NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS
RECLAMAÇÃO À NOTA JUSTIFICATIVA
FALTA DE DEPÓSITO DO VALOR
Sumário

I – À reclamação sobre nota discriminativa e justificativa das custas de parte que foi deduzida em data posterior à entrada em vigor da Lei 27/2019 de 28/3 (que ocorreu em 27/4/2019) é aplicável o disposto no art. 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, introduzido pelo art. 6º daquela Lei, do que decorre, nos termos do nº2 daquele art. 26º-A, que tal reclamação, para poder ser apreciada pelo juiz, está sujeita ao depósito da totalidade do valor daquela nota;
II – A norma constante daquele nº2 do art. 26º-A do RCP – onde se preceitua que “A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota” – não sofre de inconstitucionalidade material.

Texto Integral

Processo nº413/14.0TBOAZ.P3
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Na presente acção declarativa com processo comum que B… e esposa C… moveram contra D…, S.A. e D1…, após o trânsito em julgado da decisão final foi elaborada a conta de custas, tendo as Rés apresentado nota discriminativa e justificativa de custas de parte, requerendo a sua liquidação.
Notificados da conta e da nota justificativa, vieram os Autores, a 5/9/2017, reclamar das mesmas, sustentando, quanto à primeira, que na conta foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da acção, quando deveria apenas atender-se aos valores da sucumbência, e, quanto à segunda, que a mesma foi apresentada já para além do prazo que as Rés dispunham para o efeito.
Sobre as aludidas reclamações recaiu despacho proferido em 27/10/2017, que indeferiu cada uma delas.
De tal despacho vieram os Autores recorrer de apelação, tendo o Tribunal da Relação proferido decisão singular que o julgou improcedente e, na sequência de reclamação para a conferência, tendo proferido acórdão que, mantendo aquela decisão singular, igualmente o julgou improcedente.
De tal acórdão vieram os Autores a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça recurso de revista excepcional, este restrito à consideração, na conta de custas, sobre os valores a ter em conta relativamente aos recursos (pugnando que para tal efeito não se deveria, contrariamente ao decidido, atender-se ao valor da acção, mas antes atender-se aos valores da sucumbência).
Admitido tal recurso pelo STJ com base na verificação da situação prevista no art. 629º nº2 d) do CPC, veio por este Tribunal a ser proferido acórdão, em 28/3/2019, no qual, concedendo-se a revista, se revogou o acórdão da Relação, “ordenando-se a reforma da conta, considerando-se para o efeito, o valor da sucumbência, no caso, determinável” (fls. 1008 a 1030 dos autos).
Após baixa do processo, em obediência a tal acórdão do STJ, foi pela Sra. Juíza do Tribunal de Primeira Instância proferido despacho, a 9/5/2019, a fixar os valores da sucumbência dos recursos que tiveram lugar nos autos e a ordenar que fosse reformulada a conta de custas em conformidade com tais valores (fls. 1040 dos autos).
Reformulada tal conta de custas, quer quanto aos Autores (a 11/6/2019) quer quanto às Rés (a 7/6/2019), vieram os Autores a 14/6/2019, dizendo-se notificados “da nova conta de custas”, a requerer o pagamento em prestações do montante a seu cargo, o qual, após a não oposição do MºPº, lhes foi deferido nos termos que constam de despacho proferido a 2/12/2019 (o qual consta de fls. 1042 dos autos).
Entretanto, as Rés, na sequência da reformulação da conta de custas, vieram a 18/6/2019 apresentar nota discriminativa e justificativa das custas de parte reformulada– por referência a uma sua nota anterior, apresentada a 1/9/2017, ainda antes da reclamação da conta de custas por parte dos Autores que veio a ser decidida a final pelo acórdão do STJ que supra se referiu – e, na sequência de reclamação dos Autores sobre ela, entrada a 25/6/2019, veio a ser proferido despacho a 4/12/2019, que ordenou a notificação das Rés para a reformularem de modo a nela se ter em conta a quantia que se apurou terem pago a mais e que lhes iria ser restituída de 12.495,00 euros (fls. 1043).
Na sequência de tal despacho, vieram as Rés, a 16/12/2019, apresentar nota discriminativa e justificativa das custas de parte reformulada de acordo com o mesmo.
Os Autores, por requerimento de 2/1/2020, vieram reclamar desta última nota, e as Rés responderam a tal reclamação em 7/1/2020.
Sobre tal reclamação dos Autores àquela nota discriminativa e justificativa das custas de parte foi, a 23/1/2020, proferido o seguinte despacho (que se transcreve):

Reclamação à nota de custas de parte de 02-01-2020:
Atendendo à declaração de inconstitucionalidade sufragada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/17, DR, I Série, nº 125, de 3/7/17, em referência, com força obrigatória geral, do nº 2 do Art. 33º da Portaria nº 419-A/2009 de 17/4, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29/3, que estipulava que “a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”, por violação da reserva da competência legislativa da Assembleia da República, este órgão de soberania procedeu à alteração, entre outras matérias,do regulamento das Custas Processuais, procedendo ao aditamento do Art. 26º-A, o que ocorreu mediante a Lei nº 27/2019, de 28/03, com publicação no DR, ISérie, nº 62.
Então, ao abrigo do preceituado no referido Art. 26º-A do RCP:
1 – A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte (…).
2 – A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.”
Como tal, deverão os reclamantes proceder ao depósito da totalidade do valor da nota, em 10 dias, sob pena de indeferimento liminar da reclamação.
Notifique.

Notificados os Autores de tal despacho e não tendo procedido os mesmos ao depósito da quantia nele referida, veio a Sra. Juíza, a 17/2/2020, a proferir o seguinte despacho (transcreve-se):
Face à ausência de depósito da totalidade do valor da nota de custas de parte de que se reclama após o prazo fixado no antecedente despacho, indefiro liminarmente a reclamação de 02-01-2020 – cfr. artigo 26º A, número 2 do Regulamento das Custas Processuais DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Restituam-se às Rés os valores pagos em excesso conforme cota de 04-12-2019.
Notifique.”

Deste despacho vieram os Autores interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A)
O despacho que indefere liminarmente a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pelas rés com base no disposto no novo artigo 26.º-A do RCP é ilegal.
B)
Entendem os autores que o artigo 26.º-A, aditado ao RCP pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, “reintroduzindo” a obrigação do depósito do valor da conta de custas em caso de reclamação da mesma, apenas se aplica às reclamações apresentadas após a sua entrada em vigor, ou seja, após 27/04/2019.
C)
No caso dos autos, a reclamação indeferida não pode considerar-se uma “nova” reclamação, referindo-se ainda à nota discriminativa e justificativa que foi apresentada pela ré em 01-09-2017 e cuja rectificação foi ordenada na sequência do douto Acórdão do STJ de 28-03-2019 e douto despacho do Tribunal a quo de 04-12-2019.
D)
A reclamação sobre a qual recaiu o despacho recorrido tem de ter-se por ainda reportada ao aditamento à nota discriminativa e justificativa de 01-09-2019, por ser exactamente a mesma conta de custas de parte.
E)
No caso dos autos, a reclamação indeferida respeita ao mesmo aditamento à nota discriminativa e justificativa apresentada ainda em 2017, que apenas veio a ser objecto de rectificações judicialmente ordenadas e, por conseguinte, antes da entrada em vigor do artigo 26.º-A do RCP.
F)
Tão-pouco tal depósito poderia ser condição da admissão da reclamação ao abrigo do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, por ter sido tal norma julgada organicamente inconstitucional com força obrigatória geral (Acórdão do Tribunal Constitucional de 06/06/2017).
G)
A rectificação deveria, na verdade, ter sido apreciada oficiosamente pelo Tribunal, sem necessidade de qualquer reclamação, já que a necessidade de rectificação resultara do deferimento da reclamação apresentada pelos autores e do douto despacho do Tribunal a quo.
H)
O Tribunal a quo devia ter deferido a reclamação, tendo violado o disposto no artigo 26.º e 26.º-A, n.º 1 do RCP ao não fazê-lo.
I)
Entendem os autores que a norma vertida no artigo 26.º -A do RCP é inconstitucional, na medida em que importa, na grande maioria dos casos, uma restrição do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos.
J)
A exigibilidade do depósito do valor total da conta para poder reclamar é inconstitucional, violando o disposto no artigo 20.º da CRP.”

Não foram deduzidas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos nos termos previstos no art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há duas questões a tratar:
a) – apurar se é aplicável à reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte em apreço o art. 26º-A nº2 do Regulamento das Custas Processuais, introduzido pela Lei 27/2019, de 28/3;
b) – apurar se tal norma é inconstitucional, por violação do art. 20º da CRP.
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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
Como dela se vê, a decisão sob recurso aplicou a norma constante do art. 26º-A nº2 do Regulamento das Custas Processuais – que preceitua que “A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota” – e, com base nela, face à ausência de depósito da totalidade do respectivo valor, indeferiu liminarmente a reclamação que os Autores deduziram em 2/1/2020 à nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pelas Rés em 18/6/2019 (que constituía uma reformulação de uma nota anteriormente apresentada pelas mesmas em 1/9/2017, ainda antes da reclamação da conta de custas por parte dos Autores que veio a ser decidida a final pelo acórdão do STJ que se referiu no relatório) e por estas reformulada a 16/12/2019 (na sequência do despacho proferido a 4/12/2019 que supra se referiu).
Os Autores/Recorrentes defendem que aquela norma – reintroduzida no sistema jurídico pela Lei 27/2019, de 28/3, após ter sido declarada a inconstitucionalidade orgânica com força obrigatória geral pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº280/17 de 6/6/2017 (publicado no DR, I Série, de 3/7/2017), por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, da norma constante do nº2 do art. 33º da Portaria 419-A/2009 de 17/4, exactamente com a mesma redacção – só é aplicável às reclamações apresentadas após a entrada em vigor da Lei 27/2019, ou seja, após 27/4/2019, e não à reclamação em apreço, pois esta não pode considerar-se uma “nova” reclamação e “tem de ter-se por ainda reportada” à nota discriminativa e justificativa que foi apresentada pelas Rés já em 1/9/2017, “por ser exactamente a mesma conta de custas de parte” (conclusões B, C e D, sendo de referir que na última destas se refere a data de 1/9/2019 com lapso evidente quanto ao ano).
De tal decorreria, a par da inaplicabilidade de tal norma, a impossibilidade de aplicação daquela outra com a mesma redacção que constava do art. 33º nº2 da Portaria 419-A/2009, de 17/4 (por esta ter sido julgada organicamente inconstitucional com força obrigatória geral nos termos sobreditos) e, assim, que a reclamação em causa deveria ser oficiosamente apreciada pelo Tribunal (conclusões E, F e G).
Mas não pode ser-lhes reconhecida razão, como vamos explicar.
Por força da ordem de reforma da conta de custas decidida no acórdão do STJ de 28/3/2019 referido no relatório desta peça, e, no seu seguimento, do despacho proferido em 9/5/2019 pela Sra. Juíza do Tribunal de Primeira Instância também ali referido (a fixar os valores da sucumbência dos recursos que tiveram lugar nos autos e a ordenar que fosse reformulada a conta de custas em conformidade com tais valores, fazendo aplicação do decidido pelo STJ), foi elaborada uma nova conta de custas (quer relativa às Rés, quer relativa aos Autores, como se vê do suporte informático do processo por referência às datas de 7/6/2019 e de 11/6/2019, respectivamente), pois nesta foram tidas em conta valores diferentes da anterior – nomeadamente, valores de sucumbência para efeito dos valores dos recursos (que se fixaram por aquele despacho de 9/5/2019) em vez do valor da acção para aquele mesmo efeito.
Os próprios Autores consideram que aquela é uma “nova conta”, pois é até assim que lhe chamam no seu requerimento de 14/6/2019, em que pedem o pagamento em prestações do montante a seu cargo.
A reclamação dos Autores em apreço, como se vê do iter processual que se descreveu no relatório, é relativa a nota de custas de parte consequente àquela nova conta,apresentada pelas Rés a 18/6/2019 (embora tal nota de custas de parte tenha sido elaborada, no dizer das Rés suas autoras, por reformulação de uma sua nota anterior, apresentada a 1/9/2017, ainda antes da reclamação da conta de custas por parte dos Autores que veio a ser decidida a final pelo acórdão do STJ que supra se referiu) e entretanto reformulada pelas mesmas a 16/12/2019, de acordo com o despacho proferido a 4/12/2019.
Tal reclamação dos Autores foi deduzida em 2/1/2020, sendo portanto posterior à entrada em vigor da Lei 27/2019, de 28/3, que ocorreu em 27/4/2019 (como decorre do seu art. 11º), e que sob o seu art. 6º aditou ao Regulamento das Custas Processuais a norma que ali consta sob o art. 26º-A.
Como tal, ocorrendo a reclamação dos Autores em apreço já na vigência deste art. 26º-A do RCP, é-lhe aplicável tal norma e, por consequência, o comando que ali consta preceituado sob o nº2, do qual decorre que para tal reclamação poder ser apreciada pelo juiz é necessário que a parte reclamante proceda ao depósito da totalidade do valor da nota.
Porém, ainda que não se considere a reclamação em causa como consequente à nova conta que referimos e que a mesma “tem de ter-se por ainda reportada” à nota discriminativa e justificativa que foi apresentada pelas Rés já em 1/9/2017, como defendem os Recorrentes, sempre será de aplicar à mesma aquela norma constante do art. 26º-A do RCP, pois tal reclamação teve lugar, como já se referiu, em 2/1/2020, em processo pendente, e a Lei nº27/2019 de 28/3, que a introduziu (a par de diversas outras alterações a variados diplomas), aplica-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Efectivamente, ao estipular sob seu art. 11º que “A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir desta data”, é claro que “[d]aqui decorre que o diploma entrou em vigor em 27 de Abril de 2019, aplicando-se o regime resultante das alterações a todos os processos pendentes, à excepção das acções executivas; quanto a estas, a LN [Lei Nova] só se aplica aos processos que se iniciem depois de 27 de Abril de 2019” (como se refere no texto do Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2019, proc. 994/12.3TBCSR.L2, relator Isabel Fonseca, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, não integrando os presentes autos uma acção executiva, é manifesto, face àquele art. 11º, que o art. 26º-A do RCP introduzido por aquele diploma é aplicável à reclamação deduzida pelos Autores e ora em apreço, pois a mesma ocorreu já após a entrada em vigor da referida lei (e isto quer se considere tal reclamação uma reclamação “nova”, como no caso consideramos ser, quer se considere tal reclamação como reportada a uma nota de custas de parte anterior àquela entrada em vigor).
De resto, diga-se, a aplicação daquela Lei 27/2019 e alterações que introduz às acções pendentes não é mais, nesta parte, do que a aplicação do comando previsto no art. 12º do C.Civil às normas de natureza processual, como o são as normas alteradas por tal Lei e a norma do art. 26º-A do RCP por ela introduzida (note-se que o diploma em causa, como se diz no seu preâmbulo, tem como objectivo a “aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial” – sublinhado nosso).
Como relativamente àquele art. 12º do C.Civil escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra 1985, página 49, ao abordarem o princípio da aplicação imediata da nova lei processual: “A ideia proclamada neste artigo, de que a nova lei dispõe para o futuro, significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes.” (sublinhado nosso).
Assim, em conformidade com os raciocínios que se vêm de fazer, é de concluir pela aplicação do art. 26º-A do RCP e seu nº2 ao caso vertente.

Passemos agora à segunda questão enunciada.
Defendem os Recorrentes a inconstitucionalidade da norma constante do art. 26º-A nº2 do Regulamento das Custas Processuais, por violação do art. 20º da CRP.
Analisemos.
Como já disse no tratamento da questão anterior, esta norma – cujo teor recordamos ser “A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota” – é exactamente igual à que constava do art. 33º nº2 da Portaria 419-A/2009 de 17/4 e foi reintroduzida no sistema jurídico pela Lei 27/2019, de 28/3, emanada pela Assembleia da República, após ter sido declarada a inconstitucionalidade orgânica com força obrigatória geral daquele art. 33º nº2 pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº280/17 de 6/6/2017 (publicado no DR, I Série, de 3/7/2017), por violação da reserva de competência legislativa daquele órgão legislativo.
Esta reintrodução no sistema através de lei emanada da Assembleia da República ultrapassou pois aquela inconstitucionalidade orgânica ou formal, passando a mesma agora a vigorar como norma do RCP constitucionalmente conformada em termos orgânicos, pois deriva do órgão constitucionalmente competente para legislar sobre a matéria sobre a qual versa.
Defendem porém os Recorrentes a sua inconstitucionalidade por violação do art. 20º da CRP, o que nos convoca agora para a questão da inconstitucionalidade material da referida norma.
A questão da inconstitucionalidade material de tal norma – ainda enquanto constante do art. 33º nº2 da Portaria 419-A/2009 de 17/4 – foi já objecto de pronúncia expressa pela 2ª Secção do Tribunal Constitucional no Acórdão 678/2014, de 15/10/2014 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), acórdão este que teve por objecto a apreciação daquela norma (como nele diz, transcrevendo a ali recorrente) “quando interpretada no sentido de sujeitar, obrigatoriamente, a admissão e conhecimento da reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte ao prévio depósito da totalidade do montante constante dessa nota”.
Este é também o exacto sentido em que tal norma – agora constante sob o nº2 do art. 26º-A do RCP – foi aplicado, pois, como se vê da decisão sob recurso, esta indeferiu liminarmente a reclamação em causa face à ausência de depósito da totalidade do valor da nota.
Está em causa saber se tal norma, assim aplicada, viola o art. 20º da CRP, sendo que, como se diz naquele aresto do TC, “sendo esta uma norma constitucional de estrutura complexa, apresenta relevância para os presentes autos o parâmetro contido no respectivo nº1, relativo ao acesso ao direito e à proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos”.
No referido aresto – que por óbvio e especial respeito a jurisprudência constitucional acompanhamos de perto –, depois de se dar conta de diversa jurisprudência constitucional em matéria de acesso ao direito e de proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, analisou-se especificamente a constitucionalidade da norma em causa (ao tempo constante, como já referimos, do art. 33º nº2 da portaria 419-A/2009, de 17/4) e considerou-se, na linha de um anterior Acórdão daquele mesmo Tribunal Constitucional, o nº347/2009, de 8/7 (que se debruçou sobre norma idêntica – no caso, a do art. 33º-A nº4 do CCJ, na redacção introduzida pelo Dec.Lei 324/2003 de 27/12 – e sobre a sua conformidade com o art. 20º nº1 da CRP), que o que está em causa – a par de se dar conta, citando aquele Acórdão nº347/2009, que “a norma contida no artigo 20º da Constituição (mormente, a resultante do disposto no seu nº 1) não contém nenhum imperativo de gratuitidade da justiça”, já que “Sendo o direito, que aí se consagra, de acesso ao tribunal, um direito pluridimensional […], ampla será, também, a liberdade de conformação do legislador ordinário quanto à disciplina das custas que o exercício de tal direito, inevitavelmente, acarretará” – é o equilíbrio interno ao sistema de custas e o seu controle e que “importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respectiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida”(ponto 11 de tal peça).
Prosseguindo, refere-se ali, face ao que se prevê no art. 25º nº2 do RCP [conteúdo da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nomeadamente quanto a taxa de justiça, encargos e honorários e despesas de mandatário ou agente de execução, sendo que os valores da taxa de justiça e dos encargos é, desde logo, indicado pela secretaria e o valor daqueles honorários encontra-se perfeitamente balizado pelas disposições conjugadas dos arts. 32º nº1 da Portaria 419-A/2009 de 17/4 e 26º nº3 alínea c) do RCP], que “a margem para lapsos ou manipulações quantitativas não verificáveis antes de qualquer reclamação é objectivamente muito limitada. Ademais, o custo máximo imputável a custas de parte é, em larga medida, antecipável a partir do cálculo da taxa de justiça aplicável e do tipo de processo, permitindo, desse modo, e se existir uma situação de risco real de comprometimento de acesso à justiça, mobilizar atempadamente o apoio judiciário, em especial, na modalidade de dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. o artigo 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho)” e que, acrescendo ainda a tal a circunstância de a própria nota discriminativa e justificativa das custas de parte ter de ser remetida não apenas à parte vencida, mas também ao próprio tribunal (cfr. o artigo 25.º, n.º 1, do RCP e o artigo 31.º, n.º 1, da Portaria 419-A/2009) – do que resulta, de acordo com a aplicação subsidiária à reclamação da nota justificativa das disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º do RCP (conforme previsão do artigo 33.º, n.º 4, da Portaria 419-A/2009), que se consagra a possibilidade da sua reforma oficiosa como uma consequência da sujeição da mesma ao princípio da legalidade –, vem-se a concluir o seguinte: “Os dois aspectos considerados – a predeterminação normativa do valor máximo admissível das custas de parte num dado processo e a necessidade de dar conhecimento simultâneo ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, abrindo a possibilidade de uma reforma oficiosa da nota apresentada – constituem um controlo mínimo suficiente para assegurar que a sujeição da reclamação daquela nota ao depósito prévio do respectivo valor não rompe o equilíbrio interno do regime de custas, neste domínio específico das custas de parte. Consequentemente, atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações, a sujeição em causa prevista no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, não pode ser considerada excessiva, pelo que a mesma sujeição não viola o princípio da proporcionalidade”.
Esta conclusão, porque se trata de norma com o mesmo exacto conteúdo que tinha aquele nº2 do art. 33º da Portaria 419-A/2009 de 17/4 e com o mesmo exacto campo de aplicação, é, como nos parece óbvio, inteiramente de aplicar à norma agora constante do nº2 do art. 26º-A do RCP.
Aliás, foi mais recentemente produzido novo Acórdão pela 1ª Secção do Tribunal Constitucional – o nº370/2020, de 10/7/2020, igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que, já analisando a norma como constante do art. 26º-A nº2 do RCP e aderindo e transcrevendo para a sua própria fundamentação jurídica a fundamentação jurídica expendida naquele acórdão nº678/14, decidiu exactamente no mesmo sentido.
Assim, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes, é de concluir que esta norma, considerando o disposto no art. 20º da CRP, nomeadamente o parâmetro contido no respectivo nº1, não sofre de inconstitucionalidade material.
Na sequência de tudo quanto se veio de expor, é inteiramente de manter o despacho recorrido e, consequentemente, fazer improceder o recurso.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelos Recorrentes.
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Porto, 09/11/2020
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim