RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REJEIÇÃO DE RECURSO
ACLARAÇÃO
INDEFERIMENTO
Sumário


I. A figura da aclaração de sentença deixou de existir a partir da reforma processual civil de 2013 (Lei n.º 41/2013, de 26.06), cujo art.º 615.º, n.º 1, alín. c), do NCPC passou a integrar o vício da ininteligibilidade da sentença, v. g. por ambiguidade, no elenco das causas de nulidade, sendo que o CPP dispõe no art.º 380.º de norma própria para arguição e conhecimento de tal vício em processo penal, aplicável aos acórdãos por força do art.º 425.º, n.º 4;

II. Na sempre clara expressão de Alberto dos Reis (CPC, Anot., V, 152) uma decisão é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, quando se hesite entre dois sentidos diferentes e porventura opostos, não se sabendo, ao certo, qual o pensamento do juiz;

III. A decisão em causa, decidindo que, “apreciando a reclamação como se tratando de reclamação para a conferência, sobre a não admissibilidade do recurso para o STJ de um acórdão da Relação proferido em recurso e que aplicou uma pena de 8 meses de prisão, na sequência de redução da pena aplicada pelo tribunal colectivo de 10 meses de prisão, dir-se-á que nenhum argumento válido o reclamante apresentou e que não fosse levado em conta na decisão sumária atrás transcrita e que aqui se dá como reproduzida”, pelo que, “[f]ace ao exposto, acordam em indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária do relator, rejeitando assim o recurso, nos termos nela indicados do art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP”, de tão clara, só tem um sentido possível: de confirmação de uma decisão sumária de rejeição do recurso interposto pelo recorrente ora reclamante, por o mesmo não ser legalmente admissível, conforme disposto no art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP;

IV. A pretensão do reclamante parece, contudo, ir mais além, ou seja, mais não ser que mero expediente dilatório com vista a impedir o trânsito em julgado da sentença condenatória e, assim, adiar o cumprimento da pena imposta de 8 meses de prisão, o que, a melhor resultar de futuras intervenções processuais, não deixará de ser observado o estatuído no art.º 670.º do CPC.

Texto Integral


Proc. n.º 2275/15.1JAPRT.P2.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, notificado do acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Junho de 2020, que indeferiu reclamação para a conferência de decisão sumária de rejeição de recurso por si interposto do acórdão da Relação do Porto proferido em recurso, que o condenou na pena de 8 meses de prisão, nos termos do art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP, veio apresentar a seguinte reclamação:

AA, recorrente, melhor identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do Acórdão proferido por Vexa (s), vem, mui respeitosamente, solicitar a aclaração do mesmo, nos termos do art.º 669.º, n.º 1, a), CPC, por estarmos perante uma ambiguidade.

Isto porque, pode ler-se no acórdão que “ Assim, apreciando a reclamação como se tratando de reclamação para a conferência, sobre a não admissibilidade do recurso para o STJ de um acórdão da Relação, proferido em recurso e que aplicou uma pena de 8 meses de prisão, na sequência de redução da pena aplicada pelo tribunal colectivo de 10 meses de prisão, dir-se-á que nenhum argumento válido o reclamante apresentou e que não fosse levado em conta na decisão sumária atrás transcrita e que aqui se dá por reproduzida."

Desde logo, e da leitura atenta do excerto transcrito, não se compreende o sentido e alcance do mesmo. Limita-se o Tribunal a transcrever e subscrever, tão-somente, a decisão proferida anteriormente, sem demais esclarecimentos.

Pelo que, parece-nos que incumbe ao Tribunal Constitucional conhecer de todas as questões suscitadas no âmbito da interpretação e aplicação de normas no ordenamento jurídico.

Ademais, salvo o devido respeito que é muito, não pode o Recorrente satisfazer-se com um Acórdão, que determina a sua vida e no qual não se compreende o sentido e o alcance da decisão.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vexa Doutamente suprirá, deverá em consequência da presente aclaração, esclarecer e concretizar o sentido do excerto supra transcrito, seguindo os seus normais e ulteriores trâmites legais”.

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2. Dirigiu a reclamação ao “Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Constitucional”, o que se entende ter ocorrido por manifesto lapso, dado o requerido não dizer respeito a decisão desse Órgão.

Nela formulou pedido de “aclaração do mesmo [acórdão], nos termos do art.º 669.º, n.º 1, alín. a), do CPC, por estarmos perante uma ambiguidade”.

O reclamante aparentemente não se deu conta, por um lado, de que a figura da aclaração invocada deixou de existir a partir da reforma processual civil de 2013 (Lei n.º 41/2013, de 26.06), cujo art.º 615.º, n.º 1, alín. c), do NCPC passou a integrar o vício da ininteligibilidade da sentença, v. g. por ambiguidade, no elenco das causa de nulidade, nem, por outro, atentou que o CPP dispõe no art.º 380.º de norma própria para arguição e conhecimento de tal vício em processo penal, aplicável aos acórdãos por força do art.º 425.º, n.º 4.

Como é sabido, na sempre clara expressão de Alberto dos Reis (CPC, Anot., V, 152) uma decisão é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, quando se hesite entre dois sentidos diferentes e porventura opostos, não se sabendo, ao certo, qual o pensamento do juiz.

Ora, a decisão em causa, decidindo que, “apreciando a reclamação como se tratando de reclamação para a conferência, sobre a não admissibilidade do recurso para o STJ de um acórdão da Relação proferido em recurso e que aplicou uma pena de 8 meses de prisão, na sequência de redução da pena aplicada pelo tribunal colectivo de 10 meses de prisão, dir-se-á que nenhum argumento válido o reclamante apresentou e que não fosse levado em conta na decisão sumária atrás transcrita e que aqui se dá como reproduzida”, pelo que, “[f]ace ao exposto, acordam em indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária do relator, rejeitando assim o recurso, nos termos nela indicados do art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP”, de tão clara, só tem um sentido possível: de confirmação de uma decisão sumária de rejeição do recurso interposto pelo recorrente ora reclamante, por o mesmo não ser legalmente admissível, conforme disposto no art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP.

A pretensão do reclamante parece, contudo, ir mais além, ou seja, mais não ser que mero expediente dilatório com vista a impedir o trânsito em julgado da sentença condenatória e, assim, adiar o cumprimento da pena imposta de 8 meses de prisão, o que, a melhor resultar de futuras intervenções processuais, não deixará de ser observado o estatuído no art.º 670.º do CPC.

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3. Face ao exposto, acordam em indeferir a reclamação.

Custas pelo reclamante, com 2 UC de taxa de justiça (art.º 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP).

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Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Outubro de 2020

Francisco M. Caetano (Relator)

António Clemente Lima