nos autos) que até esse momento não tenha sido suscitada, oficiosamente ou a requerimento, excetuado o que no n.º 2 do mesmo artigo se dispõe em matéria de retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença.

Volvendo ao caso sub judicio, com a prolação da sentença extinguiu-se o poder jurisdicional concernente à declaração do direito controvertido ( no caso o reconhecimento do direito de preferência do A, mas por preço devido superior ao depositado inicialmente, tendo sido fixado prazo de 15 dias após o trânsito para o A depositar as quantias em falta e ali descriminadas).

Ou seja, após a prolação da sentença ( extinguiu-se o poder jurisdicional concernente à declaração do direito controvertido) segue-se naturalmente a execução do que na sentença se estipulou, pelo que o depósito do remanescente do preço devido no prazo fixado na sentença é ato tendente, não a alterar a sentença proferida, mas, pelo contrário, a executá-la, isto é a tornar efetivo o que foi plasmado na sentença.

Por outro lado, o controle do prazo fixado na sentença para tal ato, por despacho posterior, não altera a sentença, ainda que com esse despacho se aprecie da caducidade da ação e se declare ( bem ou mal ) em consonância a caducidade do direito do autor.

Em verdade, tal despacho não altera a sentença, mas executa-a, isto é, torna efetivo o que foi decidido na sentença.

Por tudo o exposto, o despacho recorrido é legal não viola o princípio a que alude o art. 613º do CPC, pelo que não ocorre qualquer nulidade, conforme sustentado pelo recorrente.
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- da questão da caducidade do direito de ação de preferência:

A primeira instância entendeu que se verificava a caducidade do direito de ação por, em síntese,:
“ No caso concreto, verifica-se que a sentença se considera notificada em 17/01/2020, podendo as partes recorrer até 17/02/2020 (1.º dia útil subsequente ao termo do prazo), mas se o recurso abrangesse a reapreciação de prova gravada ocorreria um acréscimo de 10 dias, estendendo-se o prazo de recurso até 26/02/20201, pelo que só se mostraria respeitado o prazo de 15 dias para o depósito das quantias discriminadas na sentença se se considerar o dia 27/02/2020 para efeitos de trânsito em julgado.
É, todavia, entendimento jurisprudencial consolidado que “só com a efectiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º do Código Processo Civil. Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto.”
Concluiu, assim, que o autor não respeitou os prazos fixados na sentença, “ e, nessa medida, impõe-se concluir pela caducidade do direito que veio fazer valer nesta acção (pelos motivos já aduzidos na sentença, para a qual se remete), o que se declara.”.
O recorrente entende que, independentemente de ter sido ou não interposto recurso, o trânsito em julgado só ocorre esgotado o prazo perentório acrescido do prazo adicional, ou seja, o somatório de 40 dias de prazo. DE contrário, aduz estar-se-ia a atribuir efeitos retroativos à ausência de recurso, colocando a questão quando é que a secção de processos pode passar a certidão de trânsito?
Cremos, salvo o devido respeito, que a razão assiste à doutrina plasmada na decisão recorrida.
Vejamos.
Nos termos do art. 628º do CPC “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Nos termos do art. 638 do CPC que O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do artigo 644º e no artigo 677º.” (sublinhado nosso).
Em suma: - nos processos não urgentes, ou fora dos casos tipificados no nº 2 do art. 644º e 677º do CPC, o trânsito em julgado efetiva-se pelo decurso do prazo de 30 dias.
Dispõe o art. 638 nº 7 do CPC que “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias”.
O apelante entende que, independentemente de ter sido ou não interposto recurso, o trânsito em julgado só ocorre esgotado o prazo perentório acrescido do prazo adicional, ou seja, o somatório de 40 dias de prazo.
Cremos, salvo o devido respeito, não tem razão.
A questão passa por saber se o prazo do recurso seria sempre acrescido de 10 dias, desde que houvesse a possibilidade de haver recurso de prova gravada, sem exercício do mesmo.
Sem embargo, entendemos que se assim fosse, o prazo do recurso seria sempre acrescido de 10 dias, uma vez que a audiência final, na lei processual atual, é sempre gravada (art. 155 nº 1 do CPC).
Por outro lado, tal não ressuma da letra da lei nem da “mens legis”.
Se o legislador tivesse querido estender o prazo adicional de 10 dias a todos os julgamentos gravados, tê-lo-ia dito. Mas não foi o caso.
Ainda que para quem como o Prof. Rui Pinto se admita tratar-se de “um único prazo alargado”, conforme citação de A. Geraldes (2) e ainda que atualmente em comparação com o regime anterior “ mais não resta do que aguardar pelo decurso do prazo adicional, já que, até este último dia, será legítimo ao recorrente exercer o seu direito” (3) , a verdade é que “o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito. Caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art. 638º,nº1”. (4)
Por isso é que se diz que com a solução atual a estabilização determinada pelo caso julgado, mesmo nos casos em que não haja intenção de interpor recurso, pode arrastar-se por um período mais dilatado, mas apenas naqueles citados casos.
Se, apesar de existir prova gravada, não for apresentado qualquer recurso naquele prazo de 30 dias, nem nos 10 dias adicionais, o trânsito da sentença ocorre naquele prazo geral do art. 638º do CPC.

Semelhante doutrina foi sustentada no AC da RC de 23-09-2014 em cujo sumário se lê:
“-Só com a efetiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º do Código Processo Civil.
- Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto.”.

E não se diga que com tal doutrina está-se a atribuir efeitos retroativos à ausência de recurso, conforme sustentado pelo apelante.
Com efeito, a certidão apenas poderá ter lugar depois de decorridos os 40 dias, pois pode haver possibilidade de interpor recurso, mas o facto de não interpor recurso e o trânsito ocorrer após os 30 dias não faz com que se atribuam efeitos retroativos à ausência de recurso, porquanto estamos perante um prazo legal contado por inteiro conforme a lei, ainda que seja contado passados 10 dias.

Por tudo o exposto, não é de acolher a posição defendida pelo apelante, quanto ao momento em que transita em julgado a sentença, pelo que não procede a pretensão recursória, neste particular e mantém-se a decisão recorrida quando entende que o trânsito da sentença ocorreu no prazo de 30 dias a contar da notificação ( sem ser acrescido de 10 dias, conforme sustentado pelo recorrente).
Perante este entendimento, é inequívoco que o depósito devido foi feito muito após os 15 dias do trânsito em julgado da sentença, tal como ali foi consignado.
Então qual a consequência jurídica?
E nisto se resolve a 2ª questão suscitada em recurso.
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2- O apelante entende que como não existe na lei previsão que comine com caducidade o direito de preferir com referência ao depósito do remanescente no prazo de 15 dias a contar do trânsito da sentença- tal como ocorreu nos autos-, então, aduz, tal falta de previsão legal tem como consequência ( caso não deposite), a mora ou o incumprimento, impondo-se à parte que pretende receber que instaure a execução respetiva.
Vejamos.
O deslinde da questão passará pela resposta à seguinte pergunta: se pode ser considerado termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no art. 1410º, nº 1 do CC o trânsito da decisão em que foi declarado o preço do negócio real, tal como sustentado na decisão recorrida ou não?
Desde já, entendemos que sim.
Recorde-se que no caso sub judicio o autor apresentou-se na presente ação a exercer direito de preferência, enquanto proprietário confinante (art. 1380º do CC), relativamente a contrato de compra e venda celebrado pelos réus em 09/09/2016.
Ora, o direito de preferência numa versão tradicional autêntica, consiste na faculdade atribuída a alguém de em condições de igualdade (tanto por tanto) chamar a si com preterição de outrem a aquisição de determinada coisa ou direito que o titular pretenda alienar.”, cfr. Antunes Varela in RLJ 119, pág. 381.
Atentos os factos dados como provados na sentença, verifica-se que estamos perante uma situação em que existe divergência entre o preço declarado e o preço real (sendo este superior àquele).
Logo, provado o preço real da compra e venda, é este o preço pelo qual o direito de preferência do autor deve ser exercido, e não o preço declarado na escritura de compra e venda, decisão que se insere no objeto do processo, e que não é sequer discutido mas que referimos para contextualizar o caso em apreço.
Levanta-se, porém, a questão de saber se, efetuado o depósito pelo valor do preço declarado – inferior ao real e, portanto, insuficiente –, deve conferir-se ao autor o direito de preferência na aquisição do bem e em que prazo e como e a partir de quando?
Ou seja, a consequência da falta de depósito nos 15 dias seguintes à propositura da ação ( e que consabidamente é a caducidade) é a mesma da falta de depósito nos 15 dias após o trânsito da sentença e este poderá ser valorado como tal?

Relembre-se o que dispõe o n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil “O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.
“ São constitutivos do direito de preferência consagrado no art. 1410º, o pedido de reconhecimento desse direito, no prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e o depósito do preço, nos quinze dias seguintes à propositura da ação… o requerimento e o depósito são condições do direito de preferir…respeitam aos próprios interesses materiais ou substantivos, que são da alçada da lei civil e a inobservância de qualquer dos prazos- para requerer o seu exercício ou para efetuar o depósito- fazem-no precludir, são prazos de caducidade” (5).
Parece não levantar dúvidas entre a doutrina e jurisprudência qual a consequência da não realização do depósito do preço devido dentro do prazo fixado no art. 1410º,nº1 do CC; essa consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir.
Tal como acontece com o decurso do prazo de 6 meses previsto no mesmo art. 1410º, trata-se de um ónus que, a não ser observado pelo preferente, determinará a extinção do seu direito por caducidade. (6)
Ora, tratando-se do prazo para o exercício de um direito, é um prazo de caducidade, consoante decorre do nº 2 do artigo 298º do CC.
Importa ainda relembrar que o conhecimento relevante para efeitos do art. 1410º do CC é o conhecimento do peço real e não do preço simulado.
Todas estas definições supra aludidas, captadoras da essência do aludido direito de preferência, ditarão a solução a conferir à questão que nos é colocada.
Lê-se no Ac da RG de 19-06.2019 ( in dgsi) resumindo as citações feitas por Agostinho Cardoso Guedes que “ A conclusão, pois, não pode ser outra (em exigência à segurança do comércio e à boa-fé, e ponderando os interesses a tutelar) senão a de que o acontecimento que determina o termo inicial do prazo de seis meses para a propositura da acção de preferência é o conhecimento, por parte do preferente, da alienação propriamente dita, da identificação do bem alienado e da contrapartida suportada pelo terceiro na aquisição – porém, a ‘contrapartida verdadeira, pois provando-se a existência de simulação de preço, o conhecimento relevante para efeitos do art. 1401º, nº 1 do Código Civil é evidentemente o conhecimento do preço real e não do preço simulado’.
Acresce que nas situações em que o preferente, estruturando a ação proposta em função do preço revelado pelo ato jurídico, se vê surpreendido com a alegação de que o preço real é superior ao preço declarado, não pode considerar-se que o conhecimento efetivo de tal elemento deva estabelecer-se com a notificação da contestação, antes devendo situar-se com a trânsito da decisão que venha a declarar o preço real (superior ao declarado)”. (7)
Este aresto ainda alude à doutrina e jurisprudência que situa na data do trânsito da decisão que declara o preço real do negócio (superior ao declarado) o termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no art. 1410º, nº 1 do CC: P. de Lima e A. Varela, CC Anotad, p. 376. Também Vaz Serra RLJ, Ano 111, p. 260, situa na data do trânsito da decisão que fixa o preço real do negócio (em caso de simulação do preço) o início do prazo de caducidade previsto no art. 1410º, n 1 do CC. Esse entendimento parece ter sido também acolhido no acórdão do STJ de 22/02/2005 (Revista nº 4669/04), aludido no acórdão do STJ de 8/09/2016, ao referir que, existindo divergência entre o preço declarado e o preço real (superior àquele), ‘só a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio é que começa a correr o prazo para o exercício da acção de preferência’.
Lê-se no ac. do STJ de 08.09.2016, a propósito do Ac do STJ de 22.02.2005 o seguinte “De facto, (…) é o preço constante da escritura à data da instauração da acção de preferência (…) que o preferente tem de depositar, embora, provado posteriormente, ser superior o preço real, deva depositar a diferença (no prazo fixado na sentença), sob pena de perder o direito. (…) Por conseguinte, só a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio é que começa a correr o prazo para o exercício da acção de preferência (…)”.

Ora, para que se cumpra a lei, o artigo 1410º, n.º1 do CC exige que o preferente deposite o preço devido, e não o preço falso, declarado, tudo por forma a que não seja o tribunal a decidir de modo, a permitir uma situação violadora dos princípios que regem o instituto do enriquecimento sem causa, cfr. artº 473 do CC, conferindo ao preferente o direito por um preço que não era o real.
Ora, se assim é, então, apenas se poderá dar como provado tal preço real posteriormente e após a sentença, pelo que o depósito da diferença apenas poderá ter lugar a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio.
Em relação ao prazo de 15 dias fixado na sentença para o depósito do remanescente está fixado em consonância com o prazo legal aludido no art. 1410º do CC, ao contrário do defendido pelos recorrentes, sendo certo que a sentença não sofreu recurso, pelo que sempre seria questão nova e não suscetível de ser agora apreciada.
Ainda assim, dir-se-á o seguinte: se é só a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio é que começa a correr o prazo para o exercício da ação de preferência, também só será a partir do trânsito da decisão que começa a correr o prazo de 15 dias para o depósito do remanescente do preço devido, tudo sob pena de perder o direito ( pois como vimos estamos perante prazos de caducidade) e não como sustentado pelo recorrente: a consequência, caso não depositasse, seria a mora ou incumprimento.

Foi este o entendimento constante da sentença transitada em julgado quando alude “ deverá o autor proceder ao depósito do montante necessário para perfazer o preço efectivamente devido, num prazo correspondente ao previsto no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, com início no trânsito em julgado da presente decisão”.
E o entendimento a que se adere não briga com o sentimento de justiça ( ao contrário do sustentado pelo recorrente), dado que a ação do preferente tem na raiz um comportamento ilícito do vendedor – que não deu cumprimento ao dever que lhe era imposto pelo art. 416º/1 do CC – e, muitas vezes, um comportamento negligente do comprador que, conhecendo a situação de facto, não curou de se assegurar de que, em concreto, estava excluída a possibilidade de exercício do direito de preferência por parte do respetivo titular.
E é assim seja aquando de depósito do preço nos 15 dias a contar da propositura da ação, seja nos 15 dias a contar do trânsito da sentença ( no que toca ao remanescente do preço- quando o preço real é superior ao declarado e depositado).

No caso dos autos ficou provado que o preço real é superior ao declarado no negócio.
Assim, só a partir do trânsito em julgado de tal decisão teve o autor conhecimento (não uma suspeita ou até uma convicção mais ou menos segura) de elemento essencial da alienação, decisivo não só à formação da vontade de preferir (ou não), como também para a estruturação da acção e procedência desta.
Assim, porque o termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no art. 1410º, nº 1 do CC é, no caso concreto, o trânsito da decisão em que foi declarado o preço do negócio, tendo-se apurado que o trânsito ocorreu 30 dias após a notificação ao A da sentença (acrescida de 3 dias-14.01.2020+3 dias), então ocorrendo o mesmo em 17.02.2020, o depósito realizado em 12.03.2020, foi feito muito além dos 15 dias conferidos para a sua realização após o trânsito, concluindo-se, assim, verificar-se a exceção da caducidade.
Com efeito, estando em causa um prazo de caducidade e como tal não suspende nem se interrompe senão nos casos determinados na lei ( art. 328º do CC), um prazo que mede a própria duração do direito, e em que está em causa o mero facto objetivo do decurso do tempo ( não cabendo analisar as circunstâncias subjetivas de quem deve realizar tais atos) (8), dir-se-á que o A podia e devia ter calculado com inteira exatidão, como lhe competia, o início e o fim do prazo de que dispunha para o depósito aludido no art. 1410º do CC e consignado na sentença transitada em julgado, prazo esse que não pode ser alargado, como o recorrente pretendia e pretende, em violação da lei.

Assim sendo, concluindo-se que o depósito do remanescente foi realizado extemporaneamente, extinguiu-se o direito que o demandante pretendia exercitar, ou seja, preferir na compra a que os autos respeitam.
Ou seja, mostra-se verificada a caducidade do direito do Autor/Recorrente como decidiu a 1ª Instância.
Em face do exposto, improcede integralmente o recurso.
*
VI. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo A/recorrente.
*
Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Assinado electronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha e
Lígia Venade



1. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 1981, volume V, p. 127, em anotação ao art. 666.º do CPC de 1939.
2. Recursos no Novo CPC, p. 147, nota 246
3. In ob cit, p. 147.
4. In ob. Cit. pag. 147.
5. In Carvalho Fernandes, “ Preferência”, p. 66, ed 2001. No mesmo sentido, chamando-lhe “ónus” ( e não deveres), pois a não adoção desses comportamentos por parte do preferente não o constitui em responsabilidade mas tem como consequência uma desvantagem: a perda do direito, vide “ O exercício do direito de preferência” de Agostinho Cardoso Guedes, p. 639, citando Oliveira Ascensão, “ O depósito do preço…, p. 195).
6. Neste sentido, cfr.Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. III, p. 373, Oliveira Ascensão,ob cit, p. 168; na jurisprudência, vide AC STJ de 17.07.1980, BMJ 299,p. 331, AC da RP de 07-12-2010 e AC da RG de 24-05-2018
7. O mesmo aresto impressivamente argumenta ainda que “ Estando na acção em discussão tal divergência – reportamo-nos aos casos em que o preço declarado é inferior ao preço real – não pode legitimamente exigir-se ao autor que tenha por boa a alegação dos demandados quanto à referida divergência – ele tem direito a ser judicialmente convencido dela.Entender doutra forma permitiria sujeitar o preferente a dever jurídico que não vemos impostos pela lei (sequer pela boa-fé ou dever de probidade), qual seja o de ter por boa e certa a alegação dos réus, tanto mais quando foi o incumprimento do vinculado à preferência (alienante) – desde logo ao não comunicar a alienação e o preço real dela – que gerou a necessidade do recurso à acção de preferência para a realização coerciva do direito ao contrato.
8. Vide Comentário ao CC- parte Geral, UCPFD, p. 778, comentário de Júlio Gomes citando doutrina italiana.