INVENTÁRIO
PARTILHA SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BEM IMÓVEL ADQUIRIDO POR SUCESSÃO
BEM PRÓPRIO
SEGURO DE VIDA E INVALIDEZ TOTAL
BENFEITORIAS REALIZADAS NO PATRIMÓNIO COMUM
BENFEITORIAS REALIZADAS EM BENS PRÓPRIOS
LICITAÇÃO
Sumário


I- Os bens imóveis adquiridos na constância do casamento contraído sob o regime da comunhão de adquiridos, por sucessão na partilha da herança dos pais de um dos cônjuges, consideram-se bens próprios daquele cônjuge, por virtude de direito próprio anterior, mesmo que haja lugar ao pagamento de tornas aos demais herdeiros e ainda que este seja de valor superior ao quinhão hereditário, feito à custa de dinheiro comum do casal, sendo devida, tão só, a compensação ao património comum no momento da dissolução e partilha da comunhão.
II- Sendo o casamento dos interessados directos na partilha - entretanto já dissolvido por divórcio – contraído segundo o regime da comunhão de adquiridos, se a aquisição por um dos cônjuges de bens imóveis advindos por sucessão tiver sido feita com dinheiro comum do casal, o cônjuge beneficiado terá de compensar, adequadamente, o património conjugal comum. E só esta compensação – e não os imóveis - é que deve figurar no inventário como dívida do cônjuge proprietário ao património comum do casal.
III- O contrato de seguro do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários. Daí que, perante a verificação do risco previsto (morte ou invalidez total e permanente dos segurados), a seguradora fique adstrita à realização de uma prestação pecuniária (pelo valor do capital mutuado em dívida) ao beneficiário indicado no contrato de seguro, no caso o Banco tomador e mutuante.
IV- Só são bens próprios, nos termos do estatuído na al. e) do nº. 1 do artº. 1733º do Código Civil, os seguros que se vençam a favor de cada um dos cônjuges, ou seja, os seguros de que sejam estes beneficiários.
V- No contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente celebrado no âmbito de um empréstimo obtido pelo casal, para custear obras realizadas em dois imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal, o beneficiário do seguro, a favor de quem este se vencerá, é a instituição de crédito mutuante.
VI- O pagamento à instituição bancária da quantia em dívida no contrato de mútuo celebrado entre esta e os interessados na partilha de bens do casal, efectuado pela seguradora que celebrou o contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente associado àquele empréstimo, em virtude da situação de invalidez de um dos cônjuges, ingressou directamente na esfera patrimonial da instituição de crédito mutuante, beneficiária daquele seguro, e não na esfera patrimonial daquele cônjuge.
VII- Tal prestação executada pela seguradora não constitui o pagamento de uma dívida comum do casal com um bem próprio de um dos cônjuges, daí não emergindo qualquer crédito desse cônjuge sobre o outro cônjuge.
VIII- No inventário para partilha de bens do casal subsequente ao divórcio, as verbas que constituem benfeitorias, realizadas pelo património comum do casal, em bens imóveis que são bens próprios de um dos cônjuges e que passaram a integrá-los, não podem ser objecto de licitação, devendo ser adjudicadas ao cônjuge proprietário desses imóveis, pelo valor constante da relação de bens.
IX- A avaliação de bens, no processo de inventário notarial, só pode ser requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo Tribunal até ao início da conferência preparatória, e não em momento processual posterior, como resulta do disposto no artº. 48º, nº. 2 do RJPI.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Nos presentes autos de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio, em que é requerente J. S. e requerida M. C., o requerente interpôs recurso de impugnação do despacho que decidiu a reclamação contra a relação de bens por ele apresentada, proferido pela Exma. Sra. Notária M. S., no processo de inventário n.º 247/2016, pugnando pela alteração de tal decisão no sentido de incluir no activo o crédito de € 125.000,00 de tornas pagas pelo casal (correspondentes a 5/6 de € 150.000,00), com dinheiro comum do casal, devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos, na aquisição de 5/6 dos imóveis da herança de seus pais, e excluir o débito de € 34.472,14 do reclamante/recorrente à cabeça-de-casal, correspondente a metade do capital em dívida do empréstimo requerido pelo ex-casal junto do Banco ..., para realização de obras nos imóveis acima referidos, e que já foi pago pelo seguro do ramo vida em virtude de doença contraída pela cabeça-de-casal.

O reclamante/recorrente apresenta as seguintes conclusões [transcrição]:

I - Ao não se pronunciar sobre a questão concreta de deverem ser relacionados os 5/6 do valor dos bens adquiridos pela cabeça de casal na partilha da herança de seus pais, correspondentes ao valor das tornas pagas pela cabeça de casal e pelo recorrente, com dinheiro comum do casal, a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615º, nº. 1, alínea d) do CPC;
II - Com efeito, essa questão foi submetida à decisão e a Senhora Drª. Notária limitou-se a dizer que tais bens eram próprios da cabeça-de-casal, não decidindo sobre o que lhe foi requerido;
III - Além disso, invocou o artigo 1722º do Código Civil, sem ter observado o n.º 2 desse artigo, que prevê a compensação ao património comum, que foi invocada;
IV - Sendo certo e estando provado documentalmente que as tornas foram pagas na constância do casamento, com dinheiro comum, e sem qualquer declaração do recorrente que afastasse a natureza comum desse dinheiro;
V - O seguro vencido em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios, são exceptuados da comunhão, nos termos do artigo 1733º, n.º 1, alínea e) do Código Civil;
VI - Porém, o seguro vencido que serviu para liquidar o empréstimo do Banco ..., de € 68.944,27, não foi estabelecido em favor de um ou de outro cônjuge, mas em favor dos dois, pelo risco garantido a cada um;
VII - Na verdade, ambos eram tomadores do seguro, responsáveis pelos prémios, que saíam da conta solidária;
VIII - E tal seguro garantia o pagamento do débito de ambos pela ocorrência do sinistro de saúde ou vida de um ou de outro cônjuge;
IX - Pelo que a indemnização recebida, que pagou o resto do crédito, libertou do crédito ambos os cônjuges, como era o risco coberto e garantido;
X - Não tendo o recorrente que compensar ou que reconhecer que a indemnização que pagou o crédito era exclusiva da cabeça de casal.

Após tal recurso de impugnação, a cabeça-de-casal M. C. apresentou nova relação de bens, na qual aditou como passivo as seguintes verbas:

Verba nº. 12 – benfeitorias resultantes do empréstimo, no valor de € 68.098,68;
Verba nº. 13 – benfeitorias resultantes da venda do prédio, no valor de € 87.000,00;
Verba nº. 14 - crédito da cabeça-de-casal sobre o requerente, no valor de € 34.472,14.

A Sra. Notária admitiu o mencionado recurso de impugnação, referindo que o despacho decisório que pôs termo ao incidente de reclamação da relação de bens deve ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha, escudando-se no artº. 76º, n.º 2 do Regime Jurídico do Processo de Inventário (doravante designado por RJPI), aprovado pela Lei nº. 23/2013 de 5/3.

O mesmo interessado J. S., ao abrigo do disposto no artº. 57º, nº. 4 do RJPI, interpôs também recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha proferido pela Exma. Sra. Notária, pugnando pela revogação da decisão que declarou a existência de crédito da cabeça-de-casal sobre si, no valor de € 34.472,14, e pela remessa, quanto às demais questões por si elencadas, para os meios comuns.

Os fundamentos invocados reconduzem-se às seguintes conclusões [transcrição]:

I) - O recorrente integra no presente recurso de impugnação o recurso que já foi interposto da decisão do incidente de reclamação da Relação de Bens;
II) – A complexidade da prova a produzir e a analisar sobre a compensação devida pelo património comum ao património do recorrente pelos valores resultantes do preço da venda da casa recebida dos pais requerente;
III) – E pelo património comum ao património do requerente, pelo preço da venda de servidões próprias, e a confusão desses valores no património comum do casal;
IV) – Ou a prova de que esses valores foram directamente gastos no pagamento das tornas devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos para a aquisição em partilha dos bens que licitou;
V) – E ainda a declaração da natureza de bem comum ou de bem próprio do requerente, da casa recebida de seus pais, quando tinha sido construída pelo requerente, antes do casamento;
VI) - São questões que devem ser remetidas para os meios comuns, nos termos do artº. 36º do RJPI;
VII) – Já a natureza de bem comum do dinheiro pago pelo seguro do banco credor, de € 68.944,28, é bem comum do casal;
VIII) - Porque resultante da cobertura de um sinistro contratada pelo casal, em contrato de seguro de vida grupo para pagamento de um crédito bancário;
IX) - Pelo que não existe a obrigação de compensação do património comum ao património próprio da cabeça de casal, não existindo o declarado crédito de € 34.472,14 da cabeça de casal sobre o recorrente.

Este recurso foi admitido por despacho da Sra. Notária de 20/08/2019, no qual determinou a remessa do processo para o Tribunal de 1ª instância.
O Tribunal “a quo” admitiu os supra mencionados recursos interpostos pelo interessado J. S. por despacho de 11/09/2019 (cfr. fls. 152).

A requerida/cabeça-de-casal M. C., por sua vez, interpôs recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha proferido pela Exma. Sra. Notária, pugnando pela revogação da decisão que anulou a licitação, efectuada por si, das verbas nºs 12 e 13, pelo valor global de € 30.000,00, após ter admitido a licitação sobre as benfeitorias ou, subsidiariamente, pela revogação de tal decisão e sua substituição por outra que determine a avaliação das benfeitorias.
A recorrente apresentou as seguintes conclusões [transcrição]:
I) A Sra. Notária anulou a licitação efectuada pela cabeça-de-casal, dessas verbas, no valor global de € 30.000,00, após admitir a licitação sobre as benfeitorias;
II) A licitação não deveria ter sido anulada, devendo manter-se, uma vez que a licitação de benfeitorias é admitida;
III) No caso de não se entender assim, o valor das benfeitorias terá que ser objecto de avaliação.

Este recurso foi admitido por despacho da Sra. Notária de 2/10/2019, no qual também determinou a remessa do processo para o Tribunal de 1ª instância.

O interessado J. S. apresentou resposta ao recurso de impugnação da cabeça-de-casal, pugnando pela sua improcedência, alegando, para tanto, que:

- a avaliação dos bens, no inventário notarial, só pode ser requerida ou determinada até ao início da conferência preparatória, nos termos do artº. 48º, nº. 2 do RJPI;
- a questão que existe nos autos é sobre a natureza de “bem comum” do dinheiro aplicado nos prédios da cabeça-de-casal, e não sobre o seu montante, ou o valor actual das benfeitorias;
- a Sra. Notária reparou uma nulidade processual, que foi a de pôr à licitação benfeitorias insusceptíveis de serem separadas de prédio de terceiro, que não faziam parte da relação de bens, assim reparando a ilegalidade de a recorrente poder definir, para menos, os encargos do património comum, a dividir, que já estavam fixados no seu valor.

O recurso interposto pela cabeça-de-casal M. C. foi admitido por despacho do Tribunal “a quo” proferido em 10/01/2020 (cfr. fls. 200).

Em 10/03/2020 foi proferida sentença que julgou os recursos interpostos pelo interessado J. S. parcialmente procedentes e, em consequência:

a) declarou-se a decisão que apreciou o incidente de reclamação à relação de bens nula, por omitir a apreciação da relevância da contribuição do património comum do casal para o pagamento, pela cabeça-de-casal, de tornas no processo especial de inventário n.º 3722/07.1TBGMR, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Guimarães;
b) revogou-se a decisão que apreciou o incidente de reclamação à relação de bens no segmento em que declarou a existência de um crédito da cabeça-de-casal sobre o interessado J. S. no montante de € 34.472,14, decorrente do pagamento, por seguradora, do valor em dívida relativo ao contrato de mútuo celebrado por ambos os interessados.
Mais se decidiu julgar o recurso interposto pela cabeça-de-casal M. C. integralmente improcedente.

Inconformada com tal decisão, a requerida/cabeça-de-casal M. C. dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

I) O recorrido impugnou a relação de bens, pretendendo que fosse relacionado 5/6 de dois bens imóveis, e nada mais.
II) O recorrido não solicitou que fosse relacionado qualquer crédito, sendo certo que a recorrente não se pronunciou, sobre a origem do dinheiro das tornas, nem tinha que se pronunciar, nem tão pouco a Sra. Notária, uma vez que a única coisa a decidir era saber se deveria ou não ser incluído na relação de bens os 5/6 dos dois imóveis, não tendo ficado apurada a proveniência do dinheiro.
III) Assim, não se verifica qualquer nulidade, uma vez que a Sra. Notária não tinha que se pronunciar sobre uma questão que não foi colocada, e que não é de conhecimento oficioso.
IV) O Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se sobre uma questão, de que não podia conhecer, pelo que há nulidade da decisão, nesta parte, por excesso de pronúncia, uma vez que tratou de uma questão não suscitada pelo recorrido, no seu recurso, que não é de conhecimento oficioso.
V) O dinheiro do seguro que serviu para liquidar o valor do empréstimo remanescente é um bem próprio da recorrente, tanto mais que, a recorrente há muito que estava separada do recorrido, quando essa liquidação ocorreu.
VI) Desta forma, deve ser revogada esse segmento da decisão, mantendo-se o crédito da recorrente sobre o recorrido, no valor de € 34.472,14.
VII) A licitação não deveria ter sido anulada, devendo manter-se, uma vez que a licitação de benfeitorias é admitida.
VIII) No caso de não se entender assim, o valor das benfeitorias terá que ser objecto de avaliação.
IX) A avaliação é sempre possível, e no caso, das benfeitorias, é mesmo imprescindível.
X) A douta decisão violou o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 82º do RJPI; e a alínea e), do n.º 1, do artigo 1733º do Código Civil.

Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença, na parte que declarou a nulidade da decisão que apreciou o incidente de reclamação à relação de bens; na parte que revogou a existência de um crédito da recorrente sobre o recorrido, no valor de € 34.472,14; na parte que anulou a licitação, por parte da cabeça-de-casal, das verbas nºs 12 e 13, pelo valor global de € 30.000,00, ou então, deve o despacho ser revogado, neste segmento, e substituído por outro que mande proceder à avaliação das benfeitorias.

O interessado J. S. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de 8/10/2020 (refª. 169916772).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado por NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela requerida/cabeça-de-casal M. C., delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Do recurso de impugnação interposto pelo interessado J. S.:
I) - Nulidade da decisão recorrida proferida pelo Tribunal de 1ª instância;
II) – Saber se existe um crédito da cabeça-de-casal sobre o interessado J. S., no valor de € 34.472,14;

B) – Do recurso de impugnação interposto pela cabeça-de-casal M. C.:
I) – Saber se ocorre fundamento para a revogação da decisão que anulou a licitação sobre as verbas nºs 12 e 13, efectuada pela cabeça-de-casal;
II) – Não se verificando tal fundamento, saber se estão reunidos os requisitos para se determinar a avaliação das benfeitorias a que respeitam tais verbas.

Com interesse para apreciação das questões em causa há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório, e ainda os seguintes factos que, na sentença recorrida, foram considerados documentalmente demonstrados [transcrição]:
a) O Recorrente J. S. apresentou, no Cartório Notarial da Licenciada M. S., requerimento de inventário, destinado à partilha do património comum do casal que constituiu com M. C., ao qual foi atribuído o n.º …/2016;
b) Por despacho proferido pela Senhora Notária, a interessada M. C. foi nomeada cabeça-de-casal;
c) Por requerimento remetido ao aludido processo no dia 01-03-2017, a cabeça-de-casal apresentou relação dos bens comuns a partilhar, nela constando duas verbas, respeitantes a dois veículos automóveis, que aqui se dá por reproduzida;
d) Por requerimento remetido ao mencionado processo no dia 22-03-2017, o interessado J. S. apresentou reclamação à relação de bens onde, além do mais, peticionou a falta de relacionação de bens nos seguintes termos:
(…)

3 – Imóveis:
A-)
1 – Correu termos pelo 3º Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial de Guimarães, os autos de inventário (Herança) sob o n.º 3722/07.1TBGMR, em que foram inventariados os pais da cabeça-de-casal, A. O. e A. L..
Os herdeiros, filhos, não chegaram a acordo quanto aos bens a partilhar, pelo que foram feitas licitações.
A cabeça-de-casal, filha, na data, 26 de Fevereiro de 2008, casada no regime da comunhão de adquiridos com o reclamante, licitou nas duas únicas verbas que compunham o acervo hereditário de seus pais, tendo-os adquirido.
Assim, a cabeça-de-casal, no estado de casada com o reclamante, adquiriu com dinheiro comum do casal 5/6 dos bens imóveis daquelas heranças, uma vez que o seu quinhão era apenas de 1/6, tendo o casal pago por aqueles prédios € 150.000,00.
B-) – Nestes termos, o reclamante pretende que sejam relacionados 5/6 daqueles bens, a saber:
A) Casa de habitação, composta de rés-do-chão e andar, destinado a três habitações, sita na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Vizela, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/..., inscrita na matriz sob o art. …, com o valor patrimonial de € 92.214,57;
B) Casa de habitação, composta de rés-do-chão e andar, destinada a três habitações, sito na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Vizela, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/..., inscrito na matriz sob o art. …, com o valor patrimonial de € 130.341,13;
4 – Benfeitorias:
Os prédios descritos no número anterior na alínea B-), encontravam-se em mau estado de conservação, necessitando de benfeitorias necessárias e úteis.
Pelo que o casal teve de fazer obras totais de restauro e também de ampliação, repondo-os no estado de novo.
Naquelas obras e benfeitorias o casal despendeu dinheiro comum e também recorreu a um empréstimo junto do Banco ... ..., com a finalidade de X – Crédito … n.º ……., que à data de 31/07/214 era de € 68.098,68 que, entretanto, foi pago.

5 – Dívidas:
Também para custear aquelas obras e benfeitorias, foi utilizado dinheiro próprio do reclamante, que por escritura lavrada a fls. 23 e 23 v. do Livro de Escrituras 69-C do Cartório Notarial de Vizela, da Notária M. S., outorgada a 22 de Maio de 2009, vendeu um prédio urbano seu bem próprio, pela quantia de € 87.000,00.
Assim como constituiu duas servidões na ordem dos € 2.000,00, tudo no total de € 89.000,00.
Trata-se de benfeitorias efectuadas pelo reclamante, com dinheiro sua pertença, naqueles prédios, que não podem ser levantadas, pelo que constituem dívida da cabeça-de-casal ao requerente naquele valor de € 89.000,000.
Pelo que o reclamante reclama da cabeça-de-casal o pagamento daquela quantia de € 89.000,00.
e) A cabeça-de-casal respondeu à aludida reclamação, alegando, no que respeita ao segmento referido na alínea anterior, o seguinte:
- quanto à falta de relacionação de 5/6 dos dois imóveis supra referidos:
Tais prédios fazem parte da herança aberta por óbito dos pais da cabeça-de-casal, M. C..
Os mesmos foram adquiridos no inventário n.º 3722/07.1TBGMR, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães.
Ora, Requerente e Requerida foram casados no regime da comunhão de adquiridos. Tal significa, nos termos do art. 1728º do CC, que esses prédios são bens próprios da cabeça-de-casal, pelo que não podem ser relacionados.
- quanto à falta de relacionação de benfeitorias:
Não houve qualquer ampliação dos prédios da herança, apenas houve pequenas obras de reparação nos mesmos.
Assim, não devem ser relacionadas benfeitorias.
- Quanto à falta de relacionação, a favor do reclamante e a cargo da cabeça-de-casal, do crédito de € 89.000,00:
Conforme se verifica na escritura pública mencionada pelo reclamante, o mesmo vendeu a J. L. o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, situado no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …, inscrito na matriz urbana sob o art. …, correspondente ao anterior antigo …, que, por sua vez, proveio do anterior artigo rústico ….
Ora, tal prédio não era, nem nunca foi um bem próprio do reclamante, mas era, antes, um bem comum.
De facto, tal prédio resultou da anexação das descrições n.º 000287 e 000288, conforme se verifica da certidão permanente (que identifica) que, por seu turno, provém das descrições n.º 23.232 e 23.229, respectivamente.
Ora, os referidos prédios foram doados por J. S. e mulher S. M. ao reclamante e a si, em 17 de Outubro de 1997, sob a forma de prédios rústicos, conforme se verifica da escritura pública de doação, lavrada no 2º Cartório Notarial de …, no Livro de Escrituras Diversas n.º 167-A, de fls. 50 v. a 52.
O prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, foi construído pelo ex-casal nos prédios rústicos supra referidos, pelo que, atento o regime de casamento, se trata, indubitavelmente, de um bem comum, assim como o dinheiro resultante da venda do mesmo.
O dinheiro resultante dessa venda foi gasto em proveito comum do casal, nomeadamente para pagamento de dívidas ao banco, proveniente de empréstimos pessoais, pelo que nada há a relacionar.
Na sequência do alegado pelo reclamante, deverá ser relacionada uma dívida proveniente do pagamento efectuado por si, do empréstimo X que foi gasto em proveito comum do casal.
De facto, para obtenção do referido crédito, o reclamante e a cabeça-de-casal tiveram de subscrever um seguro do ramo vida.
Por força desse contrato de seguro, o valor em dívida relativamente ao empréstimo contraído por ambos, junto dessa instituição bancária, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva dum ou do outro, seria liquidado no momento em que ocorresse a morte ou invalidez total e permanente por acidente ou doença.
Em virtude de doença, a cabeça-de-casal ficou totalmente incapacitada.
Em 04-12-2014, o valor remanescente desse empréstimo, no montante de € 68.944,27, foi liquidado.
Esse valor foi pago com dinheiro que era próprio da cabeça-de-casal, uma vez que, em 8 de Maio de 2014, já estava separada do reclamante, e se trata duma indemnização pela sua incapacidade.
Assim, deve ser relacionado, no passivo, a seguinte verba:
- Deve a herança, pela liquidação do empréstimo X a título de benfeitorias, a M. C., o montante de € 68.944,24.
f) Por despacho datado de 12-01-2018, proferido pela Senhora Notária, decidiu-se a reclamação à relação de bens acima referida no sentido de, além do mais:
A) Não se relacionarem os bens (direitos) adquiridos pela cabeça-de-casal no processo de inventário por óbito de seus pais acima identificados.
B) Se determinar a adição das seguintes verbas à relação de bens:
i. Verba 12 – benfeitorias resultantes do empréstimo - € 68 000,00 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “€ 68.098,68” em face do valor que consta no referido despacho da Srª. Notária - fls. 79 a 83];
ii. Verba 13 – benfeitorias resultantes da venda do prédio - € 87.000,00;
iii. Crédito da cabeça-de-casal sobre o requerente, no valor de € 34.472,14.
g) A decisão referida na alínea anterior, nos segmentos aí mencionados, tem o seguinte teor:
- Relativamente à omissão de relacionação de 5/6 dos dois imóveis referidos pelo reclamante:
Os dois imóveis são bens próprios da cabeça-de-casal, pois foram por si adquiridos por sucessão de seus pais, tendo a mesma e o reclamante sido casados no regime da comunhão de adquiridos, nos termos do art. 1722º do CC, pelo que os mesmos não devem ser relacionados.
- Relativamente a benfeitorias:
O requerente alega que o ex-casal requereu um empréstimo junto do Banco ... no montante de € 68.098,68 para a realização de obras nos imóveis acima identificados (esclarece-se que tais imóveis são os inscritos na matriz sob os artigos 368º e 926º, os quais foram, na mesma decisão, considerados como bens próprios da cabeça-de-casal por os haver adquirido por sucessão). Tal valor aparece no extracto combinado (prova documental) como sendo um empréstimo. Da prova testemunhal resultou que o empréstimo foi utilizado nas obras dos prédios acima identificados. Assim sendo, devemos considerar o valor dessas benfeitorias.
Verba 12 – Benfeitorias resultantes do empréstimo - € 68.098,68.
O requerente alega ainda como valor de benfeitorias o que resultou da venda do prédio urbano, situado na freguesia de ..., concelho de Vizela, descrito na Conservatória sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo …, no valor global de € 87.000,00. O requerente invoca que o dinheiro utilizado nessas benfeitorias é bem próprio dele, uma vez que o prédio é seu bem próprio, no entanto, atendendo à descrição predial (prova documental) do prédio e à escritura de doação (prova documental), os pais do requerente, J. S. e S. M., doaram os mencionados prédios ao requerente e à requerida. Assim sendo, e atendendo a que a prova testemunhal foi no sentido de que o proveito desta venda se destinou a obras nos prédios acima referidos, deve este valor ser tido em conta para efeitos de benfeitorias a ingressar no património comum.
Relativamente às duas servidões a incidir sobre o prédio rústico, situado na freguesia de ..., concelho de Vizela, descrito na Conservatória sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo …:
Não resultou da prova efectuada que o valor obtido com as mesmas tenha sido utilizado na realização de obras, pelo que não deve o seu valor ser relacionado.
Verba 13 – Benfeitorias resultantes da venda do prédio - € 87.000,00.
- Relativamente ao crédito da cabeça-de-casal sobre o requerente no montante de € 34.472,14:
Foi ainda colocada a questão do empréstimo acima mencionado junto do Banco ..., que ficou pago em virtude de doença contraída pela cabeça-de-casal, conforme resulta de declaração para indemnização por sinistro e extracto combinado (prova documental), são exceptuados da comunhão seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges. Assim sendo, o capital em dívida daquele empréstimo, no montante de € 68.944,27 foi pago com dinheiro próprio da requerida, que desta forma é credora do requerente de metade desse valor, ou seja, € 34.472,14.
h) No dia 16-01-2019 realizou-se a conferência preparatória, não tendo qualquer dos interessados requerido a avaliação de bens relacionados.
i) No dia 13-02-2019, realizou-se conferência de interessados, durante a qual se procedeu à abertura de propostas em carta fechada apresentadas pelos interessados, tendo sido adjudicadas as verbas 1, 2 e 5 ao interessado J. S. e as verbas 4 e 6 à cabeça-de-casal M. C.;
j) Na mesma diligência, a Senhora Notária decidiu, relativamente às verbas não adjudicadas mediante propostas em carta fechada, que as mesmas poderiam ser adjudicadas por negociação particular, nos termos do art. 51º do RJPI, designando o dia 30-04-2019, pelas 14H30, para tal;
k) No dia 30-04-2019, na diligência para negociação particular referida na alínea anterior, além do mais, a cabeça-de-casal apresentou proposta quanto às verbas 12 e 13, no valor global de € 30.000,00, sendo € 15.000,00 para cada verba;
l) De seguida, o Mandatário do interessado J. S. pediu a palavra e, no uso da mesma, ditou o seguinte: “o requerente J. S. sempre se opôs, desde o início desta diligência, a que as verbas 12 e 13 fossem objecto de licitação, requerimento esse que só lhe foi autorizado neste momento. As verbas 12 e 13 devem ser adjudicadas à cabeça-de-casal titular dos imóveis onde foram efectuadas as benfeitorias, sendo estas do valor que consta da relação de bens. Por isso, desde já se impugna o facto de serem postas tais verbas à licitação”.
m) Em resposta, o Patrono da cabeça-de-casal respondeu ao referido na alínea anterior nos seguintes termos: “o requerente não pode, salvo melhor opinião, nesta fase processual proceder à dita impugnação, pelo que deve ser indeferido tal requerimento”.
n) Após o referido na alínea anterior, a Senhora Notária proferiu a seguinte decisão: “adjudica-se as verbas 12 e 13 à proponente, M. C., pelo valor global de € 30.000,00, sendo € 15.000,00 para cada uma”;
o) Após a decisão mencionada, o Mandatário do interessado J. S. ditou o seguinte: “o requerente J. S. invoca a nulidade do despacho acabado de proferir quanto às verbas 12 e 13, nulidade essa que se verifica nos termos do anteriormente requerido”;
p) Em resposta, o Patrono da cabeça-de-casal, M. C., respondeu nos seguintes termos: “a requerida M. C. vem pronunciar-se no sentido da não verificação de qualquer nulidade”;
q) Após, a Senhora Notária terminou a diligência de negociação particular;
r) No dia 06-05-2019, a Senhora Notária, apreciando a nulidade suscitada pelo interessado J. S., decidiu nos seguintes termos e fundamentos, além do mais:
“(…)
Cumpre decidir a questão suscitada pelos mandatários na negociação particular quanto às verbas 12 e 13:
No caso em apreço ficou determinado no despacho decisório que os bens imóveis são bens próprios da requerida. Ficou também decidido que as benfeitorias constituem bens comuns do casal (…).
Assim sendo, tais benfeitorias não deviam ter sido objecto de licitação, antes teriam de ser adjudicadas, como foram à requerida, mas pelo valor resultante da relação de bens, por forma a obter uma decisão mais justa e que acautele todos os interesses em causa (…), devendo ser reparado o anteriormente decidido, nos seguintes termos:
Adjudica-se as verbas 12 e 13 à interessada M. C. pelo valor global de € 155.098,68, sendo € 68.098.66 para a verba 12 e € 87.000,00 para a verba 13”.
s) No dia 03-07-2019, foi proferido despacho que deu forma à partilha, cujos termos aqui se dão por reproduzidos.

*
Apreciando e decidindo.

A) – Do recurso de impugnação interposto pelo interessado J. S.:
I) - Nulidade da decisão recorrida proferida pelo Tribunal de 1ª instância:
Invoca a ora recorrente a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, por excesso de pronúncia, nos termos do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC, alegando que o recorrido impugnou a relação de bens, pretendendo que fosse relacionado 5/6 dos dois bens imóveis supra identificados na al. d) dos factos assentes, tendo apenas solicitado que fosse relacionado os 5/6 dos dois imóveis e nada mais. O recorrido não solicitou que fosse relacionado qualquer crédito, sendo certo que a recorrente não se pronunciou sobre a origem do dinheiro das tornas, nem tinha que se pronunciar, nem tão pouco a Sra. Notária, uma vez que a única coisa a decidir era saber se deveria ou não ser incluído na relação de bens os 5/6 dos dois imóveis, não tendo ficado apurada a proveniência do dinheiro.
Entende a recorrente que não se verifica qualquer nulidade da decisão da Sra. Notária sobre a reclamação da relação de bens, uma vez que esta não tinha que se pronunciar sobre uma questão que não foi colocada e que não é de conhecimento oficioso, tendo o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre uma questão de que não podia conhecer, pelo que ocorre nulidade da decisão, nesta parte, por excesso de pronúncia, uma vez que tratou de uma questão não suscitada pelo interessado/recorrido, no seu recurso de impugnação, que não é de conhecimento oficioso.
Como decorre do disposto no artº. 615°, n°. 1, alínea d) do NCPC, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o dever imposto ao julgador de conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e de se abster de conhecer de outras questões, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso, por determinação do disposto no artº. 608º, nº. 2 do NCPC.
Integra a nulidade prevista no 1º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, não se confundindo, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições.
Como refere o Prof. José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 143), "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Assim, não enferma de nulidade a sentença que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 400 e 401 e Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 371).
A nulidade prevista no 2º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC - quando o juiz se pronuncia sobre questões que nenhuma das partes suscitou no processo e de que não podia tomar conhecimento - constitui a sanção para o desrespeito da norma do artº. 608º, n.º 2, 2ª parte do NCPC, que estabelece que o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal.
Conforme se alcança dos autos, o interessado J. S. apresentou no processo de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio, que corre termos no Cartório da Sra. Notária Drª. M. S., reclamação da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal M. C. Leite, onde, além do mais, acusou a falta de relacionação de 5/6 de dois imóveis identificados na al. d) dos factos assentes, invocando que a cabeça-de-casal, no estado de casada com o reclamante no regime da comunhão de adquiridos, licitou aqueles imóveis no processo de inventário para partilha da herança de seus pais, tendo adquirido, com dinheiro comum do casal, 5/6 dos bens imóveis daquela herança, uma vez que o seu quinhão era apenas de 1/6, tendo o casal pago por aqueles prédios € 150.000,00.
No despacho que decidiu a aludida reclamação da relação de bens, a Sra. Notária considerou que aqueles dois imóveis são bens próprios da cabeça-de-casal, uma vez que os adquiriu por sucessão de seus pais, e invocando o disposto no artº. 1722º do Código Civil, entendeu que os mesmos não devem ser relacionados.
No recurso de impugnação judicial do despacho da Sra. Notária que decidiu o incidente de reclamação da relação de bens, interposto pelo interessado J. S., foi invocada a nulidade daquela decisão por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a questão concreta de falta de relacionação de 5/6 do valor dos bens imóveis adquiridos pela cabeça-de-casal na partilha da herança de seus pais (ou seja, 5/6 de € 150.000,00 = € 125.000,00), correspondentes ao valor das tornas pagas pela cabeça-de-casal e seu marido, aqui reclamante/recorrente, com dinheiro comum do casal.
Aliás, a questão da decisão da Sra. Notária sobre a reclamação da relação de bens ser omissa em relação a saber se o património comum do casal tem ou não de ser compensado pelo valor das tornas pagas pela cabeça-de-casal, com dinheiro comum do casal, em sede de partilha dos bens da herança de seus pais, tornou a ser suscitada no recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha proferido pela Sra. Notária, interposto pelo mesmo interessado J. S..

Relativamente à aludida questão, o Tribunal “a quo” pronunciou-se nos seguintes termos [transcrição]:
«Resulta dos elementos colhidos nos autos que o interessado J. S. deduziu reclamação à relação de bens acusando a omissão de relacionamento de 5/6 de dois bens imóveis, que entende integrarem o património comum do casal por terem sido adquiridos pela cabeça-de-casal por sucessão por morte de seus pais mediante o pagamento de quantias que integravam o património comum do casal.
A cabeça-de-casal respondeu defendendo a improcedência da reclamação invocando que, por força do disposto no art. 1728º do CC, o direito referido pelo reclamante integra o seu património próprio, não se tratando de bem comum, não devendo, por isso, ser relacionado.
A cabeça-de-casal não coloca em causa que a aquisição, na proporção de 5/6 do aludido direito de propriedade sobre os dois imóveis acima mencionados, descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números … e … da Freguesia de ..., ocorreu mediante o pagamento de tornas com dinheiro que integrava o património comum do casal, pelo que tal contribuição deve ser dada como assente.
Na decisão impugnada, a Senhora Notária, assumindo que a aquisição do aludido direito ocorreu por sucessão dos pais da cabeça-de-casal e convocando o disposto no art. 1722º do CC, classificou-o como integrante do património próprio da mesma, não devendo, por isso, ser relacionado como património comum do casal.
Concorda-se com tal solução, atento o disposto no art. 1722º, n.º 1, al. b) do CC.
Importa, porém, atentar em que o recorrente, que pretendia o relacionamento do aludido direito como integrante do património comum do casal, alegou que a sua aquisição ocorreu à custa do património comum do casal.
A decisão impugnada é omissa quanto ao relevo de tal alegação para a determinação do acervo de bens a partilhar entre os ex-cônjuges, mostrando-se o mesmo contido na reclamação apresentada pelo interessado J. S..
Entende-se, por isso, ressalvado, sempre, o devido respeito por opinião diversa, que a decisão impugnada é omissa na apreciação da questão acima enunciada, tarefa que lhe é devida, o que constitui a nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável por força do disposto no art. 82º do RJPI.
O recurso do interessado J. S. mostra-se, assim, procedente no que respeita ao segmento da decisão impugnada ora apreciado.»
Adiantamos, desde já, que acompanhamos este entendimento do Tribunal recorrido.
Contrariamente ao que é referido pela cabeça-de-casal/recorrente, o recorrido J. S., na sua reclamação da relação de bens, não peticionou apenas que fossem relacionados os 5/6 dos dois imóveis que compunham o acervo hereditário dos pais da cabeça-de-casal, tendo alegado ainda que os herdeiros não chegaram a acordo quanto aos bens a partilhar, pelo que a cabeça-de-casal, no estado de casada com o reclamante no regime da comunhão de adquiridos, licitou as duas únicas verbas que constituíam a herança de seus pais, tendo adquirido com dinheiro comum do casal 5/6 dos mencionados imóveis, uma vez que o seu quinhão era apenas de 1/6, tendo o casal pago € 150.000,00 por aqueles prédios.
Acontece que a cabeça-de-casal não pôs em causa que a aquisição de 5/6 dos dois imóveis acima referidos ocorreu mediante o pagamento de tornas com dinheiro comum do casal, tendo-se limitado a defender que tais prédios fazem parte da herança aberta por óbito de seus pais e sendo casada com o reclamante no regime da comunhão de adquiridos, são bens próprios seus, não podendo, por isso, ser relacionados.
Pese embora a concordância do Tribunal “a quo” com a decisão da Sra. Notária impugnada que, nos termos do artº. 1722º, n.º 1, al. b) do Código Civil, considerou aqueles imóveis bens próprios da cabeça-de-casal, uma vez que os adquiriu por sucessão de seus pais, sendo casada com o reclamante no regime da comunhão de adquiridos, não devendo, por isso, ser relacionados como património comum do casal, a verdade é que foram alegados pelo reclamante factos que assumem relevância na determinação do acervo de bens a partilhar entre os ex-cônjuges, que não foram impugnados pela cabeça-de-casal, pelo que, como bem se refere na decisão sob escrutínio, considera-se assente tal contribuição do património comum do casal na aquisição de bens próprios da cabeça-de-casal.
Por outro lado, na sequência do que é referido na decisão recorrida, podemos concluir que a alegação pelo reclamante/recorrente J. S. (na reclamação da relação de bens e também na impugnação judicial do despacho da Sra. Notária que decidiu aquela reclamação) da aludida factualidade relacionada com a aquisição de bens próprios da cabeça-de-casal à custa de património comum do casal, tinha implícita a sua pretensão de ver relacionado um direito de crédito, correspondente ao valor das tornas pagas pela cabeça-de-casal, como parte integrante do património comum do casal, pelo que deveria a Sra. Notária ter-se pronunciado sobre a relevância dessa alegação na determinação do acervo de bens a partilhar entre os ex-cônjuges e conhecido tal questão suscitada pelo reclamante J. S., nos termos do disposto no artº. 35º, nº. 3 do RJPI, o que efectivamente não aconteceu “in casu”.
Como vimos, a Sra. Notária limitou-se a qualificar os dois imóveis como bens próprios da cabeça-de-casal nos termos supra referidos, não levando em consideração o disposto no nº. 2 do citado artº. 1722º do Código Civil, que ressalva a compensação eventualmente devida ao património comum do casal em situações idênticas (entre outras) à dos presentes autos.
Argumenta a cabeça-de-casal, ora recorrente, que não tinha de se pronunciar sobre a origem do dinheiro das tornas, nem tão pouco a Sra. Notária, “uma vez que a única coisa a decidir era saber se deveria ou não ser incluído na relação de bens os 5/6 dos dois imóveis” e que “não foi sequer apurada a proveniência do dinheiro”.
Todavia, salvo o devido respeito, discordamos de tais argumentos expendidos pela recorrente, porquanto a supra mencionada factualidade relacionada com a proveniência do dinheiro utilizado pela cabeça-de-casal para pagamento das tornas relativas à aquisição de 5/6 dos imóveis que integravam a herança de seus pais, foi alegada pelo interessado J. S. na reclamação da relação de bens e não foi posta em causa pela cabeça-de-casal, na sua resposta à dita reclamação, sendo aquele o momento processual próprio para a impugnar (cfr. artº. 35º, nº. 1 do RJPI). Porém, não o tendo feito, entendemos que opera, “in casu”, a cominação prevista no artº. 567º, nº. 1 do NCPC “ex vi” do artº. 82º do RJPI, ou seja, consideram-se confessados aqueles factos alegados pelo reclamante, o que determinou que o Tribunal recorrido entendesse (e bem) que deve ser dada como assente que a cabeça-de-casal adquiriu 5/6 daqueles imóveis, mediante o pagamento de tornas com dinheiro que integrava o património comum do casal.
Por outro lado, entendemos que não assiste razão à recorrente quando refere que tal questão não foi sequer aflorada no recurso de impugnação interposto pelo ora recorrido, pois basta ler aquela peça processual para, desde logo, se constatar que o reclamante/recorrente acusou ali a falta de relacionação de € 125.000,00 de tornas devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos (correspondentes a 5/6 de € 150.000,00), relativas à aquisição de 5/6 dos dois imóveis que integravam a herança de seus pais, pagas com dinheiro comum do casal, bem como arguiu a nulidade por omissão de pronúncia do despacho da Sra. Notária que decidiu a reclamação da relação de bens, por não se ter pronunciado sobre a questão concreta de falta de relacionação de 5/6 do valor dos bens imóveis adquiridos pela cabeça-de-casal na partilha da herança de seus pais, com dinheiro comum do casal e peticionou a inclusão no activo do crédito de € 125.000,00 referente às mencionadas tornas pagas com dinheiro comum do casal, nos termos supra referidos em sede de relatório.
Com efeito, não tendo a Sra. Notária se pronunciado, na decisão impugnada, sobre esta questão da falta de relacionação de € 125.000,00 de tornas devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos (correspondentes a 5/6 do valor dos bens imóveis adquiridos por aquela na partilha da herança de seus pais) e pagas com dinheiro comum do casal, quando devia ter apreciado e conhecido tal questão suscitada pelo reclamante/recorrente J. S., entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar que aquela decisão enferma da nulidade prevista no 1º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC, aplicável por força do disposto no art. 82º do RJPI.
Como tal, contrariamente à posição defendida pela recorrente, o Mº Juiz “a quo”, ao considerar a decisão impugnada nula por omissão de pronúncia pelas razões explanadas na decisão ora sob censura, e assim julgar procedente o recurso da decisão sobre a reclamação da relação de bens, interposto pelo interessado J. S., ora recorrido, no que respeita àquele segmento da decisão impugnada, pronunciou-se sobre uma questão de que efectivamente podia conhecer, porque suscitada pelo recorrido no seu recurso de impugnação, não padecendo, por isso, a decisão recorrida da nulidade que lhe é apontada, prevista no 2º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC.
Acontece que o Tribunal “a quo” não supriu a nulidade prevista no 1º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC por ele declarada, quando, em nosso entender, poderia tê-lo feito enquanto 1ª instância de recurso. No entanto, tal nulidade não impede que este Tribunal de recurso conheça da presente apelação, cabendo-lhe suprir, desde já, a nulidade apontada à decisão da Sra. Notária objecto de impugnação, com a apreciação da aludida questão suscitada pelo interessado J. S., uma vez que o seu conhecimento não se mostra prejudicado pela solução dada a outras questões e o processo dispõe dos elementos necessários para o efeito (cfr. artº. 665º do NCPC).
Vejamos então.
Conforme se alcança da certidão do processo de inventário para partilha dos bens da herança dos pais da cabeça-de-casal, com o n.º 3722/07.1TBGMR do extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, junta com a reclamação da relação de bens, os dois imóveis foram adquiridos pela cabeça-de-casal mediante o pagamento de tornas aos restantes herdeiros (seus irmãos). Sendo os únicos bens que compunham o acervo hereditário dos seus pais e que foram aí partilhados, ali consta que o quinhão da cabeça-de-casal era apenas de 1/6 do valor daqueles imóveis e que ela procedeu ao pagamento de tornas aos seus irmãos no valor de € 125.000,00, correspondente aos restantes 5/6 do valor daqueles bens (cfr. fls. 25 a 36).
Como decorre do disposto no artº. 1722º, nº. 1, al. b) do Código Civil, aqueles imóveis são bens próprios da cabeça-de-casal, uma vez que os adquiriu por sucessão de seus pais, sendo que foi casada com o recorrido no regime da comunhão de adquiridos, não devendo, por isso, ser relacionado como património comum do casal.
No entanto, foi considerado assente, nos termos atrás expostos, que a cabeça-de-casal adquiriu 5/6 daqueles imóveis, mediante o pagamento de tornas com dinheiro que integrava o património comum do casal.
Como se refere no acórdão da RC de 9/01/2017 (proc. nº. 2698/14.3TBVNG, disponível em www.dgsi.pt), cuja doutrina aqui acolhemos, “entende-se que o bem adquirido na sequência de partilha ocorrida após o casamento, mas por virtude de direito próprio anterior, mantém a natureza de próprio mesmo que haja lugar ao pagamento de tornas aos demais herdeiros e ainda que este seja de valor superior ao quinhão hereditário e feito à custa de dinheiro comum do casal, sendo devida, tão só, a compensação ao património comum no momento da dissolução e partilha da comunhão”.
Seguindo a doutrina plasmada no acórdão da RC de 13/05/2014 (proc. nº. 1068/08.7TBTMR-B, disponível em www.dgsi.pt), entendemos que sendo o casamento dos interessados directos na partilha - entretanto já dissolvido por divórcio – contraído segundo o regime da comunhão de adquiridos, se a aquisição por um dos cônjuges de bens imóveis advindos por sucessão tiver sido feita à custa do património conjugal, o cônjuge beneficiado terá de compensar, adequadamente, o património conjugal comum.
Quer dizer: mesmo que um dos cônjuges tivesse adquirido bens imóveis na partilha da herança de seus pais, com dinheiro comum do casal, aqueles imóveis nunca adquiririam a qualidade de bens comuns, dado que, por força de regra específica do regime de bens sobre que foi contraído o casamento dos interessados, tais bens reverteriam sempre para o cônjuge proprietário dos mesmos, por serem considerados bens próprios daquele – sem prejuízo, em qualquer caso, da compensação devida por esse cônjuge ao património comum. E só esta compensação – e não os imóveis - é que deve figurar no inventário para ser conferida como dívida do cônjuge proprietário ao património comum do casal, se, como é o caso, a aquisição dos imóveis tiver sido feita por ambos os cônjuges, portanto, à custa do património comum (artº. 1689º, nº. 1 do Código Civil).
Em face do acima exposto, entende este Tribunal que a relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal deve ser alterada, por forma a incluir no activo o crédito de € 125.000,00, correspondente ao valor das tornas devidas pela cabeça-de-casal na partilha da herança de seus pais, na aquisição de 5/6 dos bens imóveis identificados na al. d) dos factos assentes, e pagas com dinheiro comum do casal.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pela requerida/cabeça-de-casal.
*
II) – Saber se existe um crédito da cabeça-de-casal sobre o interessado J. S., no valor de € 34.472,14:

Relativamente à questão do crédito da cabeça-de-casal/recorrente sobre o recorrido J. S., no valor de € 34.472,14, refere-se na decisão recorrida o seguinte:
«Passando à apreciação da questão atinente à existência de um crédito da cabeça-de-casal sobre o interessado J. S. no montante de € 34.472,14, releva que, na decisão impugnada, se assume como demonstrado que o ex-casal celebrou um contrato de mútuo com o Banco ... ..., SA, destinado à obtenção de recursos financeiros que foram aplicados na realização de obras nos dois imóveis próprios da cabeça-de-casal, a que acima se fez referência.
Na mesma decisão, refere-se que, por força de um contrato de seguro celebrado pela cabeça-de-casal e interessado associado ao aludido contrato de mútuo, a companhia de seguros respectiva procedeu ao pagamento do capital em dívida neste último contrato, no montante de € 68.944,27, em virtude da situação de invalidez da cabeça-de-casal (expressamente mencionada no documento bancário invocado na decisão e que recentemente remetida ao suporte físico do presente recurso pela Senhora Notária a pedido do signatário), e conclui-se que tal valor é bem próprio da mesma e, em consequência, é credora de metade desse montante (€ 34.472,27) em relação ao interessado ex-marido.
O interessado J. S. insurge-se contra o segmento decisório acabado de referir e, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, com razão.
Na verdade, tendo presente o circunstancialismo que fundou a decisão impugnada, ponderando critérios de normalidade e de frequência de situações semelhantes (perante a ausência no processo e no presente recurso dos documentos que titulam os negócios jurídicos em referência), o contrato de seguro celebrado pela cabeça-de-casal e interessado deve ser configurado como um contrato de seguro de grupo (ramo vida), no qual intervieram uma seguradora e o Banco... ..., SA., sendo este como tomador e credor beneficiário do seguro, e aqueles (os interessados nos autos) como aderentes-segurados.
Tal contrato de seguro mostra-se celebrado com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela cabeça-de-casal e interessado J. S. para com o aludido Banco no contrato de mútuo com o mesmo celebrado, para custeamento de obras realizadas nos dois imóveis que se mostram bens próprios da primeira, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários.
O contrato de seguro de grupo, quanto à formação, reveste uma estruturação estabelecida em dois momentos distintos.
Num primeiro momento (fase estática), o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, que estabelecem, entre si, as condições de inclusão no grupo, as relações entre seguradora e tomador de seguro, com específicos direitos e obrigações recíprocos, as condições dos seguros para os aderentes, incluindo as condições gerais e especiais do seguro, que contêm as coberturas dos riscos e os direitos e obrigações recíprocas da seguradora e do membro do grupo aderente.
A existência deste contrato é pressuposto da possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que serão aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos que foi contratado entre seguradora e o tomador. Não vão poder negociar o contrato.
No segundo momento (fase dinâmica), o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo.
Os dois momentos referidos são complementares e indissociáveis. Enquanto não se der a primeira adesão, o contrato celebrado entre seguradora e tomador de seguro não produz efeitos enquanto seguro. Poderá produzir efeitos quanto a direitos e obrigações estabelecidos entre seguradora e tomador no que diz respeito à relação que entre ambos se estabelece e aos requisitos do grupo, mas só começa a produzir efeitos como seguro no momento da primeira adesão. Ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes (cfr., a propósito, no mesmo sentido, o ac. TRG de processo n.º 428/17.7T8FAF, que aqui se segue de muito perto).
Com a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente ou os aderentes. O contrato deixa de regular exclusivamente os interesses do tomador e da seguradora e passa também a regular os interesses do segurado de acordo com as cláusulas apostas no modelo proposto.
O art. 6° do DL n.º 72/2008, de 16-04, que aprovou a nova Lei do Contrato de Seguro (LCS), revogou o art. 1º do DL n.º 176/95 e, nos termos do seu art. 2°, a nova Lei aplica-se aos contratos celebrados anteriormente mas que vigorem à data em que entrou em vigor (01-01-2009).
A LCS, no seu art. 76°, define o contrato de seguro de grupo “como aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar”, assim mantendo a estrutura triangular que já o caracterizava, ou seja, a existência de três sujeitos de direitos distintos: o segurador; o tomador do seguro e as pessoas que a ele estão ligadas por um vínculo que não seja o seguro e o segurado, não tendo a lei tomado posição sobre a natureza jurídica desse tipo de seguro.
A prestação prometida pela seguradora, na hipótese de morte ou invalidez da pessoa segura (no caso, os mutuários e interessados), não se destina a esta, mas antes à tomadora do seguro (a entidade bancária), que é também, simultaneamente, sua beneficiária.
Foi a favor da entidade bancária e mutuante que a seguradora se obrigou a efectuar a prestação, pagando a importância segura, sendo aquela a credora de tal prestação, ainda que o mutuário e segurado possa exigir da mesma a concretização dessa prestação.
Entende-se, por isso, que a prestação executada pela seguradora, de pagamento do valor em débito relativo ao cumprimento do contrato de mútuo celebrado pelos interessados na partilha, ingressou directamente na esfera patrimonial do Banco mutuário, respectivo credor, e não na esfera patrimonial da cabeça-de-casal (a circunstância de o pagamento do valor em causa ter ocorrido mediante crédito do mesmo na conta titulada pelos interessados, efectuado pela seguradora, sucedido de movimento a débito a favor do banco em nada contende com o afirmado, constituindo tal procedimento apenas um modo de execução da prestação fixada no contrato de seguro de grupo).
Por outro lado, sendo a instituição financeira beneficiária direta e imediata da cobertura dos riscos, qualquer dos cônjuges aderentes beneficiava em termos mediatos dessa cobertura, na medida em que, ocorrendo algum dos sinistros tipificados na pessoa de qualquer dos segurados, a obrigação da seguradora de efetuar o pagamento do capital aproveitava a ambos, considerando o efeito liberatório produzido na esfera jurídica de qualquer dos segurados e mutuários, sem que daí tenha resultado algum débito a cargo daquele em cuja esfera pessoal o sinistro não ocorreu a favor daquele que sofreu o sinistro.
Pelo que se referiu supra, entende-se que a quantia paga pela seguradora era devida directamente ao banco mutuário, sendo este o seu credor, que a mesma não era bem próprio da cabeça-de-casal e, consequentemente, que de tal pagamento não resultou o crédito da mesma sobre o interessado J. S. no montante de € 34 472,14 reconhecido na decisão impugnada.»
Entende a recorrente, com base no artº. 1733º, nº. 1, al. e) do Código Civil, que o dinheiro do seguro que serviu para liquidar o valor do empréstimo remanescente é um bem próprio seu, tanto mais que há muito que estava separada do recorrido, quando essa liquidação ocorreu, pugnando, assim, pela revogação desse segmento da decisão, mantendo-se o crédito da recorrente sobre o recorrido, no valor de € 34.472,14.
Salvo o devido respeito, a tese defendida pela ora recorrente não merece a nossa concordância, pelas razões que passamos a explanar.

De acordo com o disposto no artº. 1733º, n.º 1, al. e) do Código Civil, “são exceptuados da comunhão:
(…)
e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios.”
Antes de mais, importa referir que o aludido artº. 1733º do Código Civil, sob a epígrafe “bens incomunicáveis”, embora esteja previsto no âmbito do regime da comunhão geral de bens, deve aplicar-se também quando os cônjuges casam no regime da comunhão de adquiridos, ou num regime misto ou conformado segundo o interesse particular dos nubentes.
Efectivamente, como ensinam os Prof. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in Direito da Família, 3ª ed., vol. I, pág. 576 e 577), «a aplicabilidade do artº. 1733º a todos os regimes de bens pode fundamentar-se na proibição geral de afastar, em qualquer caso, por meio de convenção antenupcial, a incomunicabilidade que ele prevê (artº. 1699º, nº 1, al. d); e também num argumento de maioria de razão - se os bens mencionados resistem à comunicação em comunhão geral, mais claramente devem resistir à comunhão noutro qualquer regime que será, forçosamente, mais “separatista”».
Como vimos, a citada al. e) do nº. 1 do artº. 1733º do Código Civil fala em “seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges…”.
Parece, assim, evidente que este dispositivo legal não vale para a situação “sub judice”.
No caso em apreço, com a celebração do contrato de seguro, a seguradora garantiu o pagamento do montante em dívida à instituição de crédito, resultante do contrato de mútuo que esta celebrou com o casal, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários, obrigando-se, para tal, os segurados ao pagamento de um prémio à seguradora.
Como é sabido, o contrato de seguro do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários. Daí que, perante a verificação do risco previsto (morte ou invalidez total e permanente dos segurados), a seguradora fique adstrita à realização de uma prestação pecuniária (pelo valor do capital mutuado em dívida) ao beneficiário indicado no contrato de seguro, no caso o Banco tomador e mutuante (cfr. acórdãos da RG de 13/09/2018, proc. nº. 428/17.7T8FAF e da RL de 1/02/2018, proc. nº. 3687/15.6T8LRS-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
De acordo com a doutrina defendida no acórdão da RP de 15/12/2005 (proc. nº. 0536279, disponível em www.dgsi.pt), que aqui se segue de perto, o beneficiário adquire um direito ao capital seguro que é próprio e autónomo, fundado na cláusula de designação constante do contrato de seguro, na medida em que o capital seguro não foi adquirido pelos cônjuges segurados, sendo estranho ao património comum do casal (cfr. Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Vol. II, pág. 620 e José Velasques, Contrato de Seguro, 1999, Coimbra Editora, pág.176).
Refere-se naquele aresto que “só são bens próprios, nos termos do estatuído na al. e) do nº. 1 do artº. 1733º do Cód. Civil, os seguros que se vençam a favor de cada um dos cônjuges, ou seja, os seguros de que sejam estes beneficiários”.
Do exposto se conclui, portanto, que no seguro de vida e invalidez total e permanente em apreço, o beneficiário do capital seguro não foi o cônjuge-cabeça de casal (ora recorrente), nem o seu ex-cônjuge (ora recorrido). O mesmo é dizer - para usar as palavras da lei - que o seguro não foi vencido “em favor da pessoa de cada um dos cônjuges”, mas sim da própria instituição bancária que concedeu o crédito aos cônjuges.
Assim sendo, não vale trazer à colação a citada al. e) do nº. 1 do artº. 1733º do Código Civil para se considerar um bem próprio da recorrente - logo um bem afastado da comunhão conjugal - o montante de € 34.472,27 correspondente a metade do capital em dívida no contrato de mútuo celebrado entre os ex-cônjuges (na qualidade de mutuários) e o Banco... ... (na qualidade de mutuante), para custeamento de obras realizadas nos dois imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal, pago pela seguradora que celebrou o contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente associado àquele contrato de mútuo, em virtude da situação de invalidez da cabeça-de-casal.
Efectivamente, como emerge do explanado supra, o seguro não se venceu a favor de qualquer dos cônjuges, mas a favor do Banco... ..., que é quem consta no contrato como seu beneficiário.
Como bem se refere na decisão recorrida, a prestação executada pela seguradora, de pagamento do valor em dívida relativo ao cumprimento do contrato de mútuo celebrado pelos interessados na partilha de bens do casal, ingressou directamente na esfera patrimonial da instituição de crédito mutuante, beneficiária daquele seguro, e não na esfera patrimonial da cabeça-de-casal.

De todo o exposto resulta, portanto, que o pagamento à instituição bancária da quantia em dívida no contrato de mútuo celebrado entre esta e o casal interessado na partilha (e que era de € 68.944,27), efectuado pela seguradora que celebrou o contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente associado àquele empréstimo, em virtude da situação de invalidez da cabeça-de-casal/recorrente, não constitui o pagamento de uma dívida comum do casal com um bem próprio da cabeça-de-casal, daí não emergindo qualquer crédito da recorrente sobre o recorrido, seu ex-cônjuge, correspondente a metade do montante em dívida (ou seja, € 34.472,14).
Assim, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura, terá de improceder, também quanto a esta parte, o recurso interposto pela requerida/cabeça-de-casal.
*
B) – Do recurso de impugnação interposto pela cabeça-de-casal M. C.:

I) – Saber se ocorre fundamento para a revogação da decisão que anulou a licitação sobre as verbas nºs 12 e 13, efectuada pela cabeça-de-casal:
Insurge-se a ora recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que as verbas nºs 12 e 13 da relação de bens não podem ser objecto de licitação, devendo ser adjudicadas à cabeça-de-casal pelo valor constante da relação de bens, conforme assumido na decisão da Sra. Notária de fls. 111 e 112 objecto de impugnação.
Para tanto, argumenta que não se verifica qualquer nulidade por inadmissibilidade da licitação de tais verbas, pelo que a licitação não deveria ter sido anulada, devendo manter-se, uma vez que é admitida a licitação de benfeitorias.

Sobre esta questão, refere-se na decisão recorrida o seguinte [transcrição]:

«Importa atentar em que a decisão impugnada foi proferida em sede de apreciação do incidente suscitado pelo interessado J. S., no sentido de o despacho da Senhora Notária que adjudicou as verbas n.ºs 12 e13 à cabeça-de-casal, pelos valores pela mesma propostos em sede de negociação particular, ser nulo por inadmissibilidade da licitação de tais verbas.
Cumpre, ainda, ter presente que, logo após a arguição de tal incidente, a cabeça-de-casal teve oportunidade de se pronunciar.
A Senhora Notária relegou para momento posterior à conclusão da diligência a apreciação do referido incidente, tendo proferido a decisão impugnada.
Adianta-se, desde já, que não se vislumbra reparo a fazer à aludida decisão.
Na verdade, como assumido pelos interessados, as verbas em referência reconduzem-se a direitos de crédito que integram o património comum do casal que respeitam a beneficiações (benfeitorias) realizadas pelo mesmo em bens imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal e que passaram a integrá-los (assim o assumem, ainda que de modo implícito, os interessados).
Ora, tais benefícios e, consequentemente, os direitos de crédito respectivos, são insusceptíveis de serem adjudicados ao interessado J. S., posto que respeitam a património próprio da cabeça-de-casal.
A licitação, por qualquer modo, tem por finalidade última a adjudicação de verbas ao interessado que maior valor propuser.
Assim, as verbas em referência não podem ser objecto de licitação, devendo ser adjudicadas à cabeça-de-casal, pelo valor constante da relação de bens, conforme assumido na decisão impugnada.»

Conforme resulta dos autos, foram relacionadas como passivo do património conjugal as seguintes verbas:
- Verba nº. 12, correspondente a benfeitorias resultantes do empréstimo, no valor de € 68.098,68, contraído pelo casal para custear obras de reparação e ampliação nos dois bens imóveis próprios da cabeça-de-casal identificados nos autos;
- Verba nº. 13, correspondente a benfeitorias resultantes da venda de um prédio, no valor de € 87.000,00, utilizado também na realização das aludidas obras, que não podem ser levantadas.
Vem sendo defendido na jurisprudência que, sendo realizadas, na constância do casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, obras num prédio adjudicado a um dos ex-cônjuges numa partilha por óbito, as mesmas devem ser consideradas benfeitorias, nos termos do artº. 216º do Código Civil, e como tal deve ser descrito no inventário subsequente à extinção, por divórcio, da comunhão de bens entre os cônjuges.
Tratam-se de benfeitorias realizadas num bem próprio de um dos cônjuges, que atribui à comunhão conjugal e, após a dissolução do casamento, ao ex-cônjuge não proprietário, um direito de crédito sobre o cônjuge proprietário (artº. 1689º, nº. 1 do Código Civil) – cfr. acórdãos da RC de 16/05/2017, proc. nº. 3638/13.2TBLRA-H e de 13/05/2014 acima referido, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Reportando-nos ao caso em apreço, como bem refere a decisão recorrida, “as verbas em referência reconduzem-se a direitos de crédito que integram o património comum do casal que respeitam a beneficiações (benfeitorias) realizadas pelo mesmo em bens imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal e que passaram a integrá-los (assim o assumem, ainda que de modo implícito, os interessados), sendo que tais benfeitorias e, consequentemente, os direitos de crédito respectivos, são insusceptíveis de serem adjudicados ao interessado J. S., dado que respeitam a património próprio da cabeça-de-casal.
No que concerne à questão concreta suscitada pela cabeça-de-casal, ora recorrente, importa ter presente que a cabeça-de-casal apresentou proposta para licitação, em sede de negociação particular, das verbas nºs 12 e 13, no valor global de € 30.000,00 (sendo € 15.000,00 para cada verba).
No entanto, o interessado J. S. opôs-se a que as verbas nºs 12 e 13 fossem objecto de licitação, entendendo que as mesmas deviam ser adjudicadas à cabeça-de-casal titular dos imóveis onde foram efectuadas as benfeitorias, pelo valor que consta da relação de bens.
Acontece que, por despacho da Sra. Notária proferido em sede de negociação particular, aquelas verbas foram adjudicadas à cabeça-de-casal pelos valores por ela propostos, tendo o interessado J. S., de seguida, invocado a nulidade daquele despacho por inadmissibilidade da licitação de tais verbas (cfr. fls. 108 a 110).
Após cumprido o contraditório, a Sra. Notária proferiu o despacho de fls. 111 e 112, que decidiu o incidente suscitado pelo interessado J. S., no qual considerou que tais benfeitorias não deviam ter sido objecto de licitação, mas antes teriam de ser adjudicadas, como foram, à cabeça-de-casal, “mas pelo valor resultante da relação de bens, por forma a obter uma decisão mais justa e que acautele todos os interesses em causa”, tendo reparado o anteriormente decidido, adjudicando as verbas nºs 12 e 13 à cabeça-de-casal pelo valor global de € 155.098,68, sendo € 68.098,68 para a verba nº. 12 e € 87.000,00 para a verba nº. 13.
A cabeça-de-casal interpôs recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha, no qual pugnou pela revogação do aludido despacho da Sra. Notária constante de fls. 111 e 112. No entanto, na decisão sob escrutínio, o Tribunal “a quo” manteve o despacho impugnado, por entender que as verbas em causa não podem ser objecto de licitação, devendo ser adjudicadas à cabeça-de-casal, pelo valor constante da relação de bens.
Neste sentido se pronunciou o acórdão da RC de 26/04/2006 (proc. nº. 4033/05, disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual, no inventário para partilha de bens do casal subsequente ao divórcio, não pode haver licitações sobre as verbas que constituem benfeitorias, realizadas pelo património comum do casal, em bens imóveis que são bens próprios de um dos cônjuges e que passaram a integrá-los, posição esta que aqui sufragamos.
De facto, a Sra. Notária, no seu despacho de fls. 111 e 112, reparou uma nulidade processual, que foi a de colocar em licitação as benfeitorias insusceptíveis de serem separadas dos prédios pertencentes à cabeça-de-casal, que não faziam parte da relação de bens, assim reparando a ilegalidade de a recorrente, proprietária desses imóveis, poder definir, para menos, os encargos do património comum a dividir, cujo valor já estava fixado.
Assim, não merecendo a decisão recorrida, que manteve o despacho impugnado, qualquer reparo, terá de improceder, também nesta parte, o recurso interposto pela requerida/cabeça-de-casal.
*
II) – Não se verificando tal fundamento, saber se estão reunidos os requisitos para se determinar a avaliação das benfeitorias a que respeitam tais verbas:

Alega a cabeça-de-casal, aqui recorrente, que caso não se entenda que existe fundamento para a revogação da decisão que anulou a licitação sobre as verbas nºs 12 e 13, por ela efectuada, deveria o valor das benfeitorias ter sido objecto de avaliação.
Como bem se refere na sentença recorrida, quanto a esta questão da avaliação das duas verbas referidas, salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente.
A avaliação de bens, no processo de inventário notarial, só pode ser requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo Tribunal até ao início da conferência preparatória, e não em momento processual posterior, como resulta do disposto no artº. 48º, nº. 2 do RJPI.
Ora, não tendo nenhum dos interessados neste processo de inventário requerido a avaliação das benfeitorias que integram as mencionadas verbas, até ao início da conferência preparatória, não podemos deixar de concluir que é manifestamente extemporânea a pretensão ora formulada pela recorrente.
Nestes termos, improcede o recurso de apelação interposto pela cabeça-de-casal.

SUMÁRIO:

I) - Os bens imóveis adquiridos na constância do casamento contraído sob o regime da comunhão de adquiridos, por sucessão na partilha da herança dos pais de um dos cônjuges, consideram-se bens próprios daquele cônjuge, por virtude de direito próprio anterior, mesmo que haja lugar ao pagamento de tornas aos demais herdeiros e ainda que este seja de valor superior ao quinhão hereditário, feito à custa de dinheiro comum do casal, sendo devida, tão só, a compensação ao património comum no momento da dissolução e partilha da comunhão.
II) - Sendo o casamento dos interessados directos na partilha - entretanto já dissolvido por divórcio – contraído segundo o regime da comunhão de adquiridos, se a aquisição por um dos cônjuges de bens imóveis advindos por sucessão tiver sido feita com dinheiro comum do casal, o cônjuge beneficiado terá de compensar, adequadamente, o património conjugal comum. E só esta compensação – e não os imóveis - é que deve figurar no inventário como dívida do cônjuge proprietário ao património comum do casal.
III) – O contrato de seguro do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários. Daí que, perante a verificação do risco previsto (morte ou invalidez total e permanente dos segurados), a seguradora fique adstrita à realização de uma prestação pecuniária (pelo valor do capital mutuado em dívida) ao beneficiário indicado no contrato de seguro, no caso o Banco tomador e mutuante.
IV) - Só são bens próprios, nos termos do estatuído na al. e) do nº. 1 do artº. 1733º do Código Civil, os seguros que se vençam a favor de cada um dos cônjuges, ou seja, os seguros de que sejam estes beneficiários.
V) - No contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente celebrado no âmbito de um empréstimo obtido pelo casal, para custear obras realizadas em dois imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal, o beneficiário do seguro, a favor de quem este se vencerá, é a instituição de crédito mutuante.
VI) - O pagamento à instituição bancária da quantia em dívida no contrato de mútuo celebrado entre esta e os interessados na partilha de bens do casal, efectuado pela seguradora que celebrou o contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente associado àquele empréstimo, em virtude da situação de invalidez de um dos cônjuges, ingressou directamente na esfera patrimonial da instituição de crédito mutuante, beneficiária daquele seguro, e não na esfera patrimonial daquele cônjuge.
VII) – Tal prestação executada pela seguradora não constitui o pagamento de uma dívida comum do casal com um bem próprio de um dos cônjuges, daí não emergindo qualquer crédito desse cônjuge sobre o outro cônjuge.
VIII) - No inventário para partilha de bens do casal subsequente ao divórcio, as verbas que constituem benfeitorias, realizadas pelo património comum do casal, em bens imóveis que são bens próprios de um dos cônjuges e que passaram a integrá-los, não podem ser objecto de licitação, devendo ser adjudicadas ao cônjuge proprietário desses imóveis, pelo valor constante da relação de bens.
IX) - A avaliação de bens, no processo de inventário notarial, só pode ser requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo Tribunal até ao início da conferência preparatória, e não em momento processual posterior, como resulta do disposto no artº. 48º, nº. 2 do RJPI.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela requerida/cabeça-de-casal M. C. e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 12 de Novembro de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)