APREENSÃO EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PRODUTO DA VENDA REALIZADA EM PROCESSO EXECUTIVO
Sumário


Sumário da Relatora (663º/7 do CIRE):

1. Não pode ser apreciado em recurso de apelação o pedido de declaração de nulidade de atos praticados no processo de execução após a declaração da insolvência, quando a decisão recorrida proferida num processo de liquidação da insolvência não apreciou essa questão, que não lhe foi suscitada nem no processo de execução, nem no requerimento decidido.
2. Não pode ser apreendido no processo de insolvência o valor do produto da venda realizada em processo de execução, nos termos do art.149º/2 do CIRE: quando e na medida em que o mesmo já tenha sido entregue em pagamento dos créditos reconhecidos nesse processo, ainda que os pagamentos tenham sido realizados após a declaração da insolvência; quando estes atos não tenham sido previamente declarados nulos, com a restituição dos valores ao processo.
3. A operância dos efeitos decorrentes da sentença de declaração de insolvência- de suspensão da execução e pagamentos, nos termos do art.88º/1 do CIRE, e de apreensão de bens ou do produto da venda, nos termos do art.149º/1 e 2 do CIRE- exige: que o administrador da insolvência cumpra a obrigação de comunicação do art.88º/4 do CIRE e de apreensão material dos bens ou valores, nos termos do art.150º do CIRE; e/ou o tribunal cumpra o disposto no art.85º/2 do CIRE

Texto Integral


As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:

No processo de liquidação do ativo nº3593/17.0T8GMR-C da insolvência de E. L. e de J. L.:

1. A 11.12.2019 X STC, S.A., requerente e credora da insolvência, requereu a apreensão da totalidade do produto da venda realizada no processo nº 1090/11.6TBGMR, em favor da massa insolvente, alegando:
«1. Em 23 de junho de 2017, a ora Credora, instaurou contra os Requeridos, o presente processo, cuja insolvência veio a ser decretada em 09/08/2018.
2. Acontece que, corria termos contra os Requeridos, no Juiz 2, do Juízo de Execução de Guimarães, sob o nº 10901/11.6TBGMR, processo de execução, que foi informado da pendência do presente processo de insolvência.
3. Não obstante, a Sra. Agente de Execução prosseguiu com as diligências de penhora e com a venda do imóvel ali penhorado.
4. Tendo em consideração que a venda do imóvel ocorreu na pendência deste processo de insolvência, a aqui Credora, requereu a anulação da dita venda, o que foi julgado improcedente, pelo que se interpôs recurso daquela decisão, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães confirmado a sentença proferida em 1ª instância.
5. Ora, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, resulta que a Sra. Agente de Execução poderia, conforme fez, dar continuidade às diligências executivas, nomeadamente à venda do imóvel, que veio a ocorrer em junho de 2018, antes de ter sido declarada a insolvência dos Requeridos.
6. Não foi, no entanto, objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a questão do produto da venda do imóvel ser apreendido na totalidade a favor da massa insolvente, uma vez que a 1ª Instância não conheceu da mesma, por ter expressamente, considerado que essa questão tinha de ser apreciada pelo tribunal da insolvência, isto é, pelo Juízo de Comércio de Guimarães, para quem remeteu os autos de execução a fim de serem apensos ao processo de insolvência.
7. Mais acrescenta o Acórdão que: “é indiscutível que não tendo a decisão recorrida apreciado essa concreta questão, não pode esta ser sindicada no âmbito da presente apelação, mas apenas no eventual recurso que venha a ser interposto da decisão que a venha a apreciar e a ser proferida pelo Tribunal que declarou a insolvência do executado.”
8. Nesta senda, vem a Credora, perante V. Exa. requerer que seja determinada a apreensão da totalidade do produto da venda – 75.000,00€ - a favor da Massa Insolvente, isto porque,
9. Não obstante ser verdade, conforme resulta do Acórdão, que em primeira linha, à data da venda não tinham ainda os Requeridos sido declarados insolventes e que, por outro lado, não foi requerida expressamente a suspensão da execução com fundamento no artigo 793.º do C.P.C., dúvidas não subsistem que os pagamentos efetuados aos credores pela Sra. Agente de Execução no processo acima identificado, ocorreram após a data de declaração de insolvência.
10. Ora, ao abrigo do disposto no artigo 88.º do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas que atinjam os bens integrantes da massa insolvente, ao que não foi dado cumprimento pela Sra. Agente de Execução, favorecendo, indevidamente, alguns credores em detrimento de outros, em claro prejuízo do princípio da igualdade.
11. Por todo o exposto, requer-se a V. Exa. que determine a apreensão da totalidade do produto da venda a favor da massa insolvente.».
2. A 18.12.2019 a administradora judicial declarou em relação a I- 1 supra:
«adere na íntegra á fundamentação do mesmo.
Junta-se a comunicação da Senhora Solicitadora de Execução O. A., de cujo teor decorre que os pagamentos foram efectuados em 14 de Setembro de 2018, portanto em data posterior à da sentença de declaração de insolvência proferida em 9 de Agosto de 2018.
Conclui-se que o valor de 75 000,00€ relativo ao produto da venda do imóvel pertencente aos insolventes no processo nº 1090/11.6TBGMR - Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2, deverá ser apreendido para a massa insolvente, nos termos do nº 2 do artigo 149º do CIRE, juntando-se o competente auto de apreensão no apenso próprio.».
3. Por despacho de 15.01.2020
«O pedido da declaração de nulidade da venda realizada em sede de processo executivo foi julgado improcedente quer na primeira instância, quer em sede de recurso, por decisão já transitada em julgado.
A execução não foi suspensa por força da declaração de insolvência.
Dispõe o artigo 149º nº 2 do CIRE que se os bens já tiverem sido vendidos a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
Os pagamentos em sede de execução foram realizados a 14/09/2018.
A execução foi extinta a 17/10/2018.
A Sr.(a) Administrador (a) de Insolvência pediu a 15/11/2018 nos autos de execução a sua suspensão por força da declaração de insolvência.
Face ao que consta do próprio Acórdão da Relação de Guimarães quando apreciou a nulidade da venda, a comunicação feita pela Requerente do processo de Insolvência e Apelante à Agente de Execução sem que tivesse pedido expressamente a suspensão da execução era inapta a operar a suspensão em causa.
Do exposto resulta que quando a suspensão foi requerida pela Sr.(a) Administrador (a) de Insolvência já os pagamentos se mostravam realizados e a execução extinta.
Ainda que os pagamentos na execução hajam ocorrido após a declaração de insolvência, o certo é que a execução não se mostrava suspensa e o art. 149º do CIRE ressalva os pagamentos já realizados.
Em face de todo o exposto, indefere-se o requerido pela Credora e como tal apenas deverá ser apreendido o remanescente da venda realizada.
Notifique.».
4. A requerente de I-1 supra interpôs o presente recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«I. Em 23 de junho de 2017, a ora Recorrente, instaurou contra os Recorridos, o presente processo, cuja insolvência veio a ser decretada em 09/08/2018.
II. Acontece que, corria termos contra os Recorridos, no Juiz 2, do Juízo de Execução de Guimarães, sob o nº 10901/11.6TBGMR, processo de execução, no qual a aqui Recorrente não reclamou créditos.
III. No dia 15 de junho de 2018, a aqui Recorrente informou a Sra. Agente de Execução da pendência do presente processo de insolvência.
IV. Não obstante, a ação executiva prosseguiu os seus normais tramites, tendo, no dia 21 de junho de 2018 sido vendido o imóvel ali penhorado, sobre o qual a aqui Recorrente detinha garantia real registada.
V. A Recorrente, interpôs recurso, requerendo que a venda fosse declarada nula, o que foi julgado improcedente e repartiu parte do produto da venda pela Exequente e credores reclamantes (o que ocorreu em setembro de 2018, i.e., em data posterior à declaração de insolvência).
VI. Não foi, no entanto, objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a questão do produto da venda do imóvel ser apreendido na totalidade a favor da massa insolvente, uma vez que a 1ª Instância não conheceu da mesma por considerar que essa questão tinha de ser apreciada pelo tribunal da insolvência, isto é, pelo Juízo de Comércio de Guimarães, para quem remeteu os autos de execução a fim de serem apensos ao processo de insolvência.
VII. Nesta senda, veio a ora Recorrente, junto do Tribunal a quo, requerer que a apreensão da totalidade do produto da venda – 75.000,00€ - a favor da Massa Insolvente, isto porque, conforme resulta do dito Acórdão, em primeira linha, à data da venda não tinham ainda os Requeridos sido declarados insolventes e que, por outro lado, não foi requerida expressamente a suspensão da execução com fundamento no artigo 793.º do C.P.C.
VIII. Dúvidas não subsistem que os pagamentos efetuados aos credores pela Sra. Agente de Execução no processo acima identificado, ocorreram após a data de declaração de insolvência.
IX. Salvo melhor entendimento o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas invocadas, nomeadamente, do artigo 149.º do CIRE e do 793.º da C.P.C.
X. O artigo 793.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), estipula que “qualquer credor pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir pagamentos, mostrando que foi requerida a recuperação de empresa ou a insolvência do executado.”(sublinhado nosso)
XI. O mencionado normativo legal refere “requerida” e não “declarada”, pelo que esta questão já não se coloca na data em que a Sra. Agente de Execução efetuou os pagamentos aos credores no processo de execução, isto porque,
XII. No dia 14/09/2019 a insolvência já tinha sido decretada e era obrigação da Sra. Agente de Execução - que tinha conhecimento desde junho de 2018 da pendência destes autos de insolvência – de verificar o estado do processo de insolvência e consequentemente entregar à Massa Insolvente a totalidade do produto da venda, o que não se verificou.
XIII. Nos termos do artigo 88.° do CIRE, a declaração judicial de insolvência determina a imediata suspensão de quaisquer diligências que tenham por objeto bens integrantes da massa insolvente, nomeada e principalmente penhoras e afins, que retirem à universalidade dos credores do insolvente a possibilidade de serem efetivamente ressarcidos ao abrigo do regime previsto no diploma em análise, ou seja, de acordo com o princípio par conditio creditor um.
XIV. A circunstância de não se verificar a suspensão acima referida tem como consequência a nulidade dos atos que tenham sido praticados após a decretação da insolvência, o que deve ser oficiosamente declarado logo que a situação seja conhecida.
XV. Mais, o artigo 149.º do CIRE estipula os efeitos da declaração de insolvência – e não quando apenas foi requerida- quanto à apreensão de bens o artigo 150° do CIRE dispõe que o poder de apreensão resulta da declaração de insolvência.
XVI. Atento o disposto no artigo 88º, nº1, do C.I.R.E., inquestionável é que após a declaração de insolvência, não poderia a execução identificada em ter continuado a prosseguir os seus termos (antes deveria ter sido sustada), não se justificando o pagamento efetuado pela Sra. Agente de Execução aos credores em setembro de 2018.
XVII. A ratio do processo de insolvência, que é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum ), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece, não, assim, respeitado no caso sub judice , uma vez que á revelia de todos os preceitos já explorados, a execução prosseguiu os seus termos.
XVIII. Na verdade, tem o aludido princípio - par conditio creditorum - , como avisa Catarina Serra, precisamente por desiderato “ impedir que algum credor possa obter, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores.”.
XIX. Muito bem sabia Sra. Agente de Execução que se encontrava pendente processo de insolvência, cabendo-lhe, assim acautelar os princípio gerais do direito e da boa fé processual, o que deliberadamente não fez.
XX. Em suma, tendo em conta que o produto da venda executiva em causa pertence à insolvente – como o acórdão recorrido acaba por reconhecer, e só assim se compreende que se houver saldo da satisfação do crédito exequente e dos créditos preferentes, aquele reverta para o executado -, esse produto tem de ser apreendido para a massa, ficando prejudicada a finalidade decorrente da execução, por se sobrepor a essa um fim superior.
XXI. Por todo o exposto, deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que declare nulos os atos praticados pela Sra. Agente de Execução após a declaração de insolvência, ordenando a apreensão da totalidade do produto da venda do imóvel à ordem da Massa Insolvente.
Termos em que, e nos demais de direito que V. Exas suprirão, deve ser o presente Recurso ser julgado procedente por provado, devendo do despacho recorrido ser substituído por outro nos termos supra requeridos, com que farão a já acostumada Justiça!».
5. Não foi apresentada resposta às alegações de I-4 supra.
6. Recebido o recurso no Tribunal de 1ª instância, foi após fixado o valor processual da causa.
7. Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foi o processo aos vistos às Senhoras Juízes Desembargadoras Adjuntas.

II. Questões a decidir:

1. Se pode ser apreciada a declaração da nulidade dos atos praticados pela agente de execução no processo executivo nº1090/11.6TBGMR, atualmente com o nº3593/17.0T8GMR-H.G1, após a declaração da insolvência de 10.07.2018 e de 09.08.2018.
2. Se deve ser apreendida a totalidade de produto da venda do imóvel realizada no processo executivo referido em II- 1 supra, no valor de € 75 000, 00, com o qual se fizeram pagamentos no processo executivo entre 14.09.2018 e 17.10.2018.

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:

1.1. No processo executivo sumário nº1090/11.6TBGMR, instaurado pelo Banco … Finance, SA contra J. L., a pedir a execução de € 1207, 70, acrescido de juros vincendos sobre o capital de € 1099, 84, por requerimento inicial de 15 de março de 2011 (fls.31 ss da certidão):
1) A 15.04.2011 foi penhorada a fração H do prédio descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial de … da freguesia de … sob o nº …/19940210, prédio este: com inscrição de aquisição da propriedade em favor de J. L. e da mulher E. L., casados em comunhão de adquiridos, pela Ap. 18 de 2007/12/18; com inscrição de constituição de hipoteca voluntária em favor da Caixa …, até ao valor máximo de € 133 694, 32, pela Ap. 19 de 2007/12/18; com inscrição de transmissão crédito hipotecário pela Caixa … à X STC, SA pela Ap. 364 de 2016/04/11 (fls.88/v e 89, 578 ss da certidão).
2) A 17.11.2016 a credora hipotecária X STC, SA foi citada para reclamar créditos no processo executivo, sem que o tenha feito (fls.85 e 104, 106; fls.598/verso e fls.599 da certidão).
3) A 21.06.2018, após audição das partes e credores sobre a venda da fração referida em a) supra e após despacho de 12.06.2018 a autorizar a referida venda por € 75 000, 00, a referida fração foi declarada vender por Y Unipessoal, Lda. a J. M. pelo preço de € 75 000, 00, acordo esse lavrado por documento particular autenticado (fls.161 a 180 da certidão).
4) A 14.09.2018 a agente de execução fez pagamentos referidos em 5)- 2º a 5º (fls.208 ss da certidão).
5) A 17.09.2018 a agente de execução apresentou as seguintes informações, documentos e pedidos de informação ao processo executivo:
a) Informou que do produto da venda foram e iriam ser realizados os seguintes pagamentos (declarando juntar comprovativos dos mesmos, resultantes da conta notificada às partes a 05.07.2018):
1º- Honorários do agente de execução no valor de € 3 529, 57, a pagar a final.
2º- Pagamento realizado a 14.09.2018 ao Encarregado de Venda Y, Lda. no valor de € 3 690, 00.
3º- Pagamento realizado a 14.09.2018 dos Juros Compulsórios no valor de € 212, 87.
4º-Pagamento realizado a 14.09.2018 ao Exequente, no valor de € 1 845, 54.
5º- Pagamento realizado a 14.09.2018 ao Credor graduado por sentença de 15.11.2017 proferida no apenso A, no valor de € 24 311, 84.
b) Informou que sobre o imóvel existe uma hipoteca voluntária em favor de X STC, que não reclamou os seus créditos e perdeu a “garantia que subsistia em seu favor sobre o imóvel vendido”.
c) Pediu a intervenção do Ministério Público, representante do executado ausente, para se decidir o destino do remanescente da venda depositado nos autos, ao que este nada requereu na vista subsequente de 03.10.2018 (fls.208 ss e 254 ss, em referência a fls.190 ss, 221 da certidão).
6) A 17.10.2018 a agente de execução declarou extinta a instância executiva e notificou a mesma aos mandatários da exequente e do credor W e ao Ministério Público (fls.225 ss da certidão).
7) A administradora judicial do processo referido em 1.3. infra dirigiu requerimentos à execução, nos quais: a 15.11.2018 pediu a suspensão dos autos, nos termos do art.88º do CIRE, e a sua apensação ao processo de insolvência, nos termos do art.85º do CIRE; a 06.12.2018 pediu a confiança do processo, que lhe foi feita a 17.12.2018 (fls.253 e 229 ss da certidão).
8) A 28.01.2019 a X STC, SA: juntou procuração ao processo executivo e requereu a nulidade da venda com reversão da situação ao estado anterior, alegando como fundamento que a administradora da insolvência comunicou à administradora da execução a pendência da ação de insolvência nos termos e para os efeitos do art.793º do C. P. Civil, que o processo não foi suspenso como deveria ter sido e em contrariedade com estas obrigação o bem foi vendido e foram feitos pagamentos aos credores (fls.233 ss da certidão).
9) A 06.06.2019:
a) Foi julgado improcedente o incidente de nulidade da venda referido em 8) supra, decisão esta confirmada, após recurso de apelação, pelo acórdão da Relação de Guimarães de 21.11.2019 (que considerou: que os efeitos suspensivos do 793º do C. P. Civil exigiam a apresentação de requerimento e não eram oficiosos como os do art.88º do CIRE; que a comunicação de 15.06.2018, referida em 1.2) infra, não tinha caráter de requerimento para os efeitos da operância dos efeitos art.793º do C. P. Civil).
b) Foi determinada a remessa do processo executivo para apensação ao processo de insolvência, remessa concretizada a 18.06.2019, quanto a esta ação executiva e aos apensos de reclamação de créditos e de habilitação de cessionário nº1090/11.6TBGMR-A e B, passando a ação executiva a assumir o nº3593/17.0T8GMR-D ((fls.276 ss, 23 ss e fls.338/v ss da certidão).
10) A 10.01.2020 a agente de execução transferiu para a conta da massa insolvente o remanescente do produto da venda, em duas prestações, no valor global de € 41 410, 48 (fls.299 a 301).
1.2. A 15.06.2018, em comunicações extrajudiciais respeitantes ao processo nº1090/11.6TBGMR referido em 1.1) supra:
1) Uma funcionária da agente de execução, em seu nome, remeteu email para G. O. e L. I. (mandatária da X, SA no processo referido em 1.2) supra e 1.3) infra), com o seguinte teor:
«Exmos. Senhores Doutores,
Apenas para conhecimento e na sequência de todas as comunicações remetidas a V. Exas., junto o despacho judicial que autoriza a venda do prédio penhorado no valor de 75.000.00 €.
Relembro que a X foi citada para reclamar créditos, enquanto credora com garantia real, e pese embora o tenha sido regularmente citada NÃO recamou créditos e consequentemente o Tribunal não gradou a hipoteca.»
2) G. O. respondeu por email o seguinte:
«Exma. Srª Agente de Execução,
Em resposta ao seu email que mereceu a melhor consideração, sou a informar V. Exa de que, em 23/06/2017 foi interposta contra o executado ação de insolvência que corre termos sob o nº3593/17.0T8GMR do Juízo de Comércio de Guimarães (Juiz 1), a qual se encontra em fase de recurso, pelo que somos a aguardar a decisão que recairá sobre o recurso apresentado.» (fls.21/v).
1.3. No processo de insolvência nº3593/17.0T8GMR, instaurado por X STC, SA contra E. L. e J. L. por requerimento inicial de 23 de junho de 2017:
1) Por acórdão de 10.07.2018, proferido pela 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, foi declarada a insolvência dos requeridos (fls.302 ss, 516 ss da certidão).
2) Por decisão de 09.08.2018 foram determinadas na 1ª instância as demais ordens da decisão de insolvência a que se refere o art.36º do CIRE, nos seguintes termos:
«Vi o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

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Em face do aí decidido:
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Fixo, como residência dos insolventes, E. L. e J. L. a seguinte: Rua … Caldas das Taipas.
*
Para administrador da insolvência nomeio o Exmo Sr. Dra. M. P., com domicílio profissional na Avenida …, Guimarães (artigo 36º, alínea d), do CIRE), que integra a lista oficial de administradores, nos termos do artigo 2º, n.º 3, da Lei n.º 32/04 de 22/07, e que foi indicada pela requerente.
*
Determino a entrega imediata pela devedora ao administrador da insolvência dos documentos referidos no artigo 24.º, n.º 1, do CIRE, que não constem dos autos.
*
Proceda-se à apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.
*
Não declaro, por ora, aberto o incidente de qualificação da insolvência (artigo 36º, n.º 1, alínea i), do CIRE).
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Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
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Advertem-se todos os credores da insolvente de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem.
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Advertem-se todos os devedores da insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não à própria insolvente.
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Para realização de assembleia de apreciação do relatório designa-se o próximo dia 3 de Outubro de 2018, pelas 09:30 horas.
*
Em face da alegada exiguidade de bens da massa insolvente, dispenso, por ora, a nomeação de comissão de credores.
*
Determino a avocação de todos os processos de execução fiscal eventualmente pendentes, que serão apensados aos presentes autos (artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário – aprovado pelo Decreto Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro).
*
Notifique o administrador da insolvência com a advertência de que, para além do mais, deverá dar cumprimento ao disposto no artigo 181.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
*
Cite os credores da insolvente, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE.
*
Cite editalmente os demais credores e outros interessados, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 7, do CIRE.
*
Cumpra o disposto no artigo 37º, n.º 2, do CIRE.
*
Registe no registo informático de execuções e comunique ao Banco de Portugal, tudo nos termos do disposto nos artigos 38.º, n.º 2, alínea b), e 3, alíneas a), b) e c), do CIRE.» (processo eletrónico).
3) A 10.08.2018 foram remetidas notificações ao requerente e aos insolventes, foi feita a comunicação à Conservatória de Registo Comercial, foi passado anúncio e edital e foi feita a informação do art.38º/6-b) do CIRE (processo eletrónico).
4) A 14.08.2018 a W, credor graduado na execução de 1.1. supra, reclamou no processo de insolvência o valor de € 24 442, 65 (fls.542 ss).
5) A 04.10.2018 a Senhora Administradora da insolvência nomeada lavrou auto de apreensão da fração H do prédio …, referida em 1.1.-1) supra (fls.621/v e 622).
6) A 11.12.2019 foi apresentado o requerimento de apreensão do produto da venda referido em I-1. supra.
7) A 18.12.2019 a Senhora Administradora da insolvência lavrou auto de apreensão do valor de € 75 000, 00, a título de produto da venda obtido no processo nº1090/11.6TBGMR, referido em 1.1. supra (fls.591 ss).
8) A 15.01.2020 foi proferida a decisão referida em I-3 supra, que admitiu a apreensão apenas do remanescente do produto da venda, despacho após o qual a agente da execução realizou as transferências referidas em III-1.1. -10) supra.

2. Apreciação de mérito do objeto do recurso:

2.1. Quanto ao pedido de nulidade dos atos praticados na ação executiva após a declaração da insolvência:
O Tribunal da Relação apenas pode apreciar a decisão recorrida referida em I-3 supra, incidente sobre o requerimento de I-1 supra, proferidos no processo de liquidação da massa insolvente nº3593/17.0T8GMR-C.
Ora, para além deste requerimento sobre o qual recaiu a decisão recorrida não ter sido apresentado no processo executivo nº1090/11.6TBGMR (atualmente com o nº3593/17.0T8GMR-D), não ter aí sido tramitado (nomeadamente com o cumprimento do contraditório em relação a todos os interessados), nem ter aí sido decidido, o requerimento não pediu a nulidade dos atos processuais deste processo executivo posteriores à declaração da insolvência, nem a decisão recorrida apreciou esta questão não suscitada (ainda que a mesma pudesse estar conexa com o pedido de apreensão da totalidade do produto da venda apresentado no processo de liquidação da insolvência).
Assim, apresentação neste recurso de um pedido de nulidade de atos processuais do processo executivo, efeito jurídico não pedido no Tribunal a quo, nem apreciado por este, corresponde à arguição de uma questão nova impassível de apresentar e apreciar neste recurso de apelação da decisão recorrida de 15.01.2020.
Neste sentido, pode ver-se, nomeadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2016, proferido no processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, relatado por Gonçalves Rocha, que entendeu e sumariou:
«Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social.»
«Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se via a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação»(1).
Desta forma, rejeita-se a apreciação do pedido de declaração da nulidade dos atos processuais do processo executivo, que tenham sido praticados após a declaração da insolvência.

2.2. Quanto ao pedido de apreensão do valor total do produto da venda do processo executivo de € 75 000, 00:
2.2.1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores que, quando esta não possa ocorrer pela forma prevista num plano de insolvência (baseado nomeadamente na recuperação da empresa), se realiza através da liquidação do património do devedor insolvente e na repartição dos produtos pelos credores (art.1º do CIRE).
É neste contexto que se integram as previsões normativas: que permitem que qualquer credor da insolvência apresente requerimento no processo executivo com vista à suspensão de atos executivos nas execuções pendentes na pendência do processo de insolvência e antes da sua declaração (art.793º do C. P. Civil); que determinam que, com a declaração da insolvência, sejam automática e oficiosamente suspensas todas as execuções pendentes contra o executado/insolvente (para o que, para além da publicitação da sentença, cabe ao administrador deveres de comunicação tempestiva da sentença aos agentes de execução das ações pendentes) e sejam apreendidos os bens do insolvente para posterior liquidação (arts.36º/1-g), 38º, 46º, 88º, 149º, 150º do CIRE).
De facto, antes da declaração de insolvência, e na pendência do respetivo processo, qualquer credor interessado «pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, mostrando que foi requerida a recuperação de empresa ou a insolvência do executado.» (art.793º do C. P. Civil).
Por sua vez, com a declaração da insolvência, nos termos do art.36º do CIRE, onde o Juiz decreta também a apreensão de bens do insolvente para imediata entrega ao administrador («Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos de contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº1 do artigo 150º» - art.36º/1-g) do CIRE).

1) Suspendem-se automaticamente os processos executivos que estiverem a correr, para o que o administrador deve realizar as comunicações escritas pertinentes:

«1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.», para o que define «4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.» (art.88º/1 e 4 do CIRE).

Como refere Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, a este propósito, «3. O regime instituído no nº.1, na parte inicial, é um efeito automático da declaração da insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado. Já se vê, porém que, naturalmente, ele só será efetivamente concretizado quando o tribunal onde se verifica a diligência ou a providência tenha conhecimento do facto suspensivo.» (2).

2) Procede-se à apensação de ações ao processo de insolvência, nomeadamente daquelas em que tenham sido feitas apreensões de bens:
«1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2 - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3 - O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.». (art.85º do CIRE).
3) Devem ser apreendidos e entregues ao administrador os bens do insolvente que integram a massa insolvente ou, no caso destes terem sido vendidos, o produto da venda, no caso de não ter sido pago aos credores ou não ter sido por eles repartido:
«1-Proferida a sentença declaratória da insolvência procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.» (art.149º/1 e 2 do CIRE).
Para este efeito do art.149º/1 do CIRE a massa insolvente abrange, salvo disposição em contrário, «todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.», massa essa que se destina «à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas» (art.46º/1 do CIRE).

E, para o mesmo efeito, cabe ao administrador, ainda que a apreensão resulte da declaração da insolvência, diligenciar pela entrega dos bens e lavrar o auto de arrolamento ou entrega direta através de balanço, nos termos do art.150º do CIRE.

«1 - O poder de apreensão resulta da declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 756.º do Código de Processo Civil, no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados.
2 - A apreensão é feita pelo próprio administrador da insolvência, assistido pela comissão de credores ou por um representante desta, se existir, e, quando conveniente, na presença do credor requerente da insolvência e do próprio insolvente.
3 - Sempre que ao administrador da insolvência não convenha fazê-lo pessoalmente, é a apreensão de bens sitos em comarca que não seja a da insolvência realizada por meio de deprecada, ficando esses bens confiados a depositário especial, mas à ordem do administrador da insolvência.
4 - A apreensão é feita mediante arrolamento, ou por entrega directa através de balanço, de harmonia com as regras seguintes: (…)
5- (…)
6 - As somas recebidas em dinheiro pelo administrador da insolvência, ressalvadas as estritamente indispensáveis às despesas correntes de administração, devem ser imediatamente depositadas em instituição de crédito escolhida pelo administrador da insolvência.» (art.150º do CIRE).
2.2.2. Ora, apreciando os factos provados referidos em III-1 supra, perante este quadro normativo referido em III-2.1. supra, verifica-se o seguinte.
A. A venda da fração penhorada ocorreu na pendência do processo de insolvência mas antes da sua declaração e foi efetuada num processo executivo anterior e não suspenso por força da pendência do processo de insolvência, nos termos do art.793º do C. P. Civil.
Ora, esta venda ocorreu validamente no processo executivo, uma vez que o mesmo não se suspendeu, nos termos do art.793º do C. P. Civil, conforme foi reconhecido por acórdão transitado em julgado. A falta de apresentação por qualquer credor de requerimento com pretensão de suspensão da execução, de forma expressa ou tácita, apenas é imputável aos credores, sobretudo, à credora hipotecária X, SA, e recorrente neste recurso, uma vez: que era público pelo registo predial que a fração H estava penhorada num processo executivo; que a X, SA era credora hipotecária do bem penhorado, foi citada para o processo executivo e foi-lhe comunicado pela agente da execução a 15.06.2018 que tinha sido autorizada judicialmente a venda da fração penhorada no processo e hipotecada.
Por sua vez, em face da transmissão da propriedade ocorrida com a venda de 21.06.2018, nos termos dos arts.874º e 879º/a) do C. Civil, à data da declaração da insolvência de 10.07.2018 já não existia no património do insolvente qualquer fração H para ser apreendida e integrar a massa insolvente, nos termos dos arts.149º/1 e 150º do CIRE, em referência ao art.46º/1 do CIRE.
B. À data da declaração da insolvência de 10.07.2018 encontrava-se depositado nos autos o produto da venda de € 75 000, 00 da fração H. Todavia, a 15.11.2018, quando a administradora da insolvência pediu no processo executivo a sua suspensão e a apensação ao processo de insolvência, já a execução se encontrava extinta desde 17.10.2018, com prévio pagamento do valor global de € 33 589, 52 (a título dos créditos do exequente e de credor graduado, dos juros compulsórios ao Estado e das despesas da venda a 14.09.2018 e dos honorários da agente da execução e das custas).
Ora, no âmbito da apreciação da questão jurídica em apreciação, face a esta matéria, desenvolveram-se duas linhas da jurisprudência no que se refere à apreensibilidade do produto da venda realizada antes da declaração da insolvência em ação executiva não suspensa, em referência ao disposto no art.149º/2 do CIRE.
Por um lado, para uma corrente da jurisprudência o produto da venda existente à data da declaração da insolvência mas decorrente de venda anterior a esta declaração não é propriedade do executado e, como tal, não pode ser apreendido para a massa insolvente (sem prejuízo de poder ser apreendido o remanescente depois de pagas as custas e os créditos da execução).
Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2014, proferido no processo nº 2308/11.0TBACB.C1.S1, relatado por Orlando Afonso, defendeu, com recurso ao espirito da lei, à unidade do sistema e ao respeito pelo caso julgado, que o produto da venda realizada antes da declaração da insolvência não pertence ao executado e não pode ser apreendido com a declaração da insolvência pois a sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado realizada em relação ao processo de execução e antes da declaração da insolvência definiu o destino do produto da venda e procedeu à sua repartição (ainda que a entrega material aos credores venha a ocorrer após). Neste acórdão, contestado por Menezes Leitão (3), sumariou-se:

«I - Da conjugação entre o disposto no art. 88.º, n.º 1, no art. 149.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CIRE, e no art. 180.º do CPPT, extrai-se que, declarada a insolvência, ficam sustados todos os processos executivos pendentes, sendo vedada, aos credores da insolvência, a possibilidade de instauração de novas acções executivas.
II - Tendo transitado em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de execução fiscal que correu termos contra os insolventes, ficou determinada a forma pela qual o produto da venda do prédio penhora seria repartido pelos credores.
III - Assim, cabendo apenas ao competente serviço de finanças – na qualidade de fiel depositário do preço –, proceder à entrega material dos respectivos montantes, deve aquele processo considerar-se extinto e não pendente para efeitos de apreensão dos bens prevista no art. 85.º, n.º 2, do CIRE.
III - Carece de correspondência com o espírito da lei; coloca em causa a unidade sistémica dos diplomas em presença e atinge o caso julgado a interpretação meramente literal do disposto no art. 176.º, al. a) do CPPT que defende que a execução fiscal apenas se extingue com a realização dos pagamentos.
IV - Vendido o imóvel e transitada em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos, não podem as quantias provenientes da venda ser tidas ainda como património dos executados, devendo antes ser consideradas como propriedade dos credores que viram os créditos por si reclamados ali graduados e reconhecidos, pelo que, nesta situação, não pode ocorrer a apreensão para o processo de insolvência da quantia referente ao produto da venda, nos termos do art. 85.º, n.º 2, do CIRE.» (4).

No sentido do mesmo efeito jurídico-prático, embora com argumentação distinta, o acórdão da Relação de Lisboa de 11.07.2019, proferido no processo nº111/04.3TTLSB-A.L1-4, relatado por Duro Cardoso, defendeu: que a possibilidade de apreensão do produto da venda prevista no art.149º/2 do CIRE refere-se necessariamente à prévia previsão do art.149º/1 do CIRE, isto é, ao produto da venda de bens do executado que existiam na data da declaração da insolvência e que poderiam ter sido apreendidos para a insolvência (se a execução tivesse sido suspensa), nos termos do art.46º/1 e 149º/1 do CIRE, atendendo, nomeadamente, à coerência com o regime da resolução dos atos de alienação anteriores à declaração de insolvência, previstos nos arts.120º e 121º do CIRE; que o remanescente após o pagamento dos credores passa a ser, então, propriedade do executado/insolvente e já pode vir a ser apreendido. Este acórdão sumariou:
«I - O art. 149.º do CIRE ao mencionar bens arrestados ou penhorados, está a referir-se a bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente, sendo quanto a este terceiro ineficaz a transmissão dos bens onerados com tais garantias feita pelo seu devedor, tudo se passando como se não tivesse ocorrido.
II- O nº 2 do art. 149º do CIRE está relacionado com o nº 1 do mesmo preceito e com o art. 46º-1 do CIRE e, por isso, pressupõe que se tratam de bens que integravam a massa insolvente à data da declaração de insolvência.
III- O nº 2 do art. 149º do CIRE reporta-se aos casos em que, declarada a insolvência e determinada a apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, entre essa determinação e a concretização da apreensão ocorra a venda de qualquer bem pertencente à massa insolvente.».
Por outro lado, para uma corrente maioritária da jurisprudência: o produto da venda realizada em processo executivo e existente na data da declaração da insolvência deve ser apreendido, mesmo que tenha havido sentença de graduação de créditos transitada em julgado no processo executivo, embora com a ressalva dos valores que tenham sido já pagos a credores no processo executivo, nos termos do art.149º/2 do CIRE, ainda que o pagamento tenha ocorrido em contrariedade com a suspensão automática da execução prevista no art.88º/1 do CIRE.

Entre a jurisprudência da Relação, o acórdão da Relação de Coimbra de 02.03.2010, proferido no processo nº1700/08.2TBPBL-C.C1, relatado por Judite Pires, sumariou, em relação a produto de venda realizada antes da declaração de insolvência mas cujos pagamentos não haviam sido realizados:

«Vendido, em acção executiva, um bem de um devedor/executado contra quem, posteriormente, vem a ser decretada insolvência, o produto dessa venda, colocado à ordem de um exequente, ainda não afecto ao pagamento dos credores, nem entre eles repartido, deve ser apreendido para integrar a massa insolvente, nos termos do artigo 149º, nº2 do CIRE.» (5)
Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 20.05.2014, proferido no processo nº3055/11.9TBBCL-N.G1.S1, relatado por João Camilo, que entendeu que a afetação do produto da venda de bens realizada por sentença no processo executivo pode ser alterada pela declaração da insolvência e que o produto da venda existente na data da sua declaração pode ser afetado à insolvência (sendo que, no caso em análise, sabe-se apenas que as penhoras e vendas ocorreram antes da declaração de insolvência de 10.01.2012, tal como a graduação de créditos, que a apreensão do produto de venda para a insolvência é de 22.01.2013 com comunicação da administradora nos processos a 30.01.2013 e não se sabe se houve ou não algum pagamento após a insolvência, matéria esta não tratada). Este acórdão apresentou a seguinte exposição e o seguinte sumário:
«Vejamos agora a questão acima apontada como objecto deste recurso.
Trata-se aqui de saber se os montantes monetários depositados em processos de execução fiscal e provenientes de vendas executivas de bens da insolvente devem ou não ser separadas da massa insolvente onde foram apreendidas, nos termos do art. 149º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ).
E isto tomando em conta que as vendas judiciais haviam sido celebradas antes da prolação da sentença que decretou a insolvência.
Esta questão tem sido discutida na jurisprudência, nem sempre de forma unívoca.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, porém, não encontramos decisão alguma sobre a questão.
Já os Tribunais da Relação têm decidido de forma, pelo menos fortemente, maioritária, no sentido defendido pela recorrente, tal como resulta das citações que o Digno Magistrado do Ministério Público fez nas suas contra-alegações que, curiosamente, vão no sentido da procedência do recurso.
E pensamos que a recorrente tem razão.

Com efeito, o art. 149º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ) prescreve que decretada a insolvência, procede-se à imediata apreensão (…) de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:

- Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de caracter criminal, quer de mera ordenação social.

E o seu nº 2 acrescenta o seguinte:
- Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.

Daqui resulta que tendo os imóveis, propriedade da insolvente, sido vendidos em processo executivo fiscal, antes de declarada a insolvência, mas ainda não havendo sido o produto das venda pago aos credores ou por estes repartidos aquando da prolação da sentença de insolvência, havia de o mesmos produto ser apreendido para a massa insolvente como foi.
Logo tem de improceder a presente acção e de proceder este recurso.
As instâncias decidiram em sentido oposto, mas pensamos que sem qualquer razão.
A decisão da 1ª instância é muito parca na fundamentação da mesma.
Já o acórdão recorrido alonga-se mais na fundamentação da decisão.
Segundo entendeu aquela decisão, a venda executiva traduz-se numa venda por parte do executado, apesar de a venda poder ser efectuada contra a sua vontade.
E só assim se compreende, como aceita o acórdão recorrido, que o eventual remanescente do produto da venda resultante da liquidação dos credores pertença ao executado
Porém, antes de este pagamento ser efectuado, segundo entende aquele acórdão, esse produto da venda encontra-se afecto a um fim especifico: dar satisfação ao pagamento do crédito do exequente e/ou dos credores preferentes, não sendo, por isso, ”assimilável à ideia de detenção de um bem pertencente à massa insolvente”.
Para rebater este argumento, diremos que os bens penhorados ou arrestados, antes da referida venda judicial também estão afectos a um fim específico idêntico e não restam dúvidas de que os bens nessas situações devem ser apreendidos para a massa insolvente – cfr. al. a) do nº 1 do citado art. 149º.
Por outro lado, a letra da lei – o nº 2 do art. 149º referido é clara no sentido de que o legislador entendeu que, apesar de o produtos da venda executiva de imóveis da insolvente estar afecto àquela finalidade, a circunstância de, entretanto, ser decretada a insolvência, tem como consequência ser esse fim alterado, passando esse produto da venda a integrar a finalidade da declaração da insolvência, ou seja, o de permitir em execução universal , a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores - cfr. art. 1º do CIRE.
No mesmo sentido aponta o disposto no art. 88º do CIRE que no seu nº 1 prescreve que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligência s executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obstar à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência .
Tendo em conta que o produto da venda executiva em causa pertence à insolvente – como o acórdão recorrido acaba por reconhecer, e só assim se compreende que se houver saldo da satisfação do crédito exequente e dos créditos preferentes, aquele reverta para o executado -, esse produto tem de ser apreendido para a massa, ficando prejudicada a finalidade decorrente da execução, por se sobrepor a essa um fim superior, na óptica do legislador.
Por último ainda apontaremos o disposto no art. 180º, nº 1 do Cód. de Procedimento e Processo Tributário que estipula que proferida decisão judicial a decretar a falência – hoje insolvência -, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes.
Sendo assim, não podia a justiça fiscal dar pagamento ao exequente e/ou aos credores preferentes, pelo produto da venda, o que apenas se compreende se se entender que esse produto passa a estar afecto à satisfação do credores da insolvência, em prejuízo dos credores exequentes e/ou credores preferentes na execução. (…)

Sumário:
Vendidos, em acção executiva, bens de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, nem haja esse produto sido repartido entre eles, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2 do CIRE.» (6).
Por sua vez, pronunciaram-se expressamente, não apenas sobre a possibilidade de apreensão do produto da venda anterior à declaração da insolvência mas sobre as condições e limites da sua realização quando o produto da venda foi pago após a declaração de insolvência e antes da comunicação ao processo executivo (da prolação da sentença de insolvência e/ou e da apreensão do produto da venda), nomeadamente, os seguintes acórdãos:
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 Junho 2018, proferido no processo nº51/15.0T8MFR.L1-6, relatado por António Santos, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de apreensão para a massa insolvente de produto da venda entregue a exequente de execução, após a declaração de insolvência, nos termos do seguinte sumário:
«4.1. - Após a sentença de declaração de insolvência, incumbe ao administrador respectivo o dever de diligenciar pela apreensão dos bens susceptíveis de integrar a massa insolvente e destinados à satisfação dos credores da insolvência e pagamento das dívidas da própria massa insolvente, devendo designadamente providenciar para que montantes [ v.g. decorrentes de penhoras de salários do executado/insolvente ] que se encontrem depositados em execuções passem a estar à sua ordem exclusiva , o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito ( cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE).
4.2. - Porém, já os montantes que resultem das penhoras indicadas em 4.1. e que, aquando da solicitada apreensão pelo administrador da insolvência, haviam já sido entregues - em sede de acção executiva e já depois da declaração de insolvência do executado - ao exequente em sede de pagamento da quantia exequenda, porque ingressaram já na esfera jurídica do exequente, passando a pertencer-lhe, escapam já ao poder de apreensão do administrador da insolvência.
4.3. - Em face do referido em 4.2., improcede portanto a acção que a Massa Insolvente de devedor/executado intentou contra o exequente indicado em 4.2., reclamando - a fim de integrarem a massa insolvente - as quantias que lhe foram entregues/pagas no regular curso do processo executivo.» (7).
O acórdão da relação de Coimbra de 5 de maio de 2020, proferido no processo nº4440/14.0T8VIS-G.C1, relatado por Moreira do Carmo, defendeu:
«Com a declaração de falência decreta-se a apreensão, para entrega imediata ao administrador da insolvência, de todos os bens do devedor insolvente (art. 36º, nº 1, g), e 149º, nº 1, do CIRE). Sendo que o poder de apreensão resulta da declaração de falência, devendo para tanto o administrador da insolvência diligenciar no sentido dos bens lhe serem entregues (art. 150º, nº 1, do mesmo diploma).
Por outro lado, sabemos que a massa insolvente abrange todo o património do devedor â data da declaração de insolvência (art. 46º, nº 1, do referido código).
Quer isto dizer, no nosso caso, que à data da falência – ocorrida em 17.12.2018, e anunciada em 18.12.2018 – o produto da venda executiva (efectuada em 24.10.2018) de imóvel da executada, agora insolvente, no valor de 111.000 €, integrava naturalmente a massa insolvente.
Note-se que este produto da venda executiva tanto pode existir por resultar de venda ocorrida antes da declaração da insolvência, como pode existir por decorrer de venda executiva realizada depois da declaração de insolvência mas antes do administrador concretizar a sua efectiva apreensão (neste último caso pense-se por ex. na hipótese da insolvência ser decretada ao meio-dia e a venda ser efectuada às 14h, com depósito do preço no dia seguinte, antes de qualquer apreensão pelo dito administrador).
Ora, existindo produto da venda, o mesmo deve ser, em princípio, apreendido para a massa insolvente (art. 149º, nº 2, 1ª parte do mencionado CIRE).
Tal só não acontecerá se o produto da venda já tenha sido pago aos credores da execução, como se dispõe na 2ª parte de tal número e preceito.
No caso em apreço à data da declaração da insolvência existia produto da venda, pelo que, em princípio, o mesmo devia ser apreendido para a massa insolvente.
Acontece que o Ag. Ex. pagou aos credores graduados na execução em 11.1.2019, é certo que depois da data da declaração da insolvência, mas antes de qualquer apreensão por parte do administrador da insolvência. Que aliás só em 23.1.2019 requereu à execução a transferência do produto da venda para a massa insolvente. Contudo nessa data já os indicados pagamentos tinham sido feitos aos credores da execução.
Desta sorte, o produto da venda não pode ser entregue à massa insolvente, face ao apontado texto legal.
É também esta a posição jurídica que é defendida no Ac. do STJ de 20.5.2014, Proc.3055/11.9TBBCL-N, disponível ewww.dgsi.pt, assim sumariado: (…)

E no Ac. Rel. Coimbra de 17.3.2015, Proc.1365/11.4TBCBR-A, disponível no mesmo sítio, assim sumariado:
“1. Declarada a insolvência do executado, o dinheiro que porventura se ache depositado em execução contra este movida, constituindo produto de penhora aí efectuada ou da venda de bens aí penhorados, é pertença da massa insolvente e para ela deve ser apreendido.
2. Apenas obsta à integração desse bem na dita massa insolvente a circunstância de já ter ocorrido pagamento do exequente ou dos credores executivos, nos termos dos art.ºs 88, nº 1, e 149, nºs 1 e 2 do CIRE.”.

E, ainda, no Ac. Rel. Porto, de 23.6.2015, Proc.5109/12.5TBVNG-F, mencionado pela recorrente nas suas alegações de recurso, no mesmo sítio, assim sumariado:
“I - Após a sentença de declaração de insolvência, fica o administrador respectivo legitimado para apreender todo o património do insolvente, incluindo bens ou dinheiro que estejam penhorados numa execução. No caso de quantias em dinheiro, deve diligenciar para que estas sejam depositadas à sua ordem, o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito (cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE).
II - Já não serão apreendidas as quantias que, obtidas em precedente execução, tenham sido transferidas para o credor exequente antes de empreendida a sua apreensão pelo administrador da insolvência, no regular curso do processo executivo, porquanto, ingressando na esfera jurídica do exequente, lhe passam a pertencer. “.
E, também, no Ac. da Rel. Lisboa, de 21.6.2018, Proc.51/15.0T8MFR (referido pela recorrente nas suas alegações, mas com data errada), no mesmo sítio, assim sumariado: (…)
Adversamente a recorrida cita em abono da sua tese o Ac. do STJ de 19.6.2018, Proc.5664/14.5T8ENT-A, ainda no mesmo sítio, com o seguinte sumário:
“I - Na venda em execução, o efeito translativo do direito de propriedade só ocorre com a emissão pelo agente de execução do documento de transmissão do imóvel (art. 827.º, n.º 1, do CPC).
II - Com a declaração de insolvência, suspendem-se, necessariamente, as execuções pendentes (art. 88.º, n.º 1, do CIRE).
III - Se, não obstante a declaração de insolvência, devidamente anunciada, a execução prossegue, deve declarar-se oficiosamente a nulidade dos actos praticados após aquela declaração, onde se inclui o título de transmissão do bem imóvel, entretanto emitido pelo agente de execução.”. Todavia, como resulta logo do sumário e mais claramente emerge do teor de tal aresto, o mesmo não aborda a situação em análise nos nossos autos, pois não trata da situação de pagamento prevista no aludido art. 149º, nº 2, que nem sequer é invocado, mas sim da situação bem diferente de um imóvel ter sido transmitido ao adquirente no âmbito de uma execução após a declaração de insolvência.
Tendo em conta o explanado, importa dar deferimento à pretensão recursiva.
3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) Vendido, em acção executiva, um imóvel de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, só deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2, do CIRE.» (8).
Ora, qualquer uma das correntes da jurisprudência enunciadas, em relação à aplicação do art.149º do CIRE, não reconheceriam à recorrente o direito à apreensão do valor integral do produto da venda pedido e rejeitado na decisão recorrida: a primeira corrente, por não reconhecer que se produto integral pertencesse ao insolvente na data da declaração da insolvência; a segunda corrente, por, na altura em que a declaração da insolvência foi comunicada ao processo executivo, o valor total do produto já ter sido reduzido por força dos pagamentos realizados na ação executiva, ainda que após a declaração da insolvência.
Admitindo-se a apreensão do produto da venda existente na data da declaração da insolvência, de acordo com a segunda e mais ampla corrente jurisprudencial enunciada (atendendo à vocação universal do processo de insolvência, aos efeitos prevalecentes da declaração da insolvência face às garantias anteriores de credores já expressas nos arts.36º/1-g) e 149º/1 do CIRE e ao valor relativo do caso julgado mediante a alteração de pressupostos, como se exprime, nomeadamente, no art.282º do C. P. Civil), verifica-se que este produto não pode ser totalmente apreendido, em face do regime específico do art.149º/2 do CIRE, uma vez que já foram feitos pagamentos no processo executivo, entretanto declarado extinto, sem qualquer decisão de nulidade dos atos praticados após a declaração da insolvência, nomeadamente sem declaração de nulidade dos referidos pagamentos e restituição dos mesmos pelos destinatários (Cofres do Estado, leiloeira, agente de execução e dois credores da ação executiva).
De qualquer forma, importa assinalar que, ainda que os pagamentos do processo executivo tenham sido feitos após a declaração da insolvência e a sua publicidade, em contrariedade com os efeitos oficiosos e automáticos dos arts.88º/1, 36º/1-g) e 149º/2 do CIRE, não se encontra demonstrado que, antes da realização dos pagamentos entre 14 de setembro e 17 de outubro de 2018, tivessem sido praticadas as seguintes exigências legais que permitiriam a operância efetiva dos efeitos das referidas normas: que a senhora administradora da execução tivesse cumprido o seu dever de comunicar por escrito à agente de execução a declaração da insolvência, nos termos do art.88º/4 do CIRE e para os efeitos da suspensão dos atos do art.88º/1 do CIRE, e tivesse diligenciado pela apreensão e entrega à massa insolvente do produto da venda depositado, nos termos do art.149º/2 e 150º/1 e 4 do CIRE (factos só ocorridos, respetivamente a 15.11.2018 e a 18.12.2019, conforme consta dos factos provados em III- 1.1. e 1.3. supra); que o Tribunal do processo de insolvência tivesse feito qualquer comunicação ao processo executivo em curso antes dos pagamentos, nomeadamente nos termos e para os efeitos do art.85º/2 do CIRE.
Também não se demonstrou que, ainda que com estas inobservâncias e intempestividades, a agente de execução ou o Tribunal da ação executiva, antes de realizados os pagamentos, tivessem tido conhecimento da declaração da insolvência por qualquer outra via (nomeadamente, por declaração da X, SA; ou por ter sido realizado e conhecido o registo da insolvência no registo informático das execuções, nos termos dos arts.717º/2-e) do C. P. Civil e 38º/6-a) do CIRE). Por sua vez, a comunicação extrajudicial e incidental da existência de um processo de insolvência em fase de recurso, realizada à agente de execução em 15.06.2018, ainda que conferisse a esta deveres de investigação do estado do processo de insolvência (deveres esses não expressamente previstos na lei), a sua inobservância não seria suficiente para se decidir da apreensão na insolvência de valores já pagos a terceiros e não depositados no processo executivo.
Desta forma, improcede o recurso de apelação.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação e confirmam a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela recorrente.
*
Guimarães, 19 de novembro de 2020
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha



1. Ac. do STJ de 07.07.2016, proferido no processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/B4FB89AA16AD296B80257FEA002D84F5
2. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, nota 3 ao art.88º do CIRE, pág.434.
3. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 10ª edição, Almedina, nota 3 ao art.149º, pág.213.
4. Ac. STJ de 30.10.2014, proferido no processo nº 2308/11.0TBACB.C1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5ae7b253f62a76fc80257d8200366ac8?OpenDocument
5. Ac. RC de 02.03.2010, proferido no processo nº1700/08.2TBPBL-C.C1, disponível in https://jurisprudencia.pt/acordao/118288/
6. Ac. STJ de 30.05.2014, proferido no processo nº3055/11.9TBBCL-N.G1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3d7ece30fa83009780257cde00525537?OpenDocument
7. Ac. RL de 21.06.2018, proferido no processo nº51/15.0T8MFR.L1-6, disponível in https://jurisprudencia.pt/acordao/183655/
8. Ac. RC de 05.05.2020, proferido no processo nº4440/14.0T8VIS-G.C1, disponível in https://jurisprudencia.pt/acordao/194649/