I. A dupla conformidade entre as decisões das instâncias afere-se em função da decisão final, salvo se estiverem em causa segmentos decisórios com objecto materialmente autónomo. No caso dos autos, tendo a decisão de condenação de um dos réus como litigante de má fé objecto materialmente autónomo em relação à decisão de mérito, a revogação daquela decisão não afecta a dupla conformidade formada em relação a esta.
II. Tampouco a alteração de um dos segmentos decisórios é apta a descaracterizar a dupla conformidade, uma vez que – de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ – é de assimilar à dupla conforme, impeditiva da revista por via normal, a situação em que a decisão da Relação, sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente, é mais favorável ao recorrente que a decisão da 1.ª instância, ainda que fique aquém da satisfação total da pretensão formulada.
III. Assim, e nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o recurso apenas é admissível relativamente à apreciação da questão da invocada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado.
IV. Entre a decisão proferida na primeira acção anterior invocada e os presentes autos não se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 621.º do CPC pelo que é manifesta a não verificação da excepção dilatória do caso julgado; tampouco existe entre a decisão proferida nessa acção e a decisão proferida/a proferir nos presentes autos uma relação de prejudicialidade, não podendo assim a decisão do acórdão recorrido incorrer em ofensa da autoridade de caso julgado.
V. Quanto à decisão formada na segunda acção anterior invocada importa esclarecer que o conhecimento do alegado erro de julgamento na interpretação do sentido e alcance da decisão aí proferida não se confunde com a apreciação da alegada ofensa de caso julgado ou da autoridade de caso julgado, encontrando-se o STJ impedido de conhecer daquela primeira questão, objecto do recurso, se acaso não se verificarem os pressupostos de que depende a efectiva verificação do fundamento especial que justificou a admissibilidade do recurso.
VI. No que se refere à apreciação da invocada excepção do caso julgado, a resposta negativa afigura-se evidente, uma vez que, não sendo as partes na dita acção idênticas às dos presentes autos, não se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 621.º do CPC.
VII. Quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado na segunda acção anterior invocada importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira.
VIII. No caso dos autos em que os aqui réus não são parte na acção anterior, nem por si nem pela qualidade, alegada mas não provada, de sucessores na posse dos ali autores, nem tampouco se encontram abrangidos por qualquer norma legal que permita que beneficiem do caso julgado formado naquele processo, forçoso é considerar-se que não se encontram reunidos os pressupostos da ofensa da autoridade do caso julgado.
IX. Com efeito – e aplicando-se o critério definido pelo n.º 2 do art. 580.º do CPC – a diversidade de sujeitos perante os quais são vinculativas as decisões leva a concluir que o conhecimento do mérito da presente acção realizado pelo acórdão recorrido não colocou o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior.
1. AA, BB e CC instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD, EE e FF, alegando, em síntese, o seguinte: que são donos e legítimos possuidores de uma quota indivisa de ¾ do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial n.º 111 (actual artigo n.º 2354), pertencendo a quota indivisa de ¼ aos herdeiros de GG e HH; que estes herdeiros venderam ao 1.º R. um prédio urbano com o artigo matricial n.º 400 (actual artigo n.º 2830), o qual era contíguo ao prédio dos AA.; que, nos primeiros meses do ano 2012, o prédio com o artigo matricial n.º 2830 foi totalmente demolido; que é público no Lugar da … que os herdeiros de GG receberam o preço de trinta mil euros, não só pela venda do prédio com o artigo n.º 400 (actual n.º 2830), mas também pela venda verbal da quota de ¼ do prédio com o artigo matricial n.º 111 (actual n.º 2354); que, no dia 29 de Maio de 2014, os AA. verificaram que o R. FF, por si e por ordem dos RR. EE e DD, ofendeu a propriedade dos AA., ao iniciar o desmoronamento, com a remoção quase integral, da telha e estrutura de suporte da cobertura de madeira do prédio com o artigo matricial n.º 111 (actual n.º 2354).
Alegaram ainda que, no dia 2 de Janeiro de 2015, ocorreu nova ofensa ao direito de propriedade dos AA. por parte dos RR., porquanto a estrutura da cobertura que restava foi integralmente demolida, a parede exterior da alçada poente do imóvel foi quase integralmente eliminada e a parede exterior da alçada norte, na sua parte superior, foi parcialmente demolida.
Concluíram, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade dos AA. e a absterem-se de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos do prédio urbano descrito na petição inicial, bem como a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos AA. em virtude da conduta dos mesmos RR..
Os RR. contestaram, invocando as excepções de falta de interesse em agir, de ilegitimidade passiva, de caso julgado, de autoridade de caso julgado, de abuso de direito e de litispendência; peticionando a suspensão da causa por causa prejudicial; e formulando pedido reconvencional, mediante o qual pretendem que o tribunal declare que a quota de ¼ do prédio urbano com o artigo matricial n.º 2354 (que se encontra autonomizado em relação aos restantes ¾, não existindo entre ambos comunicação física, e antes se encontrando as duas partes do mesmo prédio totalmente separadas fisicamente uma em relação à outra, conforme decisão proferida na acção declarativa sob a forma de processo sumário, na qual GG e mulher, HH, demandaram II e mulher, JJ, e que correu termos no tribunal Judicial da Comarca de … sob o n.º 60/1985) assim como o prédio actualmente com o artigo matricial n.º 2830, têm sido usados pelo R. DD e antepossuidores como se de um único prédio se tratasse; que se declare que o R. DD adquiriu aos herdeiros de GG um prédio composto pelo artigo matricial n.º 2830 e por ¼ do artigo matricial n.º 2354, quer por usucapião, quer por compra; que o tribunal ordene a rectificação das descrições prediais dos imóveis supra identificados e condene os AA. a absterem-se de comportamentos perturbadores da posse do R. DD sobre o imóvel com o artigo matricial n.º 2830 e com a composição acima descrita.
Os RR. arguiram ainda a litigância de má-fé por parte dos AA. e peticionaram que os mesmos fossem condenados em multa e no pagamento de uma indemnização no valor dos honorários do seu mandatário, bem como numa indemnização por danos morais, em valor a fixar pelo tribunal, dando-se ainda conhecimento à Ordem dos Advogados para os efeitos previstos no art. 545.º do Código de Processo Civil.
Os AA. apresentaram réplica, na qual impugnaram os factos vertidos na reconvenção e, relativamente à litigância de má fé, alegaram que quem litiga de má fé são os RR., sobretudo o R. DD, que, através da estratégia processual montada, visou afastar os AA. do exercício do seu direito legal de preempção, conforme prevê o art. 1410.º do Código Civil.
Peticionaram que o tribunal condene os RR. em multa e pagamento de indemnização aos AA., no valor de € 3.000,00, por litigância de má fé.
Por despacho datado de 24/09/2017, o tribunal efectuou convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, de molde a que os AA. especificassem e concretizassem os danos invocados.
Os AA. acederam ao convite e juntaram aos autos o articulado com a referência 269…99.
O tribunal proferiu despacho saneador datado de 11/02/2018 e, após ter dado o exercício do contraditório aos AA. para se pronunciarem acerca das excepções invocadas na contestação, indeferiu as excepções de falta de interesse em agir, de ilegitimidade passiva, de caso julgado e autoridade do caso julgado, e de litispendência.
Para além do supra exposto, o tribunal absolveu os reconvindos da instância reconvencional, por verificação da excepção de litispendência entre tal instância e os autos com o n.º 513/15.0…, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Cível (J4) e determinou a suspensão da instância por causa prejudicial.
Posteriormente, tendo sido junta aos autos certidão da decisão proferida no processo n.º 513/15.0…, realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho no qual se fixou o objecto do processo e os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Por sentença de 24/02/2019 foi proferida a seguinte decisão:
“[J]ulgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno os réus DD e FF a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários de uma quota de ¾ sobre o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da …, na freguesia de … deste concelho de …, tendo a área de 500 m2 e confrontando do norte com II e KK, de sul com estrada nacional, de nascente com caminho público e de poente com GG, com o artigo 2354 (antigo artigo 111) da matriz predial urbana da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 628;
b) Condeno os réus DD e FF a absterem-se, doravante, de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos, pelos autores, do prédio urbano descrito em a);
c) Condeno os réus DD e FF a ressarcir os autores no pagamento do valor das obras necessárias à reparação dos danos descritos nos factos provados sob os pontos 20), 21) e 27), relegando para incidente de liquidação se sentença, o apuramento do valor;
d) Condeno o réu DD no pagamento de uma indemnização aos autores no valor de mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora contabilizados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento;
e) Condeno o réu DD como litigante de má fé, na multa de 5 UC (cfr. art. 542º do CPC);
f) Absolvo o réu EE de todos os pedidos;
g) Absolvo os réus DD e FF das restantes quantias peticionadas;
h) Absolvo o réu FF do pedido de condenação por litigância de má-fé;
i) Absolvo os autores do pedido de condenação por litigância de má-fé.
Custas da reconvenção pelos réus.
Determino o cumprimento do nº 3 do art. 543º do CPC, com vista à fixação da indemnização a favor dos autores.”
Inconformados, os RR. DD e FF interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.
Por acórdão de 05/12/2019 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:
I - em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença quanto à condenação do Réu DD como litigante de má fé e no mais confirmando-se a decisão recorrida, apenas devendo sofrer alteração na formulação da al. C) do dispositivo da sentença, na qual deverá passar a constar o seguinte:
- c) Condeno os réus DD e FF a ressarcir os autores no pagamento do valor das obras necessárias à reparação dos danos descritos nos factos provados sob os pontos 20), 21) e 27), na proporção da quota dos AA, relegando para incidente de liquidação se sentença, o apuramento do valor;
II - Custas da apelação pelos apelantes e apelados na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.”
2. Vieram os RR. DD e FF interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 3 (a contrario) e 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, suscitando as seguintes questões:
- Ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário;
- Ofensa do caso julgado ou autoridade de caso julgado;
- Alteração da decisão de direito a respeito:
o Da falta de alegação e de localização da coisa (e do direito);
o Da efectiva localização e áreas dos prédios com os artigos matriciais (antigos) n.º 111 e n.º 400;
o Do significado de unidade predial;
o Da usucapião.
Pedem a revogação do acórdão recorrido e a absolvição dos RR. ora Recorrentes dos pedidos.
Não houve contra-alegações.
Por despacho do relator do Tribunal da Relação, datado de 09/03/2020, o recurso foi admitido.
Os autos foram apresentados no Supremo Tribunal de Justiça em 22/06/2020.
3. Cumprindo apreciar previamente da questão da admissibilidade da revista, antecipa-se que o recurso apenas é admissível no que respeita à invocada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), parte final, do Código de Processo Civil.
Quanto ao mais, verifica-se o obstáculo da dupla conforme previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC, como se passa a explicar.
Dispõe este preceito legal:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
No caso dos autos, o acórdão da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância, salvo na parte relativa à condenação do R. DD como litigante de má fé, revogando tal decisão e absolvendo-o desse pedido; e quanto à alteração do segmento decisório c) respeitante à condenação no pagamento de indemnização aos AA., apenas e tão-só para determinar que tal condenação não deve ser na totalidade (como resultava da decisão da 1.ª instância) mas na proporção da quota parte daqueles RR. na compropriedade do prédio inscrito no artigo matricial n.º 111.
Ora, a dupla conformidade entre as decisões das instâncias afere-se em função da decisão final, salvo se estiverem em causa segmentos decisórios com objecto materialmente autónomo [ver, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 11/02/2016 (proc. n.º 403/13.0TVLSB.L1.S1), de 11/05/2017 (proc. n.º 3779/12.3TBBCL.G1), cujos sumários estão disponíveis em jurisprudência cível, in www.stj.pt, e de 01/03/2018 (proc. n.º 1755/12.5TVLSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt].
Assim, tendo a decisão de condenação do R. DD como litigante de má fé objecto materialmente autónomo em relação à decisão de mérito, a revogação daquela decisão não afecta a dupla conformidade formada em relação a esta.
Tampouco a alteração do segmento decisório c) é apta a descaracterizar a dupla conformidade, uma vez que – de acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal – é de assimilar à dupla conforme, impeditiva da revista por via normal, a situação em que a decisão da Relação, sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente, é mais favorável ao recorrente que a decisão da 1.ª instância, ainda que fique aquém da satisfação total da pretensão formulada. Neste sentido, ver, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13/02/2014 (proc. n.º 4747/08.5TBSXL.L1.S1), de 27/04/2017 (proc. n.º 805/15.8T8PNF.P1.S1), de 24/05/2018 (proc. n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1), de 27/09/2018 (proc. n.º 634/15.9T8AVV.G1-A.S1), de 21/02/2019 (proc. n.º 1589/13.0TVLSB-A.L1.S1), de 02/05/2019 (proc. n.º 18685/15.1T8LSB.L1.S1) e de 03/10/2019 (proc. n.º 7475/17.7T8LSB.L1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Aqui chegados, falta ainda verificar se, no caso, a fundamentação do acórdão recorrido é essencialmente diferente da fundamentação da sentença de 1.ª instância.
Compulsado o acórdão recorrido, constata-se que a Relação modificou a decisão sobre a matéria de facto, mas que essa modificação é mínima em relação à matéria de facto impugnada, restringindo-se à alteração do teor do facto 16 (com a inserção do texto completo da decisão judicial aí transcrita), ao aditamento do facto 21-A e à eliminação do facto 29. Ademais, como é salientado no próprio acórdão recorrido, apenas a eliminação do facto 29 teve repercussões na consequente absolvição do R. DD como litigante de má fé, enquanto a alteração do facto 16 e o aditamento do facto 21-A não implicaram qualquer modificação na fundamentação da decisão de direito.
A modificação pela Relação da factualidade dada como provada não conduziu, assim, a qualquer solução jurídica diversa da que havia sido seguida pela 1.ª instância, pelo que tal modificação não basta para concluir pela inexistência de dupla conforme (neste sentido, cfr., exemplificativamente, o acórdão deste Supremo Tribunal de 24/01/2019, proc. n.º 614/15.4T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
No mais, a fundamentação utilizada pelas instâncias não é essencialmente diferente, baseando-se no entendimento de que, em acção de reivindicação baseada exclusivamente na presunção de propriedade derivada da inscrição do imóvel no registo predial a favor do autor, este está dispensado de provar os factos constitutivos do seu direito, incumbindo ao réu o ónus da prova do contrário, nos termos dos arts. 342.º, n.º 1 e 350.º do Código Civil. No caso sub judice, entenderam as instâncias que os RR. não lograram ilidir tal presunção nem demonstraram ser titulares de direito real ou creditício sobre o imóvel que impeça o exercício da compropriedade por parte dos AA..
Em suma, verifica-se uma situação de dupla conforme que obsta à admissibilidade da revista, com excepção da invocada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, que integra a previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, devendo o objecto do recurso – de acordo com a orientação constante da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., exemplificativamente, os acórdãos de 08/11/2018 (proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1) e de 17/10/2019 (proc. n.º 873/16.5T8VCT.G1.S1), disponíveis em www.dgdi.pt – circunscrever-se à apreciação dessa questão.
Por último, assinale-se que, apesar de os Recorrentes terem, no requerimento de interposição de recurso, invocado o disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, não manifestaram vontade de interposição de revista por via excepcional, ainda que a título subsidiário, nem mencionaram nas suas alegações qualquer oposição de julgados, nem indicaram ou juntaram cópia de qualquer acórdão-fundamento, para além dos acórdãos proferidos nas acções em relação às quais é invocada a ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, o que será infra apreciado.
Em conclusão, admite-se o recurso, circunscrito à apreciação da questão da invocada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado; e rejeitando-o quanto à apreciação das demais questões.
4. Em relação à questão da alegada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, formularam os Recorrentes as seguintes conclusões:
“(…)
16º - Ao contrário do que defendeu o acórdão recorrido, entendemos que uma leitura correta de tais decisões anteriores conduz-nos à conclusão que foi efetivamente ofendido o caso julgado, julgando-se de forma direta e indiretamente incompatível com o decidido em tais 2 ações judiciais da década de 80.
17º - Como o acórdão recorrido bem transcreveu: a mesma jurisprudência do Supremo (e das Relações) tem reafirmado que são abrangidas pelo caso julgado não apenas o segmento decisório final enquanto conclusão a partir de determinados fundamentos (o denominado «silogismo judiciário»), mas, ainda, as próprias questões apreciadas e que constituam antecedente lógico indispensável da conclusão ou parte dispositiva da sentença.” Pena que o mesmo acórdão recorrido não tenha feito a análise das questões que são antecedente lógico e indispensável das ações 60/85 e 70/88.
DA AÇÃO 60/85
18ª – Concretamente, entendeu o acórdão recorrido não existir coincidência entre estes autos e os autos 60/85 justificando-se que essoutra ação visava o fechamento de umas aberturas de uma marquise dos aí RR. e a remoção de um beiral do telhado e não, como nos presentes autos, a questão de saber se o prédio de que os AA. se arrogam comproprietários está ainda efetivamente em compropriedade, evocando aliás o que ficara inscrito na sentença de 1ª instância do proc. 60/85 onde se refere que a questão da “propriedade não fará a presente ação caso julgado, pois o pedido não é esse e o contrário seria renunciar aos mais elementares princípios vigentes no âmbito do direito processual” (errado).
19ª – Isto logo depois da mesma sentença do proc. 60/85 ter declarado que - No que diz respeito à casa, quinteiro e rossio descritos em 1 a), questões não se levantam; é patente que pertencem aos AA que, por aquisição derivada (contrato de compra e venda) entraram no seu domínio. Resulta também claro que os AA por si e seus antecessores, na parcela de terreno em causa, vêm há pelo menos 40 anos armazenando lenha e mato, sem qualquer interrupção e à vista de toda a gente. Ora estes factos são expressivos e integradores da usucapião (art. 1296º do CCivil), forma de aquisição originária.
20ª - Note-se que o prédio descrito em 1 a), é precisamente a parcela de casa e rossios ainda registada erradamente como 1/4 do prédio do artº 111º aqui em discussão nos autos, assim se determinando que a mesma é, na verdade, uma unidade predial distinta, tornando-se assim no mínimo estranho como é que a mesma sentença não determinaria o caso julgado quanto a tal questão.
21ª – O erro do nosso acórdão é que essa passagem da 1ª instância veio a ser corrigida e clarificada pelo Tribunal de recurso nessa ação que revogou a sentença de 1ª instância, dizendo, quanto a este ponto, que “Conclui-se na Sentença [de 1ª instância] que, perante os factos provados e ao menos por via de usucapião, os autores são donos dos dois prédios indicados no n.º 1 do articulado inicial, até à confrontação a Norte com o prédio dos Réus.- Sobre essa questão, assim decidida na 1ª instância, não há que emitir qualquer pronúncia. - Tem de acatar-se porque não se compreende no âmbito de recurso, uma vez que foi decidida favoravelmente aos autores e os réus não recorreram (…) – condenação que necessariamente pressupõe o direito de propriedade invocado pelos autores, na parte em que (não) foi contrariado na contestação”.
22ª – Isto é, veio o acórdão a entender, ao invés da 1ª instância, que:
- afinal, a propriedade – isolada e não em compropriedade – do prédio alegado em 1º/a) (o ¼ erradamente descrito do prédio 111º e de cuja propriedade aqui discutimos) é exclusivamente dos aí AA, declarando-se, porque aceite pelos aí RR, que tal parcela é autónoma e independente.
- a questão da propriedade (exclusiva) não é meramente instrumental mas sim pressuposto direto e necessário da condenação de tal ação, devendo tal pressuposto incluir-se na parte decisória, assim forçosamente abrangida pelo caso julgado.
23ª – Mas mesmo que caso julgado não houvesse, é inegável que nessa ação ficou assente e provado que:
FACTOS ASSENTES:
A) - “Os AA. são donos e legítimos possuidores (…) da 1 a) - casa morada com 2 pavimentos e rossios, inscrito na matriz como ¼ do artigo 111º (…)
b) - casa morada e respetivos rossios inscrito na matriz como artigo 400” (…)
D) - “6º Desde há mais de 40 e 50 anos que o prédio referido em a) do artº 1º desta petição se encontra dividido e demarcada, constituindo uma unidade predial distinta e autónoma.
E) - 7º - Pois desde esses recuados tempos que, entre o prédio dos AA. e a casa contígua, hoje de LL, se interpunha uma divisória em madeira, hoje feita em cimento não havendo entre eles qualquer ligação.
FACTOS PROVADOS:
Quesito 2º, PROVADO, DOC-1, fls. 21): «por si e seus ante possuidores vêm os aa. possuindo ambos os mencionados imóveis, como prédios distintos e autónomos, há 40 anos, sem qualquer interrupção, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.»;
Quesito 3º PROVADO, (DOC-1, fls. 21): «habitando as casas, recolhendo animais nas cortes do rés do chão, utilizando o quinteiro e ocupando os rossios, em tudo agindo por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre esses prédios.»;
QUESITO 4º) PROVADO – “Nos referidos rossios, sitos a norte das faladas casas, os RR, por si e respetivos antepossuidores, sempre armazenaram mato, palha, lenha, etc…”
QUESITO 5º) PROVADO – “Actos que, desde há mais de 50 anos de idade, sempre praticaram por forma reiterada, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem direito próprio”.
QUESITO 6º) PROVADO – “Os rossios do prédio do artigo antecedente, pelo seu lado norte estendem-se por uma linha recta que se inicia no cunhal nascente-norte deste imóvel
[al. A) do item 1º] prolongando-se para norte até à parede sul dos RR.”
24ª – De tais esclarecedores factos sempre se concluiria que o nosso caso deve estar protegido pela “autoridade de caso julgado”, pois que, na verdade, o objeto (e pressuposto base) do litígio da ação n.º 60/85 é parcialmente o mesmo que está a ser discutido nos presentes autos: saber se a parcela identificada como “casa do meio”, erradamente inscrita como ¼ do artigo 111, é ou não um prédio autónomo e independente (como de facto é, já há quase 80 anos a esta parte…), fazendo notar que os RR. de tal ação eram os antepassados dos agora AA. e os AA. de tal ação são os antepossuidores do aqui Réu DD.
DA AÇÃO 70/88
25ª – Sobre tal axial ação pouco se pronunciou o acórdão recorrido lendo apenas parte do dispositivo da sentença e, em consequência, retificando a transcrição da mesma para o facto 16 (que estava, inexplicavelmente, mal transcrita). Lamentamos porém que não tenha sabido interpretar nem as “questões apreciadas e que constituam antecedente lógico indispensável da conclusão ou parte dispositiva da sentença” nem sequer se tenha debruçado sobre a restante parte dispositiva que, inelutavelmente, anula a errada conclusão alcançada.
26ª – Preliminarmente, diremos que existe completa correspondência de sujeitos na ação 70/88 com os presentes autos (ainda que com posições invertidas) pois que nessoutra ação eram AA. os anteproprietários do aqui Réu DD quanto à parcela da “casa do meio” de cuja propriedade invoca e que aqui se discute e eram RR/reconvintes o próprio aqui A. e mulher que, porque entretanto falecida, transmitiu o seu direito aos aqui atuais 3 AA., enquanto alegados proprietários da casa a nascente, outrora pertencente a LL, de quem receberam doação de ¾ do 111º.
27ª - Essa ação 70/88 tinha como objeto principal a discussão sobre a propriedade da área onde esteve implantado um velho canastro que se encontrava construído a norte da “casa a nascente”, outrora pertencente a LL e hoje pertencente aos AA., (os ¾, físicos, do antigo artº 111). Os aí AA. (antepossuidores do aqui R. DD) defendiam que a área de tal canastro estava incluída na parcela da “casa do meio”, ainda erradamente inscrita como ¼ do artigo 111º. Estavam errados.
28ª - Os RR. Dessa ação aproveitaram a ação para avançar com um pedido reconvencional: que se declarasse que a casa a nascente, “inscrita” como ¾ do artigo 111º e outrora pertencente a LL, é na verdade uma unidade predial autónoma e distinta das demais de que eles são exclusivos donos, pedindo que os AA. não a possam ocupar.
29ª – Para tanto, alegaram extensa matéria factual – dada como assente e provada – de onde se extrai a aquisição por usucapião da sua parcela, independente (a casa de LL e respetivos rossios a norte, incluindo a área do discutido canastro), que estava ainda mal registada como ¾ do prédio do artº 111º e alegaram ainda igual matéria factual, já assente na ação 60/85, de onde se extraía inequivocamente a aquisição por usucapião da parcela, independente, da “casa do meio” dos AA., ainda mal registada como 1/4 do prédio do artº 111º.
30ª – Contrariamente ao que, estranhamente, diz o acórdão recorrido, os RR. obtiveram completo deferimento dessa sua pretensão reconvencional, quase apenas daqui se explicando o clamoroso erro de julgamento quanto à questão do caso julgado pois que já tal ação anterior tinha determinado não existir mais compropriedade no artº 111º. Apenas poderemos partir do princípio que o tribunal recorrido não leu a totalidade da parte dispositiva dessoutra sentença nem os factos que lhe serviram de pressuposto.
31ª – Vale a pena transcrever a parte final da sentença (incluindo a parte dispositiva) que passou para facto provado 16 dos nossos autos, mas à qual poderemos transcrever ainda mais 2 passagens de tal sentença (abaixo sublinhadas) que poderão ajudar a lançar luz sobre o problema:
32ª – “(…) Os Autores beneficiam da presunção de propriedade conferida pelo registo em relação aos prédios descritos em A) e B) da especificação, conforme resulta da certidão junta a fls. 99 a 104.
- Contudo, no que toca ao prédio descrito em A) essa presunção limita-se tão só a ¼ do respectivo prédio, o que resulta igualmente do teor da escritura pública de compra e venda celebrada em 1966, a que se faz referência na alínea A).
- (…) Desta forma não procede em parte o primeiro pedido formulado pelo Autores, já que tão só se provou que os AA. são proprietários de ¼ do prédio id. no art.º 1.º a) da petição inicial.
- Provou-se ainda que os Réus possuem como donos os restantes ¾ do prédio (alínea F, e resposta aos quesitos 27.º a 30.º inclusive) (…)
- Provou-se ainda que os Autores possuem como donos os rossios do prédio descrito em A) e o prédio descrito em B) e respetivos rossios”. (…)
- “Tais rossios situam-se a norte das casas e estendem-se até à parede sul da casa de II e a nascente até à parede sul da casa que pertenceu a LL. Não se provou que os mesmos se prolonguem até ao local onde se situa o canastro que esteve implantado na zona norte nascente dos rossios dos prédios id em A), B) e F)”
- “Com efeito, da prova produzida resulta que tão só os RR. há mais de 30, 40, 50 anos por si e seus antecessores – LL – têm ocupado como donos a zona onde se achou implantado em tempos o referido canastro o qual só foi colocado pelos pais de LL bem como uma edificação com 39,39m2 Essa que é titulada – escritura de doação alínea F) – e foi adquirida por acessão nos termos do artº 1256º CC. Assim, nos termos do artº 1287º e 1296 CC adquiriram os Réus por usucapião a propriedade do prédio id. em F) e respetivos rossios descritos nas respostas aos quesitos 27 a 30 inclusive onde se inclui a área onde esteve instalado o canastro e edificação”.
III. Decisão: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a acção e:
- declaro os Autores donos e legítimos possuidores do prédio identificado em B) e donos de 1/4 indiviso do prédio id. em A), (da especificação); (…)
- “Julgo procedente por provada a reconvenção.”
– e declaro os Réus donos da unidade predial descrita em F) e respostas aos quesitos 27.º a 30.º inclusive;
- condeno os Autores a reconhecerem tal direito; (…).”;
- “Condeno os AA a absterem-se de ocupar os rossios dos RR. a nascente da linha divisória descrita na resposta aos quesitos”.
33ª - Antes de analisar os excertos acima transcritos da sentença – e que os aqui recorrentes insistem que declaram inequivocamente a inexistência de compropriedade no prédio do artº 111º, cumpre explicar o facto dessa sentença ter, estranhamente, feito declarar que os AA. seriam apenas donos de ¼ do prédio do artº 111º, já que foi apenas e tão só a tal segmento decisório que o acórdão recorrido se “amarrou” para fazer improceder todos os restantes argumentos e pedidos de recurso.
34ª – Ora, a referência ao direito a ¼ indiviso dos aí AA. feita na sentença vem na sequência de se ter declarado a improcedência parcial do pedido dos AA. por falta de prova, sem esquecer que os AA. julgavam que o prédio – autónomo e independente, mas que indicaram como sendo ¼ (físico) do 111º – de que foram declarados como únicos e exclusivos donos na ação 60/85 -, estendia-se até ao local onde existia um canastro, a norte da casa de LL e a nascente dos rossios da “casa do meio”.
35ª – Como é evidente, porque tal canastro não pertencia aos AA., encontrando-se antes incluído no prédio dos aí RR./reconvintes, nunca o Tribunal poderia ter decidido doutra forma relativamente a esse ¼ precisamente porque esse ¼, tal como inicialmente definido pelos AA., incluía uma área que, de facto, não é nem nunca foi dos então AA. (lembrando ainda que, à data de tal sentença, o princípio do inquisitório era muito mais mitigado do que hoje é.)
36ª – Não fosse essa circunstância – erro dos aí AA. - então essa sentença estaria forçosamente errada porque a demanda dos AA. nunca poderia improceder por falta de prova, já que são os próprios RR. a admitir, por confissão, que a casa de morada (do meio), ainda erradamente inscrita como ¼ do 111º, é na verdade uma unidade predial independente e que pertence exclusivamente aos AA por usucapião (vejam-se os artigos 51º a 56º da sua contestação, acima transcritos).
37ª – E para melhor visualizar a alegação e questão dos autos, concretamente das 3 casas em causa ou mais especificamente a casa a nascente, de LL (os errados ¾), e a casa do meio, de GG (os errados ¼) que ambas as partes há quase 80 anos “converteram” em ¼ e ¾, “físicos”, cumpre lançar mão da esclarecedora planta que os próprios AA. desta nossa ação fizeram juntar a fls. 9 do doc. 6 da Petição inicial.
38ª - Trata-se de uma planta também junta nos autos que decorreram sob o n.º 70/88 e que retrata a existência de 3 casas e respetivos rossios/quintais a norte, onde se identifica claramente qual a casa mais a nascente, individualizada, que pertence exclusivamente a LL (agora dos AA.), e quais as 2 casas, a do meio e a poente, também individualizadas, que pertencem exclusivamente a GG (agora do Réu DD).
39ª – Da transcrição da parte final da sentença do proc. 70/88 (facto provado 16 e acima transcrita em conclusão 32ª), conclui-se desde logo que o prédio que os Reconvintes (aqui AA) receberam de doação de LL, definido em escritura do facto assente F) (doc. 4 da nossa I), como sendo ¾ do artº 111, foi adquirido pelos RR. por usucapião, sem esquecer que, como alegado pelos Reconvintes (e evidenciado na sua planta), tal prédio corresponde à habitação mais a nascente que foi de LL que delimitaram e identificaram assim: “É esta linha que divide a fronteira entre a fração do artº antecedente e a fração autónoma e distinta que era pertença da LL e que hoje é dos RR, sendo uma unidade predial distinta e autónoma”. (item 56 contestação proc. 70/88).
40ª – Declarou ainda tal sentença que é em tal prédio – a “unidade predial distinta e autónoma” declarada pelos reconvintes – que está implantado o que resta do canastro discutido nos autos e, ainda (ponto importante), que a essa área do antigo canastro não pertence aos aí AA. Ora, daqui apenas se poderá concluir que tanto a área do canastro como a casa de LL não pertencem aos AA, hipótese apenas compatível com a inexistência de compropriedade do prédio do artº 111º.
41ª – Da parte decisória reconvencional, que o acórdão recorrido não analisou, retiram-se também importantes conclusões:
- afinal – ao invés do que afirmou o nosso acórdão recorrido -, os RR. reconvintes (aqui AA.) obtiveram efetivamente total ganho de causa reconvencional já que o Tribunal lhes deferiu todos os pedidos;
- por outro lado, declarou – taxativamente – que o prédio a que se alude o ponto F) da especificação é, inequivocamente, uma unidade predial, logo, autónoma e distinta das demais, não fazendo parte, pois, de qualquer prédio em compropriedade. (lembrando que o ponto F) da especificação é precisamente à escritura de aquisição pelos reconvintes dos ¾ do artigo 111º por doação de LL (ver fls. 61 do proc. 70/88 ou doc. 4 da PI dos nossos autos).
- Isto é, dúvidas não restam quanto à autonomização (física e de direito) do prédio que estava e está desatualizadamente registado como ¾ do artº 111.
- Mais: declara a sentença que os reconvintes são os exclusivos donos de tal unidade predial, assim também se inculcando a ideia de que não existe qualquer compropriedade.
41ª – Da parte final do decisório reconvencional consta ainda que os AA. ficam condenados a “absterem-se de ocupar os rossios dos RR. a nascente da linha divisória descrita na resposta aos quesitos”, isto é, os AA. não podem entrar na parcela de terreno e rossios que eram os ¾, já físicos, do prédio do artigo 111º, condenação também manifestamente incompatível com uma relação de compropriedade pois que, doutra forma violar-se-iam os mais básicos princípios das regras de propriedade, nomeadamente o artº 1406 CC, como não foi certamente o objetivo da sentença.
42ª – Ao entender existir ainda uma compropridade no prédio 111º (que já há décadas estão divididos em 2 unidades prediais totalmente independentes entre si por sentença judicial), violaram as instâncias recorridas o caso julgado de tal sentença, assim cometendo precisamente o erro que levou o legislador a criar o instituto do caso julgado: a existência de decisões contrárias sobre a mesma questão jurídica e de facto.
43ª – Isso sem olvidar que, mesmo que assim não sucedesse, e ao contrário do que tentou sustentar o acórdão recorrido – porque demasiado focado num excerto decisório e que não conseguiu interpretar devidamente no seio da causa de pedir aí em causa – sempre também aqui lançaríamos mão da autoridade do caso julgado.
44ª – É que em tais autos 70/88 ficou assente e provado que:
Ponto A da especificação: “teor da escritura pública e compra e venda junta a fls 74 que se dá integralmente por reproduzida para todos os efeitos legais”. Esta é a escritura pela qual os aí AA. compraram ¼ do prédio 111º.
Ponto F da especificação: “teor da escritura pública de doação junta a fls. 61 e que se dá aqui integralmente reproduzida para todos os efeitos legais”. Esta é a escritura pela qual os aí RR/reconvintes “receberam por doação” ¾ do prédio 111º”.
Ponto C da Especificação: “Desde há mais de 40 e 50 anos que entre o prédio descrito em A) e a casa contígua hoje de LL e interpunha uma divisória e madeira, hoje feita em cimento, não havendo entre elas qualquer ligação”.
Quesito 1, PROVADO: “A norte das casas descritas em A) e B) situam-se os rossios das casas que se estendem até ao muro sul da casa de morada de II e a nascente até ao prédio que pertence à LL” (a não já ao canastro)
Quesito 2, PROVADO: que “Há mais de 40 e 50 anos, por si e seus antecessores, os Autores vêm habitando as casas, recolhendo animais nas cortes do Rés-do-chão e utilizando o quinteiro dos prédios descritos em A) e B)”.
Quesito 3, PROVADO: que “Os Autores, por si e seus antecessores, há mais de 50 anos que utilizam os rossios descritos no quesito 1º para armazenarem mato, folhas, lenha, arrumar caixotes, criarem e guardarem as aves de capoeira”.
Quesitos 4, 5, 6 E 7, PROVADOS: que “Tal utilização não sofreu interrupção”; Tal utilização foi à vista de toda a gente”; “tal utilização não teve oposição de ninguém”; “tal utilização foi na convicção de exercerem o direito de propriedade sobre os prédios indicados em A) e B) e seus rossios descritos no quesito 1º”.
Quesito 20, PROVADO: “a divisão entre o prédio identificado em A) e o prédio identificado em F) forma-se em linha recta a partir do antigo muro de madeira situado entre as duas casas e termina junto à casa de II.
Quesito 22, PROVADO: “para poente da linha situam-se os rossios do prédio identificado em A)
Quesito 23, PROVADO: “para nascente situam-se os rossios que pertencem ao prédio identificado em F).
Quesito 27, PROVADO: “os Réus por si e por seus antepassados, há mais de 30, 40 e 50 anos que ocupam o prédio descrito em F) e os rossios que se aludem em 23, 24, 25 e 26, habitando a casa e colocando lenhas, matos, fangulho animais de capoeira nos rossios”.
Quesitos 28, 29 e 30, PROVADOS: “à vista de toda a gente”; “sem oposição de ninguém”; “na convicção de exercerem o direito de propriedade”
45ª – E sem esquecer que os próprios RR/Reconvintes de tal ação (aqui AA.) alegaram taxativamente que:
- “A fração 1/4 que os AA. descrevem sob a alínea a) do artº 1 da petição era e é uma fração autónoma, distinta das demais, com entradas e saídas próprias isto é uma unidade predial autónoma e independente” (artº 51 contestação)
- que “Os AA. por si e pelos seus predecessores, há mais de 30 e 50 anos que a habitam, fazendo nela obras de reconstrução e reparação, possuindo-a de modo pacífico, público, contínuo, exclusivo e de boa fé e exercendo os poderes correpondentes ao direito de propriedade” (artº 52 contestação).
- que “a área descoberta da fração anterior é constituída por uma parcela de terreno em forma retangular que se inicia em toda a frente norte da aludida fração e se estende até ao prédio de II que lhe fica a norte.“ (artº 53 contestação)
- que “os AA. por si e seus antecessores há mais de 30 e 40 anos que ocupam essa parcela de terreno com lenhas e animais de capoeira”. (artº 54 contestação)
- “Esta parcela de terreno situa-se entre a linha divisória da parcela de terreno também pertencente aos AA. e que descrevem na al. b) da Petição e a linha divisória que se inicia no cunhal norte-nascente da referida fração e se estende para norte até ao prédio do II que lhe fica a norte dela”. (artº 55 contestação)
- “É esta linha que divide a fronteira entre a fração do artº antecedente e a fração autónoma e distinta que era pertença da LL e que hoje é dos RR, sendo uma unidade predial distinta e autónoma”. (artº 56 contestação)
46ª - Isto é: os RR. (aqui AA) assumem claramente que o que outrora foi identificado como ¼ do artº 111 (físico) era também hoje uma parcela autónoma e independente (casa do meio e respetivos rossios a norte) e que os aí AA., se nada mais fosse, teriam adquirido tal parcela independente por usucapião.
47ª – Por tudo isso, mesmo que caso julgado não existisse, sempre atuaria a autoridade de caso julgado quanto aos notórios e esclarecedores factos assentes e provados de onde apenas se poderá concluir que o que foram ¾ do artº 111 são efetivamente um prédio autónomo e independente, outrora pertencente à casa de LL e correspondente à casa mais a nascente, perfeitamente delimitado fisicamente dos demais e que, por contraponto (e forçosamente), também o que foram ¼ do artº 111 (casa do meio) são efetivamente um prédio autónomo e independente pertencente exclusivamente aos outrora AA. (e hoje Réu DD) mas não aos aqui AA.”
Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido e a abolvição dos RR. de todos os pedidos.
Como se referiu supra, os Recorridos não contra-alegaram.
5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):
1. Encontra-se inscrita a favor dos Autores a aquisição de uma quota indivisa de ¾ de um prédio urbano, composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da …, na freguesia de … deste concelho de …, tendo a área de 500 m2 e confrontando do norte com II e KK, de sul com estrada nacional, de nascente com caminho público e de poente com GG, com o artigo 111 da matriz predial urbana da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 628;
2. Devido à recente reorganização administrativa, com a criação da união das freguesias de … e …, ao sobredito prédio urbano foi atribuído novo artigo matricial: o artigo 2354;
3. No decorrer do ano de 1999, faleceu MM, que era esposa do Autor AA e mãe dos Autores BB e CC;
4. Foi esta, a quem, no dia 20 de Fevereiro de 1987, por escritura pública de doação, foram transmitidos, por LL, “três quartos indivisos do prédio urbano composto de casa de morada com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da …, da freguesia de … deste concelho de …, com a área coberta de cento e cinquenta e seis metros quadrados e descoberta de trezentos e cinquenta e três metros quadrados, descrito na conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número quarenta e oito mil quatrocentos e sessenta e oito, a folhas cento e oitenta e nove do livro B-cento e vinte e quatro e inscrito na respectiva matriz sob o artigo número cento e onze”;
5. Os Autores, na sequência de um acto notarial de habilitação de herdeiros, fizeram o registo da sua aquisição no dia 14 de Outubro de 2010;
6. Por outro lado, a quota indivisa de ¼ sobre esse mesmo prédio encontra-se registada a favor dos herdeiros de GG e HH: NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU;
7. Até o dia 29 de Setembro de 2011, também era propriedade dos herdeiros de GG e HH, o seguinte prédio urbano: prédio composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no Lugar da …, Freguesia de …, concelho de …, com a área de 325m2, confrontando do norte com VV e caminho de servidão, do sul com XX, nascente com AA (1.º Autor) e caminho de servidão e poente com DD (1.º Réu) e ZZ, anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob artigo 400 e que, ulteriormente, por via da recente reorganização administrativa, com a união das freguesias de … e …, passou a estar inscrito sob o artigo 2830; estando actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob nº 654, tendo a predita aquisição sido inscrita pela apresentação nº 1132 de 29.09.2011;
8. Nesse dia 29 de Setembro de 2011, por título de compra e venda, os herdeiros de GG e de HH venderam ao 1.º Réu, DD, o prédio identificado no artigo antecedente, pelo preço de € 30.000,00 (trinta mil euros);
9. Este prédio do artigo 400/2830, que foi totalmente demolido nos primeiros meses do ano de 2012, era contíguo, em toda a sua extensão, ao prédio urbano do artigo 111/2354;
10. No decorrer da década de oitenta do século passado, a delimitação/demarcação dos dois prédios motivou um litígio judicial que opôs GG e esposa, HH, a AA e esposa, MM, esta já falecida desde 1999;
11. Na acção declarativa sumária, processo n.º 70/88, no art.º 1.º da petição inicial dessa acção, GG e HH juntavam um “esboço”, como doc. n.º 1, e afirmavam o seguinte: “os AA. são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios urbanos, contíguos e sitos no aludido Lugar da …:
a) Casa de morada com dois pavimentos, quinteiro e rossios, a confrontar do norte com II, sul AAA, nascente com LL e poente com o prédio a seguir indicado, inscrito na respectiva matriz sob ¼ do art.º 111.º e fazendo parte da descrição predial n.º 48468, a fls. 189, Lv B-124, de Conservatória do Registo Predial de … – indicado sob o n.º2 no esboço topográfico, junto, como doc. n.º 1; e
b) Casa de morada e respectivos rossios, a confrontar do norte com II, sul AAA, nascente com os AA. e poente com herdeiros de BBB, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 400, e descrito sob o n.º 66414, a fls. 111v, do Lv. B-160, da Conservatória do Registo Predial de … – n.º 1 do esboço.”;
12. No art.º 2.º dessa petição concretizavam: “O domínio e posse do primeiro daqueles imóveis adveio ao AA, por compra que dele fizeram a CCC e mulher DDD, por escritura lavrada aos de Janeiro de 1966, a fls. 84v do Liv n.º 341 do Cartório Notarial de ....”;
13. E no art.º 8.º da mesma peça, ainda aduziam que: “O domínio e posse do imóvel referido na al. b) do art.º 1 desta petição, adveio aos AA. por compra que dele fizeram a EEE, por escritura outorgada em 6 de Dezembro de 1978, lavrada a fls. 89v do Livro D-417 do Cartório Notarial de ….”;
14. Os aí Réus-Reconvintes (ora autores) deduziram o seguinte pedido: «…Deve ser julgada procedente e provada a deduzida reconvenção e, em consequência: a) Declarar-se que os RR são os únicos donos e possuidores da unidade predial autónoma e distinta alegada nos artºs 96º, 97º, 98º, 99º, 100º e 101º, todos da contestação»;
15. E no art. 97º dessa peça processual fizeram constar: «não obstante na respectiva escritura constar ¾ indivisos do artº 111 devendo-se tal à fracção omissa dolosa do prédio declarado omisso pela EEE, quando vendeu aos AA que devia ter destacado ¼ parte indivisa do aludido artº 111» (artigo 97 da contestação-reconvenção);
16) A sentença, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ao comprovar a existência contígua desses artigos matriciais, respectivos rossios e edificações nas alíneas A) e B) da especificação, decidiu o seguinte:
“ (…) Os Autores beneficiam da presunção de propriedade conferida pelo registo em relação aos prédios descritos em A) e B) da especificação, conforme resulta da certidão junta a fls. 99 a 104.
Contudo, no que toca ao prédio descrito em A) essa presunção limita-se tão só a ¼ do respectivo prédio, o que resulta igualmente do teor da escritura pública de compra e venda celebrada em 1966, a que se faz referência na alínea A).
(…) Desta forma não procede em parte o primeiro pedido formulado pelo Autores, já que tão só se provou que os AA. são proprietários de ¼ do prédio id. no art.º 1.º a) da petição inicial. Provou-se ainda que os Réus possuem como donos os restantes ¾ do prédio (alínea F, e resposta aos quesitos 27.º a 30.º inclusive) (…)
Provou-se ainda que os Autores possuem como donos os rossios do prédio descrito em A) e o prédio descrito em B) e respetivos rossios”. (…)
“Tais rossios situam-se a norte das casas e estendem-se até à parede sul da casa de II e a nascente até à parede sul da casa que pertenceu a LL. Não se provou que os mesmos se prolonguem até ao local onde se situa o canastro que esteve implantado na zona norte nascente dos rossios dos prédios id em A), B) e F)”
III. Decisão: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a acção e:
- declaro os Autores donos e legítimos possuidores do prédio identificado em B) e donos de 1/4 indiviso do prédio id. em A), (da especificação); (…)
– e declaro os Réus donos da unidade predial descrita em F) e respostas aos quesitos 27.º a 30.º inclusive;
- condeno os Autores a reconhecerem tal direito; (…).”;
- “Condeno os AA a absterem-se de ocupar os rossios dos RR. a nascente da linha divisória descrita na resposta aos quesitos”. [alterado pela Relação, de forma a inserir texto mais completo da sentença]
17. O réu DD mandou proceder a um levantamento topográfico elaborado pelo senhor FFF, onde se delimitavam “as novas dimensões” desse prédio para que o Autor AA assinasse “de cruz”;
18. Este recusou sempre a assinatura;
19. No dia 29 de Maio de 2014, quando o Autor AA se deslocou ao seu prédio, comprovou que no imóvel descrito em 1) e sem qualquer permissão sua ou dos filhos (2.º e 3.º Autores), tinham sido feitas obras de construção civil;
20. O Réu FF, na qualidade de encarregado da obra, por ordem do Réu DD, iniciou o desmoronamento do imóvel, com a remoção, quase integral, da telha e estrutura de suporte da cobertura (em madeira) do prédio do antigo artigo 111 (actual artigo 2354);
21. O edificado do artigo 111/2354 ficou a “céu aberto”, as telhas e os barrotes em madeira que compunham a sua cobertura foram totalmente destruídos;
21ºA. Não obstante as obras descritas, a casa a nascente do artigo 400 sobre a qual incidiram os trabalhos encontrava-se em ruínas e sem condições de habitabilidade [aditado pela Relação]
22. No mesmo dia 29 de Maio, os Autores embargaram extrajudicialmente os trabalhos novos no seu prédio e, de seguida, interpuseram a respectiva ratificação judicial na Instância Local de … do Tribunal Judicial da Comarca de … – proc. n.º 272/14.3 …;
23. O Réu FF, citado, não se opôs;
24. O Réu DD, citado, veio deduzir oposição, alegando, em síntese, que as obras embargadas estavam a ser feitas no prédio do antigo artigo 400 (actual artigo 2830) e não no prédio do antigo artigo 111 (actual artigo 2354);
25. Naquele articulado de oposição, o réu, perante a Fotografia 1, que não impugnou, afirmou isso mesmo;
26. O tribunal, por decisão datada de 30.12.2014, não decretou a ratificação do embargo extrajudicial;
27. No dia 2 de Janeiro de 2015, os Autores, por cerca das 9h20m, viram [que] o Réu FF, por ordem do Réu DD, auxiliado por dois trabalhadores não identificados, demoliu integralmente a parede exterior da alçada poente do imóvel, que até o início de 2012 era contígua à edificação/moradia do antigo artigo 400 (actual artigo 2830) e demoliu parcialmente a parede exterior da alçada norte, na sua parte superior;
28. Os Autores voltaram a embargar extrajudicialmente os trabalhos de demolição;
29. [eliminado pela Relação]
30. A conduta do Réu DD gerou nos Autores preocupação e ansiedade, e ao primeiro autor, tristeza.
Factos dados como não provados
Dos relevantes para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a) Que o réu FF tenha agido por si e que o réu EE tenha tido intervenção nos factos em causa nos autos;
b) Que seja público, no Lugar da …, que os herdeiros legais de GG e HH, pela escritura de compra e venda tenham recebido o preço de 30.000,00 €, não só pela disposição do prédio do antigo artigo 400 (actual artigo 2830), mas também pela alienação verbal de ¼ sobre o antigo artigo 111 (actual artigo 2354);
c) Que para evitar o eventual exercício, pelos ora Autores comproprietários, do seu direito legal de preempção, compradores e vendedores tenham acordado não solenizar, por acto público, escrito, transparente, a transacção sobre a referida quota de ¼, que pensam poder circunscrevê-la, fisicamente, à parte poente do prédio do artigo 111 (actual artigo 2354);
d) Que a dissimulação desse negócio interessasse, e continue a interessar, a ambos os contratantes;
e) Que durante os últimos 3 anos, o réu DD e os herdeiros de GG e HH, no intuito “validarem” a compra e venda verbal da quota ideal de ¼, tenham pressionado os Autores, tentando ludibriá-los, para que estes fossem alterar a área e confrontações do prédio do antigo artigo 111 (actual artigo 2354);
f) Que os herdeiros de GG tenham elaborado um levantamento topográfico elaborado pelo senhor FFF, onde se delimitavam “as novas dimensões” desse prédio para que o Autor AA assinasse “de cruz”;
g) Que o valor para a reconstrução da cobertura e paredes do imóvel descrito em 1), seja de €18.520,00 (dezoito mil, quinhentos e vinte euros);
h) Que retirar o soalho e vigas de suporte existentes importe o valor de € 1.500,00; recolocar as vigas (15cmx15cm) e o respectivo soalho em madeira de pinho com a colocação de novo soalho em pinho, importe o valor de € 4.200,00; colocar tijolos ou blocos de cimento com a largura de 15 cm; colocar caibros de 7cmx7cm, viga de cume com 15cmx10cm, ripas com “tratamento autoclave”, tela de alumínio e telha canelada, em ordem a refazer a cobertura, importe o valor de € 4.000,00; colocar uma porta de entrada e duas janelas em madeira com acabamento em madeira importe o valor de € 6.300,00; rematar telhado, paredes exteriores e interiores e madeiras sem qualquer tipo de acabamentos, importe o valor de € 2.520,00;
i) Que a conduta dos réus tenha gerado nos autores desgosto e que a conduta de FF e EE tenha gerado ansiedade, tristeza e preocupação nos autores;
j) Que a conduta dos réus tenha afectado o sono dos autores;
k) Que os Autores não sejam beligerantes, antes sejam pessoas pacíficas e cordatas, gozem de consideração e respeito da sua comunidade local, não lhes sendo, pois, aprazível permanecer em conflitos de qualquer espécie, extrajudiciais e/ou judiciais;
l) Que a tristeza e desgosto que perpassam todos os Autores também sejam causados pela impossibilidade de os mesmos utilizarem aquele seu prédio para guardarem produtos hortícolas e outros utensílios e instrumentos destinados à limpeza e cultivo dos rossios da sua habitação e do prédio do artigo 111.º.
6. Tendo em conta que o objecto de recurso admitido se circunscreve à questão da alegada verificação da excepção dilatória de caso julgado (efeito negativo do caso julgado) ou da ofensa da autoridade do caso julgado (efeito positivo do caso julgado), passamos a apreciar tal questão.
Vieram os Recorrentes invocar a verificação da ofensa do caso julgado em relação às decisões proferidas no Processo n.º 60/85 e no Processo n.º 70/88 quando, em sede de contestação, invocaram apenas o caso julgado formado pela decisão proferida naquele primeiro processo, tendo sido sobre essa questão que se pronunciou a decisão da 1.ª instância proferida no despacho saneador (que julgou não verificada a excepção do caso julgado ou a ofensa da autoridade do caso julgado) e sobre a qual se debruçou também o acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1.ª instância.
Tratando-se, porém, de matéria de conhecimento oficioso e constando dos autos as certidões dos articulados e decisões proferidas em ambas as acções acima indicadas, com nota do respectivo trânsito em julgado, importa proceder à sua apreciação tanto em relação ao Processo n.º 60/85 como ao Processo n.º 70/88.
6.1. Quanto à decisão proferida no processo n.º 60/85, consideremos os termos em que o acórdão recorrido apreciou a questão da ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado:
“B) Da questão do caso julgado ou autoridade de caso julgado;
(…)
Trata-se de questão decidida no despacho saneador, mas que o art. 644º, nº 3 do CPC permite impugnação diferida no âmbito do recurso da decisão.
Vejamos afinal.
Na contestação os RR já haviam invocado a exceção de caso julgado e ofensa à autoridade de caso julgado.
No despacho saneador foram apreciadas tais questões e julgadas improcedentes.
Para tanto considerou a primeira instância que:
“Ora, compulsada a certidão judicial junta aos autos a fls. 239 e ss. e extraída dos autos com o nº 60/1985, que correram termos neste Tribunal, constata-se que:
- Nessa acção foram autores GG e HH e réus, II e JJ;
- Os autores pediram a condenação dos réus a fechar umas aberturas a toda a parte vidrada de uma marquise existente no seu prédio, em virtude de deitarem directamente sobre o prédio dos autores, e a retirarem o beiral do telhado ou cobertura da referida marquise para a distância de meio metro da linha divisória do prédio dos autores, já que sobre o terreno destes gotejam as águas vindas do beiral;
- A acção foi julgada parcialmente procedente, tendo os réus sido condenados por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (em sede de recurso) no primeiro pedido, e relativamente ao segundo pedido (por sentença proferida na primeira instância), a colocar o beiral da cobertura da marquise à distância de cinco centímetros ou evitar que sobre os terrenos dos autores goteje.
Ora, confrontando tais dados com a presente acção, não estão preenchidos quaisquer pressupostos para a verificação do caso julgado: nem todas as partes são as mesmas, nem os pedidos são os mesmos, nem há identidade da causa de pedir.
Acrescenta-se que, pese embora os réus aleguem que os autores, na presente acção, peticionam que se declare que venda de ¼ do prédio descrito na petição inicial, ao réu DD, é ilegal, compulsada a petição inicial, em parte alguma do petitório, é efectuado tal pedido.
No que concerne à alegada autoridade do caso julgado… Ora, analisando a sentença e o acórdão proferidos no âmbito da acção com o nº 60/1985 e a petição inicial da presente acção, constata-se que não está em causa, no caso concreto, o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais de uma decisão, pois não se corre o risco de dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
Aquilo que os ora autores pretendem na presente acção é, apenas e tão só, ver os réus condenados no reconhecimento do seu direito de propriedade e, consequentemente, na abstenção de actos que perturbem tal direito, e no ressarcimento dos prejuízos causados aos autores em consequência da sua actuação ilícita de ofensa a tal direito de propriedade. Relevante é o facto de tal ofensa se encontrar situada no tempo no ano de 2014.
Em consequência, os factos em causa nos presentes autos não são os mesmos que estiveram em causa naqueles autos.
E ainda que alguma factualidade fosse a mesma, tenhamos em consideração, com grande relevo para o caso concreto, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17.05.2005 e disponível in www.dgsi.pt: “(…) os factos considerados como provados nos fundamentos de uma sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de deles se extrair outras consequências além das contidas na decisão final (opinião esta que é retirada do Manual de Processo Civil, do Prof. Antunes Varela, que aí se cita) .
Em função dessa opinião, entendeu-se e decidiu-se que “a força do caso julgado não se estende aos factos fundamentadores da decisão na acção de preferência, não tendo a eficácia pretendida pelos autores “.
Termos em que, julgo improcedentes, por inverificadas, quer a excepção de caso julgado, quer a de autoridade de caso julgado, arguidas pelos réus, em relação à decisão proferida nos autos com o nº 60/1985.”.
Agora, em recurso, insistem os RR/apelantes com a invocação da exceção de caso julgado dizendo que “o processo 65/80 deu como provada diversa matéria que indica que o que era ¼ do artigo 111 já há muito não corresponde a uma quota parte do direito nem sequer a uma quota parte de um prédio mas sim a uma unidade predial autónoma e independente” e ainda dizem “Isto é, a decisão do processo 65/80 (factos provados 9-A a 9-D) é inequívoca a entender e conceder que GG e mulher HH adquiriram efetivamente por usucapião a área da “casa e terreno do meio”, que definiram e se provou ser prédio distinto e autónomo, e definiram os seus limites… sem esquecer que tal decisão sobrepõe-se (se contraditória fosse) com a decisão emitida no âmbito da 2ª ação 70/88 (a única analisada), por força do disposto no artº 625º CPC que dita que, em caso de julgados contraditórios, vale a 1ª decisão.”.
Em suma, como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a expressão utilizada no art. 621º do CPC, “ nos precisos limites e termos em que julga” para definir o alcance ou extensão objetiva do caso julgado, afere-se pelas regras relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na ação, compreendendo todas as questões solucionadas na sentença e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.
Neste sentido, a mesma jurisprudência do Supremo (e das Relações) tem reafirmado que são abrangidas pelo caso julgado não apenas o segmento decisório final enquanto conclusão a partir de determinados fundamentos (o denominado «silogismo judiciário»), mas, ainda, as próprias questões apreciadas e que constituam antecedente lógico indispensável da conclusão ou parte dispositiva da sentença.
O fundamento e o objetivo da excepção do caso julgado, com o que se obtém o conceito funcional da mesma, consistem em evitar que o Tribunal da segunda ação se veja “colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Em suma, a figura da exceção do caso julgado material e a sua força vinculativa supõe a verificação de uma situação de identidade do objeto do processo em ambas as ações concorrentes, identidade que decorre da identidade de sujeitos, de causa de pedir e do pedido formulado.
Sendo assim, como é, no caso em apreço, não ocorre, a nosso ver, manifestamente, a aludida exceção.
Com efeito, mostra-se indiscutido não só que a as partes em ambas as ações não são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, como, ainda, que a causa de pedir e os pedidos formulados na sobredita ação não são idênticos à causa de pedir e aos pedidos formulados nestes outros autos.
Com efeito, como se alcança da certidão da sentença proferida e do acórdão subsequente da Relação, junto aos autos, o pedido e a causa de pedir ali invocada reportou-se ao seguinte: os autores (GG e mulher) pediram a condenação dos réus (II e mulher JJ) a fechar umas aberturas a toda a parte vidrada de uma marquise existente no seu prédio, em virtude de deitarem diretamente sobre o prédio dos autores, e a retirarem o beiral do telhado ou cobertura da referida marquise para a distância de meio metro da linha divisória do prédio dos autores, já que sobre o terreno destes gotejam as águas vindas do beiral.
Mais: A ação foi julgada parcialmente procedente, tendo os réus sido condenados por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (em sede de recurso) no primeiro pedido, e relativamente ao segundo pedido (por sentença proferida na primeira instância), a colocar o beiral da cobertura da marquise à distância de cinco centímetros ou evitar que sobre os terrenos dos autores goteje.
Ora, sucede que, no caso dos autos, para além de ser patente que as partes não são as mesmas, como já antes salientado, também a causa de pedir e a pretensão jurídica não assumem qualquer identidade com a aludida ação que correu termos com o nº 60/85.
De facto, o que aqui se dirime é saber os autores, como comproprietários de 3/4 do prédio urbano inscrito no art. 111, cujo reconhecimento pretendem ver declarado, têm direito a pedir a condenação dos RR a absterem-se da prática de atos que perturbem o seu direito e se têm direito a pedir uma indemnização por danos causados nesse prédio pelos réus, por virtude de trabalhos levados a cabo num prédio contíguo àquele.
Aliás, se bem se alcança o sentido da contestação dos Réus, não sustentam eles próprios a exceção de caso julgado, mas antes a autoridade de caso julgado formado pela sentença e acórdão desta Relação antes proferidos.
Destarte, sendo de afastar a exceção de caso julgado, mas tendo presente o que antes se expôs sobre o fundamento jurídico da decisão recorrida, cumpre conhecer desta outra figura, isto é da autoridade de caso julgado.
Sobre esta figura a doutrina e jurisprudência referem que o instituto do caso julgado produz dois efeitos distintos: um negativo exercido através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério já antes referido (identidade de partes; identidade de causa de pedir; identidade do pedido); um efeito positivo, através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao “ thema decidendum ” no processo posterior.
A nossa jurisprudência vem entendendo que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar, ainda que a título excepcional, independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida.
Em suma, a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica (exigível apenas em sede de exceção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre objetos processuais : julgada, em termos definitivos, certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto dessa primeira causa, sobre essa precisa «quaestio judicata», impõe-se necessariamente em todas as ações que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior.
Feito este enquadramento prévio, cremos ser patente que também a autoridade do caso julgado não é invocável no caso dos autos.
Com efeito, se é certo que a propriedade dos então ali AA. (GG e mulher) sobre os prédios identificados naquela ação (em 1-a) dos factos provados a que se refere a ¼ do prédio inscrito no art. 111) foi afirmada e reconhecida nos autos de ação sumária n.º 60/85, uma tal afirmação judicial – nos termos em que foi proferida, ou seja no contexto de ação de condenação (e não de reivindicação) em que os ali AA invocavam a propriedade como questão prévia para aferir da pretensão ali formulada (de tal modo que lê-se na sentença que tal questão “propriedade não fará a presente ação caso julgado, pois o pedido não é esse e o contrário seria renunciar aos mais elementares princípios vigentes no âmbito do direito processual” – não se constitui como questão condicionante ou prejudicial relativamente às questões concretamente suscitadas nestes autos e que delimitam o seu objeto, qual seja a de verdadeira ação de reivindicação pedindo o reconhecimento da compropriedade do prédio do art. 111 na proporção de ¾ e condenação dos RR a absterem-se de perturbarem tal direito e serem condenados no ressarcimento dos prejuízos causados ao consequência da atuação ilícita dos RR sobre tal direito.
Com efeito, compulsados os ditos autos (através das certidões juntas) a questão do exato conteúdo do direito de propriedade dos ali AA por confronto com o prédio dos ora AA (e de que, alegadamente, são ambos comproprietários, um na proporção de ¾ e outro na proporção de 1/4), não constitui, de todo, questão que tenha sido dirimida ou decidida nos mesmos autos ou que nela constitua pressuposto necessário ou antecedente lógico, em ordem a que constitua, como era suposto para efeitos de autoridade de caso julgado, uma questão condicionante ou prejudicial relativamente à sentença a proferir oportunamente nestes autos.
Destarte, sendo certo que a atribuição de valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade supõe ou exige que o fundamento da decisão transitada condicione a apreciação do objeto de uma ação posterior, não se vislumbrando na sentença/acórdão da Relação uma qualquer condicionante à apreciação do concreto objeto destes autos (atenta a inexistência de uma qualquer relação de prejudicalidade entre ambos os processos e entre as questões neles debatidas), seguro é, a nosso ver, que inexiste a exceção de autoridade de caso julgado.
Aliás, deve dizer-se que, salvo casos excecionais - que não estão em causa nos presentes autos –, o caso julgado (nas suas duas vertentes, positiva e negativa) apenas vincula as partes na ação, não podendo, também em regra, afetar terceiros. Esta regra constitui um reflexo do princípio do contraditório (art. 3º, n.º 1 do CPC), no sentido de que, quem não pôde defender os seus interesses num processo pendente, por nele não ser parte ou interveniente processual, não pode ser afetado (beneficiado e, por maioria de razão, prejudicado) pela decisão que nele foi proferida.
Ora, no caso dos autos, e com o devido respeito, a pugnar-se pela procedência do caso julgado e/ou pela autoridade de caso julgado decorrentes do sentenciado na ação sumária acima referida, lograriam os Réus impor aos AA (sem contraditório dos mesmos), por via reflexa ou indireta, a definição exata do conteúdo do seu direito de propriedade sobre o prédio referido nos autos, no sentido de ter sido declarada cessada a compropriedade pela usucapião que os AA (com fundamento ou não, a final se verá) reivindicam como ainda encontrando-se em compropriedade por não ter sido cessada por qualquer um dos meios legais, o que nos afigura uma interpretação demasiado excessiva do caso julgado e dos seus reflexos externos.
E este resultado é, ainda, de afastar quando este outro objeto do litígio não foi, manifestamente, questão ou objeto apreciado ou dirimido na sobredita ação nº 60/85 e, por consequência, não constitui questão prévia ou prejudicial, que o tribunal corra o risco de contrariar por meio da prolação da oportuna sentença a proferir nestes autos.
Por tudo o exposto, não se verifica nem a exceção de caso julgado nem ofensa à autoridade de caso julgado.” [negritos nossos]
Subscreve-se integralmente o teor da fundamentação do acórdão recorrido, tanto no que respeita ao enquadramento teórico das figuras da excepção do caso julgado e da ofensa da autoridade do caso julgado como no que se reporta à sua aplicação ao caso dos autos. Com efeito, dado o desenvolvimento e clareza com que a questão foi apreciada, acompanham-se as seguintes conclusões da Relação:
- Entre a decisão proferida no Processo n.º 60/85 e os presentes autos não se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 621.º do CPC – conclusão que, aliás, os Recorrentes não refutam – pelo que é manifesta a não verificação da excepção dilatória do caso julgado;
- Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, tampouco existe entre a decisão proferida no Processo n.º 60/85 e a decisão proferida/a proferir nos presentes autos uma relação de prejudicialidade, não podendo assim a decisão do acórdão recorrido incorrer em ofensa da autoridade de caso julgado.
6.2. Quanto à decisão proferida no Processo n.º 70/88, impõe-se um esclarecimento prévio. Tal como se afirmou supra, a questão da alegada ofensa do caso julgado ou da autoridade do caso julgado formado no dito processo apenas foi suscitada em sede de recurso de revista. Constata-se, porém, que o julgamento da matéria de facto pelas instâncias assentou, em grande medida (cfr. factos provados 11 a 16) na decisão proferida nesse processo.
O que se verifica é que os Recorrentes, não se conformando com a decisão das instâncias, vêm impugnar a interpretação que estas fizeram quanto ao sentido e alcance da decisão da sentença (transitada em julgado) proferida no Processo n.º 70/88, fundando tal impugnação na alegada ofensa do caso julgado ou da autoridade do caso julgado material aí formado.
Ocorre aqui um equívoco que importa esclarecer.
Um eventual erro na interpretação do sentido e alcance da decisão proferida na sentença do Processo n.º 70/88, a existir, corresponderá a um erro de julgamento que apenas poderá ser reapreciado se, previamente, se constatar a existência de ofensa do caso julgado ou da autoridade do caso julgado, o que, por sua vez, implica conhecer do preenchimento dos respectivos pressupostos.
Posto por outras palavras, o conhecimento do invocado erro de julgamento na interpretação do sentido e alcance da decisão proferida no Processo n.º 70/88 não se confunde com a apreciação da alegada ofensa de caso julgado ou da autoridade de caso julgado. Encontra-se este Supremo Tribunal impedido de conhecer daquela primeira questão recursória, se acaso não se verificarem os pressupostos de que depende a efectiva verificação do fundamento especial que justificou a admissibilidade do recurso.
Passemos assim a apreciar tais pressupostos.
No que se refere à verificação da invocada excepção do caso julgado, a resposta negativa afigura-se evidente, uma vez que, não sendo as partes no Processo n.º 70/88 idênticas às dos presentes autos, não se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 621.º do CPC. Na verdade, a identidade subjectiva ocorre apenas em relação aos aqui autores pois, no Processo n.º 70/88, eram réus reconvintes o aqui autor AA e sua mulher, entretanto falecida, intervindo nos presentes autos os herdeiros que sucederam na posição jurídica daquela.
Com efeito, apesar de os RR. terem alegado nos presentes autos que o R. DD adquiriu a parcela de terreno correspondente a um ¼ do prédio do artigo matricial n.º 111, pelo que os autores no Processo n.º 70/88 corresponderiam aos antepossuidores do aqui R. DD para quem se teria transmitido a posição jurídica daqueles, tal factualidade não ficou provada.
Quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado no Processo n.º 70/88, importa ter presente que a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/l, 1968, págs. 38 e segs., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 304 e segs., Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 572 e segs.) – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira. Ver, entre outros, os acórdãos de 19/06/2018 (proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2), cujo sumário está disponível em www.stj.pt, de 13/09/2018 (proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1), de 06/11/2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1.S1), de 28/03/2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1) e de 30/04/2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.
Nas palavras do indicado de 28/03/2019[1]:
“(…) [A] autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.
Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede nas situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.
Com efeito, ao devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor com fundamento não respeitante pessoalmente a este (art.º 522.º, 2.ª parte, do CC), como também aproveitará ao credor solidário o caso julgado favorável a um seu co-credor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles (art.º 531.º, 2.ª parte, do CC). E no âmbito de pluralidade de credores de prestação indivisível, o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos demais co-credores, se o devedor não tiver, contra estes, meios específicos de defesa (art.º 538.º, n.º 2, do CC).” [negritos nossos]
No caso dos autos em que, como se viu, os aqui reús não são parte no Processo nº 70/88, nem por si nem pela qualidade, alegada mas não provada, de sucessores na posse dos ali autores, nem tampouco se encontram abrangidos por qualquer norma legal que permita que beneficiem do caso julgado formado naquele processo, forçoso é considerar-se que não se encontram reunidos os pressupostos da ofensa da autoridade do caso julgado. Com efeito – e aplicando-se o critério definido pelo n.º 2 do art. 580.º do CPC – a diversidade de sujeitos perante os quais são vinculativas as decisões leva a concluir que o conhecimento do mérito da presente acção realizado pelo acórdão recorrido não colocou o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior.
Conclui-se assim pela não verificação da alegada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado formado com a decisão proferida no Processo n.º 70/88.
7. Tendo o presente recurso de revista sido admitido, com o objecto circunscrito à apreciação da questão da alegada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, e tendo-se concluído pela improcedência deste fundamento, não cabe apreciar das demais questões suscitadas pelos Recorrentes, entre as quais se insere o invocado erro de julgamento na interpretação do sentido e alcance da sentença proferida no Processo n.º 70/88.
8. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Lisboa, 11 de Novembro de 2020
Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.
Maria da Graça Trigo (Relatora)
Maria Rosa Tching
Catarina Serra
______
[1] Relatado pelo Cons. Tomé Gomes e votado nesta 2.ª Secção do STJ.