I - É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, com fundamento na falta de conclusões das alegações, não admite o recurso de apelação, ao abrigo do art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, na medida em que, para todos os efeitos, tal acórdão põe termo ao processo por uma via formal equiparada à da absolvição da instância referida no n.º 1 do art. 671.º do CPC.
II - As alegações de recurso devem conter a síntese dos aspetos mencionados no art. 639.º, n.º 3, do CPC, através de conclusões que, além de outras funções, delimitam o objeto do recurso com o qual o recorrido é confrontado e sobre o qual deve incidir o tribunal ad quem.
III - Não respeitam o ónus de apresentação de conclusões as alegações de recurso que apenas contêm a respetiva motivação, sendo truncadas na parte respeitantes às conclusões e ao pedido final.
IV - O art. 146.º, n.º 2, do CPC, foi introduzido com o fim de permitir a correção de erros meramente formais, enquadrando-se no objetivo geral de privilegiar a apreciação do mérito dos litígios.
V - Inserida no sistema eletrónico uma peça correspondente às alegações de recurso na qual é evidenciada a falta do segmento conclusivo, a falha pode ser corrigida pela parte, desde que não lhe seja imputada a título de dolo ou culpa grave e tal não interfira, de modo relevante, no regular andamento da causa.
VI - Porém, para que seja de admitir esta solução, necessário se torna que a parte requeira a correção logo que tome conhecimento da falha, em termos semelhantes aos que estão previstos para a situação de justo impedimento, nos termos do art. 140.º, n.º 2, do CPC.
VII - Não deve ser admitida a correção se, apesar de o recorrente ter sido notificado das contra-alegações do recorrido onde a falta de conclusões foi assinalada, o recorrente apenas veio a reagir, com apresentação de novas alegações completas, depois de ser notificado de despacho judicial proferido pelo relator no tribunal ad quem para se pronunciar sobre a questão suscitada pelo recorrido, nos termos do art. 655.º, n.º 2, do CPC.
Considera que a falta de conclusões foi devida a uma falha de inserção no sistema eletrónico revelada pelo próprio contexto em que ocorreu, a qual foi posteriormente corrigida, não se justificando a aplicação das consequências previstas no art. 641º, nº 2, al. b), do CPC.
A contraparte opõe-se a esta solução, acompanhando o acórdão da Relação que, com base na falta de conclusões das alegações e na inviabilidade da sua superação, não admitiu o recurso de apelação.
No recurso de revista a R. concluiu no essencial que:
…
2. A Relação desconsiderou, por completo, a exaustiva demonstração, por parte da ora Recorrente, da ocorrência de um lamentável (mas evidente) lapso informático aquando da conversão e envio do documento (em formato PDF) através da plataforma eletrónica Citius, do qual constavam as alegações e respetivas conclusões do recurso elaborado (cf. art. 146º do CPC);
3. Desconsiderando igualmente a possibilidade legalmente prevista de, face ao lapso constatado, dirigir à recorrente um convite ao aperfeiçoamento, nomeadamente por se poder retirar, do próprio corpo das alegações, as conclusões/proposições sintéticas que definiam o objeto do recurso interposto (cf. art. 639º, nº 3);
4. Veio a Relação, numa manifestação de clara prevalência da forma sobre o conteúdo, rejeitar o recurso interposto pela apelante (com fundamento na pretensa inexistência de conclusões), considerando consequentemente prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
…
14. Da leitura do art. 639º, nºs 1, 2 e 3, parece resultar, desde logo, muito claro que a lei apenas determina que as conclusões sejam sintéticas, por forma a permitir e facilitar a reapreciação, pelo Tribunal ad quem, de todas as questões fácticas e jurídicas impugnadas pelo recorrente, devendo as mesmas conter ainda, na parte respeitante à matéria/impugnação de direito, as normas jurídicas violadas, e bem assim o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (nº 2).
15. Contudo, não resulta da referida disposição legal que as conclusões devam ser elaboradas e apresentadas pelo recorrente na parte final do documento, ao final de cada capítulo/ponto impugnado pelo recorrente, e/ou de qualquer outra forma gráfica e/ou esteticamente definida por lei.
16. Não resultando, ainda, da norma legal em apreço que as conclusões de recurso devam ser numeradas e/ou elencadas por números, letras, pontos, e/ou de qualquer outra forma legalmente prevista.
17. Aliás, nem a própria jurisprudência apresenta qualquer critério concreto relativamente à forma e/ou grafismo que deve ser observado pelo recorrente na elaboração e apresentação das conclusões de recurso.
…
27. Mantém ainda a recorrente a profunda e séria convicção de que, não obstante o evidente e (reconhecido) lapso informático verificado aquando da conversão e envio do documento final, do qual constavam as alegações e respetivas conclusões do recurso por si interposto, através da plataforma eletrónica Citius, é possível extrair do corpo das alegações de recurso apresentadas, as respetivas conclusões (tanto que a Relação bem as compreendeu e identificou);
28. Verificando-se, in casu, um evidente e manifesto lapso informático aquando do envio do articulado de alegações (lamentavelmente incompleto), o qual padece de ostensiva falta de páginas, deverá o mesmo ser relevado e sanado, ao abrigo do disposto no art. 146º, nºs 1 e 2, do CPC, sendo admitido o articulado de recurso completo entretanto enviado, e apreciado em concreto o mérito do recurso interposto.
…
38. O Tribunal da Relação poderia e deveria ter promovido e admitido o suprimento desta omissão com a junção do articulado completo, ou seja, com todas as páginas e por ordem, por resultar notório o facto de a recorrente ter incorrido em manifesto lapso na anexação do documento pretendido.
39. Na verdade, não houve, no caso em apreço nos autos, por parte da aqui recorrente (e bem assim do mandatário subscritor) qualquer intenção, negligência e/ou culpa grave que determinasse a aplicação de tal sanção tão gravosa como a que, in casu, entendeu ser de aplicar: a rejeição da apreciação do mérito do recurso.
40. Não tendo o lapso incorrido implicado qualquer prejuízo, quer à parte contrária, quer ao normal prosseguimento dos autos.
41. A sanção aplicada à ora recorrente, coartando-lhe liminarmente o seu direito (legal e constitucionalmente garantido), à reapreciação por um Tribunal Superior das questões jurídicas submetidas ao crivo da instância recursória, afigura-se manifestamente desproporcional face ao lapso incorrido.
42. Sendo, assim, manifestamente evidente que a recorrente elaborou as alegações de recurso com as devidas conclusões, respeitando o preceituado no art. 639º do CPC, não devendo, por tal motivo, ser a parte sancionada com a rejeição do recurso por alegada inexistência de conclusões, por um mero erro material informático, sendo admissível a sua correção, nos termos do disposto no art. 146º do CPC.
43. Assim, deveria a Relação ter admitido a junção aos autos do articulado integral, com o total de 25 páginas, e, como tal, conhecer do mérito do recurso apresentado.
44. De facto, e tal como tem sido entendido pela nossa jurisprudência, toda a atividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma;
45. Pois a ser assim, ficará a parte amputada do direito de ver (re)apreciado o recurso por si interposto, consubstanciando tal decisão (salvo o devido respeito) uma clara e fragrante denegação de justiça (!)
46. Ora, em consonância com o princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma, em conjugação com o reforço dos poderes de direção, agilização, adequação e gestão processual do juiz, toda a atividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro no envio, por meios informáticos, de articulado incompleto, nomeadamente com a falta incontestável de páginas da peça pretendida.
47. De facto, não poderá ser imputada à parte consequência tão gravosa, dada a evidente pretensão da mesma em apresentar recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo, e em cumprimento de todos os requisitos legais, sem que lhe seja concedida a oportunidade de se pronunciar e sanar a manifesta omissão meramente formal e eletrónica como aquela que aqui se expôs.
48. Neste caso justificava-se um convite à parte para sanar tal omissão, ao abrigo do disposto do art. 146º do CPC., dado ser evidente que estamos perante omissão desculpável e nessa medida, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, não poderá a falhas desculpáveis ser aplicada a mesma solução que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes, como é o caso de não cumprimento do ónus de apresentar conclusões num articulado conforme e completo.
49. Ora, atendendo à constatação do lapso verificado, em consonância quer com o princípio da cooperação expresso no art. 7º, nº 1 do CPC, quer com a justa composição do litígio que se pretende alcançar com prevalência do mérito e da substância em detrimento da mera formalidade processual, sempre deverá ser permitida à recorrente a correção/retificação do erro formal, admitindo-se a junção aos autos das alegações de recurso completas, nos termos do art. 614º do CPC, aqui aplicado por analogia, determinando-se o conhecimento, pela Relação do Porto, do mérito do recurso, o que, muito respeitosamente, e desde já, se alega e requer para todos os devidos e legais efeitos.
50. Quanto ao formalismo que as conclusões devam seguir, o legislador apenas exigiu que as mesmas sejam sintéticas, nos termos do art. 639º, nº 1, do CPC, sendo que, pese embora os recorrentes apresentem, via de regra, as conclusões das alegações de recurso no final e em ponto separado, a verdade é que a lei assim não o exige.
51. De facto, não resulta da norma legal constante do art. 639º, nºs 1 e 2, do CPC, que as conclusões devam ser elaboradas e apresentadas pelo Recorrente na parte final do documento, ao final de cada capítulo/ponto impugnado pelo recorrente, e/ou de qualquer outra forma gráfica e/ou esteticamente definida por lei, nem tão pouco que as conclusões de recurso devam ser numeradas e/ou elencadas por números, letras, pontos, e/ou de qualquer outra forma legalmente prevista.
52. Aliás, nem a própria jurisprudência apresenta qualquer critério concreto relativamente à forma e/ou grafismo que deve ser observado pelo recorrente na elaboração e apresentação das conclusões de recurso;
53. Sendo tão só exigido que as conclusões sejam sintéticas, por forma a permitir e facilitar a reapreciação, pelo Tribunal ad quem, de todas as questões fácticas e jurídicas impugnadas pelo recorrente;
54. Assim, a questão de existir ou não existir conclusões não pode ser uma questão gráfica, de estética, mas sim de conteúdo, substância, de justiça material, não podendo a parte ser prejudicada pela (alegada) má e/ou incorreta localização das conclusões.
55. Concluir nos termos do decidido no acórdão recorrido levaria a situações limite em que seria a parte prejudicada simplesmente por não ter separado num capítulo final, e sob o título de “conclusões”, as suas conclusões.
56. Nesta medida, tem a recorrente por certo que, não obstante o lapso informático verificado, as alegações de recurso oportunamente remetidas continham as devidas conclusões, nomeadamente por se encontrarem distribuídas por capítulos.
57. De facto, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 639º do CPC, a lei apenas exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão, de modo que, tendo a recorrente cumprido todos estes requisitos, cumpriu com o ónus de formular as respetivas conclusões, não podendo ser determinada, in casu, a rejeição do recurso.
58. Determina o art. 639º, nº 3, do CPC, que o relator quando entenda que as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
59. Pelo que, o relator, caso entendesse que as conclusões seriam obscuras, deveria ter cumprido o dever de convidar a recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, nos termos do nº 3 do art. 639º do CPC.
60. Assim, a manutenção do decidido pela Relação, nega, por questões puramente formais (e que não podem encontrar sustentação na lei), e de meros lapsos, o direito que a Recorrente tem a uma segunda opinião jurisdicional sobre a bondade dos valores indemnizatórios fixados em 1ª instância.
61. Aplicando, in casu, uma sanção manifestamente desproporcionada, em frontal violação dos princípios basilares da cooperação e da boa gestão processual (cf. arts. 6º e 7º do CPC);
62. Configurando, no limite, tal atuação uma manifesta violação do princípio constitucionalmente garantido do acesso à justiça, ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP.
63. Face ao supra exposto, deve o acórdão ora proferido ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de apelação oportunamente apresentado e conheça do mérito do mesmo, nomeadamente sobre o quantum indemnizatório fixado em primeira instância.
O recorrido contra-alegou e suscitou a inadmissibilidade do recurso de revista, por não se integrar na previsão do nº 1 do art. 671º.
Cumpre decidir.
III – Quanto à admissibilidade da revista:
1. Considera o recorrido que o acórdão da Relação que rejeitou o recurso de apelação não admite recurso de revista, uma vez que dele não resulta a absolvição da instância.
Não tem razão, pelos motivos que se irão referir.
A aferição da admissibilidade da revista, nos termos gerais, é feita através do preceituado no nº 1 do art. 671º do CPC, no qual, para além dos casos em que o acórdão recorrido da Relação incidiu sobre o mérito da ação, é atribuído relevo ao efeito extintivo da instância que emana desse acórdão, independentemente daquele que produziria a decisão da 1ª instância sobre a qual incidiu.
Porém, é de reconhecer que a formulação normativa não prima pela clareza, confrontando-nos com uma aparente contradição entre o primeiro segmento, que se refere ao acórdão que “ponha termo ao processo” (o que poderia significar a extinção total da instância), e o segundo, que nos reconduz à absolvição parcial da instância (quanto ao réu ou de algum dos réus ou quanto ao pedido ou algum dos pedidos formulados pelo autor ou ao pedido reconvencional). Por isso, impõe-se que seja extraído do preceito um sentido que compatibilize ambos os segmentos normativos, o que nos permite afirmar que admitem recurso de revista (verificados os demais requisitos), os acórdãos da Relação de que resulte a extinção total ou parcial da instância, em termos objetivos ou subjetivos.
É claro que o texto do preceito apenas alude ao efeito extintivo resultante de “absolvição da instância”, mas é oportuno inquirir se, apesar disso, devem obedecer também ao mesmo regime acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões de 1ª instância, determinem a extinção da instância, ou seja, “ponham termo ao processo” por forma diversa da absolvição da instância. Tal pode ocorrer nos casos em que é confirmada a decisão da 1ª instância que extinguiu a instância por qualquer outro motivo formal (v.g. deserção, inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide) ou, como ocorreu non caso concreto, quando o termo do recurso e, por consequência, do processo decorre da rejeição, pela Relação, do recurso de apelação interposto da sentença de 1ª instância com fundamento na falta de requisitos legais (art. 641º, nº 2, al. b), do CPC). Tudo passa por apurar se, na interpretação do preceito, deve ser posto em destaque o segmento respeitante ao “termo do processo” (total ou parcial), de que constitui o exemplo mais paradigmático a absolvição da instância, ou se, valorizando o elemento literal, devem ser excluídos os demais casos em que a instância processual, incluindo a instância de recurso, finda, no todo ou em parte, por outros motivos formais.
2. Cremos que o destaque deve incidir sobre o segmento que alude ao “termo do processo” (total ou parcial), sendo de admitir também recurso de revista do acórdão da Relação que determine esse efeito a partir da confirmação ou da verificação primária de alguma das formas de extinção total ou parcial da instância, como a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a deserção da instância, a deserção do recurso de apelação ou, como no caso concreto, a sua rejeição, por inverificação dos respetivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou por falta de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões).
Esta foi, aliás, a solução adotada por este mesmo coletivo, num aresto relatado pelo ora relator que deu origem ao Ac. do STJ, de 28-1-16, 1006/12, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.
2. Esta alteração não teve como objetivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjetiva.
3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º e/ou por extemporaneidade do recurso”, com fundamento em que o acórdão recorrido, apesar de ter posto ao processo e ao recurso de apelação, não correspondia formalmente a uma decisão de “absolvição da instância”.
Semelhante solução foi assumida por este mesmo coletivo nos Acs. do STJ, de 30-3-17, 6617/07 (rejeição de contestação na qual fora deduzida reconvenção), e de 9-6-16, 6617/07, www.dgsi.pt, concluindo-se neste, perante uma situação similar, que “ao abrigo do art. 671º, nº 1, é suscetível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º”. Também assim no Ac. do STJ, de 3-5-18, 217/12, www.dgsi.pt, num caso de deserção da instância (sendo relator o ora adjunto Cons. Tomé Gomes).
Malgrado as dificuldades colocadas pelo texto legal, é pacífica esta solução sustentada noutros elementos de interpretação, como o racional ou teleológico, como o demonstra o facto de assim ter sido também adotada nos Acs. do STJ, de 29-10-19, 738/03, de 7-3-19, 1821/18, e de 13-7-17, 6322/11, todos em www.dgsi.pt.
Com efeito, resultando a extinção total ou parcial da instância de outras vias formais não coincidentes com a de absolvição da instância, não encontraria fundamento racional uma diferenciação quanto aos mecanismos impugnatórios que levasse a que, em alguns casos (v.g. declaração de extinção da instância pela Relação ou rejeição, em primeira linha, do recurso de apelação da sentença final, por extemporaneidade ou por qualquer outro motivo), acabasse por ficar na esfera exclusiva da Relação o destino final do litígio que, além do mais, colidiria com a apreciação do mérito.
3. É verdade que, como já se evidenciou, em termos puramente literais, o acórdão da Relação que confirma a extinção da instância declarada pela 1ª instância, por via diversa da absolvição da instância, ou o que recusa a apreciação do mérito da apelação interposta da sentença final, por incumprimento de requisitos formais, por extemporaneidade ou por outro motivo (art. 641º, nº 2), embora determine o termo do processo, não corresponde formalmente a uma decisão de “absolvição do réu da instância”.
Todavia, não se encontra motivo algum para que, em face de decisões que implicam o mesmo efeito processual (extinção da instância), seja feita uma distinção entre os casos em que a Relação declara formalmente a “absolvição da instância” e aqueles, cujo relevo é semelhante, em que é posto termo a todo o processo ou a parte dele por outros motivos formais diversos.
Por isso na economia do preceituado no art. 671º, nº 1, deve passar para um plano secundário a alusão à “absolvição da instância” que constitui a causa típica de extinção da instância, assumindo a sua equiparação aos casos em que o acórdão da Relação põe termo ao processo por outro qualquer motivo formal.
4. Por conseguinte, é de admitir o recurso de revista.
IV – Decidindo:
1. Elementos a ponderar:
- Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação;
- Dentro do prazo de interposição de recurso, em 27-2-19, a R. veio apresentar alegações, as quais, no entanto, se revelavam truncadas, faltando as conclusões que rematam as alegações, assim como o pedido final e a identificação do signatário;
- O A., no segmento introdutório das suas contra-alegações, apresentadas em 3-4-19, em 4 páginas, discorreu sobre a falta de conclusões e sobre os efeitos que tal deveria determinar na rejeição o recurso de apelação;
- Essa peça processual foi notificada à R. que não reagiu (refere nas alegações deste recurso de revista que ficou convencida de que a peça que inserira se encontrava completa, tal como constava do processo físico interno);
- Remetido o processo à Relação, foi proferido em 9-5-19 despacho a determinar a notificação da R. para se pronunciar sobre a questão prévia da não admissão do recurso de apelação suscitada pelo A.;
- A R., na sequência desse despacho, veio apresentar, em 23-5-19, um requerimento a justificar as razões que terão estado subjacentes à situação, alegando a existência de um “erro informático” que se traduziu na inserção eletrónica de um documento de trabalho (as alegações truncadas) em lugar das alegações completas que estariam elaboradas mas que constariam de outro documento. Simultaneamente apresentou novas alegações contendo, para além das folhas já anteriormente inseridas, as partes em falta, ou seja, o remate do último segmento da motivação referente a uma parcela indemnizatória, as conclusões reportadas a todas as questões suscitadas na motivação, a parte conclusiva e a identificação do signatário;
Perante tal situação considera a R. que:
- Do teor da motivação inicialmente apresentada, dividida por temas em função das parcelas da indemnização que eram questionadas, decorriam, em termos substanciais, as conclusões de cada segmento;
- A falha da primeira peça processual foi corrigida, tendo em consideração o disposto no art. 146º, nº 2, do CPC;
- Nenhum efeito poderia ser extraído da falha antes de ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Foi proferido o acórdão recorrido que, em síntese, considerou que a situação correspondia efetivamente à previsão normativa de alegações sem conclusões, daí partindo para a rejeição do recurso de apelação, sem apreciação do respetivo mérito. Considerou ainda que não era de aplicar o disposto no art. 146º, nº 2, do CPC.
2. Das alegadas nulidades:
2.1. Invoca a R. a omissão de pronúncia quanto à apreciação do mérito da apelação, argumentando que, afinal, a Relação compreendeu bem o objeto do recurso, em nada interferindo o facto de as primitivas alegações terem sido truncadas aquando da remessa eletrónica.
Como é óbvio, não se verifica tal nulidade, uma vez que a apreciação das questões de direito material suscitadas pela recorrente no recurso de apelação estavam condicionadas pela admissibilidade do recurso.
Ora, tendo a Relação considerado que o recurso era de rejeitar por falta de conclusões nas alegações, naturalmente não estavam reunidas as condições para passar para a apreciação do mérito do recurso.
2.2. Invoca ainda a recorrente que, tendo em conta o teor das primitivas alegações que foram apresentadas, qualquer deficiência que fosse detetada obrigava a Relação a proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do nº 3 do art. 639º do CPC, não sendo legítima a prolação de despacho de rejeição imediata do recurso de apelação.
Também esta questão improcede, na medida em que parte de um pressuposto errado: o de que a Relação considerou que se tratava de uma situação caracterizada pela apresentação de conclusões deficientes.
Porém, a Relação assumiu que as alegações não continham nenhum segmento qualificável como de “conclusões”, daí partindo para a aplicação da norma do art. 641º, nº 2, al. b), do CPC.
3. Da falta de conclusões:
3.1. Considera a recorrente que da estrutura das alegações de recurso, máxime do recurso de apelação, nos termos regulados no art. 639º do CPC, “não resulta que as conclusões devam ser elaboradas e apresentadas pelo recorrente na parte final do documento, ao final de cada capítulo/ponto impugnado pelo recorrente, e/ou de qualquer outra forma gráfica e/ou esteticamente definida por lei”.
Parte desta asserção para defender que a primeira peça que juntou, ainda que truncada em 5 páginas, já continha tudo quanto integra o ónus de alegação previsto no art. 639º, não sendo legítima a rejeição do recurso de apelação, mesmo sem consideração da peça que foi apresentada posteriormente.
Não parece ser esta a solução adequada.
O art. 639º, nº 1, prescreve que o recorrente “deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Nos termos do nº 2, o recorrente deve enunciar nas alegações e sintetizar nas respetivas conclusões diversos aspetos:
- Indicação das normas jurídicas violadas, sejam de direito adjetivo ou de direito material;
- Indicação do sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar;
- Perante eventual erro na determinação das normas aplicáveis, indicação das que deveriam ter sido aplicadas.
O modo como deve ser estruturada a interposição de recurso resulta mais evidente do art. 637º, nº 2, do CPC, na medida em que o requerimento de interposição, que anteriormente precedia a apresentação das alegações, deve agora conter obrigatoriamente (ou deve vir obrigatoriamente acompanhado) a alegação do recorrente, em cujas conclusões devem ser indicados determinados fundamentos específicos de recorribilidade que no caso se justifiquem.
A importância de apresentação de conclusões emerge também do art. 635º, nº 4, na medida em que, mais do que o teor das alegações, é através daquelas que se delimita o objeto do recurso. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem enunciar, de forma clara e rigorosa, aquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo.
O relevo das conclusões no contexto alegatório resulta ainda mais evidente quando se observa o disposto no art. 641º, nº 2, al. b), nos termos do qual é motivo para a rejeição imediata do recurso não apenas a falta absoluta de alegações como a “falta de conclusões”.
Aliás, a existência de conclusões constitui o pressuposto básico para a solução paliativa prevista no art. 639º, nº 3 (em casos e que estejam em causa questões de direito), segundo o qual o relator deve proferir despacho de aperfeiçoamento destinado a afastar deficiências, obscuridades, complexidade ou omissões aí referidas, o que naturalmente pressupõe a existência de conclusões.
Do precedente acervo normativo resulta claro que, como conclui França Pitão, CPC anot., vol. II, p. 752, as alegações devem ser estruturadas respeitando os seguintes segmentos: introdução (identificação do processo e das partes da decisão que se pretende impugnar), exposição desenvolvida e fundamentada da impugnação, conclusões e pedido. Aliás, as alegações não constituem (ou não devem constituir) um arrazoado de argumentos, devendo, por razões de disciplina e de facilidade de compreensão pela contraparte e pelo Tribunal, obedecer a uma certa ordenação lógica que resulta bem clara das citadas disposições.
3.2. Essa ordem não é arbitrária nem pode ser como tal encarada pelas partes que pretendam impugnar alguma decisão judicial, existindo razões que apontam para a necessidade de ser respeitado o que o legislador consagrou. Afinal as alegações destinam-se a confrontar um Tribunal Superior com determinados vícios ou erros imputados a decisões anteriores, não devendo suscitar-se dúvidas quanto ao objeto da impugnação, quanto aos segmentos decisórios impugnados e quanto às questões de facto e/ou de direito que são suscitadas e que, como a jurisprudência e a doutrina o afirmam, delimitam, em regra, a intervenção do tribunal ad quem (art. 635º do CPC).
Existe ainda um outro fator não menos importante ligado ao princípio do contraditório, associado ao direito da parte contrária de ser confrontada com uma peça da qual resulte com total inequivocidade o objeto da impugnação e as questões que são suscitadas, a fim de poder exercer a sua defesa que, aliás, pode ser multifacetada em função da iniciativa do recorrente (v.g. art. 636º do CPC).
A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objetivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões.
É verdade que a lei não vai ao ponto de pormenorizar o modo como devem ser estruturadas as alegações de recurso, sendo natural e compreensível alguma variedade estilística. Ponto é que, em termos substanciais, por um lado, e em termos formais, pelo outro, a referida peça processual corresponda ao dever-ser legal, integrando, a par da motivação, as “conclusões”, ou seja, a síntese das questões que integram o objeto do recurso.
Neste contexto normativo, não é aceitável a solução apontada pelo recorrente no sentido de caber ao Tribunal Superior (e antes disso, ao recorrido) captar, através da leitura das motivações, as referidas questões. Por um lado, nenhum preceito legal sustenta que impenda sobre a contraparte um tal ónus ou que seja imposto ao Tribunal ad quem esse dever, com a correspondente atenuação do rigor com que deve ser tratado o mais importante ónus de alegação que recai sobre o recorrente. Por outro lado, a aceitação de uma tal solução faria com que recaísse sobre a contraparte o efeito negativo da falta de identificação de alguma questão pertinente. Ademais, correr-se-ia o risco de o Tribunal ad quem identificar como questões relevantes algumas que o recorrente não tivesse suscitado ou, não menos importante, omitir a apreciação de questões que, ao invés, o recorrente considerasse relevantes.
Os riscos de insegurança e de incerteza que daqui decorreriam, multiplicados por uma infinidade de situações e por uma diversidade de atuações, impedem que se descubram “soluções” que não encontram qualquer cobertura legal.
Por conseguinte, não podemos concordar com a recorrente quando pretende que, afinal, as exigidas conclusões já emergiam da versão original das alegações de recurso que, como se disse, foram truncadas precisamente na parte que integraria essa síntese.
4. Da possibilidade de superação da falta de conclusões:
4.1. Considera a R. que a situação configurada nos autos – apresentação de alegações completas em substituição de alegações involuntariamente truncadas - encontra apoio no art. 146º, nº 2, do CPC. Considera que estão reunidas todas as condições para se apreciar o mérito da apelação tendo por base as alegações completas que posteriormente veio apresentar.
Incidindo sobre os motivos que a R. recorrente invocou para justificar a situação, a Relação concluiu que tal não se enquadrava na referida norma.
O art. 146º foi introduzido aquando da Reforma do processo civil de 2013 para responder a situações que não se encontravam ainda reguladas ou cuja regulação suscitava dúvidas.
Quanto ao nº 1, corresponde simplesmente ao que está previsto no art. 249º do CC, norma que, embora de natureza substantiva, era aplicada para resolver situações em que o erro de cálculo ou de escrita se revelava em atos processuais, máxime em atos processuais subscritos por alguma das partes, como manifestação da sua vontade no âmbito da relação jurídico-processual.
Por essa via já podiam ser corrigidos lapsos que, por vezes, se revelavam através de uma errada, mas desculpável, indicação de um processo diferente ou de um juízo ou tribunal diferente daquele onde se encontrava pendente o processo. A fim de não prejudicar a apreciação do mérito da pretensão processual deduzida, considerava-se que poderia ser admitida a introdução no processo do ato praticado ao abrigo de um processo com um número diverso ou com indicação de juízo diverso.
Mas naquela Reforma tornou-se também evidente que, embora a transposição para o CPC da norma constante do art. 249º do CC tornasse mais clara uma construção que a jurisprudência já apoiava, era insuficiente para integrar outras situações em que a tutela dos direitos subjetivos de alguma das partes acabava por ficar prejudicada por aspetos formais secundários. Por isso, se avançou para a introdução do nº 2 (a par do nº 3 do art. 193º), com o fito de integrar outras realidades.
Como ocorre em muitas outras situações, a regulação antecipada e abstrata das diversas ocorrências não é compatível com uma descrição casuística, tanto mais que sempre ficariam excluídas outras situações que a riqueza do quotidiano acabaria por revelar. Assim se explica que tenham sido aplicados na formulação normativa conceitos indeterminados com potencialidade para integrar uma diversidade de situações, atingindo soluções harmónicas com o espírito e objetivos da Reforma a que se alude no Preâmbulo da Proposta de Lei que veio a ser aprovada.
4.2. Segundo o nº 2 do art. 146º do CPC, “deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”.
Importa notar que o preceito não permite superar o efeito do incumprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correção de aspetos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado.
Teve como objetivo essencial evitar, tanto quanto possível, que aspetos meramente formais possam impedir ou condicionar a apreciação do mérito da causa e interferir na justa composição do litígio. Por isso se admite o suprimento ou a correção de vícios ou omissões de atos praticados, desde que a parte interessada o requeira e o vício ou a omissão tenha natureza meramente formal, isto é, que não contenda com a substância do ato praticado.
Nesta medida, mediante prévia avaliação das concretas circunstâncias, será designadamente possível corrigir um requerimento probatório quanto ao nome ou ao endereço de uma testemunha, ou ainda a correção de lapso no preenchimento dos formulários, tendo em conta o conteúdo dos ficheiros anexos, nos termos do art. 144º, nº 10, al. b). Importante é que a falta não radique em dolo ou culpa grave da parte e que, além disso, o suprimento ou a correção não cause prejuízo relevante para o regular andamento da causa, o que supõe uma análise da situação.
4.3. No caso concreto, não há dúvidas de que a peça processual que objetivamente foi apresentada através do sistema eletrónico não continha as conclusões das alegações (art. 639º, nº 2) que constituem um requisito sem o qual o recurso de apelação deve ser rejeitado (art. 641º, nº 2, al, b), in fine, do CPC).
Também se pode admitir que tal não terá correspondido a uma vontade da parte no sentido de apresentar alegações sem conclusões, embora não esteja apurada a causa real: referiu a recorrente que foi remetido o documento de trabalho, em lugar do documento definitivo que estava já preparado, mas já nas alegações do recurso de revista veio alegar que, afinal, tal ocorreu aquando da conversão do texto em WORD em PDF.
Admitindo que ocorreu uma qualquer falha operacional aquando da apresentação do recurso de apelação, acabou por ser omitida a inserção no sistema informático (CITIUS) de uma parte das alegações desse recurso, mais concretamente, o remate do último segmento da motivação, relacionado com uma parcela da indemnização impugnada, assim como o imprescindível segmento das conclusões e, sem tanto relevo, o remate final e a indicação do mandatário judicial subscritor das mesmas.
Não há dúvida que a análise da primeira versão e da segunda versão completa que posteriormente foi apresentada revela que aquela padecia de “omissões puramente formais”, não havendo motivo algum para considerar que a tal situação esteja subjacente um comportamento doloso ou gravemente culposo. Nem tal se compreenderia em face da expressão da vontade de impugnar a sentença.
Por outro lado, também não seria de desprezar o facto de ser ainda relativamente recente a obrigatoriedade de prática dos atos através do sistema eletrónico, nos termos do art. 144º do CPC (na redação do DL nº 97/19, de 26-7), em situações que não se caracterizassem pela desconsideração de regras processuais básicas. Afinal, não podemos olvidar que dificuldades semelhantes são sentidas pelos magistrados judiciais igualmente vinculados à prática dos atos através do sistema eletrónico (CITIUS) que igualmente não estão a salvo de lapsos ou erros, sem que a sua ocorrência revele, por si, uma atitude de desconsideração perante o novo modelo processual.
Neste contexto, a admissão da possibilidade de correção de tal falha poderia encontrar justificação não apenas na letra daquele preceito como ainda nos princípios que vêm orientando as sucessivas reformas no campo do processo civil (v.g. arts. 6º e 7º do CPC).
4.4. Das considerações anteriores decorreria que este Supremo não veria dificuldades em integrar na norma do art. 146º, nº 2, a situação dos autos, mas em circunstâncias diversas daquelas que rodeiam o caso presente.
Como se viu:
- A falha verificou-se nas alegações de recurso que foram inseridas no sistema eletrónico em 27-2-19;
- O A., nas suas contra-alegações, discorreu em 4 páginas sobre a falta de conclusões para efeitos de na rejeição o recurso de apelação;
- Todavia, a R. não reagiu a tal situação e apenas o fez depois de ter sido notificada de despacho judicial proferido na Relação em 9-5-19 para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo A. ou seja, sobre os efeitos da falha identificada nas contra-alegações, nos termos e ao abrigo do nº 2 do art. 655º do CPC;
- Foi então que, em 23-5-19, apresentou requerimento a justificar as razões que terão estado subjacentes à situação, alegando a existência de um “erro informático” traduzido na troca do anexo que deveria ser remetido por um “documento de trabalho” e apresentando novas alegações contendo a parte que anteriormente fora omitida;
- Já na presente revista alega desconhecer a causa daquele lapso, admitindo tratar-se de erro informático aquando da conversão do documento em formato Word para formato PDF.
4.5. Analisada a evolução do processo, verifica-se que aquilo que poderia ser qualificado como um lapso lamentável (a inserção das alegações truncadas) suscetível de encontrar no ordenamento jurídico uma solução que evitasse o efeito drástico de rejeição do recurso de apelação, não obteve da recorrente a reação que a situação anómala exigia.
Com efeito, nem mesmo depois de ter sido confrontado com essa falha que foi identificada pelo A. nas contra-alegações de que foi notificada a R. reagiu em termos de acionar o mecanismo de regularização de falhas formais previsto no nº 2 do art. 146º do CPC, de modo algum se podendo condescender com a alegação agora feita (aliás, não comprovada e indemonstrável) de que continuou convencido de que nenhuma falha existia, tendo em conta a consulta que fez do processo físico interno, quando era exigível, no mínimo, que conferisse a alegação do recorrido com os elementos efetivamente inseridos no sistema eletrónico CITIUS.
Para que a situação pudesse receber do ordenamento jurídico uma resposta favorável teria sido imprescindível que a R. tivesse reagido de imediato, logo que foi confrontada com a falha suscitada pelo A. nas contra-alegações.
Aliás, a aplicação do disposto no nº 2 do art. 146º não depende nem está condicionada pela prolação de um despacho de aperfeiçoamento, constituindo tão só o apoio legal para uma iniciativa da própria parte no sentido de corrigir determinados aspetos formais, a qual, no caso concreto, poderia e deveria ter sido promovida logo que à R. foi dado conhecimento de que as alegações estavam truncadas no segmento das conclusões.
Trata-se de uma situação paralela àquelas que podem justificar a invocação da figura do justo impedimento que, por razões de disciplina processual, são rigorosamente tratadas pelo ordenamento jurídico, nos termos que resultam do art. 140º do CPC.
Também podemos afirmar, para efeitos de aplicação da solução prevista no nº 2 do art. 146º, que uma atuação célere e diligente da parte constitui a primeira e principal exigência que deve ser cumprida logo que seja detetada uma falha processual formal, pois só desse modo se podem preservar os valores da segurança jurídica e de certeza que importam a ambas as partes.
De outro modo, um sistema processual cuja interpretação e aplicação consentisse que se desbaratassem estas regras não garantiria os fatores de certeza e segurança que são essenciais, na medida em que, transposta uma tal solução para outros casos que viriam a surgir, se passaria a permitir, sem condições, que a parte corrigisse os aspetos formais no momento que mais lhe aprouvesse e não no momento mais oportuno e mais conveniente para a regular tramitação processual.
A apreciação dos casos em que seja invocada a aplicação do regime constante do art. 146º, nº 2, do CPC, deve apostar em elementos objetivos, na medida em que, de outro modo, abrir-se-ia um largo campo para a invocação das mais diversificadas justificações (ou desculpas), potenciando a inserção no nosso sistema processual de fatores que potenciariam a insegurança e prejudicariam os vetores da celeridade e eficácia.
Analisada em termos objetivos a evolução processual e os efeitos que foram provocados, resulta claro que a fase liminar do precedente recurso de apelação se prolongou desnecessariamente, de forma injustificada, quando, na realidade, uma postura diversa poderia ter determinado a correção daquela lamentável falha logo no início, o que impede a aplicação da solução prevista no art. 146º, nº 2, do CPC.
4.6. Em face do que foi referido, resulta claro que não estava a Relação obrigada a proferir qualquer despacho de convite ao aperfeiçoamento que, nos termos do art. 639º, nº 3, do CPVC, está reservado para casos em que são apresentadas alegações contendo conclusões que apresentem falhas menores.
Ora, no caso concreto, perante a primitiva peça processual, pura e simplesmente não existiam quaisquer conclusões.
Pretende ainda que se aplique por analogia o disposto no art. 614º, sobre erros materiais de decisões judiciais, efeito que notoriamente não pode ser deferido, tendo em consideração que a falta de conclusões nas alegações encontra no ordenamento jurídico uma solução específica e que, por outro lado, a correção de atos processuais praticados pelas partes encontra apoio noutras regras, como a do art. 146º.
Por fim, também não procede o argumento ligado ao princípio da proporcionalidade, na medida em que o estabelecimento de regras formais e a previsão de efeitos preclusivos constituem marcas específicas do sistema processual civil, sendo certo que, considerando as normas que foram citadas e os princípios que foram enunciados, estão razoavelmente salvaguardados os interesses que devem ser promovidos através dos instrumentos de processo civil.
III – Face ao exposto, ainda que por motivos não inteiramente coincidentes, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.
Custas da revista a cargo da R.
Notifique.
Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.
Lisboa, 7-10-20
Abrantes Geraldes (Relator)
Tomé Gomes
Maria da Graça Trigo