DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL
EQUIDADE
Sumário


I- O dano biológico não deve ser configurado como uma terceira categoria de dano, um tertium genus, ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
II- A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do dano biológico deve fazer-se segundo juízos de equidade (artigo 566º n.º 3 do Código Civil).
III- Estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. J., casado, residente na Avenida …, Braga, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra X, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida …, Lisboa, pedindo a condenação da Ré:

a) no pagamento da quantia de €180.810,00 (cento e oitenta mil, oitocentos e dez euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correcção monetária da obrigação de indemnizar) e,
b) tudo para além dos tratamentos fisiátricos, médicos, medicamentosos, de psicólogos, de psiquiatras, de ortopedistas, de neurocirurgia, próteses auditivas, etc, até final da sua vida, o que terão que ser ministrados pela demandada, ou
c) por ela suportados, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.

Alega, para tanto e em síntese que - no dia 19 de Setembro de 2014, pelas 09:50 horas, na Estrada Nacional 103, ao Km. 45,450, mais precisamente na rotunda, em ..., deste concelho de Braga, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o ciclomotor com a matrícula GS, propriedade do demandante e por ele tripulado, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula GQ;
- como consequência do acidente, sofreu lesões e apresenta sequelas a que corresponde uma incapacidade permanente geral de 42,66 pontos;
- sofreu danos não patrimoniais e patrimoniais, encontrando-se totalmente impossibilitado para o exercício da sua profissão;
- irá necessitar de tratamentos fisiátricos, médicos, medicamentosos, de psicólogos, de psiquiatras, de ortopedistas, de neurocirurgia, até final da sua vida, bem como de próteses auditivas.

Regularmente citada, a Ré veio contestar impugnando parcialmente o alegado, e invocando que, à indemnização que vier a ser fixada, deverão ser deduzidas as quantias já pagas pela ré por conta dessa indemnização. Conclui que a acção deverá ser julgada de acordo com a prova que vier a produzir-se.
Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador e despacho a fixar o objecto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“4. Por todo o exposto:
Julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, 4.1. Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 121.860,00 (cento e vinte e um mil oitocentos e sessenta euros) a título de indemnização, sendo € 61.860,00 (sessenta e um mil oitocentos e sessenta euros) por danos patrimoniais e € 60.000,00 (sessenta mil euros) por danos não patrimoniais;
4.1.1. Condena-se a ré a pagar ao autor juros sobre a quantia de € 120.000,00, à taxa legal de 4%, contados a partir da presente data até efectivo pagamento;
4.1.2. Condena-se a ré a pagar ao autor juros de mora calculados à taxa legal, devidos desde a citação, sobre o montante de € 1.860,00, até efectivo pagamento.
4.2. Condena-se ainda a ré a pagar ao autor o montante correspondente às despesas futuras com consultas periódicas de neurologia e psiquiatria, de ajudas medicamentosas, designadamente de antidepressivos, bem como de próteses auditivas, a liquidar ulteriormente nos termos do art. 609º/2 do Código de Processo Civil.
4.3. Absolve-se quanto ao mais a ré dos pedidos formulados.
4.4. As custas ficam a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art. 527º do Código de Processo Civil).
Notifique”.

Inconformado, apelou o Autor da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“III - CONCLUSÕES:
1. O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, que declarou a acção parcialmente procedente, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e de direito.
A) DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
2. Lê-se no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
3. Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
4. Dito isto, a douta sentença deu como não provado:
“- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel;
- que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo,
- que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;”
5. O A. considera incorrectamente julgados e, por esse motivo, impugna a decisão proferida quanto aos pontos mencionados supra da matéria de facto dada como não provada.
6. Quanto a esta matéria depuseram as testemunhas E A. (esposa), A. F. (filha), P. S. (vizinho) e M. M. (vizinha).
7. Importa atentar no depoimento da testemunha E A., esposa do Autor (com a duração de 30 minutos e 33 segundos, desde 10:49:18 a 11:19:52) aos 11:56’ e aos 15:17'.
8. Assim como no dada testemunha A. F., filha do Autor (com a duração de 26 minutos e 51 segundos, desde 11:21:07 a 11:47:59), aos 10:38' e aos 24:00'.
9. Ainda no depoimento da testemunha P. S., vizinho do Autor (com a duração de 6 minutos e 12 segundos, desde 11:48:48 a 11:55:01) aos 05:24'.
10. E, por fim, no depoimento da testemunha M. M., vizinha do Autor (com a duração de 14 minutos e 19 segundos, desde 11:55:53 a 12:10:13) aos 03:41', aos 05:20’ e aos 06:30’
11. Quanto a estes depoimentos, o Tribunal a quo, na sua sentença, afirmou serem “coerentes”, “espontâneos” e “seguros”.
12. Ora, não se concebe que o tribunal a quo tenha considerado a prova testemunhal “coerente”, “segura” e “espontânea” para a prova de alguns factos e já não o tenha feito para a prova de outros.
13. Para alicerçar a sua decisão, o tribunal menciona que “o facto alegado de que o autor não mais conseguiu trabalhar é infirmado pelos depoimentos das testemunhas, as quais afirmaram que o autor trabalhou, embora sem brio e qualidade”.
14. Efectivamente o Autor tentou regressar ao trabalho, pois de outra forma dificilmente se teria apercebido de que já não o conseguiria fazer.
15. Como se retira da prova testemunhal, o autor perdeu a coordenação nas mãos, a destreza, o que não lhe permite realizar o seu trabalho.
16. Não apresentando um trabalho com as mínimas “condições” (como referiu a sua esposa e as demais testemunhas), o Autor para além da sua capacidade de trabalho, perdeu também toda a sua clientela.
17. Assim, não só pelo facto de não ter a quem prestar serviços, mas fruto da falta de qualidades motoras do autor, este encontra-se, efectivamente sem qualquer capacidade para trabalhar, não o fazendo agora e não o fará no futuro. Não pode nem consegue.
18. Assim, perdeu toda a sua capacidade de ganho.
19. Não se está perante uma redução da capacidade de trabalho e, consequentemente, de ganho, não se está perante o exercício da sua actividade profissional habitual ainda que com esforços acrescidos, está-se, isso sim, perante uma incapacidade total e absoluta para a profissão habitual e, como tal, perante uma perda absoluta da sua capacidade de ganho.
20. Assim, a incapacidade de que o recorrente padece é absoluta para toda e qualquer profissão.
21. Tendo em conta o depoimento “coerente”, “seguro” e “espontâneo” da prova testemunhal, devem os factos dados como não provados:
“- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel;
- que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo, - que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;”
ser dados como provados, e em consequência, ser o facto 2.28 dado como provado pelo Tribunal a quo, ser dado como não provado.

B) DOS QUANTUNS INDEMNIZATÓRIOS:

QUANTO À PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO:

22. Tendo em conta a incapacidade absoluta do A. para trabalhar e se tivermos em conta que o limite de idade activa está fixada nos 70 anos idade, que a longevidade, de acordo com os últimos estudos do INE, se cifra nos 80 anos de idade, que o comum dos portugueses trabalha para além da idade da reforma, que, tal como é realçado nos Acórdãos do STJ de 16/03/99, in CJ, Ano VII, Tomo I, maxime a fls. 169, bem como de 15/02/1998, Ano VI, Tomo III, pág. 155 a 159), não é razoável ficcionar que finda a vida activa do lesado a vida física desaparece com ela todas as necessidades, pelo que sem embargo de se aceitar que aos 65 anos termine a vida laboral activa, deverá considerar-se que hoje corresponde à esperança de vida dos portugueses do sexo masculino (superior a 70 anos), que, se é certo que, em teoria, se poderá dizer que o rendimento do trabalho cessará com o termo da vida activa, com o que a partir daí as pessoas passarão a viver da reforma e de eventuais economias que tenham feito ao longo da vida, não é menos certo que o esforço acrescido no decurso da vida activa despendido pelo lesado não poderá deixar de ser tido em conta para depois do período da vida activa, pois que de certa forma, quer a reforma, quer o aforro, não deixarão de ser produto do trabalho.
23. Tem-se entendido que a capacidade de trabalho tem um valor monetário, assim, quem vê diminuída a sua capacidade de trabalho por facto imputável a alguém, ou mesmo visto a mesma extinguir-se, tem direito a ser indemnizado pela perda desse valor, com o que, a este título de perda de capacidade de ganho, não é demais atribuir o valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).

QUANTO AO DANO BIOLÓGICO:
24. O Tribunal a quo, com o devido respeito e salvo melhor opinião, comete um erro ao aglomerar o dano patrimonial do Autor e o dano biológico.
25. O dano biológico consiste, na verdade, numa alteração morfológica do lesado, designadamente a privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida
26. O dano biológico, “implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais” – cfr. Acórdão do STJ de 19/05/2009); “O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre” – cfr. Acórdão do STJ de 4/10/2005 citado no referido Acórdão do STJ de 19/05/2009.
27. O chamado dano biológico, consiste “na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão” (João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2001, página 272).
28. Não pode oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial.
29. Ora, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de dano biológico tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual será sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
30. Ora, o dano biológico é um dano autónomo tout court. É fácil de ver que o dano biológico consiste na perda genérica de potencialidades funcionais e deve, por isso, ser autonomizado, perspectivado e satisfeito. Veja-se a esse propósito o Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10/03/2016, processo n. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, Relator TOMÉ GOMES.
Assim, dada a factualidade dada como provada, assim como aquela sobre a qual o presente recurso versa, deverá este dano ser indemnizado em € 30.000,00 (trinta mil euros).

C) DOS JUROS:
31. O A., ora recorrente, na sua petição inicial, alegou e peticionou juros à taxa de 8%, dizendo até “o que se requer”.
32. Contudo, e por lapso, que desde já se alega, no subtítulo “pedido”, o A. apenas mencionou os juros à taxa legal desde a citação.
33. Assim, os juros devidos desde a prolação da sentença são, efectivamente, à taxa legal, contudo, e porque decorre da lei, o A. não aceita que não lhe sejam devidos os juros em dobro desde a data que a R. se constituiu em mora, isto é, 30 dias após o acidente.
34. Ora, a ré não alegou ou provou qualquer factualidade susceptível de justificar aquele comportamento, i. e., a não apresentação de uma proposta razoável de indemnização.
35. Assim, são devidos juros em dobro sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, sendo que o montante oferecido deverá ser considerado como € 0,00.
36. Em todo o caso, sempre deverá ser valorado o lapso do A. por, apesar de alegar e requerer o pagamento dos juros em dobro, este não o ter enquadrado no subtítulo “pedido”.
37. Pelo disposto no art. 295º do CC, o princípio contido no art. 249º do mesmo diploma é aplicável aos actos processuais.
38. O pedido da Petição inicial constitui uma declaração de vontade, pelo que lhe é aplicável o art. 249º CC.
39. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/01/2013, proc. nº 493/09.0TCFUN.L1-1.
40. Veja-se ainda, e no mesmo sentido, os seguintes acórdãos: Relação de Lisboa de 3/10/1991, Proc. nº 0031956, Relação do Porto de 8/2/1990, Proc. nº 0123707, Relação de Coimbra de 24/5/2005, Proc. nº 480/05, Relação de Lisboa de 8/7/2004 Proc. nº 1092/2004-6 e Supremo Tribunal de Justiça de 5/3/2002, Proc. nº 01A3987.
41. Ora, não pode haver dúvidas que o lapso é manifesto, ostensivo e evidente revelado pelo próprio teor do articulado, bastando a leitura do texto da Petição Inicial (cfr. arts 251 a 256 da Petição Inicial) para se entender o que o A. pretendia pedir.
42. Não passou de um verdadeiro erro de escrita em que se verificou uma clara divergência entre o que se pretendia e o que se disse.
43. Não obstante, o que se pretendia ficou bem claro no texto da peça processual, pretensão essa que o tribunal a quo reconheceu na sentença: “Invocou o autor o incumprimento pela demandada dos deveres fixados designadamente no art. 38º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, no qual se prevê o pagamento de juros em dobro da taxa legal aplicável, por falta de apresentação de qualquer proposta razoável de indemnização.
Contudo, a final, na formulação do pedido, peticiona o autor juros à taxa legal.”
44. Ora, como bem ensina J. Dias Marques em “Noções elementares de Direito Civil”, pp. 82 e 83, citado no já referido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2005: “Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer”. “Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o acto devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador”. “Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material”
45. Esta correcção dos actos materiais e possível a todo o tempo, o que desde já se requer.
46. A sentença em crise violou, entre outros, diversas disposições legais a saber: os artigos 483º e 503º do Código Civil e os arts. 36º, n.ºs 1, alíneas a) e e), 7; 37º, n.º1, alíneas a) e b) e 3 e 38, n.º1 todos do Decreto Lei 291/2007 de 21 de Agosto, entre outros.”

Pugna o Autor pela integral procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida e consequentemente que:
i) devem os factos dados como não provados:
“- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel;
- que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo,
- que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;”
ser dados como provados, e em consequência, ser o facto 2.28 dado como provado pelo Tribunal a quo, ser dado como não provado.
ii) ser atribuída ao A. quantia de €75.000,00 a título de danos patrimoniais.
iii) ser atribuída ao A. a quantia de €30.000,00 a título de dano biológico.
iv) ser corrigido o lapso no pedido da Petição Inicial sob o título “PEDIDO” , acrescentando-se: (iv) no pagamento de juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado pelo tribunal desde o termo do prazo previsto no art. 36º, nºs 1 a) e e) e 5 do DL 291/2007 e até à data da decisão judicial.

A Ré veio também interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
1. No cálculo da indemnização pela perda futura de ganho/dano biológico podem e devem ter-se em conta, como instrumentos auxiliares, as tabelas financeiras ou as fórmulas matemáticas que vêem sendo consideradas na jurisprudência – cfr. Ac. Da RP, de 20.03.2012, Processo nº 571/10.3TBLSD.P1.
2. Esta indemnização não se destina a repor o status quo ante, mas antes a consubstanciar uma compensação susceptível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida.
3. Como critérios a observar, são apontados os seguintes:
“(i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
(ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
(iii) os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade;
(iv) (…)
(v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora;
(vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma” - vide Ac. do STJ, de 05.07.2007, Processo nº 07A1734.
4. Nos seus cálculos segundo fórmulas matemáticas de 1995 e 2007 e utilizando uma esperança média de vida de 80 anos, a douta sentença recorrida chegou aos montantes de 46.892,78€ e 44.200,42€ respectivamente, podendo considerar-se como valor médio o de 45.000,00€.
5. Sendo certo que a utilização das tabelas matemáticas é um mero auxiliar, entende-se que não foi dada atenção aos critérios que implicariam, não um aumento do valor achado pela aplicação das tabelas, mas uma diminuição.
6. Quanto ao primeiro critério enunciado (relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável), não foi tido em conta que atenta a idade do autor (57 anos à data do acidente), existirá uma natural e normal perda de qualidades associada à evolução da idade, que necessariamente interferirá no seu desempenho e aptidão profissionais – menos acuidade da visão – dificuldade em “ver ao perto” -, maior cansaço com a idade, menor resistência à fadiga, possibilidade de patologias associadas ao envelhecimento capazes de interferir na capacidade de ganho…
7. Por esta razão e de acordo com este critério, haveria lugar à redução do valor achado e não ao seu incremento, em proporção que consideramos não dever ser inferior a 1/5, pelo que o aludido valor achado de 45.000,00€ deveria ser reduzido a 36.000,00€.
8. Em relação ao segundo critério (redução do valor indemnizatório em virtude do seu pagamento de uma só vez), nada se diz na douta sentença recorrida; porém, atendendo aos elementos disponíveis no caso concreto e à fórmula supra-referida, entende a recorrente que seria adequada uma redução de ¼ do valor achado (neste sentido, cfr. entre outros o Ac. RC de 6.7.2016, proferido no proc. 232/13.1TBMBR.C1), pelo que aquela quantia seria reduzida a 27.000,00€.
9. No entanto, será de reconhecer que, sendo a indemnização actualizada à data da sentença, necessário se torna incorporar naquele valor os juros – frutos civis - que seriam devidos sobre aquele valor desde a data da citação (20.10.2017) até à data da sentença (10.3.2020), à taxa legal de 4% (que totalizam a quantia de 2.580,16€) pelo que se defende o valor de 30.000,00€ como equitativo para compensação do dano patrimonial futuro/dano biológico.
10.A douta sentença fixou em 60.000,00€ o montante indemnizatório devido a este título, o que igualmente se entende como excessivo.
11.Como factos relevantes a ter em consideração, temos os dos itens 2.10 a 2.26, 2.29 a 2.32 e 2.34 do elenco dos factos provados, que aqui se consideram reproduzidos
12.O artigo 496º, nº 1 do C.C. dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, cabendo nesta fórmula os danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
13.Contudo, o conceito de gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser concretizado de forma objectiva e não subjectiva, embora sempre tendo em conta as circunstâncias do caso concreto – neste sentido, Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, Livraria Almedina, 576.
14.Também nos termos do nº 4 do referido artigo 496º, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”, a saber, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
15.Relevam ainda, para além dos factos concretos apurados no processo (sobretudo, o tipo de lesões causadas ao lesado e o sofrimento delas resultante), também os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
16.Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade, sendo que “o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjectividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objectiva” – nesse sentido, António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272; Almeida Costa, Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização, RLJ, 134º, p. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114º, p. 310.
17.O recurso à equidade, imposto pelo artigo 496º, nº 4 do C.C., não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, tendo sempre presente que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
18.Esta reparação reveste natureza mista, visando, por um lado, compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado e, por outro, de alguma forma reprovar ou castigar no plano civilístico a conduta do agente (daí a referência do art. 496º, nº 4 do C.C. ao “grau de culpabilidade do agente”).
19.Sucede, porém, que esta vertente sancionatória da indemnização apenas se justifica de modo pleno nos casos em que o autor do dano é, simultaneamente, o efectivo pagador da indemnização, e já não quando, por virtude da transferência contratual da responsabilidade, o pagador é um terceiro (como, in casu, uma empresa de seguros).
20. Daí que dizer-se, como se faz na douta sentença recorrida, que “é consideravelmente elevado o grau de culpa do condutor do veículo causador do acidente” não faça qualquer sentido, uma vez que não é ele o pagador da indemnização, e a culpa não se transmitiu por virtude da celebração do contrato de seguro – na vertente de conduta sujeita a esta punição privada, entenda-se.
21.Com efeito, a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força das regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes “um substituto”, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi transferida esta espécie de responsabilidade. 22.No caso concreto dos presentes autos, o Tribunal a quo arbitrou ao autor, pelo conjunto dos danos não patrimoniais por ele sofridos, uma indemnização de 60.000,00€.
23.Naturalmente que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são de gravidade que justifica a sua ressarcibilidade, porém, relativamente ao pendor das prévias decisões jurisprudenciais, há que recordar que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vem sendo fixada entre € 50.000,00 e €80.000,00.
24.É certo que se reconhece que o “montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida) (…) face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação” (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Processo nº 797/05.1TBSTS.P1). 25.Contudo, pela consulta de diversos acórdãos, verifica-se que uma quantia como a de 60.000,00€ ou próxima tem sido concedida apenas em situações muito mais graves e relativamente a vítimas muito mais jovens e com muito maior sofrimento como se pode concluir dos seguintes:
. Ac. do STJ, de 07.07.2009, Processo nº 1145/05.6TAMAI.C1 – fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 75.000,00, a adulto com 36 anos, amputação do membro inferior esquerdo, várias intervenções e tratamentos médicos, repercussões estéticas, claudicação por inadaptação à prótese, e quantum doloris de grau 6.
. Ac. do STJ, de 29.10.2009, Processo nº 523/2002.S1 – fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 68.200,00, por lesões físicas, causadas por disparo de arma de fogo, que implicaram risco de vida, internamentos prolongados e ditaram sequelas irremediáveis e gravosas para a autonomia e qualidade de vida da vítima, de 7 anos de idade, afectada por uma incapacidade de 75% em consequência das gravosas lesões neurológicas sofridas;
. Ac. do STJ, de 05.07.2012, Processo nº 1451/07.5TBGRD.C1.S1 – fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 60.000,00, por perda, total e irreversível, da visão de um dos olhos, deformação estética de 6 numa escala de 1 a 7, sofrimento, durante meses, de dores, de intensidade 6 numa escala igual, outras lesões, como fractura do malar direito e da órbita direito, intervenções cirúrgicas, e um consequente quadro psíquico muito negativo;
. Ac. do STJ, de 21.01.2016, Processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00, a jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita;
. Ac. do STJ, de 17.03.2016, Processo nº 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de 50.000,00€ a sinistrada com 36 anos de idade, deformação grave do pé direito, com amputação dos cinco dedos e do antepé, dificuldade na deslocação e uso de prótese para toda a vida, cicatrizes em 18% da superfície corporal e graves alterações psicológicas;
. Ac. do STJ, de 26.01.2016, Processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 45.000,00, a jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético;
. Ac. do STJ, de 28.01.2016, Processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de 40.000,00€ face a quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação, dano estético de grau 4;
. Ac. do STJ, de 04.06.2015, Processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00, a jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente.
26.No caso concreto dos autos, entendemos que a indemnização pelos danos não patrimoniais, verificados os circunstancialismos do caso concreto, deveria ser fixada em montante, já actualizado, não superior a 35.000,00€.
27.Foi violado o artigo 496º do Código Civil”.
Pugna a Ré pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da decisão recorrida.
O Autor e a Ré apresentaram contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pelo Autor
1 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto não provada;
2 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de perda de dano patrimonial futuro e se o dano biológico deve ser autonomizado;
c) Saber se deve ser rectificado o pedido formulado quanto aos juros;

B) Do recurso interposto pela Ré
1 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano patrimonial futuro e de danos não patrimoniais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

2.1. No passado dia 19 de Setembro de 2014, pelas 09:50 horas, na Estrada Nacional 103, ao Km. 45,450, mais precisamente na rotunda, em ..., deste concelho de Braga, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes:
a) o ciclomotor, com a matrícula GS, propriedade do demandante e por ele tripulado, e
b) o veículo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, modelo Hiace, matrícula GQ, propriedade de A. M. e por ele conduzido.
2.2. Era dia e o tempo estava chuvoso, com chuviscos.
2.3. A via no local, com pavimento em betuminoso, configura uma praça formada por um cruzamento, onde o trânsito se processa em sentido giratório, na qual entroncam, e se cruzam, a EN 103, a EN 103-2 e a Avenida ....
2.4. Tal rotunda estava sinalizada por sinal vertical D4 (sinal de aproximação de rotunda), antes da qual existe ainda sinalização (vertical e marcas) de cedência de prioridade (sinal B1 e Marca M9), bem como uma passadeira para peões (Marca M11).
2.5. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o demandante circulava no sentido Vilaça - ..., pela EN 103-2, pretendendo seguir pela EN 103 em direcção a Barcelos.
2.6. Após ter constatado que no perímetro da rotunda não circulava qualquer veículo, o demandante passou a circular na referida rotunda, “dando” a esquerda à praça, a uma velocidade na ordem dos 15 km/h.
2.7. Quando já havia percorrido mais de metade do perímetro da rotunda, já tinha transposto a “saída” de Braga, e estava no perímetro do acesso à Av. ..., o demandante foi abalroado pelo mencionado veículo de matrícula GQ.
2.8. O seu condutor, por conduzir de forma desatenta, com falta de destreza, acedeu à rotunda, sem atentar no ciclomotor do demandante, sem lhe conceder a passagem, colhendo-o.
2.9. Em resultado do abalroamento, o demandante foi projectado para a cima da praça.
2.10. Como consequência do acidente, o demandante foi de imediato transportado pelo INEM para o Hospital de Braga, onde lhe foi diagnosticado: fractura da clavícula direita, traumatismo crânio-encefálico, com contusão frontal direita, sangue subarcnoideu e subdural fronto-opercular e na vala sílvica esquerda, sangue sobre a tenda do cerebelo e componente hemático frontal direito, hematomas, ferimentos e dores em várias partes do corpo.
2.11. Por esse motivo, o demandante foi internado no Serviço de Neurocirurgia para tratamento conservador, onde ficou por um período de 14 dias, a partir do qual passou a ser seguido em consulta externa de Neurocirurgia e Ortopedia.
2.12. Regressado a casa, o demandante ficou acamado pelo menos durante três semanas, e estava totalmente dependente de terceira pessoa para se alimentar, para se lavar, para as mais elementares necessidades.
2.13. O demandante não tinha então forças nos membros inferiores, não se conseguia equilibrar de pé, e não se conseguia levantar.
2.14. Decorridos cerca de 30 dias, o demandante já se levantava e caminhava, mas sempre com o auxílio de um andarilho ou apoiado numa pessoa. 2.15. Como se queixava de hipoacusia, passou a ser observado por Otorrinolaringologia que confirmou hipoacusia neurosensorial bilateral, com prótese.
2.16. Ao longo destes quase 3 anos, o demandante sempre sofreu de desequilíbrios, pelo que, ao caminhar, caia ao menor obstáculo, irregularidade que fosse, situação que ainda hoje se mantém, embora em menor frequência.
2.17. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 28 Outubro de 2015.
2.18. O demandante manteve-se de baixa médica pelo menos até 19/03/2017, conforme docs. nºs 2 a 19 de fls. 26 a 35 que aqui se dão por reproduzidos.
2.19. O demandante manteve seguimento pela especialidade de Ortopedia até 20 de Novembro de 2014, e de Neurocirurgia até 20 de Novembro de 2015, altura em que passou a ser seguido pela Especialidade de Neurologia por síndrome pós-concussional, seguimento esse que mantém até à data.
2.20. No relatório clínico do Serviço de Ortopedia do Hospital de Braga (Dr. M. P.), de 01/09/2015 consta: o "... doente vítima de acidente de viação de que resultou fratura da clavícula direita. Efetuado tratamento conservador. Rx bem. Fratura consolidada. Teve alta".
2.21. No relatório clínico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Braga (Dra. J. G.), de 31/10/2015 consta: “Para os devidos efeitos, declara-se que o doente supracitado é seguido em consulta externa de Otorrinolaringologia desde 11 de novembro 2014 por agravamento de hipoacúsia após traumatismo cranioencefálico em setembro de 2014. Realizou audiograma tonal que mostra hipoacúsia neurosensorial bilateral, com limiar auditivo médio de 33.75dB á esquerda e 41.25 dB á direita e potenciais evocados auditivos do tronco cerebral que são inconclusivos. Mantém seguimento em consulta”.
2.22. No relatório de estudo Neuropsicológico, Hospital de Braga (Dra. A. C.), de 27/09/2016 consta que: "... conclusão: perfil cognitivo caracterizado por alteração multidomínios, com relativo predomínio de disfunção executiva e defeito de memória episódica verbal, com repercussão funcional, que apesar das alterações neuropsiquiátricas, estão provavelmente associados aos antecedentes traumáticos".
2.23. O demandante nasceu em 20/10/1958, conforme assento de fls. 35 verso, e à data do acidente, com 55 anos de idade, era uma pessoa activa e trabalhadora.
2.24. As lesões sofridas causaram ao demandante um quantum doloris de grau 5 (numa escala de 1 a 7) e determinaram-lhe:
- défice funcional temporário total, num período total de 14 dias, entre 20/09/2014 e 3/10/2014;
- défice funcional temporário parcial, num período de 390 dias, entre 4/10/2014 e 28/10/2015;
- repercussão temporária na actividade profissional total, num período total de 404 dias, entre 20/09/2014 e 28/10/2015.
2.25. Como consequência das lesões, o autor ficou a padecer, pelo menos, das seguintes sequelas:
- crânio: hipoacusia bilateral mais intensa à direita; sequelas cognitivo-comportamentais de TCE;
- membro superior direito: palpação do ombro referida como dolorosa, com deformidade do terço médio da clavícula; mobilidade do ombro normal.
2.26. O autor apresenta:
- dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumosos, - mudanças bruscas de humor,
- estremece durante a noite,
- esquecimento fácil, perda de memória e cefaleias esporádicas.
2.27. As referidas sequelas provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 28 (vinte e oito) pontos, sem dano estético permanente, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 (na escala de 1 a 7) pelo abandono da prática de futebol com amigos.
2.28. Tais sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual que exercia, mas implicam esforços suplementares.
2.29. O demandante, antes do acidente, era uma pessoa jovial, extrovertida e conversadora.
2.30. À noite o demandante ia ao café, convivia com amigos e familiares, jogava às cartas, participava em torneios de sueca.
2.31. Tinha um discurso, uma conversa normal para um homem de 55 anos de idade: escorreita, clara, lógica.
2.32. Hoje não joga à sueca, tendo perdido interesse no jogo.
2.33. O demandante necessitará de consultas periódicas de neurologia e psiquiatria, de ajudas medicamentosas, designadamente de antidepressivos, bem como de próteses auditivas, até final da sua vida.
2.34. Aquando do embate, durante o período de recuperação, e ainda hoje, o demandante sofreu, e sofre, dores.
2.35. Tem como habilitações literárias o 4º ano.
2.36. À data do acidente, o demandante trabalhava, por sua conta, na actividade de estofador de veículos, de onde retirava um rendimento mensal (12 meses/ano), na ordem de pelo menos € 800,00.
2.37. Entre a data do acidente e Outubro de 2015, a demandada procedeu a adiantamentos mensais de € 650,00.
2.38. Desde essa data o demandante manteve-se sem trabalhar pelo menos enquanto esteve de baixa.
2.39. A ré pagou ao autor a título de adiantamentos e de algumas despesas:
i) em Novembro de 2014, liquidou € 650,00 a título de adiantamento referente a Novembro, e algumas despesas médicas e transportes;
ii) Em Março, liquidou adiantamentos relativos a Setembro e Outubro de 2014, bem como despesas com a reparação do motociclo e indemnização para o vestuário (botas, camisa, calças e fato de chuva danificados);
iii) Em Abril de 2015, liquidou adiantamentos para Dezembro, Janeiro e Fevereiro, bem como despesas médicas e transportes;
iv) Em Junho, liquidou adiantamentos para Março e Abril, bem como despesas médicas e transportes;
v) em Setembro, liquidou adiantamentos para Maio, Junho e Julho, bem como despesas médicas e transportes;
vi) em Novembro, liquidou adiantamentos para Agosto, Setembro e Outubro e despesas médicas e transportes.
2.40. O demandante despendeu € 60,00 no auto de ocorrência.
2.41. O demandante despende mensalmente em média, só em medicamentos, cerca de € 75,00.
2.42. Ao tempo do acidente, o proprietário do veículo com a matrícula GQ havia transferido para a ré a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação daquele veículo, através da apólice nº 0045.11.361648, conforme reproduzido.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:
A) Da petição:
- que as dores referidas em 2.10. eram por todo o corpo;
- que na ocasião referida em 2.15. o demandante não conseguia dormir, e padecia de acufenos;
- que o demandante não sente as pernas no chão, não tendo essa sensibilidade, parece que “está a caminhar sobre espuma” e até a “flutuar”, sentindo ainda um “adormecimento” dos membros superiores;
- que o demandante tem um sono curto, irregular, acordando sobressaltado;
- que o demandante usa prótese auditiva;
- que foi no dia 27 que se verificou a consolidação médico-legal das lesões referida em 2.17. ou que a mesma ocorreu em 19/03/2017;
- que à data do acidente o demandante era pessoa escorreita, sadia e saudável;
- que o demandante tenha ficado a padecer, como consequência do acidente, de outras sequelas para além das referidas supra em 2.25. e 2.26.;
- que por causa do acidente hoje o autor está uma pessoa apática, de discurso escasso, de irritabilidade fácil, repetitiva, de humor subdepressivo;
- que não se encontra com os amigos;
- que antes do acidente discutia sobre futebol, não se exaltava e era paciente;
- que está sempre calado, quando fala tem um discurso arrastado, repetindo sempre os mesmos factos, as mesmas ideias, as mesmas convicções, com uma teimosia, que não deixa os outros rebaterem as suas ideias, irrita-se com facilidade, diz o que não quer e o que não deve;
- que se tornou uma pessoa desinteressada relativamente à vida, ao futuro; - que se esquece da medicação que tem que tomar, do que tem que fazer, no jogo de cartas, das cartas que saíram e que faltam sair;
- que era um marido calmo, compreensivo, um pai extremoso e atencioso, e por via do seu humor conflituoso, passou a ter discussões com a esposa e filhas, e a afastar-se dos familiares e amigos;
- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel;
- que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo,
- que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador;
- que o demandante não tinha posição para dormir, para andar, e que está sempre com um zumbido nos ouvidos;
- que o zumbido constante, perceptível e audível, causa-lhe dores de cabeça, uma má disposição, humor depressivo, e ansiedade;
- que o demandante, com temor e medo, deixou de andar de moto;
- que sente intensa ansiedade pelo futuro, sem perspectivas de futuro, e com compromissos para solver, designadamente amortizar o mútuo hipotecário,
- que se sente um inútil, por não fazer aquilo que sempre fez e por não poder contribuir para o sustento da casa,
- que se sente um “farrapo” humano, por não ser a pessoa que antes foi, por não ser o homem que antes era, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista mental, laboral, profissional.
- que se sente enlouquecer, sempre com o zumbido nos ouvidos, a entrar pela cabeça dentro;
- que o demandante não consegue caminhar mais do que 20/30 minutos seguidos, e sente dificuldades em estar de pé;
- que a perspectiva de não mais trabalhar, de não sair de casa, de se ter tornado uma pessoa irascível, de trato difícil, conflituosa, sem capacidade intersocial, causa-lhe grande tristeza, ansiedade e temos pelo futuro, e deixa-o furioso, revoltado, triste, angustiado, deprimido, tudo agravado pela falta de descanso, atendendo às suas dificuldades em dormir,
- que tem um sono curto, de 3/4 horas, irregular e com convulsões;
- que as suas limitações funcionais, o impedem de obter uma actividade remunerada, ainda que procure, estando impedido de extrair um rendimento de uma qualquer actividade remunerada;
- que o seu salário era superior a € 800,00;
- que por causa das lesões sofridas no acidente, o demandante irá necessitar de tratamentos fisiátricos, de psicólogos, de ortopedistas, de neurocirurgia para o resto da vida;
- que é por causa daquelas lesões e suas sequelas que despende a quantia mencionada supra em 2.41.
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3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

Apenas o Autor veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
O n.º 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Cumpre realçar que a “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
Assim, “(…) o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
No caso concreto, o Recorrente cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto, indicando os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, o sentido da decisão que em seu entender se impõe e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Vejamos.

Sustenta o Autor que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos seguintes factos julgados não provados, que entende devem ser dados como provados:
“- que perdeu a “sensibilidade fina”, e não consegue desenvolver e/ou realizar tarefas que exijam especial sensibilidade, destreza, perícia, como coser, fazer as costuras de um banco de automóvel;
- que tem enganos repetidos, destruindo sucessivas vezes o trabalho para voltar a realizá-lo,
- que está totalmente incapaz para o exercício da actividade de estofador”.
Analisemos então os motivos da discordância do Recorrente.
Entende o Recorrente que o depoimento das testemunhas E. A., esposa do Autor, A. F., filha, e P. S. e M. M., amigos, que transcreve em parte, fundamentam decisão distinta à que foi proferida pelo tribunal a quo, resultando dos mesmos que o Autor perdeu toda a sua capacidade de ganho e a incapacidade de que padece é absoluta para toda e qualquer profissão; afirma que sendo o juiz o “perito dos peritos” podendo concluir diversamente do relatório pericial.
O tribunal a quo, na análise da prova produzida em audiência, equacionou toda a prova testemunhal produzida, bem como a prova pericial e documental constante dos autos, e fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão.

Conforme se pode ler na decisão recorrida:
“No que respeita aos factos julgados não provados, os mesmos não foram objecto de confirmação, pelo menos segura, consistente e inequívoca, face à prova produzida.
Assim, as sequelas alegadas, julgadas não provadas, não encontram sustentação face à prova produzida, designadamente não decorrem do teor dos citados registos clínicos, nem das conclusões constantes dos citados exames periciais.
Cumpre nesta sede salientar que as demais sequelas e necessidades de ajudas futuras, não encontram apoio nos relatórios periciais juntos, na medida em que nem o relatório do exame complementar de neurologia de fls. 147 a 148, nem os elementos clínicos respeitantes à avaliação das consequência de TCE, apontam sequelas de natureza motora ou sensitivo-motora, nem perturbações de índole sensorial, pelo que não foi possível ao tribunal formar uma convicção positiva quanto à existência de nexo de causalidade entre as queixas desse tipo referenciadas pelas testemunhas e as lesões sofridas pelo autor no acidente.
Aliás, a testemunha A. F. aventou a possibilidade de o autor estar a padecer de Parkinson, o que torna ainda mais inverosímil a existência daquele nexo causal.
De igual modo, tais elementos probatórios não permitiram ao tribunal fundar convicção positiva quanto à alegada incapacidade para o exercício da profissão de estofador ou qualquer outra, enquanto consequência do acidente sofrido.
Por outro lado, cumpre referir que o facto alegado de que o autor não mais conseguiu trabalhar é infirmado pelos depoimentos das testemunhas, as quais afirmaram que o autor trabalhou, embora sem brio e qualidade.
Resta mencionar que os demais factos alegados, julgados não provados, não foram objecto de produção de prova, ou na parte em que foram afirmados nos depoimentos das testemunhas, estes não revestiram a certeza ou coerência ou sustentação necessária em outros meios de prova, não logrando assim permitir ao tribunal a formação de uma convicção positiva quanto a eles.
Nestes termos, a prova produzida permitiu a formação da convicção do tribunal no sentido exposto”.
Resulta do artigo 388º do Código Civil que “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam”.
A prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais, (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, página 262/263).
A prova pericial mostra-se pois necessária sempre que o julgador não se encontre habilitado a, por si só, percepcionar factos, ou a apreciá-los, por demandarem conhecimentos especiais que não possui.
Contudo, lê-se no artigo 389º do Código Civil que a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
E de facto, a prova pericial não é insindicável pelo julgador.
O juiz não está pois obrigado a acatar as conclusões constantes da perícia, podendo controlar o raciocínio que conduziu o perito à formulação do seu laudo, e podendo afastar-se deste, no entanto, terá sempre, em nosso entender, de o fazer justificadamente, rebatendo de forma fundamentada os argumentos expostos na perícia. E haverá ainda lugar a distinguir se se trata de perícia apenas para constatação de factos que podem eventualmente ser confirmados e/ou afastados por outros elementos de prova, ou de perícia destinada a exprimir um juízo técnico ou científico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza.
Parece-nos que se deverá, assim, reconhecer à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal) quando está em causa um juízo técnico ou científico, é que conforme resulta do referido artigo 388º do Código Civil a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam.
Em nosso entender é exactamente o que ocorre no caso concreto em que está em causa um juízo científico, de natureza médica, tendo o perito do Gabinete Médico Legal concluído no relatório que elaborou que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares.
Dos autos não decorre qualquer argumento de índole técnica ou científica que desacredite o resultado da perícia, tendo o perito que a realizou prestado ainda esclarecimentos a requerimento do Autor e completado o seu relatório respondendo aos quesitos apresentados, onde consta que o Autor mencionou as queixas referidas no relatório e “como dificuldade principal na realização das suas tarefas foi-me referido dificuldade na execução daquelas mais pesadas, como pegar em caixas volumosas e/ou pesadas”. De relembrar que o Autor após os esclarecimentos prestados veio informar não pretender a realização de 2ª perícia.
Inexiste, por isso, qualquer fundamento para decidir de forma distinta da 1ª Instância quanto aos pontos da matéria de facto não provada impugnados pelo Recorrente.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª Instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, começando por analisar os demais fundamentos constantes da apelação do Autor e também os argumentos invocados pela Ré na sua apelação.
Tendo em atenção que ambos os Recorrentes questionam o valor da indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro, pretendendo ainda o Autor autonomizar o dano biológico, iremos começar por apreciar esta questão, o que por questões de coerência e economia processual faremos conjuntamente, analisando depois a questão suscitada pela Ré quanto ao valor da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e finalmente a questão da rectificação do pedido quanto a juros, peticionada pelo Autor.
Vejamos.
O recurso do Autor, tal como por este delimitado, questiona os quantuns indemnizatórios relativamente ao dano da perda de capacidade de ganho que entende dever ser fixado em €75.000,00, tendo por base a incapacidade absoluta do Autor para trabalhar, e quanto ao dano biológico que entende não dever ser aglomerado no dano patrimonial do Autor fixando-se a este título uma indemnização no valor de €30.000,00.
A Ré questiona de igual modo o valor da indemnização fixada a título de dano biológico, defendendo que deve ser fixada no valor de €30.000,00.
O Tribunal a quo fixou em €60.000,00 o valor da indemnização devida pelo dano patrimonial futuro.
A primeira questão a dilucidar é que não entendemos que a indemnização respeitante ao dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade de 28 pontos de que ficou a padecer deva ser cindida num montante a título de dano biológico e outro montante a título de perda de capacidade de ganho conforme pretende o Autor, mas sim a um único valor indemnizatório, tal como fixado pelo Tribunal a quo.
De facto, o dano biológico não deve ser configurado como uma terceira categoria de dano, um tertium genus, ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais, antes a sua valoração deverá fazer-se por recurso às categorias tradicionais de dano patrimonial e dano não patrimonial.
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 (Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo): “a afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Também neste sentido o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/04/2020 (Relatora Conselheira Catarina Serra) em cujo sumário consta que “(…) II. O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica. III. A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras” (todos os Acórdãos bem como os demais que se irão citar encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt).
Conforme resulta do preceituado no artigo 564º n.º 2 do Código Civil, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal; cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, páginas 393 e 394).
Ora, vem sendo decidido pela jurisprudência que “o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/10/2007, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 05/12/2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot) não sendo necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, bastando que tal incapacidade constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes.
Mesmo nos casos em que não ocorre verdadeiramente uma diminuição do rendimento profissional, há que avaliar ainda assim no caso concreto, a previsibilidade de se verificar uma perda patrimonial futura, desde logo por força da perda de capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, mas também pela própria repercussão que poderá ter na vida profissional.
A sentença recorrida considerou a factualidade provada, designadamente que o Autor tem dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumosos, tem mudanças bruscas de humor, tem esquecimento fácil, perda de memória e cefaleias esporádicas, sequelas que lhe provocam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 28 (vinte e oito) pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 (na escala de 1 a 7), e que são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual que exercia, mas implicam esforços suplementares, que a data da consolidação das lesões ocorreu em 28/10/2015, que à data da alta o Autor contava 57 anos de idade e que a esperança de vida para os homens em Portugal se aproxima já dos 80 anos (in www.prodata.pt).
E, após efectuar cálculos recorrendo a fórmulas matemáticas conclui que o seu resultado deve ser corrigido em função de outros elementos concretos, por forma a conduzir à fixação de uma indemnização justa e equitativa pelo que “ponderada a idade do autor, as suas habilitações literárias correspondentes ao 4º ano de escolaridade, a natureza das sequelas, designadamente as de natureza cognitiva-comportamental decorrentes do TCE, bem como a hipoacusia bilateral, é inquestionável a diminuição das suas capacidades, quer em termos laborais, quer em termos sociais, porquanto ficaram acentuadamente reduzidas as suas potencialidades nessas áreas, com prejuízo para o seu normal padrão de vida, traduzindo-se numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual” considerou “adequada e equitativa a fixação da indemnização em € 60.000,00 pelo dano patrimonial futuro, actualizada à presente data, que assim corresponde ao montante devido a título de dano biológico, na vertente patrimonial”.
O que está efectivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a qual se deverá enquadrar dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos; não está em causa recorrer-se simplesmente a uma qualquer fórmula ou cálculo matemático, antes deve fazer-se um juízo de equidade, ponderando-se todas as circunstâncias do caso (neste sentido entre vários o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2018, relatado pelo Conselheiro Olindo Geraldes em cujo sumário se pode ler que “I. O cálculo da indemnização do dano futuro, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil”).
Como se escreve também no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 “A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (…)”.
Estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Conforme vem sendo entendimento jurisprudencial “a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares” (Acórdão desta Relação de 12/10/2017, Relatora Desembargadora Purificação Carvalho).
Julgamos, por isso, em face da já referida factualidade, que o valor fixado pelo tribunal a quo se mostra conforme à equidade, enquadrando-se dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Citamos aqui a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (relatado pela Conselheira Graça Trigo) em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00, ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2016 (relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes), onde se decidiu que tendo a Autora 40 anos à data da consolidação das sequelas, “e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de €25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/05/2017 (processo nº 2028/12.9TBVCT.G1.S1) onde se decidiu que resultando da factualidade provada que o autor: (i) tinha 41 anos à data do acidente; (ii) ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica fixado em 29 pontos; (iii) exercia profissão (trolha na construção civil) que exige elevados níveis de força e destreza físicas, tendo as lesões sofridas determinado que: “O Autor ficou ainda com dificuldade de marcha, não consegue “acelerar” o passo, correr, agachar-se ou mesmo colocar-se de joelhos.”; “Ficou com dor no joelho direito, tal como na região lombar, tipo “moedeira”, permanente, agudizada com esforços de carga e marcha, que o obrigam a tomar diariamente analgésicos; ficou com a sensação de “perna pesada”.”; “Em consequência do acidente de viação, das lesões e respectivas sequelas, o A. ficou a padecer ao nível do membro inferior direito de limitação da flexão do joelho a 110º.”; “Todas as sequelas que o A. sofreu com o relatado acidente não só o acompanham até à data da sua reforma laboral, como o acompanharão até ao termo da sua vida activa.”, seria justo e adequado fixar em €170.000 a indemnização por perda geral de ganho/dano biológico; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2018 (Relator Conselheiro Olindo Geraldes) onde se decidiu que tendo a Autora 31 anos à data do acidente, a retribuição global deixada de auferir e a que, razoavelmente, é possível prever para futuro, a retribuição auferida à data do sinistro, nomeadamente a quantia de €796,90, que a Autora ficou impedida de exercer a sua atividade profissional de cabeleireira e ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, ser equitativa fixar a indemnização em €225 000,00.
Assim, no caso dos autos, atenta a ponderação efectuada e o juízo de equidade, e mostrando-se a mesma enquadrada nos valores jurisprudenciais, afigura-se-nos adequada a indemnização arbitrada, devendo a mesma ser mantida.
Improcedem, por isso, nesta parte os recursos do Autor e da Ré.
Entende ainda a Ré que a quantia de €60.000,00 arbitrada para compensar os danos não patrimoniais do Autor é excessiva.
No que toca aos danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado também equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º n.º 3 do Código Civil).
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a tais danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).
Quanto à questão da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto e no essencial, além da factualidade já referida, os seguintes factos provados: como consequência do acidente, o Autor foi para o Hospital de Braga, onde lhe foi diagnosticado: fractura da clavícula direita, traumatismo crânio-encefálico, com contusão frontal direita, sangue subarcnoideu e subdural fronto-opercular e na vala sílvica esquerda, sangue sobre a tenda do cerebelo e componente hemático frontal direito, hematomas, ferimentos e dores em várias partes do corpo; por esse motivo, foi internado no Serviço de Neurocirurgia para tratamento conservador, onde ficou por um período de 14 dias, a partir do qual passou a ser seguido em consulta externa de Neurocirurgia e Ortopedia; regressado a casa, ficou acamado pelo menos durante três semanas, e estava totalmente dependente de terceira pessoa para se alimentar, para se lavar, para as mais elementares necessidades; não tinha então forças nos membros inferiores, não se conseguia equilibrar de pé, e não se conseguia levantar; ao longo de quase 3 anos, sempre sofreu de desequilíbrios, pelo que, ao caminhar, caía ao menor obstáculo, situação que ainda hoje se mantém, embora em menor frequência; aquando do embate, durante o período de recuperação, e ainda hoje, sofreu e sofre dores., tendo as lesões sofridas causado um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, e determinado défice funcional temporário total, num período total de 14 dias, entre 20/09/2014 e 3/10/2014, défice funcional temporário parcial, num período de 390 dias, entre 4/10/2014 e 28/10/2015, repercussão temporária na actividade profissional total, num período total de 404 dias, entre 20/09/2014 e 28/10/2015; antes do acidente, o autor era uma pessoa jovial, extrovertida e conversadora, que à noite ia ao café, convivia com amigos e familiares, jogava às cartas, e participava em torneios de sueca, sendo que hoje já não joga à sueca, tendo perdido interesse no jogo; necessitará de consultas periódicas de neurologia e psiquiatria, de ajudas medicamentosas, designadamente de antidepressivos, bem como de próteses auditivas, até final da sua vida.
Tendo em conta esta factualidade, considerando as lesões sofridas, os tratamentos a que o Autor foi sujeito e as sequelas de que ficou a padecer julgamos também não merecer censura o montante compensatório do dano não patrimonial fixado pelo tribunal a quo, o qual aliás se não mostra desenquadrado dos valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Aliás, a preocupação de fixar um valor compensatório pelos danos não patrimoniais enquadrado nos valores que vêm sendo fixados pela jurisprudência é patente na própria decisão recorrida onde constam citados alguns acórdãos.
Improcede pois integralmente o recurso da Ré.
Por fim importa apreciar a questão da rectificação do pedido formulado pelo Autor na petição inicial quanto a juros, pretendendo o Recorrente que se acrescente “no pagamento de juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado pelo tribunal desde o termo do prazo previsto no art. 36º, nºs 1 a) e e) e 5 do DL 291/2007 e até à data da decisão judicial”.
Sustenta o Autor que alegou e peticionou juros à taxa de 8%, dizendo até “o que se requer” mas que, por lapso, no subtítulo “pedido”, apenas mencionou os juros à taxa legal desde a citação.
Entende que os juros devidos desde a prolação da sentença são, efectivamente, à taxa legal, mas não aceita que não lhe sejam devidos em dobro desde a data que a Ré se constituiu em mora, isto é, 30 dias após o acidente.
Entende que o lapso é manifesto, ostensivo e evidente revelado pelo próprio teor do articulado e invoca o disposto nos artigos 295º e 249º, ambos do Código Civil.
Analisada a petição inicial apresentada pelo Autor ressalta que efectivamente alegou que a Ré não cumpriu o disposto nos artigos 36º, 37º e 38º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08 e que são devidos juros à taxa de 8%; porém, não peticionou juros à taxa de 8%, pois na parte respeitante ao pedido formulado apenas peticionou juros devidos à taxa legal desde a citação.
Se é certa, em abstracto, a fundamentação apresentada pelo Recorrente, bem como a jurisprudência e doutrina citadas relativamente ao erro de escrita e sua rectificação nos termos do disposto no artigo 249º do Código Civil, a verdade é que no caso concreto não cremos que a mesma tenha aplicação.
Não entendemos que esteja em causa um manifesto erro de escrita; o lapso que o Recorrente invoca não decorre de erro de escrita manifesto, ostensivo e evidente, mas de esquecimento do Recorrente em formular no pedido a condenação nos juros calculados no dobro da taxa legal, mantendo o usual pedido de juros à taxa legal desde a citação.
Conforme se refere na decisão recorrida não pode o tribunal condenar em quantitativo superior ou objecto diverso do pedido (cfr. artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil; de referir ainda relativamente aos juros o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14/05/2015 que uniformizou a jurisprudência nestes termos: “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”).
Improcede, por isso, também integralmente o recurso do Autor.
As custas de cada um dos recursos são da exclusiva responsabilidade dos respectivos recorrentes atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - O dano biológico não deve ser configurado como uma terceira categoria de dano, um tertium genus, ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
II - A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do dano biológico deve fazer-se segundo juízos de equidade (artigo 566º n.º 3 do Código Civil).
III - Estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes a apelação do Autor e a apelação da Ré, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelos respetivos Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Autor.
Guimarães, 12 de novembro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)