RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ACTO MÉDICO ESPECIALIZADO
RESULTADO
Sumário

I. No âmbito de uma prestação de serviços médicos invocando os AA. o cumprimento defeituoso da prestação/obrigação de meios, cabe-lhes a prova da fonte da obrigação originária bem como os defeitos do cumprimento, não bastando fazer a prova do resultado defeituoso – o falecimento - pois a ré Fundação não se obrigou a produzir qualquer resultado.
II. A prova do cumprimento defeituoso numa obrigação de meios passa pela demonstração de que não foi produzida a actividade apta a permitir a obtenção do resultado correspondente ao interesse do credor ou, por outras palavras que existe uma divergência objectiva entre os actos praticados e aqueles que seriam adequados a que aquele resultado se pudesse produzir.
III. É certo que tal obrigação de meios e não de resultados tem de ser vista perante o acto médico concreto em análise, pois casos há que perante actividades médicas mais especializadas, estas estão vocacionadas para um fim determinado e em que a margem de risco se assume como mínima, permitindo enquadrar a obrigação do médico assumida como uma obrigação de resultado.
IV. O tratamento de um linfoma, diagnosticado como Hodgkin de grau II, não deixa de revestir um tratamento complexo, pelo que não é compatível, mesmo face ao grau de eficácia e satisfação que a Fundação publicita e pela qual é reconhecida, que se exija da ré o resultado independentemente de todas as vicissitudes do caso concreto.
V. Verificada uma situação de remissão do linfoma, por intervenção favorável dos tratamentos ministrados pela ré, competia aos AA. provar que decorrente da terapêutica seguida (ou omitida) o paciente veio a sofrer uma situação adversa, indevidamente diagnosticada e tratada e que foi na sequência desta omissão que adveio a morte do paciente.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
A…, por si e em representação de JM… e JMS… intentaram contra Fundação …, pedindo a condenação da R. a:
a) pagar a quantia de 100.000,00€ pelos danos resultantes da perda de vida do JM...;
b) pagar a quantia de 10.000,00€ pelos danos sofridos pelo JM... antes do seu falecimento;
c) a pagar 15.000,00€ pelos danos pessoais sofridos pela sua mulher e pelos seus dois filhos antes da morte;
d) a pagar a quantia de 150.000,00€ pelos danos pessoais sofridos pela mulher e pelos seus dois filhos em consequência da perda de vida do JM....
e) Juros à taxa legal desde a citação até à data da sentença.
Alegam para tanto, em síntese, que os AA. são respectivamente esposa e filhos de JM... falecido a 17/05/2017. Em Setembro de 2016 foi diagnosticado ao falecido um linfoma de Hodgkin, pelo que foi acompanhado no centro clinico C..., tendo realizado quimioterapia seguida de 15 sessões de radioterapia em Janeiro e Fevereiro de 2017. Após a radioterapia o falecido começou a sentir dificuldades respiratórias, o que foi associado a uma toxicidade à bleomicina, tendo-lhe sido receitada 80mg de cortisona diária. O falecido regressou a Moçambique, mas os problemas respiratórios agravaram-se, sentindo inchaço, cansaço e falta de ar, alegam que os médicos do centro clinico da ré foram informados desses sintomas, que desvalorizaram insistindo que se tratava de uma alergia. Em Abril de 2017 JM... deslocou-se a Portugal para realização de exames complementares, tendo realizado consulta de pneumologia, TAC e PET. Os clínicos optaram por não realizar qualquer terapêutica distinta aumentando a dose de cortisona de 80mg para 100mg diárias. Durante o mês de Maio, JM... trocou vária correspondência com os médicos da Ré sem que lhe fosse indicada qualquer outra terapêutica o que o colocou em estado de angústia permanente receando pela deterioração da sua saúde e até pela sua vida, o que foi sentido também pela sua mulher e filhos. Em 27 de Maio JM... entra em estado de insuficiência respiratória tendo sido transportado de emergência para o Instituto do Coração de Maputo e lhe veio a ser detectada uma lesão extensa do pulmão esquerdo e uma degradação do estado clinico do paciente que veio a falecer na madrugada de 30 para 31 de Maio. O óbito de JM... causou nos AA. profundo sofrimento e afectou de forma brutal o orçamento familiar, forçando os AA. a regressar a Portugal, o que causou perturbação e dor aos filhos do falecido que, não só tinham perdido o pai como se viram privados do ambiente em que viviam e dos amigos. Referem que a morte de JM... deveu-se à deficiente prestação de cuidados médicos por parte dos serviços da ré que bem sabia existirem sérios riscos de toxicidade pulmonar nos tratamentos que prescreveu de quimioterapia com bleomicina e radioterapia. Exigia-se que os serviços clínicos da Ré tivessem vigiado adequadamente a situação clinica do doente e, eventualmente, determinando o internamento para vigilância apertada e adopção de outras medidas terapêuticas que poderiam incluir a realização de transplante pulmonar, em caso de evolução para fibrose pulmonar. Tal internamento e vigilância médica permanente com eventual alteração da medicação eram impostos pelas regras da boa prática médica pelo que, ao não observar tais regras, agiram os clínicos da ré com negligência. A conduta dos clínicos da ré constituiu, assim, um claro incumprimento culposo do contrato de prestação de serviços médicos, celebrado entre a Ré e JM..., constituindo igualmente responsabilidade extracontratual da ré por omissão, atendendo a que havia o dever de evitar a morte de JM... em virtude do negócio jurídico celebrado.
Regularmente citada para contestar, no prazo e sob a cominação legal, a Ré impugnou os factos alegados, referindo que não era viável acautelar a toxicidade da bleomicina e que em Abril de 2017 não estavam reunidas condições que aconselhassem o internamento; o tratamento utilizado correspondente ao protocolo ABVD que é o tratamento universalmente utilizado para o tratamento do linfoma de Hodgkin, inexistindo qualquer medida preventiva que possa afastar a toxicidade à Bleomicina. Mais alega que o paciente veio a falece, em Moçambique vítima de uma infecção pulmonar hipoxmiante rapidamente evolutiva, doença que foi já contraída em Moçambique não sendo possível o seu diagnóstico 36 dias antes quando foi examinado pelos médicos da Ré. Conclui pela absolvição, pois não existiu qualquer incumprimento contratual nem conduta violadora dos direitos do paciente uma vez que o falecimento do mesmo não pode ser imputado à conduta dos médicos que o assistiram.
Foi deduzido incidente de intervenção principal provocada da F... Companhia de Seguros S.A., por ter transferido para esta seguradora a responsabilidade civil emergente de actividades clínicas. Admitida tal intervenção por despacho de fls. 135, foi a chamada citada tendo apresentado contestação a fls. 138 e ss., confirmando a existência e validade do contrato de seguro e aderindo à contestação apresentada pela Ré.
Dispensou-se a realização da Audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador que identificou o objecto do processo e enunciou os temas da prova (fls. 163).
Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo os réus e a interveniente dos pedidos formulados.
Inconformados com tal decisão vieram os Autores recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
« UM: O douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não fez um julgamento correcto, no que toca à matéria de facto.
DOIS: O facto que consta do elenco dos factos provados como nº 21 deve ser alterado para: “Em 21 de Abril de 2017 a Dr.ª BN... envia um e-mail contendo o resultado da PET dizendo “Boas novas da PET-CT não há evidência de doença linfomatosa! Há sim evidência de alterações inflamatórias mas isso já sabíamos! Vou entrar de férias amanhã e regresso dia 4/05 depois falo com o M... sobre os exames a fazer!!! Um beijinho e as melhoras da pneumonite!”- cfr doc. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
TRÊS: Tal é o que consta, efectivamente, do Documento nº 24 junto com a Petição Inicial, sendo o segmento cortado pelo douto Tribunal a quo é extremamente relevante para a percepção do tom do e-mailenviado e, como tal, demonstrativo da pouca relevância dada às queixas do paciente, o que é importante para a prova dos factos constantes do elenco dos factos não provados como c) e g), como se demonstrará infra.
QUATRO: O facto constante do elenco dos factos provados como nº 43 deve ser julgado como não provado, o facto constante do elenco dos factos provados como nº 46 deve ser alterado para “No dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticoides” e o facto constante do elenco dos factos provados como nº 51 deve ser alterado para “A TC confirmou sofrer o JM... de uma pneumonite fibrosante provocada pela
toxicidade ao medicamento Bleomicina”; devendo ainda os factos constante do elenco dos factos não provados b), c), d), e) e g) ser julgados como provados.
CINCO: A expressão “que é o tratamento adequado para lhe fazer face” constante do facto provado nº 46 é meramente conclusiva e induz em erro, uma vez que o tratamento de corticoides não é adequado em qualquer situação de toxicidade, bem como perde relevância se, após algumas semanas, não houver melhorias.
SEIS: Quanto ao facto provado nº 51, o Dr. NG... nunca foi ouvido como testemunha, nem decorre da documentação junta aos autos que ele tenha chegado a que conclusão fosse ou sequer analisado o paciente, mas apenas de depoimentos indirectos por parte dos médicos da Ré, que foram pouco convincentes e até contraditórios.
SETE: A existência de pneumonite fibrosante está confirmada pelos Documentos nºs 18, 21 e 22 junto com a Petição Inicial, sendo que as diversas queixas do paciente e a consequente desvalorização e falta de resposta por parte dos médicos da Ré, que se limitaram a receitar prednisolona, mesmo sem alterar a terapêutica e atéaumentando a dose, sem que esta estivesse a fazer o devido efeito, se encontram provadas pelo Documento junto com o requerimento datado de 28 de Novembro de 2019 (REFª 24788327), e pelos Documentos nºs 17, 19, 20, e 23 a 26 juntos com a Petição Inicial.
OITO: A necessidade de, em caso da existência de queixas respiratórias, após ser ministrada bleomicina, efectuar exames complementares, como o teste da função pulmonar, o lavado broncoalveolar, ou a biopsia pulmonar, que nunca foram feitos pelos médicos da Ré a este paciente, ficou provada através do Documento nº 2 junto com a Contestação.
NOVE: As declarações de parte da Autora A... demonstram claramente as dificuldades respiratórias do falecido, o momento em que estas tiveram início e a desvalorização e falta de resposta dos médicos da Ré, bem como que só fizeram exames apedido do paciente e nunca tiveram a iniciativa de fazer exames complementares, e ainda o desespero do paciente face à falta de
resposta da Ré, sendo que a falta de resposta dos médicos e o desespero do paciente foram também confirmados pela testemunha dos Autores RF....
DEZ: Do mesmo modo, o depoimento da testemunha CF... também confirma as graves dificuldades respiratórias de que padecia o falecido, bem como da falta de resposta dos médicos da Ré.
ONZE: Também a existência de fibrose pulmonar e a necessidade de fazer efectuar exames complementares, como o teste da função pulmonar, o lavado broncoalveolar, ou a biopsia pulmonar, que nunca foram feitos pelos médicos da Ré a este paciente, foram confirmados pela prova testemunhal, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES..., bem ficou provado que se poderia ter realizado um transplante, que opaciente devia ter sido vigiado de forma mais apertada, especialmente tendo em conta que a toxicidade à bleomicina é um fenómeno conhecido, que a terapêutica da prednisolona não estava a ter efeito relevante e que foi receitada durante um período demasiado longo e que os médicos da Ré não adoptaram o protocolo adequado a estas situações.
DOZE: Quanto aos depoimentos das testemunhas da Ré, estes são claramente pouco convincentes e contraditórios, não tendo tal sido devidamente considerado.
TREZE: O facto constante do elenco dos factos provados como nº 44 deveria ter sido julgado como não provado.
CATORZE: A prova documental confirma, de forma manifesta, as dificuldades respiratórias do paciente e o seu agravado estado de saúde (Vide Documentos nºs 19, 21, 22, 25 e 26, juntos com a
Petição Inicial e Documento junto com o requerimento datado de 28 de Novembro de 2019, REFª 24788327), sendo que a prova testemunhal, através do depoimento do Dr. JES..., confirma claramente a necessidade de internamento.
QUINZE: O facto constante do elenco de factos dados como provados como nº 45 deveria ter sido julgado como não provado, e o facto constante do elenco de factos não provados como a) deveria ter sido julgado como provado.
DEZASSEIS: Tal está confirmado pela prova testemunhal, através das declarações de parte da Autora A... e do depoimento do Dr. MN....
DEZASSETE: Os factos constantes do elenco de factos dados como provados como nºs 47 e 52 deveriam ter sido julgados como não provados, face à ausência de prova, às regras do ónus da prova e ao facto de se tratarem de documentos escritos, em posse da Ré, pelo que a esta caberia a prova da sua existência e do seu conteúdo, o que não ocorreu.
DEZOITO: Os factos constantes do elenco de factos provados como nºs 49 e 50 devem ser alterados para: “49- O paciente JM... compareceu no centro clínico da Ré no dia 19/04/2017. 50 - Foi observado pelos médicos da Ré e realizou TAC no próprio dia.”
DEZANOVE: Resulta da prova documental (Documento nº 19) e do facto provado nº 16 que o paciente solicitou previamente uma consulta de pneumologia para essa semana, as expressões “apesar disso” e “de imediato” são conclusivas e até um pouco especulativas e não existe prova suficiente que permita determinar se o Dr. NG... analisou ou não os resultados.
VINTE: Os factos constantes do elenco de factos provados como 53 e 55 devem ser alterados para: “53- Caso o resultado da PET realizada a 21/04 não indicasse a remissão do linfoma de Hodgkins, o paciente teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e ainda a um auto-transplante de medula.
55- As análises clínicas realizadas pelo paciente JM... no dia 29 de Março, no Laboratório Joaquim Chaves, em Maputo, revelam um índice de PCR (Proteína C reactiva) no sangue de 12,7 mg/l, e as análises realizadas em Maio de 2017, no Instituto do Coração, em Maputo, revelam uma PCR de 111,65mg/l. (doc. de fls. 110)”.
VINTE E UM: O douto Tribunal a quo fez uma formulação imprecisa do facto provado nº 53, uma vez que a PET realizada a 21 de Abril de 2017 não apresenta um resultado favorável, uma vez que indica, de forma bastante clara, um grave atingimento pulmonar, embora também indique a remissão do linfoma, o que se verifica através do Documento nº 22 junto com a Petição Inicial e dos depoimentos das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES....
VINTE E DOIS: Quanto ao facto provado nº 55, os locais onde se realizaram as análises constam expressamente dos documentos relativos às mesmas (Vide Documento nº 4 junto com a Contestação e Documento nº 27 junto com a Petição Inicial), sendo extremamente relevante, para efeitos de análise da responsabilidade da Ré, considerar o facto de o paciente apenas ter realizado análises de sangue, em Maputo, e que os médicos da Ré não tenham sequer considerado fazer esses exames, em Abril, e utilizado exames com cerca de 20 dias de diferença.
VINTE E TRÊS: O facto constante do elenco de factos dados como não provados como f) deveria ter sido julgado como provado, uma vez que resulta do Documento nº 26 que apenas a 9 de Maio de 2017 o Dr. MN... colocou a hipótese de o paciente vir a Portugal, mas apenas “se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem”, bem como a ausência de restrições está comprovada pelas declarações de parte da Autora A..., e pelos depoimentos das testemunhas CF..., Dr. MN... e Dra. BN....
VINTE E QUATRO: Os factos constantes do elenco de factos dados como não provados como h) e i) deveriam ter sido julgados como provados, face ao Documento nº 27 junto com a Petição Inicial e às declarações de parte da Autora A....
VINTE E CINCO: A douta sentença violou o disposto nos artigos 342º, nº 1, 483º, 486º, 798º, e 799º do Código Civil.
VINTE E SEIS: A conduta dos clínicos da Ré constituiu um claro incumprimento culposo do contrato de prestação de serviços médicos celebrado entre a Ré e o JM..., o qual vinculava a
Ré a tratá-lo com a diligência adequada por forma a evitar os danos, conforme dispõem os artigos 798º e 799º do Código Civil.
VINTE E SETE: Neste caso, a Ré anunciou previamente na sua publicidade aplicar os mais elevados padrões de segurança e eficácia, o que constitui compromisso contratual, sendo manifesto que esses padrões de segurança não foram observados, nem sequer se pode considerar que tenha sido aqui observada a diligência de um profissional médio.
VINTE E OITO: A prova do cumprimento, nos termos do art. 342º, nº1, CC, e a culpa da Ré no incumprimento se presume, em face do art. 799º, sendo manifesto que a Ré não cumpriu esse ónus.
VINTE E NOVE: A conduta da Ré constituindo igualmente responsabilidade extracontratual da Ré por omissão, atendendo a que havia o dever de evitar a morte do JM... em virtude do negócio jurídico celebrado (conforme os artigos 483º e 486º do Código Civil).
TRINTA: O nexo de causalidade é neste caso por demais evidente, sendo manifesto que a ministração dos cuidados médicos adequados poderia evitar a morte do JM..., como foi demonstrado pela prova apresentada nos presentes autos, se as queixas e os sintomas apresentados pelo JM... não tivessem sido desvalorizados por médicos que manifestamente não tinham qualquer formação em pneumologia, quando era essencial a precaução contras as lesões pulmonares em consequência do tratamento, pelo que a decisão do douto Tribunal a quo deverá ser revogada, sendo substituída por decisão que julgue a acção procedente, por provada e condene a Ré no pedido.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, sendo esta substituída por decisão que julgue a acção procedente, por provada e condene a Ré no pedido, com o que se fará Justiça.».
Contra alegou a ré, concluindo da seguinte forma:
«1. Os Recorrentes não dão cumprimento, nas conclusões das suas alegações de recurso, ao exigido pela al. b) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., uma vez que não indicam quais os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida.
2. Na verdade, os Recorrentes:
(I) Quanto aos factos descritos nos n.ºs 43, 44, 45, 47 e 52 da enumeração dos factos provados, limitam-se a transcrever breves declarações das testemunhas e invocar documentos, não referindo qualquer meio de prova em concreto e com a fundamentação que se impunha, para que a decisão fosse diversa da recorrida;
(II) Quanto aos factos descritos nos n.ºs 21, 46, 51, 49, 50, 53 e 55 da enumeração dos factos provados, limitam-se a pugnar pela sua alteração, sendo que analisados caso a caso, como infra se demonstrará, tais alterações não são relevantes para a decisão a proferir nestes autos;
(III) Quanto aos factos não provados identificados nas alíneas a) a i), limitam-se a tecer considerações e reparos sobre as declarações de parte da Autora, com as quais pretendem contrariar o vertido nos vários exames médicos, sem que os mesmos assentem em quaisquer meios de prova, pelo que nunca poderiam indicar, como não indicam, quais os meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida.
3. Para além de não especificarem os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida, os Recorrentes também não indicam, com exatidão, as passagens da gravação em que fundam o seu recurso.
4. O incumprimento dos requisitos fixados na lei para o recurso da decisão em matéria de facto tem por consequência a imediata rejeição do recurso, como resulta expressamente do disposto no art. 640.º, n.º 1, do C.P.C. (Neste sentido, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 24.01.2002, Proc. 0093419 e de de 18.06.2009, Proc. 987/07.2TBOER.L1-8, disponíveis em www.dgsi.pt).
5. Por estas razões, o recurso dos Recorrentes deve ser rejeitado, pelo menos na parte em que se pretende a impugnação da matéria de facto decidida pela 1.ª instância, uma vez que não foi dado cumprimento aos requisitos exigidos pela al. b) do n.º 1 do artigo 640 e pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do C.P.C.
6. Compulsando o ponto I das alegações de recurso dos Recorrentes, verifica-se que estes impugnam, praticamente, toda a matéria de facto controvertida que foi decidida na sentença recorrida, peticionado ao tribunal ad quem que altere a decisão sobre a matéria de facto proferida em relação aos factos descritos nos n.ºs 21, 43, 44, 45, 46, 47, 51, 52, 53, 55 da enumeração dos factos provados e considere como provados as alíneas a), b), c), e), f), g), h), i) da enumeração dos factos não provados.
7. É entendimento firme e pacífico dos tribunais superiores que a tutela de que goza o Recorrente a um duplo grau de jurisdição, no que à matéria de facto diz respeito, não pode subverter o princípio da imediação e da livre apreciação das provas pelo tribunal de primeira instância.
8. Princípios esses que os Recorrentes pretendem obliterar, com a reapreciação da matéria de facto, nos moldes em que o requerem ao tribunal ad quem.
9. A reapreciação da matéria de facto pela instância de recurso não se destina a obter uma nova convicção a todo o custo, mas a verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido.
10. No fundo, o que os Recorrentes pretendem é, sem questionarem a existência de prova que permite sustentar a decisão sobre a matéria de facto impugnada nem invocarem a existência de meios de prova que imponham decisão diversa da recorrida, colocar em causa, de modo genérico e não fundamentado, a apreciação da prova que nela foi feita pelo Tribunal recorrido.
11. Com efeito, constitui jurisprudência uniforme que, no recurso sobre a decisão da matéria de facto, o Tribunal da Relação não pode sindicar a valorização das provas feitas pelo tribunal a quo, em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outras, como decidido, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 13.02.2003, Proc. 0081039, de 19.02.2004, Proc. 10446/2003-2, de 06.06.2002, Proc. 0028409, de 22.11.2002, Proc. 0020409, de 18.06.2009, Proc. 987/07.2TBOER.L1-8, de 13.07.2005, Proc. 8252/2004-4, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
12. Nada permite concluir que a sentença recorrida tenha errado manifestamente nem extensivamente na apreciação dos elementos de prova de que o tribunal a quo dispunha para a decisão do litígio, valorando, pelo contrário, criticamente toda a prova produzida (documental e testemunhal), e densificando a razão do seu entendimento em relação aos factos que deu como provados e não provados.
13. Pelo exposto, deve a sentença recorrida, no que se refere à matéria de facto, manter-se nos seus exactos termos, por não merecer qualquer censura.
14. Sem prejuízo do que se invocou quanto ao não conhecimento do recurso, as Recorridas passarão a demonstrar a correção da decisão recorrida em relação a cada um dos factos impugnados pelos Recorrentes, para que não restem quaisquer dúvidas.
15. Os Autores pretendem que seja alterada a redação do número 21 do elenco dos factos provados, de modo a que seja acrescentado ao que aí consta o seguinte excerto “Vou entrar de férias amanhã e regresso dia 4/05…depois falo com o M... sobre os exames a fazer!!!”.
16. Esta pretensão é manifestamente improcedente, uma vez que todo o conteúdo da mensagem foi julgado provado pelo tribunal recorrido, que a deu por integralmente reproduzida, tendo este apenas destacado e feito constar do texto do n.º 21 do elenco dos factos provados as partes que considerou relevantes para a sentença.
17. A circunstância de o tribunal recorrido ter escolhido alguns excertos e não outros desta mesma mensagem, cujo conteúdo integral julgou provada, para os fazer constar do texto do facto descrito do n.º 21 do elenco dos factos provados, não pode ser impugnada mediante o recurso da decisão sobre a matéria de facto, porque a sua procedência não teria qualquer relevância.
18. Quanto ao facto descrito no n.º 43 da enumeração dos factos provados, os Recorrentes pretendem que o mesmo seja julgado não provado, começando por sustentar a sua pretensão, de forma vaga e imprecisa, nas declarações de parte da Autora e nos depoimentos das testemunhas dos Autores, para depois acrescentarem também uma referência aos documentos juntos aos autos.
19. Esta evidente falta de concretização dos meios de prova que poderiam justificar decisão diversa da recorrida indiciam o óbvio: todos os meios de prova apontam inequivocamente no sentido da decisão proferida pelo tribunal recorrido, como na p. 23 da mesma se demonstra, o que justifica que os Recorrentes não consigam, sequer, proceder àquela indicação.
20. Os seguintes depoimentos unânimes das testemunhas ouvidas nos autos confirmam ainda que o facto descrito no n.º 43 da enumeração dos factos provados corresponde à verdade.
(i) MN..., no depoimento que prestou no dia 4.12.2020, entre as 09:43:35 e as 11:37:08, a partir de 07:27;
(ii) AP..., no depoimento que prestou no dia 4.12.2020, entre as 14:34:08h e as 15:49:51, a partir de 08:10;
(iv) PL..., no depoimento prestado em 4.12.2019, entre as 15:51:20 e as :16:40:15, a partir de 02:42;
(v) LC..., no depoimento prestado em 4.12.2019, entre as 16:41:13 e as 17:36:38, a partir de 19:25;
(vi) AC...; no depoimento prestado em 27.11.2019, entre as 10:45:43 e as 11:22:12, a partir de 03:49;
(vii) JES..., no depoimento prestado em 27.11.2019, entre as 11:23:09 e as 11:59:01.
21. Estes depoimentos, aliás, estão suportados nos documentos juntos aos autos pela Recorrida Fundação C..., nomeadamente pelo doc. n.º 3, junto com a contestação, concluindo-se no quarto parágrafo da sua p. 1 que a Bleomicina deve integrar o composto de fármacos utilizado para o tratamento da doença de que padecia o paciente JM..., sob pena de perda da sua eficácia.
22. Em síntese, todos os meios de prova impõem a manutenção da decisão recorrida, o que conduz à improcedência do recurso dos Autores, também quanto a este facto.
23. No que respeita ao facto descrito no n.º 46 da enumeração dos factos provados os Autores pretendem que seja eliminada a sua frase final, ou seja, que a administração de corticoides é o tratamento adequado para debelar a toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina.
24. Invocam que esta frase é meramente conclusiva e que este tratamento não seria adequado em todas as situações de toxicidade, para além de perder relevância se após algumas semanas não houver melhorias.
25. Todos estes argumentos são manifestamente improcedentes, desde logo porque, como éóbvio, a adequação de um medicamento para tratar uma doença não é um “facto conclusivo”.
26. Para além de que o que está escrito é que este é o medicamento adequado para tratar atoxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, sendo que todas as testemunhas o confirmaram nos seguintes depoimentos:
(i) JES... [27-11-2019 11:23:09-11:59:01], a partir de 08:50;
(ii) MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08] , a partir de 14:20;
(iii) BN..., no depoimento que prestou em 04-12-2019 11:39:26-12:30:47, a partir de 10:34;
(iv) AP..., no depoimento que prestou no dia 4.12.2020, entre as 14:34:08h e as 15:49:51, a partir de 12:29;
(v) PL..., no depoimento prestado em 4.12.2019, entre as 15:51:20 e as :16:40:15, a partir de 10:12;
(vi) LC... confirmou, no depoimento prestado em 4.12.2019, entre as 16:41:13 e as 17:36:38, a partir de 03:15 e de 10:44.
27. Por todas estas razões, deve julgar-se improcedente o recurso sob resposta, também quanto a este facto.
28. Quanto ao facto descrito no n.º 51 da enumeração dos factos provados, pretendem os Recorrentes que o tribunal recorrido deveria ter julgado provado que a pneumonite que afetou o paciente JM... era “fibrosante”, ou seja, que o mesmo veio a padecer de uma fibrose.
29. Em consequência, pedem ainda que seja julgado provado o facto descrito na al. e) da enumeração dos factos não provados, ou seja, que os exames médicos evidenciaram a existência de fibrose pulmonar.
30. Invocam, como meios de prova que conduziriam a este resultado, os docs. n.º 18, 21 e 22 juntos com a petição inicial, bem como o depoimento das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES....
31. No que respeita, em primeiro lugar, aos documentos juntos com a petição inicial com os n.ºs18, 21 e 22, deve destacar-se que os Recorrentes não dizem porque é que dos mesmos resulta que o paciente JM... tenha tido uma fibrose pulmonar.
32. Bem se compreende esta omissão, porque destes documentos não resulta, de modo algum, a existência de fibrose pulmonar.
33. Concretizando, o doc. n.º 18, junto com a petição, é um ecocardiograma, feito pelo paciente JM... no dia 04.10.2017 em Moçambique, no consultório da Dr.ª B...Ferreira, com o seguinte resultado: “Pericardite. HVE com alteração do relaxamento de grau II.”
34. Ora, como é bom de ver e se escreveu na p. 25 da douta sentença recorrida, neste documento não se faz qualquer referência a uma fibrose, pelo que não pode ser utilizado, como é óbvio, para demonstrar a sua existência.
35. Por seu lado, o doc. n.º 21, junto com a petição, é o relatório de uma TAC realizada pelo paciente JM... nos serviços da Recorrida, no dia 19.04.2017, sendo que do mesmo não consta qualquer referência à fibrose.
36. Por fim, o doc. n.º 22, junto com a petição, é o relatório de uma PET realizada pelo paciente JM... nos serviços da Recorrida, no dia 21.04.2017, sendo que no mesmo também não se faz qualquer referência à fibrose.
37. Aliás, as testemunhas ouvida em audiência de julgamento esclareceram que os exames adequados para detetar a existência de fibrose são a TAC e a PET, sendo que as mesmas revelaram que esta não existia.
38. Quanto ao depoimento da Dr.ª AC..., esta testemunha, questionada directamente pelo Ilustre Mandatário dos Autores sobre se a PET realizado em abril indiciava a existência de uma pneumonite fibrosante, assumiu expressamente, na passagem das declarações que prestou no dia 27.11.2019, entre as 10:45:44 e as 11:22:12, entre 13:27 e 15:00, que não podia fazer o diagnóstico diferencial tendo ainda acrescentado, na passagem do seu depoimento entre 17:42 e 18:00 que poderia ponderar-se a hipótese de transplante “a se confirmar a fibrose”.
39. Do mesmo modo, a testemunha Dr. JES... nunca afirmou, ao longo de todo o seu depoimento, que o paciente JM... tivesse padecido de uma fibrose, como resulta, desde logo, dos excertos das suas declarações, citados nas alegações dos Recorrentes-
40. Aliás, os seguintes depoimentos das testemunhas MN..., BN..., AP..., PL... foram unânimes no sentido de que o paciente JM... não padeceu de fibrose pulmonar.
(i) Depoimento de MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], a partir de 33:10, de 35:32, de 41:47 e de 01:24:05;
(ii) Depoimento de BN... em 04-12-2019 12:46:19-13:11:41], a partir de 05:36;
(iii) Depoimento da testemunha AP..., prestado no dia 4.12.2019, entre as 14:34:08 e as 15:49:51, a partir de 19:09, de 35:15 e de 52:09;
(iv) Depoimento da testemunha PL..., prestado em 4.12.2019, entre as 15:51:20 e as :16:40:15, a partir de 07:50 e de10:19;
(v) Depoimento da testemunha LC..., prestado em 4.12.2019, entre as 16:41:13 e as 17:36:38, a partir de 04:32;
41. Por estas razões, deve manter-se a redação do n.º 51 da enumeração dos factos provados, sem qualquer alteração, bem como a decisão de julgar não provado o facto descrito na al. e) da enumeração dos factos não provados.
41. Quanto aos factos descritos nas als. b) e c) da enumeração dos factos não provados estão em causa mensagens que teriam sido trocadas entre o paciente JM... e os médicos que exercem funções para a Recorrida, no início do mês de março.
42. Estranha-se que os Recorrentes insistam em que estes factos sejam dados como provados uma vez que, como se demonstrou inequivocamente em sede de audiência de julgamento e resulta da prova existente nos autos, está em causa um lapso dos Recorrentes, pois as comunicações em causa tiveram lugar não em março mas em abril de 2017, como resulta dos factos descritos nos n.ºs 16. e 17 da enumeração dos factos provados.
43. Porém, o seu conteúdo não é o que está descrito nas als. b) e c) da enumeração dos factos não provados - e que corresponde ao invocado pela recorrida na sua petição inicial -, pois o teor exato das mensagens efetivamente trocadas está reproduzido nos n.ºs 16 e 17 da enumeração dos factos provados.
44. Aliás, estando em causa uma alegada troca de mensagens por correio eletrónico seria necessário que os Recorrentes tivessem procedido à sua junção aos autos, o que não fizeram, simplesmente porque elas não existem.
45. A sequência da troca de mensagens entre o paciente JM... e os médicos da Recorrida ficou bem esclarecida no depoimento das testemunhas Dr.ª BN..., de 04-12-2019 11:39:26-12:30:47, com início em 13:1 e em 21:14, tendo ficado demonstrado que não foram trocadas quaisquer mensagens entre o paciente JM... e a equipa médica da Recorrida, em março de 2017, com o conteúdo descritos nas als. b) e c) da enumeração dos factos não provados.
46. A testemunha RF... também esclareceu que as mensagens a que se refere foram enviadas em abril e não em março, lamentando-se que os Recorrentes tenham omitido a passagem do seu depoimento em que o refere expressamente, prestado em 27.11.2019, entre as 12:00:04 e as 12:17:39, a partir de 03:10.
47. Por fim, no que respeita ao depoimento da testemunha CF..., não é feita qualquer referência ao envio de mensagens por correio eletrónico, em março, do paciente a algum médico da Recorrida Fundação C..., pelo que o seu depoimento é totalmente irrelevante para a apreciação do facto em questão.
48. Por esta razões, improcede o recurso sob resposta, quando no mesmo se pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, de modo a que se julguem provados os factos descritos nas als. b) e c) da enumeração dos factos não provados.
49. No que respeita aos factos descritos nas als. d) e e) da enumeração dos factos não provados, deve começar por dizer-se que os Recorrentes não indicam qualquer meio de prova que imponha decisão diversa da recorrida, pelo que incumprem a exigência constante da al. b) do n.º 1 do art.640.º do C.P.P, o que tem por consequência a rejeição do seu recurso, nesta parte.
50. Compreende-se que assim seja, uma vez que não existem quaisquer meios de prova que possam contribuir para que estes factos sejam julgados provados; antes pelo contrário, a prova produzida conduz inequivocamente ao resultado a que se chegou na douta sentença recorrida.
51. Assim, no que respeita ao facto descrito na al. d) da enumeração dos factos não provados, como se esclarece na p. 25 da douta sentença recorrida, em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, resulta claramente do teor da mensagem que o paciente JM... enviou no dia 11 de abril - reproduzida no n.º 16 da enumeração dos factos provados - que não estava em “desespero” quando realizou os exames médicos em 8 de abril em Moçambique.
52. Aliás, como resulta do depoimento de parte da Autora A..., bem como do depoimento das testemunhas MN... e BN..., o paciente JM... regressou a Moçambique sem sequer saber o resultado dos exames que realizou em 21 de abril de 2017 para avaliar a evolução da doença de que padecia, um linfoma de Hodgkin, sendo certo que, como ficou provado no n.º 53, se o resultado fosse desfavorável teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e a um auto-transplante de medula:
(i) Depoimento de parte da Autora A..., de dia 27.11.2019, entre as 09:46:02 e as 10:41:42, com início em 46:47;
(ii) Depoimento de MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início a 48:14;
(iii) Depoimento de BN... [04-12-2019 11:39:26-12:30:47], com início a 9:10 e a 32:33.
53. Daqui resulta que o estado do paciente JM... era, mesmo quando se deslocou aos serviços médicos da Recorrida, entre 19 e 21 de abril, de total despreocupação e não de desespero, só assim se justificando ter regressado de imediato a Moçambique, sem sequer conhecer os resultados dos exames decisivos para a avaliação da evolução da sua doença.
54. Em síntese, não existe qualquer razão para que se altere a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, ao ter julgado não provado o facto descrito na al. d) da enumeração dos factos não provados, o que conduz, também aqui, à improcedência do recurso sob resposta.
55. No que respeita ao facto descrito na al. g) da enumeração dos factos não provados, para além de os Recorrentes não indicarem qualquer meio de prova que imponha decisão diversa da recorrida – omissão que, como se viu, deve conduzir à rejeição do seu recurso – toda a prova produzida nos autos demonstra inequivocamente a correção da decisão recorrida, como se sintetiza na sua p. 26, em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
56. Este excerto resume um conjunto de factos que foram julgados provados, mais concretamente os que se encontram descritos nos n.ºs 22 a 25 e 30 a 32 e 54 da enumeração respetiva, sempre com base em documentos juntos aos autos.
57. Resulta destes factos que após o regresso do paciente JM... a Moçambique os médicos da Recorrida mantiveram contacto constante com o mesmo, tendo tido o cuidado de tomar a iniciativa de perguntar como estava o seu estado de saúde, como descrito nos n.ºs 54 e 22 da enumeração dos factos provados, no dia 2 de maio.
58. Após uns dias, como resulta do facto descrito no n.º 25, mais concretamente no dia 9 de maio, o Dr. MN... escreveu expressamente na mensagem que enviou ao paciente JM...: “se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem, marque um voo para cá e tente passar umas semanas em Portugal – eu sei que é difícil, mas é impossível tratar de tudo por email.”
59. Lamentavelmente, o paciente JM... não só não respondeu a esta mensagem como não cumpriu as instruções médicas que lhe foram dirigidas, no sentido de regressar a Portugal.
60. Mesmo depois do internamento do paciente JM... na clínica em Moçambique, onde viria a falecer, como resulta dos factos descritos nos n.ºs 30 e 31 da enumeração dos factos provados, o diretor clínico da Recorrida, Prof. AP..., esteve em contacto com a equipa médica e com a família do mesmo, para dar o seu contributo para que lhe fossem ministrados os tratamentos médicos adequados, como resulta do depoimento prestado no dia 4.12.2019, entre as 14:34:08 e as 15:49:51, a partir de 24:17
61. Por estas razões, é evidente que toda a prova produzida nos autos demonstra inequivocamente que o tribunal recorrido decidiu bem ao ter julgado como não provado o facto descrito na al. g) da enumeração respetiva, o que conduz à improcedência do recuso interposto pelos Autores.
62. Pretendem ainda os Recorrentes que o facto descrito no n.º 44 da enumeração dos factos julgados provados seja julgado não provado, mas, também aqui, não lhes assiste qualquer razão.
63. Em abono da sua tese invocam os docs. n.º 19, 21, 22, 25 e 26, juntos com a petição, bem como o doc. junto com o requerimento de 28 de novembro de 2019, e ainda o depoimento da testemunha JES....
64. No que respeita aos documentos a que os Recorrentes fazem referência, ignoram as Recorridas a razão pela qual os mesmos entendem que impõem que o facto em causa seja julgado não provado, uma vez que omitem qualquer fundamentação nesse sentido.
65. Compreende-se, mais uma vez, a sua omissão, porque é evidente que estes documentos em nada demonstram a necessidade de o paciente JM... ser internado em abril de 2017, quando se deslocou às instalações da Recorrida para realizar diversos exames médicos.
66. Concretizando, os docs. n.º 19, 25 e 26 são mensagens trocadas por correio eletrónico, pelo que não se concebe como das mesmas pode resultar qualquer necessidade de internamento do paciente JM... em abril de 2017.
67. Pior ainda, as mensagens que constituem os docs. n.º 25 e 26 foram enviadas em data posterior a abril de 2017, pelo que não percebe como poderiam as mesmas demonstrar que o paciente JM... deveria ter sido internado em data anterior – nem os Recorrentes o dizem, como vimos.
68. Por fim, os docs. 21 e 22 são os relatórios dos exames realizados pelo paciente JM... em abril de 2017, sendo que os mesmos demonstram precisamente o contrário do que pretendem os Recorrentes, ou seja, que nesta data não existia qualquer necessidade do seu internamento, como ficou demonstrado nos seguintes depoimentos:
(i) Depoimento de MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], a partir de 40:24, de 42:50 e de 01:43:53;
(ii) Depoimento de BN... - [04-12-2019 11:39:26-12:30:47], a partir de 40:05;
(iii) Depoimento da testemunha AP..., prestado no dia 4.12.2019, entre as 14:34:08 e as 15:49:51, a partir de 19:50;
(iv) Depoimento da testemunha LC..., prestado em 4.12.2019, entre as 16:41:13 e as 17:36:38, a partir de 14:43;
69. Nem se invoque, em sentido contrário, o depoimento da testemunha JES..., que nunca avaliou o paciente nem teve acesso ao seu processo clínico, como resulta dos seguintes excertos do seu depoimento, prestado no dia 27.11.2919, entre as 11:23:09-11:59:01, a partir de 00:50.
70. Por outro lado, como resulta do excerto das declarações desta testemunha, prestadas no dia 27.11.2019, entre as 11:2310 e as 11:59:01, na passagem entre 13:13 e 13:53, transcrito pela recorrida nas suas alegações, está em causa um “doente, no abstracto” a quem “provavelmente” teria proposto internamento.
71. Se estas declarações, por si sós, nunca seriam suficientes para julgar não provado o facto em causa, conjugadas com o depoimento das testemunhas da equipa médica da Recorrida, que efetivamente acompanharam o paciente JM... e o examinaram em abril de 2017, supra identificados, conduzem indubitavelmente à correção da decisão recorrida e à improcedência do recurso sob resposta.
72. Pretendem os Recorrentes que, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, o facto descrito no n.º 45 da enumeração de factos provados seja julgado não provado e o facto descrito na al. a) da enumeração dos factos não provados seja julgado provado.
73. Os Recorrentes indicam como meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida as declarações de parte da Autora A..., bem como o depoimento da testemunha MN..., mas não lhes assiste qualquer razão.
74. No que respeita às declarações de parte da Autora A..., a mesma confirmou que não esteve presente em qualquer reunião com a equipa médica da Recorrida, na qual tivesse sido transmitido o número de sessões previstas de radioterapia, como resulta do seu depoimento, prestado no dia 27.11.2019, entre as 09:46:02 e as 10:41:42, com início em 50:35.
75. Aliás, este facto foi esclarecido pelo depoimento das seguintes testemunhas:
(i) Depoimento de MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início em 12:48 e em 13:20;
(ii) Depoimento de BN... - [04-12-2019 11:39:26-12:30:47], com início em 03:13; e em 05:15.
76. Por estas razões, é manifestamente improcedente o recurso sob resposta, ao pretender-se a alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos factos descritos no n.º 45 da enumeração de factos provados e na al. a) da enumeração dos factos não provados.
77. Os Recorrentes pretendem ainda que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos julgados descritos nos n.ºs 47 e 52 da enumeração dos factos provado, mas não lhes assiste qualquer razão.
78. Em primeiro lugar, mais uma vez os Recorrentes não indicam os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, o que traduz o incumprimento da exigência estabelecida no art. 640.º, n.º 1, al. b), do C.P.C. e conduz à rejeição do seu recurso, nesta parte.
79. Esta invocação é totalmente deslocada porque foi efetivamente produzida prova testemunhal que conduziu à decisão proferida pelo tribunal recorrido, em particular no depoimento da testemunha MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início em 38:48.
80. No mesmo sentido, a testemunha BN..., que prestou depoimento no dia 4.12.2019, entre as 11:39:27 e as 12:30:47, com início em 8:30 e em 17:01.
81. Ora, não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário é evidente que o tribunal recorrido decidiu bem ao ter julgado provados os factos descritos nos n.ºs 44 e 52 da enumeração de factos provados, pelo que, também aqui, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pelos Autores.
82. Os Recorrentes pretendem ainda a alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos factos descritos nos n.ºs 49 e 50 da enumeração de factos provados, solicitando, em concreto, a eliminação da última frase do n.º 49 – “sem que tivesse marcado previamente qualquer consulta ou exame” – e das últimas duas frases do n.º 50 – “cujos resultados foram analisados em conjunto com o Dr. NG..., médico oncologista que exerce funções na unidade do pulmão”.
83. Com esta alegação pretendem alterar o contexto que levou a que este facto fosse julgado provado, pois o mesmo deve ser entendido em conjugação com o facto julgado provado no n.º 48. da enumeração respetiva.
84. Ora, o que se pretende destacar com a frase final do facto descrito no n.º 49 da enumeração dos factos provados é que o paciente JM... marcou os exames para o dia 21 de abril e compareceu no centro clínico da Recorrida dois dias antes, sem qualquer marcação, facto indesmentível.
85. Por esta razão, a mensagem que o paciente JM... enviou em 11 de abril e que constitui o doc. n.º 19 junto com a petição, em nada releva para a prova deste facto, uma vez que o que dela consta é o seguinte: “muito gostaria de colocar à vossa decisão a eventual marcação na próxima semana de uma consulta de pneumologia de “relativa” urgência”
86. Toda esta sequência de factos foi claramente explicada pela testemunha MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início em 37:02, em 01:15:00 e em 01:42:50.
87. No que respeita ao facto descrito no n.º 50 da enumeração dos factos provados, mais uma vez os Recorrentes não indicam os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, o que traduz o incumprimento da exigência estabelecida no art. 640.º, n.º 1, al. b), do C.P.C. e conduz à rejeição do seu recurso, nesta parte.
88. Mais ainda, reconhecem expressamente que a prova testemunhal produzida em audiência corroborou este mesmo facto, o que de facto sucedeu, como resulta do depoimento da testemunha MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início em 01:09:16.
88. Na verdade, para além de, como se demonstrou, não só tal pedido ou marcação nunca existiram, como o que se deu como provado nada tem a ver com essa questão, pois apenas está em causa o facto objetivo, que corresponde à verdade, de os resultados da TAC terem sido analisados em conjunto com o Dr. NG..., médico oncologista que exerce funções na unidade do pulmão, pelo que, também quanto a estes factos, improcede o recurso sob resposta.
89. No que respeita aos factos descritos nos n.ºs 53 e 55 da enumeração dos factos provados, os Recorrentes apenas se insurgem contra a formulação que o tribunal recorrido escolheu para os descrever, pelo que não questionam que correspondam à verdade.
90. Só por esta razão o seu recurso improcede, uma vez que o recurso da decisão sobre a matéria de facto não se destina a alterar a formulação adotada pelo tribunal recorrido para descrever os factos provados – e não provados -, mas antes para que um facto provado seja julgado não provado ou vice-versa.
91. Assim, quanto ao facto descrito no n.º 53 da enumeração dos factos provados, os Recorrentes pretendem que em vez de “não fosse favorável” passe a constar “não indicasse a remissão do linfoma de Hodgkin”.
92. Ora, não é controvertido nos autos que o exame foi “favorável” porque comprovou “a remissão
do linfoma de Hodgkin”, doença de que padecia o paciente JM... e que o levou a contratar os serviços da Recorrida.
93. Vejam-se, neste sentido, os depoimentos das seguintes testemunhas:
(i) JES..., prestado no dia 27.11.2019, entre as 11:23:10 e as 11:59:01, com início em 15:49;
(ii) BN..., prestado no dia 4 de Dezembro de 2019, entre as 11:39:27 e as 12:30:47, com início em 29:30.
94. O mesmo se diga quanto ao facto descrito no n.º 55 da enumeração dos factos provados, porque a alteração pretendida pelos Recorrentes, de modo a que seja acrescentado o local onde os exames foram realizados, para além de não constituir motivo para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, é também irrelevante, pois não é controvertido nos autos que os mesmos foram realizados em Maputo, facto que, como os Recorrentes afirmam, constam dos mesmos documentos, que se dão como reproduzidos na douta sentença recorrida.
95. Por estas razões, improcede, também quando a estes factos, o recurso sob resposta.
96. Os Recorrentes insurgem-se ainda contra a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, na medida em que foi julgado não provado o facto descrito na al. f) da enumeração de factos provados, mas não lhes assiste qualquer razão.
97. O que está em causa é a existência de uma comunicação dos clínicos da Recorrida, dirigida ao paciente JM..., no sentido de não haver qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique.
98. Ora, tal como se decidiu na douta sentença recorrida, é evidente que não foi produzida qualquer prova nos autos que demonstrasse este facto.
99. Esta conclusão também resulta, com toda a clareza, dos depoimentos citados pelos Recorrentes nas suas alegações, da Autora A... e da testemunha CF..., pois assumiram que não assistiram a qualquer conversa entre os clínicos da Recorrida e o paciente JM....
100. Em segundo lugar, mesmo tendo em conta o que dizem terem ouvido dizer do paciente JM..., nunca referem, nos seus depoimentos, que os clínicos da Recorrida transmitiram ao paciente JM... a ausência de qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique.
101. Assim, no respeita ao depoimento da Autora A..., prestado no dia 27.11.2019, entre as 09:46:02 e as 10:41:42, na passagem entre 18:58 e 19:30, esta diz que os médicos da Recorrida “não aconselharam nem desaconselharam a ida a Moçambique”, o que é bem diferente de terem dito que o poderia fazer sem quaisquer restrições.
102. Do mesmo modo, a testemunha CF..., no depoimento que prestou no dia 27.11.2019, entre as 14:07:22 e as 14:26:34, na passagem entre 13:01 e 13:20, diz apenas que se alguém tivesse sido coercivo com o paciente JM... este teria ponderado, o que é bem diferente de ter havido uma comunicação expressa dos clínicos da Recorrida no sentido de este poder ir para Moçambique e lá continuar a medicação, sem quaisquer restrições.
103. Já as testemunhas que estiveram presentes nas reuniões com o paciente JM..., aquando da sua deslocação a Lisboa entre 19 e 21 de Abril, que o desaconselharam a regressar a Moçambique:
(i) Depoimento de MN...[04-12-2019 09:43:35-11:37:08], com início em 16:55 e em 49:30;
(ii) Depoimento de BN... [04-12-2019 11:39:26-12:30:47], com início em 45:09.
104. Por estas razões, a sentença recorrida não merece qualquer censura, ao ter julgado não provado o facto descrito na al. f), o que conduz, também aqui, à improcedência do recurso sob resposta.
105. Quanto aos factos descritos nas als. h) e i) da enumeração de factos provados, estão em causa factos que descrevem aquela que seria a situação médica do paciente JM... aquando do seu internamento, em maio de 2019, no Instituto do Coração de Maputo.
106. Os Recorrentes apelam, para fundamentarem o pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto em relação a esta alínea da enumeração dos factos não provados, o doc. n.º 27, junto com a petição, que constitui o relatório médico dos cuidados intensivos emitido pelo Instituto do Coração de Maputo.
107. Sucede que as informações constantes deste relatório médico em nada coincidem com os factos descritos nas alíneas h) e i) da enumeração dos factos não provados, pois consta deste Relatório que o paciente foi internado por sofrer de insuficiência respiratória aguda e, para além das doenças já diagnosticadas – pneumonite química a Bleomicina e Linfoma de Hodgkin – de uma infeção oportunística pulmonar.
108. Nem se invoque o depoimento de parte da Autora A... em sentido contrário, não só porque o mesmo é totalmente incompatível com o documento acabado de referir, mas ainda porque, por não ter formação médica, não ser capaz, como não foi, de descrever o estado de saúde e os tratamentos a que o paciente JM... foi submetido aquando do seu internamento na Clínica do Coração de Maputo em maio de 2017.
109. Pode assim concluir-se, como se escreveu na p. 26 da douta sentença recorrida, que não foi produzida qualquer prova que lograsse a demonstração dos factos descritos nas als. h) e i) da enumeração dos factos provados, o que conduz à improcedência do recurso sob resposta.
110. Foi celebrado entre a Recorrida e o paciente JM... um contrato de prestação de serviços médicos, pelo que, conforme foi decidido pelo Tribunal a quo, a existir responsabilidade da Ré, esta teria sempre, necessariamente, natureza contratual, resultante do alegado cumprimento defeituoso do contrato, e nunca extracontratual, contrariamente ao que invocam os Recorrentes nas suas alegações.
111. Para que os Recorrentes pudessem imputar responsabilidade civil contratual à Recorrida e, consequentemente, lhe pudessem exigir uma indemnização, teriam de ter demonstrado, cumulativamente, os pressupostos da imputação em causa, isto é, a existência de um facto ilícito e a verificação de danos e um nexo de causalidade entre o facto e os danos.
112. Todavia, e conforme resulta da douta sentença recorrida, os Recorrentes não lograram demonstrar a verificação dos pressupostos da imputação em causa, uma vez que, atendendo à prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, dúvidas não restam que a Recorrida cumpriu, diligentemente, a obrigação de meios a que estava vinculada.
113. Aliás, não se vislumbra, sequer, qual a conduta ativa ou omissiva da Recorrida que teria provocado ou que poderia ter evitado a morte de JM..., uma vez que, alegando os Recorrentes que o cumprimento defeituoso do contrato provocou a morte do paciente JM..., teriam de alegar e provar que a Recorrida não só violou as leges artis, como ainda que, em consequência dessa violação, provocou ou não impediu o falecimento do paciente JM..., o que manifestamente não fizeram.
114. Como os Recorrentes invocam ainda que estaria em causa uma conduta omissiva da Recorrida, deveriam ter alegado e demonstrado que esta podia e devia ter adotado uma determinada conduta que teria evitado a morte do Paciente JM..., o que também não fizeram.
115. A matéria de facto provada revela inequivocamente que a Recorrida cumpriu escrupulosamente as suas obrigações, como resulta, em particular, dos factos descritos nos n.ºs 6, 7, 8, 9, 41 a 43, 11, 46, 12, 49, 50, 51, 19, 44, 25 e 35 da enumeração dos factos provados:
116. Assim, e em síntese, foi diagnosticado corretamente pelos serviços médicos da Recorrida ao paciente JM... um Linfoma de Hodgkin, tendo-lhe sido prescrito e ministrado o tratamento adequado, traduzido em quimioterapia e radioterapia.
117. Um dos medicamentos utilizados no tratamento foi a Bleomicina, em cumprimento dos protocolos existentes, sendo que a mesma pode provocar toxicidades várias, sem que haja forma de as acautelar, como como resulta dos factos descritos nos n.ºs 6, 7, 8, 9, 41, 42, 43 e 11:
118. Após a radioterapia o paciente teve uma toxidermia associada à toxicidade da Bleomicina, tendo sido tratado com o medicamento adequado.
119. Mais tarde, passou a padecer de uma pneumonite também associada à toxicidade da Bleomicina, tendo sido tratado com o medicamente adequado, como resulta dos factos descritos nos n.ºs 46, 12, 49, 50 e 51.
120. O tratamento ministrado ao paciente JM... provocou a remissão do tumor de que padecia, como resulta do facto descrito no n.º 19.
121. Em abril de 2017 não existiam motivos que determinassem a necessidade de internamento do paciente JM..., como resulta do facto descrito no n.º 44.
122. O paciente JM... foi expressamente advertido por um membro da equipa médica da Recorrida de que deveria voltar a Portugal e ficar cá várias semanas, por ser impossível tratar de tudo por email, tendo decidido permanecer em Moçambique, como resulta do facto descrito no n.º 25.
124. Com efeito, o paciente JM... veio a falecer em Moçambique, em virtude de uma infeção respiratória que contraiu nesse país, escassos dias antes da sua morte, como resulta do facto descrito no n.º 35:
125. Em síntese, por não estarem demonstrados os pressupostos da imputação, não podem as Recorridas responder civilmente perante os Recorrentes, impondo-se, sem mais, a manutenção da sentença recorrida, que as absolveu, por não merecer qualquer censura ou reparo, sendo que este resultado sempre se imporia, mesmo que fosse procedente o recurso da decisão sobre a matéria de facto, o que não se admite.
126. Por todas estas razões, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida e, em consequência, o recurso interposto pelos Autores julgado improcedente.
Termos em que Deve rejeitar-se o recurso da decisão sobre a matéria de facto interposto pelos Autores ou, caso assim não se entenda Deve julgar-se improcedente o recurso da decisão sobre a matéria de facto interposto pelos Autores, quer por não ser admissível a alteração pelos mesmos pretendida, nos termos em que a pedem, quer por a sentença recorrida não padecer de qualquer vício
Ainda que assim não se entenda, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pelos Autores, por
não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, mantendo-se a douta sentença recorrida que absolveu as Rés dos pedidos formulados pelos Autores, como é de Lei e de Justiça!».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, apreciar:
1º Se é de alterar a matéria factual considerada na sentença, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto proferida em relação aos factos descritos nos n.ºs 21, 43, 44, 45, 46, 47, 51, 52, 53, 55 da enumeração dos factos provados e considere como provados as alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i) da enumeração dos factos não provados;
2º Verificando-se a alteração, se é de considerar procedente o pedido formulado pelos Autores contra os réus, ou seja, concluindo pela responsabilidade dos mesmos, face à verificação de todos os pressupostos da mesma imputados à ré pelo falecimento de JM....
*
II. Fundamentação:
Os elementos fácticos considerados provados na sentença são os seguintes:
1- A primeira A. é viúva de JS…, falecido em 31 de Maio de 2017, sendo os 2º e 3º AA. filhos do mesmo.
2- JM... vivia em Moçambique, com a sua mulher e os dois filhos, aí exercendo a sua actividade profissional.
3- JM... trabalhava para a empresa O…, onde auferia um salário mensal de 5.500USD, comprometendo-se a sua entidade patronal a custear as despesas com a habitação até ao limite de 1500USD.
 4- Em 8 de Setembro de 2016 foi detectado ao falecido, nos exames médicos que fez em Maputo, a existência de linfoadenopatias laterocervicais compatíveis com um quadro clínico de neoplasia linfática, não ocorrendo, no entanto, nódulos nos pulmões nem alterações no coração e grandes vasos tendo o electrocardiograma apenas detectado uma alteração na repolarização ventricular sem aparente significado patológico.
5- JM... tomou a decisão de realizar os tratamentos em Portugal, no Centro Clínico C..., explorado pela Ré que assegura na sua página de internet que “O nosso departamento de farmácia assegura que toda a medicação dada aos doentes responde aos mais elevados padrões de segurança e eficácia. Procura igualmente manter-se actualizado no que se refere aos últimos avanços tecnológicos na área para assegurar que os melhores cuidados e medicação são disponibilizados aos nossos doentes”
6- Nos dias 20 e 21 de Setembro de 2016 JM... efectuou, no Centro Clínico da Ré um exame que incluiu intervenção cirúrgica de biopsia de um dos gânglios linfáticos, e cujo exame anatomopatológico permitiu diagnosticar um linfoma de Hodgkin esclero-nodular, no estádio IIA.
7- Tratando-se de um tumor maligno do sistema linfático, o tratamento adequado consiste na administração de quimioterapia e eventualmente de radioterapia.
8- Em Outubro de 2016, JM... iniciou tratamentos de quimioterapia no Centro Clínico C..., sendo acompanhado pelo Dr. MN..., tendo concluído as sessões de quimioterapia no da 28 de Dezembro de 2016.
9- Na quimioterapia foi utilizada, entre outros, o medicamento Bleomicina, o qual constitui um fármaco adequado para o tratamento destas neoplasias, mas que é igualmente susceptível de causar reacções alérgicas e toxicidades várias, incluindo pulmonar.
10- Nos primeiros dias de Janeiro de 2017, em resultado de uma reunião multidisciplinar que envolveu os médicos responsáveis pela radioterapia, quimioterapia e o Dr. Clínico, o Dr. MN... comunicou a JM... que iria ser sujeito a 15 sessões de radioterapia.
11- Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2017 o JM... realizou 15 sessões de radioterapia, no centro clínico da Ré sob acompanhamento da Dra. BN....
12- Após as sessões de radioterapia, JM... começou a sentir dificuldades respiratórias que os médicos associaram a uma possível toxicidade provocada à bleomicina, tendo-lhe receitado 80mg de cortisona diários (prednisolona).
13- Quer o Dr. MN..., quer a Dra. BN... comunicaram a JM... que poderia prosseguir com a medicação em Moçambique.
14- JM... regressou a Moçambique, tendo efectuado a medicação que lhe foi prescrita pelos médicos da ré.
15- A 8 de Abril, ainda em Moçambique, JM... efectua consulta de cardiologia, realizada pela Dr.ª B...Ferreira, tendo sido realizado ecocardiograma e radiografia ao tórax as quais evidenciaram a existência de “pericardite e HVE com alteração do relaxamento de grau II”
16- Em 11 de Abril de 2017, JM... envia aos médicos assistentes da Ré, Dr. BN... e MN... no qual refere: “No âmbito da minha deslocação a lisboa para a consulta no dia 20 e PET no dia 21, muito gostaria de colocar à vossa decisão a eventual marcação na próxima semana de uma consulta de pneumologia de “relativa” urgência, atentas as imagens do RX que junto.
Com efeito, tive na passada semana a consulta de cardiologia aqui no ICOR com a Dr.ª B...Ferreira, onde fiz ecg e eco, tendo sido verificada a existência de uma leve peritonite, sem, contudo, sugerir motivo de preocupação. Porém e na tentativa de perceber a causa da dificuldade respiratória e consequente cansaço fiz o RX, onde a Dr.ª BF...sugere um quadro de possível fibrose pulmonar, naturalmente sem prejuízo da vossa competente análise.
Peço que compreendam a minha ansiedade, mas de facto a minha qualidade de vida caiu bastante, não de forma progressiva, mas repentina, com ausência de sintoma como febre, diarreia ou falta de oxigenação nos dedos, o que me leva a ter ainda alguma esperança que possa tratar-se de uma alergia e não de fibrose. Ainda assim e apesar do cansaço extremo ao subir escadas a situação manteve-se estável nestas ultimas 3 semanas, desde que comecei a tentar suprimir a prednisolona”
17- Ao email referido em 16, a Dr.ª B...responde a 12/04/2017 referindo “Caro J..., Eu e o M... estivemos a discutir o caso. Mais uma vez parece-nos altamente improvável estarmos a falar de um processo de fibrose. Pode haver sim inflamação ou mesmo alguma inflamação respiratória. Mas temos de o observar… para concluir mais. Vamos ambos observá-lo na próxima semana e decidir o que fazer. Mantemos a consulta no dia 20?”
18- No dia 19 de Abril de 2017 JM... efectua, nos serviços de imagiologia da Ré TC do Tórax que revela “está mantida a permeabilidade do eixo traqueobrônquico até ao local de divisão segmentar; ausência de derrame pleural ou pericárdico; no mediastino, identifica-se uma densificação pré-vascular e 4 R/L, 5 e 6 com imagens de esboço nodular, a maior com 10mm em topografia retro-esternal; em sede parenquimatosa pulmonar, identificam-se as alterações paramediastínicas bilateralmente, com retracção parenquimatosa e perda de volume, em relação com
sequela pós radiogena. Em topografia subpeural, no lobo inferior esquerdo, identificam-se densificações em vidro despolido, subsegmentares e de limites imprecisos, podendo traduzir componente inflamatório associado. Não se identificam nódulos categoricamente suspeitos ou consolidações; sem alterações significativas na dependência das glândulas supra-renais; notado foco osteocondensante, em 7º arco costal posterior direito; sem outras alterações de caracter agudo, nomeadamente relevantes no presente contexto”-cfr doc. 21 (fls. 58).
19- Em 21 de Abril de 2017 JM... realizou no centro clinico da Ré Tomografia por emissão de positrões – PET/CT cujo relatório se encontra junto como doc. 22 da PI (fls. 58 v.º) que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta “continua a não se observar captação anormal de radiofármaco que possa traduzir tecido neoplásico metabolicamente activo nos segmentos corporais avaliados. (…) No presente estudo identifica-se acentuação difusa da captação “de novo” no parênquima pulmonar bilateralmente, sobretudo nos lobos superiores, correspondendo no componente CT do estudo a zona de maior densificação irregular do parênquima, em provável relação com patologia inflamatória, atribuível a alterações pós-terapêuticas.”
20- Na sequência destes resultados os clínicos da ré não realizaram qualquer terapêutica distinta, aumentando a administração de cortisona (prednisolona) de 80mg/dia para 100mg/dia.
21- Em 21 de Abril de 2017 a Dr.ª BN... envia um e-mail contendo o resultado da PET dizendo “Boas novas da PET-CT… não há evidência de doença linfomatosa! Há sim evidência de alterações inflamatórias… mas isso já sabíamos! (…) um beijinho e as melhoras da pneumonite!”- cfr doc. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
22- A 2 de Maio de 2017 JM... voltou a contactar o dr. MN..., por e-mail cuja cópia consta a fls. 69 dos autos e aqui se dá por reproduzido, referindo “Tal como acordado, cá estou a manter actualizada a evolução do processo da pneumonite provocada pela toxicidade à bleomicina. Ora, quanto ao reforço da prednisolona, penso que o efeito deixou de ser o desejado, ou seja, não retirou por completo o efeito da toxicidade uma vez apesar de francamente melhor da parte respiratória, o inchaço associado à prednisolona veio degradar a qualidade de vida, nomeadamente no que respeita à mobilidade. Neste pressuposto gostaria de deixar a seguinte sugestão: diminuir a prednisolona para 2(40) + 2(40), com reforço de antibiótico (a introduzir), com vista a melhorar a função expectorante, que certamente melhorará a capacidade respiratória e qualidade de vida, e com impacto menor do desejado desmame da prednisolona?”
23- O Dr. MN... respondeu por e-mail de 2 de Maio junto a fls. 68 v.º, que aqui se dá por reproduzido, referindo “Eu entendo que o aumento da prednisolona seja mau para a sua qualidade de vida, mas se a falta de ar melhorou, parece-me benéfico continuar. O antibiótico não faz nada à pneumonite secundária à Bleomicina. Tente aguentar mais uma semana a 100mg e depois passamos a 80mg”
24- Em 09/05/2017 JM... enviou novo email ao Dr. MN..., nos termos do doc. 26 que aqui se dá por reproduzido, referindo “De facto a situação mantém-se, quer na situação de cansaço quer na situação de falta de ar. No entanto não sei e salvo o seu melhor julgamento, se não será este quadro de cansaço e falta de ar provocado pela prednisolona, e talvez diminuindo pudesse ser obtido um resultado mais equalizado, porquanto de manhã antes de tomar os 3 comprimidos eu sinto-me normalmente melhor, depois começo a inchar e o sufoco começa. Quando questionei sobre a possível prescrição de antibiótico foi porque tenho lido que a clindamicina pode ajudar no caso das pneumonites, naturalmente que a minha leitura vale o que vale…”
25- Em reposta o Dr. MN... referiu: “Continuo a achar que o antibiótico não vai fazer nada, é uma pneumonite não é uma infecção. Se quiser faze um curso, também não lhe vai fazer mal, faça uma semana de clindamicina. Se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem, marque um voo para cá e tente passar umas semanas em Portugal – eu sei que é difícil, mas é impossível tratar de tudo por email”
26- Em meados de Maio, em consequência duma evolução visivelmente negativa, um amigo do JM..., de nome CF..., contactou o director clinico da Fundação C... Prof. AP..., que presidiu à equipa que assistiu o doente, informando-o do estado preocupante de JM....
27- Todo este processo causou uma profunda dor e sofrimento ao JM... que após ter recebido um tratamento eficaz contra o linfoma de que padecia, viu de repente a sua saúde piorar diariamente, o que o colocou em estado de angústia permanente.
28- Tal dor e sofrimento foram também sentidas pela sua mulher e filhos que assistiram à rápida e continua deterioração do estado de saúde do seu marido e pai, à impossibilidade de este conviver face às contínuas queixas respiratórias que este tinha.
29- A 27 de Maio de 2017 JM... entra em estado de insuficiência respiratória tendo sido transportado, de emergência de ambulância da sua residência para o Instituto do coração de Maputo.
30- A A. voltou a contactar o Dr. Parreira para o pôr em contacto com os médicos daquele hospital.
31- A família do JM... manteve-se em contacto com a Ré, através do seu director clinico, tendo-se colocado a hipótese de transferência do doente para Lisboa, em ordem a poder ser objecto de cuidados directos por parte dos serviços da ré.
32- Embora tivessem sido desencadeados procedimentos para esse efeito, os mesmos não puderam prosseguir dada a constante degradação do estado clinico do doente.
33- A 29 de Maio de 2017 JM... foi transferido para a unidade de cuidados intensivos do Instituto do Coração de Maputo;
34- Da certidão de óbito de JM... constam como causa da morte as seguintes: “-Básica: linfoma de Hodgkin esclero-nodular; Intermédia: pneumonite química à bleomicina; directa: insuficiência respiratória”
35- O Centro Clinico C... efectuou relatório clínico que se encontra junto como doc. 29 da PI e que aqui se dá por reproduzido, nos termos do qual referiu “Laboratorialmente, a destacar leucocitose, neutrofilia e elevação de PCR, compatível com quadro de sobreinfecção a agravar a pneumonite base. Apesar da instituição terapêutica antibiótica de largo espectro e de cobertura anti-fungica (instituídas após contacto de médicos assistentes do Instituo do Coração de Maputo com equipa de Hemato-oncologia do CCC), o doente veio a falecer devido a quadro de falência multi-orgânica após infecção respiratória no dia 31 de Maio de 2017.”
36- O óbito de JM..., causou nos AA. uma profunda dor e sofrimento
37- A morte de JM... afectou o orçamento familiar tendo a família ficado privada do rendimento de 7000USD, essencial para assegurar o sustento em Moçambique.
38- Em virtude da morte de JM..., CS… viu-se forçada a pedir a transferência para Lisboa e a transferir os filhos para escola em Portugal, o que lhes causou perturbação, já que não apenas sofreram a morte do pai, como também se viram privados do ambiente em que viviam e dos amigos.
39- A Ré é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública que, através o seu Centro Clínico C... se dedica à prestação de cuidados especializados de oncologia e de investigação translacional.
40- O paciente JM... foi submetido a 3 ciclos de quimioterapia com ABVD que terminou em Dezembro de 2016 e 15 sessões de radioterapia (30 Gy).
41- O protocolo ABVD é o protocolo utilizado universalmente para o tratamento do linfoma de Hodgkin, designando cada uma destas letras um dos quatro fármacos utilizado no tratamento por quimioterapia, sendo a letra B a correspondente à Bleomicina.
42- A eventual toxicidade da Bleomicina é inerente à utilização deste protocolo e não existe qualquer medida preventiva que a possa afastar, sendo que a mesma ocorre em 10% a 53% dos doentes a quem é administrado o protocolo.
43- A única solução para eliminar tal risco seria não administrar a Bleomicina mas tal implicaria a ineficácia do tratamento.
44- Em Abril de 2017 inexistiam motivos que determinassem o internamento do JM....
45- O paciente JM..., no momento em que teve conhecimento de que seria submetido a 15 sessões de radioterapia, em 15 dias uteis seguidos, perguntou à responsável por tal tratamento, Dr.ª BN..., se o mesmo não poderia ser abreviado para apenas duas sessões.
46- No dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticóides, que é o tratamento adequado para lhe fazer face.
47- A Dr.ª BN... anotou no seu diário clinico em 23/04 “agendo PET-SC para 21 de Abril- 8 semanas após termino RT (paciente virá a Portugal nesta data, tendo de regressar a Moçambique no domingo seguinte)” * Eliminado nesta decisão
48- No dia 30 de Março de 2917 JM... envia email à Dr. BN..., cuja cópia se encontra junta como doc. 4 da contestação (fls. 108) no qual refere “(...) atenta a minha actividade profissional, muito gostaria de pedir à Dr.ª B...que pudesse remarcar a consulta para o dia 20 ou 21/04, uma vez que só poderei deslocar-me a Lisboa nessa semana por escassos dias, e dessa forma mantinha a PET para o dia 21/04”
49- O paciente JM... compareceu no centro clínico da Ré no dia 19/04/2017, sem que tivesse marcado previamente qualquer consulta ou exame.
50- Apesar disso, foi observado de imediato pelos médicos da ré, realizou TAC no próprio dia, cujos resultados foram analisados em conjunto com o Dr. NG..., médico oncologista que exerce funções na unidade do pulmão.
51- A TC confirmou sofrer o JM... de uma pnemonite provocada pela toxicidade ao medicamento Bleomicina, conclusão a que chegou, também o Dr. NG....
52- No dia 19/04 o Dr. MN... anotou no seu diário clínico “doente sem disponibilidade para vir a Portugal”.* Eliminado nesta decisão
53- Caso o resultado da PET realizada a 21/04 não fosse favorável o paciente teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e ainda a um auto-transplante de medula.
54- O email referido em 24 foi enviado por JM... em resposta ao email enviado pelo Dr. MN... , junto a fls. 71 dos autos e que aqui se dá por reproduzido no qual refere “Bom dia, Era para perguntar se está melhor e como tem sido a evolução”.
55- As análises clínicas realizadas pelo paciente JM... no dia 29 de Março revelam um índice de PCR (Proteína C reactiva) no sangue de 12,7 mg/l, e as análises realizadas em Maio de 2017 revelam uma PCR de 111,65mg/l. (doc. de fls. 110)
56- A Ré celebrou com a F... Companhia de Seguros, SA, contrato de Seguro de responsabilidade civil geral e profissional, titulado pela apólice 8331972, nos termos do doc. 5 junto com a contestação que aqui se dá por reproduzido.
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:
a) Ao longo das sessões de quimioterapia foi referido pelos médicos ao JM... que havia a hipótese de ser sujeito a duas sessões de tratamento de radioterapia.
b) Nos dias 10 a 12 de Março JM... sofreu agravamento das queixas que tinha com sintomas de inchaço, cansaço mesmo em repouso e falta de ar, informando os médicos assistentes do agravamento do seu quadro clinico, que punha em causa o seu dia a dia.
c) Em resposta às comunicações referidas em b) os médicos desvalorizaram as suas queixas referindo ser uma evolução esperada, consequente ao uso da cortisona e seria só uma questão de pouco tempo para que as melhoras fossem sentidas.
d) Que o paciente tenha realizado os exames referidos em 15 por se encontrar em situação de desespero.
e) Que nas circunstâncias referidas em 16 os exames médicos tenham evidenciado existência de fibrose pulmonar.
f) Que na sequência dos exames realizados entre 19 e 21 de Abril os clínicos da ré tenham manifestado ao JM... ausência de qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique.
g) Que nas circunstâncias descritas em 28 os médicos da ré não dessem qualquer solução às queixas e sintomas apresentados pelo JM....
h) No Hospital de Maputo foram realizados vários exames auxiliares de diagnóstico logo na altura da admissão entre os quais uma radiografia ao tórax que revela o pulmão esquerdo com uma extensíssima lesão sugerindo que a única hipótese seria a recuperação do pulmão direito.
i) Desde o momento da admissão foi tentada pelo hospital a realização de TAC torácica e abdominal, não concretizada por impossibilidade de manipular o doente em situação descrita como crítica.
*
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação.
Neste sentido, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Logo, os aspectos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se, pois, com a definição clara do objecto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Face ao disposto no artº 640º do CPC e tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 1/10/2015: Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso”, e ainda “Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”.
Entende a recorrida que os Recorrentes não dão cumprimento, nas conclusões das suas alegações de recurso, ao exigido pela al. b) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., uma vez que não indicam quais os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida. Especificando que quanto aos factos descritos nos n.ºs 43, 44, 45, 47 e 52 da enumeração dos factos provados, limitam-se a transcrever breves declarações das testemunhas e invocar documentos, não referindo qualquer meio de prova em concreto e com a fundamentação que se impunha, para que a decisão fosse diversa da recorrida. Quanto aos factos descritos nos n.ºs 21, 46, 51, 49, 50, 53 e 55 da enumeração dos factos provados, limitam-se a pugnar pela sua alteração, sendo que analisados caso a caso, tais alterações não são relevantes para a decisão a proferir nestes autos. No que diz respeito aos factos não provados identificados nas alíneas a) a i), limitam-se a tecer considerações e reparos sobre as declarações de parte da Autora, com as quais pretendem contrariar o vertido nos vários exames médicos, sem que os mesmos assentem em quaisquer meios de prova, pelo que nunca poderiam indicar, como não indicam, quais os meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida.
Também refere que para além de não especificarem os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida, os Recorrentes também não indicam, com exactidão, as passagens da gravação em que fundam o seu recurso. Concluem que tal deverá determinar a rejeição do recurso.
Face ao supra referido quanto ao ónus que se impõe ao recorrente para a possibilidade de alteração dos factos, entendemos que do corpo das alegações resulta o cumprimento mínimo do preceituado quanto à possibilidade de ser objecto de apreciação em sede de recurso. Porém, dada a extensão da impugnação, tal será apreciado em concreto relativamente a cada facto cuja alteração se pretende.
A recorrida nas suas contra-alegações refere que os Recorrentes impugnam, praticamente, toda a matéria de facto controvertida que foi decidida na sentença recorrida, peticionado ao tribunal ad quem que altere a decisão sobre a matéria de facto proferida em relação aos factos descritos nos n.ºs 21, 43, 44, 45, 46, 47, 51, 52, 53, 55 da enumeração dos factos provados e considere como provados as alíneas a), b), c), e), f), g), h), i) da enumeração dos factos não provados. Sustentam assim, que é entendimento firme e pacífico dos tribunais superiores que a tutela de que goza o Recorrente a um duplo grau de jurisdição, no que à matéria de facto diz respeito, não pode subverter o princípio da imediação e da livre apreciação das provas pelo tribunal de primeira instância. Concluindo que a reapreciação da matéria de facto pela instância de recurso não se destina a obter uma nova convicção a todo o custo, mas a verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido. Pretendem que tal entendimento resulta de vários arestos deste Tribunal, datados de 2002, 2003, 2004, 2005 e de 2009.
Neste aspecto razão não assiste à recorrida. Com efeito, o actual artº 662º do CPC, ao contrário do previsto anteriormente, determina que a Relação deve alterar a matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova mostrem uma solução diversa, ficando afastado definitivamente o argumento que a modificação só ocorre nos casos de "erro manifesto". Todos os Acórdão invocados são relativos ao sistema de recurso anterior. Em anotação aos artºs 640º e 662º do CPC, refere António Santos Geraldes ( in “Recurso no Novo Código de Processo Civil”, pág. 162 e ss e 284 e ss) consagra-se em tais preceitos o verdadeiro segundo grau de jurisdição, desde que cumpridos os ónus de impugnação, resultando com clareza a possibilidade de sindicar a decisão, podendo contrariar-se o juízo formulado na 1ª instância relativamente aos meios de prova que foram objecto da livre apreciação, logo, com autonomia decisória, mediante a apreciação dos meios de prova indicados e dos que se mostrem acessíveis.
Posto isto, importa apreciar cada um dos pontos indicados de per si.
· O ponto 21º
Começam os recorrentes por pretender que o facto que consta do elenco dos factos provados como nº 21 deve ser alterado para: “Em 21 de Abril de 2017 a Dr.ª BN... envia um e-mail contendo o resultado da PET dizendo “Boas novas da PET-CT não há evidência de doença linfomatosa! Há sim evidência de alterações inflamatórias mas isso já sabíamos! Vou entrar de férias amanhã e regresso dia 4/05 depois falo com o M... sobre os exames a fazer!!! Um beijinho e as melhoras da pneumonite!”- cfr doc. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido.”. Dizendo, tal é o que consta, efectivamente, do Documento nº 24 junto com a Petição Inicial, sendo o segmento cortado pelo douto Tribunal a quo é extremamente relevante para a percepção do tom do e-mail enviado e, como tal, demonstrativo da pouca relevância dada às queixas do paciente.
A recorrida nas suas contra alegações responde que tal pretensão é manifestamente improcedente, uma vez que todo o conteúdo da mensagem foi julgado provado pelo tribunal recorrido, que a deu por integralmente reproduzida, tendo este apenas destacado e feito constar do texto do n.º 21 do elenco dos factos provados as partes que considerou relevantes para a sentença. Ou seja, a circunstância de o tribunal recorrido ter escolhido alguns excertos e não outros desta mesma mensagem, cujo conteúdo integral julgou provada, para os fazer constar do texto do facto descrito do n.º 21 do elenco dos factos provados, não pode ser impugnada mediante o recurso da decisão sobre a matéria de facto, porque a sua procedência não teria qualquer relevância.
Manifestamente assiste razão à recorrida, pois o facto contido no ponto 21 reproduz na íntegra o teor do documento em causa, logo, incorpora a totalidade do documento, sendo improcedente, por inútil, tal pretensão de alteração.
· Os pontos 43., 46 e 51 e alíneas), c), d), e) e g)
Quanto aos pontos 43, 46 e 51 dos factos provados, entendem os recorrentes que o ponto 43 deve ser julgado como não provado, o facto constante do elenco dos factos provados como nº 46 deve ser alterado para “No dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticoides” e o facto constante do elenco dos factos provados como nº 51 deve ser alterado para “A TC confirmou sofrer o JM... de uma pneumonite fibrosante provocada pela toxicidade ao medicamento Bleomicina”, devendo ainda os factos constante do elenco dos factos não provados b), c), d), e) e g) ser julgados como provados.
Referem nas suas conclusões que a expressão “que é o tratamento adequado para lhe fazer face” constante do facto provado nº 46 é meramente conclusiva e induz em erro, uma vez que o tratamento de corticoides não é adequado em qualquer situação de toxicidade, bem como perde relevância se, após algumas semanas, não houver melhorias. Quanto ao facto provado nº 51, o Dr. NG... nunca foi ouvido como testemunha, nem decorre da documentação junta aos autos que ele tenha chegado a que conclusão fosse ou sequer analisado o paciente, mas apenas de depoimentos indirectos por parte dos médicos da Ré, que foram pouco convincentes e até contraditórios.
Mais defendem que a existência de pneumonite fibrosante está confirmada pelos Documentos nºs 18, 21 e 22 junto com a Petição Inicial, sendo que as diversas queixas do paciente e a consequente desvalorização e falta de resposta por parte dos médicos da Ré, que se limitaram a receitar prednisolona, mesmo sem alterar a terapêutica e até aumentando a dose, sem que esta estivesse a fazer o devido efeito, se encontram provadas pelo Documento junto com o requerimento datado de 28 de Novembro de 2019 (REFª 24788327), e pelos Documentos nºs 17, 19, 20, e 23 a 26 juntos com a Petição Inicial. Concluindo que a necessidade de, em caso da existência de queixas respiratórias, após ser ministrada bleomicina, efectuar exames complementares, como o teste da função pulmonar, o lavado broncoalveolar, ou a biopsia pulmonar, que nunca foram feitos pelos médicos da Ré a este paciente, ficou provada através do Documento nº 2 junto com a Contestação.
Assentam ainda as alterações pretendidas nas declarações de parte da Autora A..., alegando que das mesmas resulta claramente as dificuldades respiratórias do falecido, o momento em que estas tiveram início e a desvalorização e falta de resposta dos médicos da Ré, bem como que a elaboração de exames apenas a pedido do paciente, sem que por iniciativa dos mesmos tenham sido feitos exames complementares, e ainda o desespero do paciente face à falta de resposta da Ré, sendo que a falta de resposta dos médicos e o desespero do paciente foram também confirmados pela testemunha dos Autores RF.... Do mesmo modo, defendem que o depoimento da testemunha CF... também confirma as graves dificuldades respiratórias de que padecia o falecido, bem como da falta de resposta dos médicos da Ré. Por outro lado, também a existência de fibrose pulmonar e a necessidade de efectuar exames complementares, como o teste da função pulmonar, o lavado broncoalveolar, ou a biopsia pulmonar, que nunca foram feitos pelos médicos da Ré a este paciente, foram confirmados pela prova testemunhal, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES..., bem ficou provado que se poderia ter realizado um transplante, que o paciente devia ter sido vigiado de forma mais apertada, especialmente tendo em conta que a toxicidade à bleomicina é um fenómeno conhecido, que a terapêutica da prednisolona não estava a ter efeito relevante e que foi receitada durante um período demasiado longo e que os médicos da Ré não adoptaram o protocolo adequado a estas situações. Pretendem ainda afirmar que “(q)uanto aos depoimentos das testemunhas da Ré, estes são claramente pouco convincentes e contraditórios, não tendo tal sido devidamente considerado”.
No tocante a estes pontos contra alegou a recorrida que os recorrentes não concretizam os meios de prova que poderiam justificar decisão diversa da recorrida. Mais referem que tais factos ficam confirmados pelos depoimentos das testemunhas MN..., AP..., PL..., LC..., AC...; e JES.... Mais referem que estes depoimentos, aliás, estão suportados nos documentos juntos aos autos pela Recorrida Fundação C..., nomeadamente pelo doc. n.º 3.
Quanto ao facto descrito no n.º 46  refere que ao contrário do pretendido a adequação de um medicamento para tratar uma doença não é um “facto conclusivo”, resultando ainda a prova dos depoimentos das testemunhas indicadas e ainda BN.... No que diz respeito ao facto descrito no n.º 51 da enumeração dos factos provados e a pretensão de ser julgado provado o facto descrito na al. e) da enumeração dos factos não provados, nem os docs. n.º 18, 21 e 22 juntos com a petição inicial, nem o depoimento das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES..., são de molde a confirmar da  existência de fibrose pulmonar, tendo sido contrariado pelos depoimentos de MN..., BN..., AP..., PL... e LC....
Em relação às alíneas b) e c) dos factos não provados, defende que está em causa um lapso dos Recorrentes, pois as comunicações em causa tiveram lugar não em março mas em abril de 2017, como resulta dos factos descritos nos n.ºs 16. e 17 da enumeração dos factos provados, que reproduzem o teor exacto das mensagens efectivamente trocadas, inexistindo ou não tendo sido juntas outras, como se evidencia pelo depoimento das testemunhas Dr.ª BN..., RF... e CF....
 No que respeita aos factos descritos nas als. d), e) e g), responde a recorrida que os Recorrentes não indicam qualquer meio de prova que imponha decisão diversa da recorrida, nem existem quaisquer meios de prova que possam contribuir para que estes factos sejam julgados provados.
Os pontos em causa são do seguinte teor:
43- A única solução para eliminar tal risco seria não administrar a Bleomicina mas tal implicaria a ineficácia do tratamento.
46- No dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticóides, que é o tratamento adequado para lhe fazer face.
51- A TC confirmou sofrer o JM... de uma pnemonite provocada pela toxicidade ao medicamento Bleomicina, conclusão a que chegou, também o Dr. NG....
            Quanto às alíneas de factos não provados ora impugnados são os seguintes:
b) Nos dias 10 a 12 de Março JM... sofreu agravamento das queixas que tinha com sintomas de inchaço, cansaço mesmo em repouso e falta de ar, informando os médicos assistentes do agravamento do seu quadro clinico, que punha em causa o seu dia a dia.
c) Em resposta às comunicações referidas em b) os médicos desvalorizaram as suas queixas referindo ser uma evolução esperada, consequente ao uso da cortisona e seria só uma questão de pouco tempo para que as melhoras fossem sentidas.
d) Que o paciente tenha realizado os exames referidos em 15 por se encontrar em situação de desespero.
e) Que nas circunstâncias referidas em 16 os exames médicos tenham evidenciado existência de fibrose pulmonar.
g) Que nas circunstâncias descritas em 28 os médicos da ré não dessem qualquer solução às queixas e sintomas apresentados pelo JM....
Vejamos então.
O facto contido no ponto 43. tem a sustentar o mesmo, quer o depoimento da testemunha JES...,  que acabou por referir que a terapia era a adequada ao tratamento do linfoma Hodgkin, de que o falecido padecia, mas essencialmente o depoimento da testemunha MN..., quem acompanhou o doente na fase da quimioterapia. Esta testemunha explicou e foi corroborado pelas demais ouvidas e relacionadas com o tratamento de JM..., que logo quando o mesmo iniciou as consultas junto da Fundação ré foi efectuada uma reunião multidisciplinar, a 4/10/2016, e foi aí que no conjunto dos médicos de cada especialidade envolvida foi decidido que o protocolo adequado ao tratamento e erradicação do linfoma de Hodgkin de grau II seria “ABVD”, ou seja a sigla que representava cada fármaco, sendo que cada um tem risco e toxicidade. O “B” em tal protoloco é a bleomicina, mas sem esta a taxa de sobrevivência no tipo de linfoma em causa é diminuto, pelo que sempre haverá que ponderar o risco/benefício, sendo que este último supera o primeiro. Quanto a este equilíbrio entre a toxicidade da bleomicina e a vantagem do mesmo foi ainda peremptório a testemunha AP..., director clínico nesta área na Fundação ré, professor especialista na área da hematologia oncológica. Aliás esta testemunha referiu inclusive que a toxicidade à bleomicina é ponderada tendo em conta os factores de risco de cada doente, sendo que no caso tais factores não existiam (fumador, velhice, reacções alérgicas), ou seja não havia riscos acrescidos. Tal foi reafirmado por PL..., médico director da hematologia na Fundação, dizendo expressamente que retirando tal fármaco a possibilidade de sucesso ou cura é muito mais diminuta.
As declarações da Autora, como pretendem os recorrentes, não são de molde a contrariar tal juízo, a esposa do JM... não acompanhou o mesmo às consultas, não tem conhecimentos médicos e a mesma nada referiu em concreto sobre esta questão. 
Improcede assim, a apelação nesta parte, mantendo-se o ponto 43. 
O mesmo ocorre com o facto contido no ponto 46., na sua última parte, pois a eficácia ou não segundo a legis artis de um determinado fármaco perante determinada patologia é relevante, sem que revista natureza conclusiva face ao caso em concreto. Quanto a essa adequação afirmada no ponto 46. resulta dos depoimentos supra referidos e ainda que a testemunha AC..., médica pneumologista amiga da mãe da autora, tenha dito que a proposta terapêutica não foi a adequada, do seu depoimento resulta que parte sempre da circunstância de dar como provável que o doente tinha uma fibrose pulmonar. Ou seja, tal testemunha não acompanhou JM..., nunca teve qualquer contacto com o mesmo, dizendo que analisou o “processo do mesmo”, desconhecendo-se em concreto o que analisou ou lhe foi facultado ou sequer dito, mas até esta testemunha acabou por dizer que o tratamento inicial será com corticóides, nomeadamente quando estamos a falar numa reacção epidérmica, sendo certo que o seu depoimento visou a inadequação do tratamento dada as manifestações a nível do pulmão ou queixas respiratórias, sendo que estas não resultam evidentes até final de Abril, princípios de Maio.
No que concerne à eliminação da parte final do ponto 51., a resposta tem sustentação no depoimento da testemunha MN..., médico que acompanhava o doente e afirmou que consultou um médico oncologista/pneumologista em concreto como tendo sido o Dr. NG.... Acresce que a afirmação das reuniões interdisciplinares realizadas na Fundação ré, permitem-nos concluir que tudo era analisado e aferido em conjunto com os inputs das várias especialidades. Porém, mesmo que fosse de eliminar tal parte final do ponto 51., manter-se-ia o mais, sendo a primeira parte a mais relevante, sem sequer haver necessidade da prova da segunda parte. Mas face ao depoimento de MN... e ainda do médico pneumologista LC..., que confirmou que foi consultado um médico dessa especialidade na Fundação, entendemos que é de manter a resposta.
Quanto à prova dos factos contidos nas alíneas b), c), d), g) e e) percorrida toda a prova é manifesta a resposta negativa a tais factos, ou seja, ouvidos todos os depoimentos e da conjugação de todos e a troca de emails nada nos permite concluir pela prova de tais factos. Acresce que haveria que concretizar o “desvalorizaram as suas queixas” e “situação de desespero” contida em tais alíneas. 
Tal como se refere na fundamentação da sentença recorrida de forma acertada: «No que respeita às al. b) e c) resultaram não provados tais factos porquanto inexistem nos autos quaisquer comunicações do doente com os médicos naquelas datas.
A al. d) assim se considerou porquanto, não obstante ter realizado exames em Maputo no dia 8/04, o doente envia email a 11/04 à Dr.ª BN... não evidenciando qualquer desespero ou preocupação acrescida fazendo referência a “relativa urgência”.
Resultou não provado o facto constante da al. e) porquanto do teor do doc. 18 da PI não resulta qualquer referência a fibrose.
O depoimento dos Dr. MN... e BN... determinou que se considerasse não provado este facto. Explicaram estes médicos que foi explicado ao doente a necessidade de monitorização, sendo que o doente lhes disse que teria de voltar para Moçambique, como efectivamente fez, ainda no dia 21/04, não aguardando, sequer, pelo resultado do PET efectuado, do qual só teve conhecimento por email, já em Moçambique. Por essa razão, comprometeu-se o doente a dar conhecimento da evolução por email, como veio a fazer a 2/04 e mais tarde a 9/4, na sequência de email do Dr. MN... a perguntar pelo seu estado. Tal determinou também a al. g) já que o doente estava medicado, verificando-se interesse dos médicos em acompanhar a evolução do seu estado clinico, tenso o dr. MN..., em 9/05 dito expressamente ao doente para tirar umas semanas e vir para Portugal porquanto não pode resolver tudo por email, sendo que a esse email já o doente não respondeu, não havendo qualquer outra comunicação posterior».
Logo, os factos das alíneas b) e c) dos factos não provados teriam de resultar da junção de comunicações em 10 e 12 de março, ora, com efeito, existem comunicações em Março entre JM... e a testemunha BN..., médica que acompanhou directamente o doente no tratamento de radiologia, que decorreu entre 6/02 a 24/02, ou seja em quinze sessões durante quinze dias úteis. Todavia, essas comunicações são de 3 de Março – junta a fls. 250 – na qual o doente informa que regressou a casa, ou seja a Moçambique, pois a testemunha afirmou que o doente viajou para tal país logo no último dia da radioterapia, ou no dia seguinte – 25/02, o que fica corroborado pelo conteúdo de tal email, porém, este não é de molde a confirmar o teor da alínea b), pelo contrário infirma o mesmo. Pois depois de o paciente JM... descrever tudo o que sente, dizendo o que faz para minimizar tais efeitos, arremata dizendo “Finalmente, quanto ao cansaço e apesar do esforço e calor, tenho-me sentido muito bem e sem palpitações”. Não invoca falta de ar, dizendo que começou a trabalhar, fala nas condições meteorológicas adversas – na ordem dos 40 graus com baixa humidade – refere a forte retenção de líquidos e o inchaço, mas concluindo que tal desaparece após algum descanso, e alude à perda de paladar. A testemunha BN... responde a tal email a 6/03, conforme fls. 247, e refere o que deve fazer quanto ao paladar, ao inchaço e fala ainda do “desmame” dos corticóides, que espera poder ser feito “sem demoras de maior”. JM... volta a comunicar via email mas a 30/03 – cf. Fls. 244 e 245, aí fala pela primeira vez nas dificuldades respiratórias “particularmente a subir escadas”, mas não sendo notória nas caminhadas curtas. Neste email fala da consulta da net, e perante esta sugestão retirada da net pergunta se já existiria cicatrização ou “fibrose”, mas é nesse mesmo email que pede o adiamento da consulta para 20 ou 21/04. Manifestamente tal email não evidencia qualquer desespero, pois tal como refere a testemunha BN... a consulta estava marcada para 12/04 e é por conveniência do doente que é desmarcada e marcada para uma data mais tardia, tal também como resulta do email de resposta logo no dia 31/03 – cf. Fls. 244. A data de 12/03 como sendo de agravamento dos sintomas é apenas referido pela Autora, mas ao contrário do afirmado pela mesma inexiste prova de qualquer contacto via email com os médicos que acompanhavam o doente, o que seria determinante para dar como provado tais factos.
No tocante à alínea g), manifestamente a existência de fibrose não resulta dos exames juntos aos autos, nem esta seria compatível com o período que mediou entre o final do tratamento com bleomicina – 28 de Dezembro – e a data de tais exames – início de Abril ( pois refere no email de 11/04 que tais exames terão sido feitos “na passada semana” – cf. Fls. 49 vº e ss ). Com efeito, nada releva o depoimento de AC... ou até de JES..., pois ambos partem do princípio, que não resulta provado, que o doente tinha queixas de dificuldade de respiração logo após o tratamento da quimioterapia, o que não se verifica, por outro lado, ambos alegam que viram a PET realizada logo após o tratamento de quimioterapia e a realizada em abril, ou seja depois do tratamento com radioterapia, porém, nenhuma destas testemunhas refere que tenha visto os demais exames, pois a alteração pulmonar evidenciada pela PET foi diagnosticada como sendo uma pneumonite, tratada com corticóides. Ora, a PET visava aferir da eficácia do tratamento do linfoma, pelo que quando o doente se deslocou a Lisboa, o que ocorreu a 19 de Abril, é que foi realizado um exame ao tórax, e foi através da TAC que se permitiu aferir o diagnóstico. Tal foi explicado de forma clara pelo Dr. MN..., pela Dra BN..., pelo Dr. AP..., pelo Dr. PL... e pelo Dr. LC.... Todos foram peremptórios em afirmar que para existir fibrose teria de ter decorrido um período mais longo de tempo, pois a fibrose é a cicatrização de uma patologia, que apenas surge de seis meses a um ano depois. Como refere a testemunha MN... a 19/04 o doente é visto pelo mesmo e é feito uma TAC, em fevereiro tem uma toxicidade cutânea, é na TAC que é detectada uma pneumonite por toxicidade à bleomicina. Para existir fibrose a dificuldade respiratória não seria em esforço, mas sim evidente e a necessitar de oxigenação nas tarefas normais. Mais refere que o racional clínico seria sempre com corticóides, pois a toxicidade provocada pela bleomicina não determina a existência de infecções, mas sim de inflamação, logo dá pneumonite e não pneumonia. Acresce que esta pneumonite só surge depois da radioterapia, ainda que a bleomicina tenha sido administrada na quimioterapia. A testemunha BN... confirma o diagnóstico da inflamação – pneumonite – a 19/04, pela TAC, explicando a testemunha AP... que a TAC não revela fibrose mas sim uma inflamação, ou seja não há densificação no exame, mas sim imagens dispersas. Reafirmando que o doente só falou em dificuldade respiratória em esforço e não em repouso, ou seja tinha um ritmo respiratório normal em repouso pela análise clínica que foi feita, não havia “de todo” motivo para internamento, não tinha sinais de saturação, sendo tal aferido em consulta.  
O teor da alínea g) fica logo contrariado pelos factos provados em 16., 17., 22., 23., 24. e 25. Que evidenciam as respostas prontas dos médicos que acompanhavam o doente, ainda que via email, mas por constrangimentos do próprio doente, pois o Dr. MN... até conclui “ se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem, marque um voo para cá”, isso em resposta a um email de 9 de maio às 11:52, e nesse mesmo dia às 15:31, porém, JM... permaneceu em Moçambique.
Deste modo, é de manter as respostas tal como constam da sentença.
· O ponto 44.
Os recorrentes impugnam ainda o facto contido no ponto 44., que entendem que deveria ser dado como não provado, dizendo que tal advém dos Documentos nºs 19, 21, 22, 25 e 26, juntos com a Petição Inicial e Documento junto com o requerimento datado de 28 de Novembro de 2019, bem como do depoimento do Dr. JES....
A recorrida relativamente a esta impugnação refere que os documentos indicados não permitem a resposta negativa pretendida, sendo que os mesmos demonstram precisamente o contrário do que pretendem os Recorrentes, e ficou demonstrado pelos depoimentos de M... N..., BN..., AP... e LC.... Mais dizendo que não pode ser invocado, em sentido contrário, o depoimento da testemunha JES..., que nunca avaliou o paciente nem teve acesso ao seu processo clínico.
O ponto em causa é do seguinte teor:
44- Em Abril de 2017 inexistiam motivos que determinassem o internamento do JM....
No que diz respeito a este ponto é manifesto pelo que supra já se referiu que o depoimento da testemunha JES... não nos permite dar resposta negativa a este ponto, ou mais concretamente dar o mesmo como não provado, pois basta ver que da prova produzida inexistiam queixas respiratórias graves do doente e da TAC resultou o diagnóstico aludido. Aliás, há que referir ainda que a testemunha BN... que assistiu o doente no tratamento da radioterapia que decorreu entre 6/02 a 24/04, refere o seguinte: depois do tratamento a 1ª avaliação seria a 24/03, depois passou por conveniência do doente para 12/04, tendo sido ainda adiada pelo doente para juntar a avaliação clínica e o PET, antecipando este mas atrasando aquele. Em abril o diagnóstico foi de pneumonite, pois o exame em abril revela a existência de uma inflamação. Para o diagnóstico o exame que foi feito é suficiente para detectar uma inflamação, a medicação para esta iniciou-se a 19/04, pelo que não tinha sido possível aferir da sua capacidade terapêutica. Logo, manifestamente inexistiam motivos para internamento nessa data, mantendo-se inalterado tal ponto.
· O ponto 45. e alínea a)
Pretendem ainda os recorrentes que se considere como não provado o factos constante do ponto nº 45 e o facto constante do elenco de factos não provados como a) deveria ter sido julgado como provado. Alicerçam tal alteração no teor das declarações de parte da Autora A... e do depoimento do Dr. MN....
No que concerne a esta alteração, a recorrida contra argumentou que a Autora A..., nunca esteve presente em qualquer reunião com a equipa médica da Recorrida, na qual tivesse sido transmitido o número de sessões previstas de radioterapia, sendo que tal foi esclarecido pelas testemunhas MN...e B...Maria de Matos.
O Facto em causa é do seguinte teor:
45- O paciente JM..., no momento em que teve conhecimento de que seria submetido a 15 sessões de radioterapia, em 15 dias uteis seguidos, perguntou à responsável por tal tratamento, Dr.ª BN..., se o mesmo não poderia ser abreviado para apenas duas sessões.
Quanto à alínea a):
a) Ao longo das sessões de quimioterapia foi referido pelos médicos ao JM... que havia a hipótese de ser sujeito a duas sessões de tratamento de radioterapia.
Manifestamente é de considerar inalterados tais pontos, pois parecem os recorrentes confundir a quimioterapia a o número de sessões da mesma, com a radioterapia e número de sessões desta. Senão vejamos.
As declarações da Autora não são de molde a alterar tais respostas, pois não acompanhou o marido na consulta de radioterapia, esta com a Dra BN.... Afirmou que acompanhou sim numa consulta com o Dr. MN... e que este referiu que seriam quinze sessões.
Ora, da prova produzida e apesar das reuniões multidisciplinares, onde se decidiam as terapêuticas em conjunto, as sessões de quimioterapia e da radioterapia eram acompanhadas por médicos diferenciados. Como resulta dos depoimentos dos médicos de cada um dos tratamentos. O primeiro tratamento, com o protocolo “abdv”, decorreu entre Outubro de 2016 a 28 de Dezembro do mesmo ano, correspondente a 3 ciclos de seis administrações. Quanto à radioterapia esta só se decide em concreto depois do PET que se realiza após o final da quimioterapia. Como indica a testemunha BN..., a 1ª consulta foi com a própria, sendo que é a mesma que faz a definição do nº de sessões de radioterapia, seguindo as orientações internacionais. Esclareceu  a mesma que o linfoma era Hodgkin e após a quimioterapia é feita o PET e exame imagiológico para ser aferida a evolução do doente, apenas avançam com a radioterapia de consolidação com resultado favorável, mas aquela decorreria em quinze sessões, durante quinze dias úteis seguidos, sendo que apenas comunicou o nº de sessões na 1ª consulta. Mais referiu que o doente queria fazer em menos tempo, dada a situação profissional, mas foi-lhe explicado que seria sempre 3 semanas, ou seja 15 dias úteis seguidos.
Donde, improcede também nesta parte o recurso.
· Os pontos 47. e 52.
No âmbito do recurso pretendem os recorrentes que se considerem os factos contidos nos pontos 47 e 52 sejam dados como não provados, quer por entenderem que não foi produzida prova, quer ainda face às regras do ónus da prova e ao facto de se tratarem de documentos escritos, em posse da Ré, pelo que a esta caberia a prova da sua existência e do seu conteúdo, o que não ocorreu.
Em resposta a recorrida referem que tal tem sustento nos depoimentos da testemunha MN...e da testemunha BN....
Os pontos 47. e 52. são do seguinte teor:
47- A Dr.ª BN... anotou no seu diário clinico em 23/04 “agendo PET-SC para 21 de Abril- 8 semanas após termino RT (paciente virá a Portugal nesta data, tendo de regressar a Moçambique no domingo seguinte)”
52- No dia 19/04 o Dr. M... N... anotou no seu diário clínico “doente sem disponibilidade para vir a Portugal”.
Neste aspecto razão assiste aos recorrentes, pois os pontos em causa transcrevem o constante dos diários clínicos, sendo que estes não foram juntos aos autos, nem as testemunhas indicadas nos pontos em causa procederam à sua leitura em tribunal. Assim, haverá que eliminar tais factos, o que se decide.
· Os pontos 49. e 50.
Pretendem os recorrentes que os pontos nºs 49 e 50 sejam alterados para: “49- O paciente JM... compareceu no centro clínico da Ré no dia 19/04/2017. 50 - Foi observado pelos médicos da Ré e realizou TAC no próprio dia.”
Em abono da sua pretensão referem que tal resulta da prova documental (Documento nº 19) e do facto provado nº 16 que o paciente solicitou previamente uma consulta de pneumologia para essa semana, as expressões “apesar disso” e “de imediato” são conclusivas e até um pouco especulativas e não existe prova suficiente que permita determinar se o Dr. NG... analisou ou não os resultados.
A recorrida por sua vez pugna pelo indeferimento, dizendo que com esta alegação pretendem alterar o contexto que levou a que este facto fosse julgado provado, pois o mesmo deve ser entendido em conjugação com o facto julgado provado no n.º 48. da enumeração respectiva. Pois o que se pretende destacar com a frase final do facto descrito no n.º 49 da enumeração dos factos provados é que o paciente JM... marcou os exames para o dia 21 de abril e compareceu no centro clínico da Recorrida dois dias antes, sem qualquer marcação, facto indesmentível. Concluindo que a mensagem que o paciente JM... enviou em 11 de abril e que constitui o doc. n.º 19 junto com a petição, em nada releva para a prova deste facto, uma vez que o que dela consta é o seguinte: “muito gostaria de colocar à vossa decisão a eventual marcação na próxima semana de uma consulta de pneumologia de “relativa” urgência”. Mais diz que tal sequência de factos foi claramente explicada pela testemunha M... N.... No tocante ao ponto 50. Dizem que os recorrentes não indicam os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que tal facto foi corroborado pelo depoimento da testemunha M... Martins Leão.
Os pontos em causa são do seguinte teor:
49- O paciente JM... compareceu no centro clínico da Ré no dia 19/04/2017, sem que tivesse marcado previamente qualquer consulta ou exame.
50- Apesar disso, foi observado de imediato pelos médicos da ré, realizou TAC no próprio dia, cujos resultados foram analisados em conjunto com o Dr. NG..., médico oncologista que exerce funções na unidade do pulmão.
Entendemos que razão não assiste aos recorrentes para a pretendida alteração, pois resulta dos emails trocados e junto a fls. 244 e 255, que não estaria marcada consulta para o dia 19/04, pois é o doente que pretende a alteração de data no email de 30/03– tal como consta do ponto 48. não impugnado. Ora, a Dra. BN... no email de resposta no dia 31/03 sugere que vai tentar remarcar a consulta e pede para ir ter com a mesma na quinta feira, ou seja 20/04/2017. Logo, inexistia consulta marcada para 19/04. Quanto ao ponto 50. Tal tem respaldo e resulta do depoimento do Dr. MN..., tal como foi referido.
· Os pontos 53 e 55
Os recorrentes entendem que os pontos 53 e 55 devem ser alterados para: “53- Caso o resultado da PET realizada a 21/04 não indicasse a remissão do linfoma de Hodgkin, o paciente teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e ainda a um auto-transplante de medula. 55- As análises clínicas realizadas pelo paciente JM... no dia 29 de Março revelam um índice de PCR (Proteína C reactiva) no sangue de 12,7 mg/l, e as análises realizadas em Maio de 2017 revelam uma PCR de 111,65mg/l. (doc. de fls. 110)
Defendem os recorrentes que as análises clínicas realizadas pelo paciente JM... no dia 29 de Março, no Laboratório Joaquim Chaves, em Maputo, revelam um índice de PCR (Proteína C reactiva) no sangue de 12,7 mg/l, e as análises realizadas em Maio de 2017, no Instituto do Coração, em Maputo, revelam uma PCR de 111,65mg/l. (doc. de fls. 110)”. Pelo que entendem que o Tribunal a quo fez uma formulação imprecisa do facto provado nº 53, uma vez que a PET realizada a 21 de Abril de 2017 não apresenta um resultado favorável, uma vez que indica, de forma bastante clara, um grave atingimento pulmonar, embora também indique a remissão do linfoma, o que se verifica através do Documento nº 22 junto com a Petição Inicial e dos depoimentos das testemunhas Dra. AC... e Dr. JES....
Quanto ao facto provado nº 55, sustentam que os locais onde se realizaram as análises constam expressamente dos documentos relativos às mesmas (Vide Documento nº 4 junto com a Contestação e Documento nº 27 junto com a Petição Inicial), sendo extremamente relevante, para efeitos de análise da responsabilidade da Ré, considerar o facto de o paciente apenas ter realizado análises de sangue, em Maputo, e que os médicos da Ré não tenham sequer considerado fazer esses exames, em Abril, e utilizado exames com cerca de 20 dias de diferença. Dizendo que caso o resultado da PET realizada a 21/04 não fosse favorável o paciente teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e ainda a um auto-transplante de medula.
A recorrida por sua vez, refere quanto a estes pontos que os Recorrentes apenas se insurgem contra a formulação que o tribunal recorrido escolheu para os descrever, pelo que não questionam que correspondam à verdade, o que determina a improcedência da impugnação. Pois, diz que quanto ao facto descrito no n.º 53 da enumeração dos factos provados, os Recorrentes pretendem que em vez de “não fosse favorável” passe a constar “não indicasse a remissão do linfoma de Hodgkin”, pelo que não é controvertido nos autos que o exame foi “favorável” porque comprovou “a remissão do linfoma de Hodgkin”, doença de que padecia o paciente JM... e que o levou a contratar os serviços da Recorrida, o que resulta dos depoimentos das testemunhas JES... e BN.... Quanto ao ponto n.º 55 a alteração pretendida pelos Recorrentes, de modo a que seja acrescentado o local onde os exames foram realizados, para além de não constituir motivo para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, é também irrelevante, pois não é controvertido nos autos que os mesmos foram realizados em Maputo, facto que, como os Recorrentes afirmam, constam dos mesmos documentos, que se dão como reproduzidos na douta sentença recorrida.
Os pontos em causa são os seguintes:
53- Caso o resultado da PET realizada a 21/04 não fosse favorável o paciente teria que ser sujeito a novas sessões de quimioterapia e ainda a um auto-transplante de medula.
55- As análises clínicas realizadas pelo paciente JM... no dia 29 de Março revelam um índice de PCR (Proteína C reactiva) no sangue de 12,7 mg/l, e as análises realizadas em Maio de 2017 revelam uma PCR de 111,65mg/l. (doc. de fls. 110)
Soçobra a impugnação destes pontos, pois a PET visa aferir da remissão ou não do linfoma, pois a quimioterapia é a terapêutica utilizada para o linfoma, logo, a premissa do facto 53. relativa ás sessões de quimioterapia permitem concluir que o exame foi favorável para a terapêutica em causa. Acresce que no ponto 19. Foi dado como reproduzido o resultado de exame. Quanto ao local onde se realizaram os exames hematológicos, em momento algum na sua petição inicial os AA. ora recorrentes invocam a relevância da data ou local de tais análises, nomeadamente para assacarem a responsabilidade da Fundação. Ou seja, inexiste alegação da correlação de tal facto com a pretensa responsabilidade da ré. Donde, em nada releva o local ou a data dos exames, pois em momento algum é posto em causa nos autos a ausência de fidedignidade de tais exames, ou o período temporal como sendo relevante em concreto.
· A alínea f)
Os recorrentes pretendem ainda que se dê como provado o facto constante do elenco de factos dados como não provado como f), defendendo que tal resulta do Documento nº 26 que apenas a 9 de Maio de 2017 o Dr. MN... colocou a hipótese de o paciente vir a Portugal, mas apenas “se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem”, bem como a ausência de restrições está comprovada pelas declarações de parte da Autora A..., e pelos depoimentos das testemunhas CF..., Dr. MN... e Dra. BN....
Pugna a recorrida também pela improcedência, pois o que está em causa é a existência de uma comunicação dos clínicos da Recorrida, dirigida ao paciente JM..., no sentido de não haver qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique, inexistindo prova nos autos que demonstrasse este facto. E esta conclusão também resulta dos depoimentos citados pelos Recorrentes nas suas alegações, da Autora A... e da testemunha CF..., pois assumiram que não assistiram a qualquer conversa entre os clínicos da Recorrida e o paciente JM.... Em segundo lugar, mesmo tendo em conta o que dizem terem ouvido dizer do paciente JM..., nunca referem, nos seus depoimentos, que os clínicos da Recorrida transmitiram ao paciente JM... a ausência de qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique. Já as testemunhas que estiveram presentes nas reuniões com o paciente JM..., aquando da sua deslocação a Lisboa entre 19 e 21 de Abril, que o desaconselharam a regressar a Moçambique, ou seja os depoimentos de MN...e de BN....
O facto dado como não provado em f) é o seguinte:
f) Que na sequência dos exames realizados entre 19 e 21 de Abril os clínicos da ré tenham manifestado ao JM... ausência de qualquer restrição em prosseguir a medicação em Moçambique.
Ouvida toda a prova é manifesta a falta de comprovação de tal facto, quer pelo testemunho de BN..., que sempre afirmou ao doente que o ideal era ser monitorizado em Portugal, ainda que sem impor a presença. Mas essencialmente pelo Dr. MN..., comprovado aliás pelo email do mesmo a 9/05. Além disso, como se refere na motivação da sentença:« Efectivamente, os Dr. MN..., BN..., AP..., PL... e Luís Carreira confirmaram que o TAC efectuado a 19/04 apresenta a imagem típica e uma pneumonite, que no caso do doente, é certamente devida à toxicidade à bleomicina, o que pode suceder apos os tratamentos de quimioterapia, sendo ainda mais provável uma vez que já em Janeiro o paciente tinha apresentado reacção cutânea. Mais, excluíram a hipótese de em Abril o doente ter qualquer sinal de infecção, quer porque a imagem imagiológica é compatível com pneumonite, mas não com pneumonia, quer porque tal infecção não resulta das análises que o doente apresentou e que tinha efectuado em Moçambique. Todos foram unânimes em concluir que a pneumonite se trata com corticóides, em ambulatório, não havendo qualquer indicação para o internamento.
Estes depoimentos apresentaram-se claros, objectivos e isentos, sendo que, os Dr. MN... e BN..., acompanharam toda a evolução da situação clinica do paciente ao momento. Na verdade, crê-se, não é igual fazer o diagnóstico no momento e à medida que os sintomas vão aparecendo e vão sendo tratados, nas circunstâncias concretas de vida, do que apresentar eventuais diagnósticos feitos à posteriori, sem conhecer o paciente e partindo do dado ultimo- falecimento do paciente. Efectivamente, os Dr. AC... e JES..., não tendo tido qualquer contacto como doente e tendo apenas analisado alguns elementos clínicos após o falecimento daquele, com base em queixas que lhes foram relatadas por terceiros, levantaram a hipótese de se ter verificado uma situação de fibrose ou de infecções fúngicas secundárias, concluindo que não foram realizados exames de diagnóstico suficientes. Porém, resultou que face às queixas apresentadas aos médicos da ré e ao momento que foram feitas, não havia qualquer sinal de infecção, nem de dificuldade respiratória grave a necessitar de lavado broqueoalveolar ou testes de função pulmonar que serviriam para monitorizar a evolução, havendo, apenas, indicadores fortes de inflamação, correspondente a uma pneumonite na sequência do uso da Bleomocina.».
Dizendo-se ainda especificamente quanto a esta alínea:« O depoimento dos Dr. MN... e BN... determinou que se considerasse não provado este facto. Explicaram estes médicos que foi explicado ao doente a necessidade de monitorização, sendo que o doente lhes disse que teria de voltar para Moçambique, como efectivamente fez, ainda no dia 21/04, não aguardando, sequer, pelo resultado do PET efectuado, do qual só teve conhecimento por email, já em Moçambique. Por essa razão, comprometeu-se o doente a dar conhecimento da evolução por email, como veio a fazer a 2/04 e mais tarde a 9/4, na sequência de email do Dr. MN... a perguntar pelo seu estado. Tal determinou também a al. g) já que o doente estava medicado, verificando-se interesse dos médicos em acompanhar a evolução do seu estado clinico, tenso o dr. MN..., em 9/05 dito expressamente ao doente para tirar umas semanas e vir para Portugal porquanto não pode resolver tudo por email, sendo que a esse email já o doente não respondeu, não havendo qualquer outra comunicação posterior.».
Em reforço ainda da atitude do doente importa referir o depoimento da testemunha PL..., director da hematologia, a quem o Dr. MN... reportava na Fundação, o qual afirmou que no dia 19/04, não havia infeção, nomeadamente febre alta, com expectoração e alterações laboratoriais, afirmando ainda que não há que olvidar que se trata de um doente com linfoma, pelo que as infeções são sempre muito mais graves, mas depois de 21/04 o doente diz que está melhor. Mais alude que o JM... era um homem informado e foi apenas o próprio que falou em antibiótico e em clindamicina – ver mail de 9/05 a fls. 70 vº. Dizendo literalmente que a distância e o “toca e foge” do doente aliado ao seu historial de doença também contribuiu para o que veio a ocorrer, pelo que acaba por ter uma infeção que se revelou fatal.
Donde, conclui-se assim, também pela improcedência nesta parte.
· A alínea h) e i).
No tocante à impugnação dos factos dados como não provados como h) e i) entendem os recorrentes que deveriam ter sido julgados como provados, face ao Documento nº 27 junto com a Petição Inicial e às declarações de parte da Autora A....
Também aqui entende a recorrida que deve manter-se a resposta, pois estão em causa factos que descrevem aquela que seria a situação médica do paciente JM... aquando do seu internamento, em maio de 2019, no Instituto do Coração de Maputo, e as informações constantes deste relatório médico em nada coincidem com os factos descritos nas alíneas h) e i) da enumeração dos factos não provados, pois consta deste Relatório que o paciente foi internado por sofrer de insuficiência respiratória aguda e, para além das doenças já diagnosticadas – pneumonite química a Bleomicina e Linfoma de Hodgkin – de uma infeção oportunística pulmonar. Nem tal resulta das declarações de A..., quer por não ter formação médica, quer ainda por não ser capaz, como não foi, de descrever o estado de saúde e os tratamentos a que o paciente JM... foi submetido aquando do seu internamento na Clínica do Coração de Maputo em maio de 2017.
As alíneas em causa contêm os seguintes factos:
h) No Hospital de Maputo foram realizados vários exames auxiliares de diagnóstico logo na altura da admissão entre os quais uma radiografia ao tórax que revela o pulmão esquerdo com uma extensíssima lesão sugerindo que a única hipótese seria a recuperação do pulmão direito.
i) Desde o momento da admissão foi tentada pelo hospital a realização de TAC torácica e abdominal, não concretizada por impossibilidade de manipular o doente em situação descrita como crítica.
O Tribunal a quo entendeu que quanto aos factos constantes das alíneas h) e i) assim se consideraram por ausência de qualquer prova naquele sentido. Ora, manifestamente o documento que os recorrentes invocam não confirma os factos em causa, nem as declarações da A. são de molde a confirmar a alínea i), ainda que tenha referido a impossibilidade de manipular o doente, mas não situou tal dificuldade no momento da admissão (a 27/05), mas sim no decorrer do internamento, mas nem este facto seria relevante face ao provado em 29. e 34.
Na verdade, consta do Relatório junto que o paciente foi internado por sofrer de insuficiência respiratória aguda e, para além das doenças já diagnosticadas – pneumonite química a Bleomicina e Linfoma de Hodgkin – de uma infeção oportunística pulmonar. No que diz respeito à evolução do internamento, de 27/05 a 31/05, consta o seguinte: “Evolução olimica não favorável. Agravamento do quadro clínico com necessidade de suporte ventilatório invasivo 24 horas após admissão na UCI, com saturação de oxigénio de 55% com máscara de oxigénio de alto débito com fluxo máximo de 15l/minuto. Decidiu-se entubação oro traqueal. Desde o início com ventilação muito difícil necessitando de pressões de insuflação muito altas sem no entanto conseguir-se uma ventilação eficaz e tendo evoluído para paragem cardíaca com actividade elétrica sem pulso foram feitas manobras de ACLS durante 1 hora sem reversão do quadro.”
Deste modo, nada consta de tal relatório que nos permita dar como provado tais factos, nem resulta manifestamente a prova de uma “extensíssima lesão sugerindo que a única hipótese seria a recuperação do pulmão direito”, ou ainda que tenha sido tentada a realização de TAC torácica que não foi possível por impossibilidade de manipular o doente.
Donde, improcede também o recurso nesta parte.
*
III. O Direito:
A alteração pretendida pelos recorrentes em termos factuais e a ora decidida, reportando-se apenas a dois factos eliminados e sem relevância, não determina, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, diferente subsunção dos factos ao direito com a consequente condenação da ré no peticionado pelos Autores.
Com efeito, concluem os recorrentes que o Tribunal a quo não valorizou correctamente a prova produzida nos autos, sendo manifesto que os Autores comprovaram o cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços pela Ré., prosseguindo que ficou claramente demonstrado que os médicos da Ré deveriam ter diligenciado pelo internamento do falecido Dr. JM..., bem como deveriam ter valorizado as queixas do mesmo e realizado exames complementares de diagnóstico.
Sustentam ainda que não foram observados os padrões de segurança e eficácia, nem a diligência de um profissional médio. Mais referem, em termos totalmente inovadores e sem que tenham enunciado tais factos em concreto, que qualquer profissional médio não se satisfaria, perante um doente oncológico submetido a tratamentos altamente agressivos, e com uma contínua deterioração da sua condição física, em basear-se numas análises de sangue de há 20 dias, realizadas por iniciativa do próprio paciente em Maputo, e em não fazer, perante queixas respiratórias, os testes da função pulmonar, que os pneumologistas e a própria literatura científica que a Ré juntou aos autos consideram imprescindíveis para a monitorização da afectação pulmonar em virtude da toxicidade da bleomicina. No âmbito do recurso também alegam factos que não têm respaldo nos seus articulados, dizendo que a falta de diligência dos médicos da Ré é de tal forma manifesta que foi comunicado ao paciente que poderia tomar antibióticos, se ele quisesse e apenas para sua tranquilidade. Por fim, concluem em termos de responsabilidade contratual que a prova do cumprimento, nos termos do art. 342º, nº1, CC, e a culpa da Ré no incumprimento se presume, em face do art. 799º, sendo manifesto que a Ré não cumpriu esse ónus. Acrescentam ainda, no entanto, que a conduta da Ré constituindo igualmente “responsabilidade extracontratual da Ré por omissão, atendendo a que havia o dever de evitar a morte do JM... em virtude do negócio jurídico celebrado (conforme os artigos 483º e 486º do Código Civil), sendo, como se disse, manifesto que a Ré incumpriu o seu dever, não adoptando a diligência de um profissional e muito menos os elevados padrões a que se comprometeu.».
Ora, toda a construção jurídica dos recorrentes não tem respaldo nos factos tal como foram considerados pelo Tribunal recorrido, os quais não foram objecto de alteração por este Tribunal.
Assim, no que concerne à relação jurídica entre o paciente e a Ré, importa ter presente o que se refere na sentença recorrida: «A obrigação de indemnizar decorrente de acto médico, insere-se, conforme entendimento hoje dominante, no domínio da responsabilidade contratual [Sobre os entendimentos históricos do enquadramento jurídico da intervenção médica a nível penal e civil veja-se BMJ - Janeiro de 1984, pág.67 e ss. e Estudos de António Silva Henriques Gaspar - in CJ - Ano III – 1978 - Tomo I, pág. 335 e ss. e Álvaro da Cunha Rodrigues - Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos - In Direito e Justiça - Volume XIV, tomo 3-2000].
Na verdade, é hoje aceite, na maioria da doutrina e jurisprudência que a responsabilidade decorrente da lesão da saúde causada por médico assume natureza de responsabilidade contratual, sendo também por vezes a questão reconduzida a responsabilidade delitual ou extracontratual quando se trate apenas de violação de direitos absolutos como são os direitos do doente à saúde e à vida.
Porque no caso se está em presença de tratamentos feitos em clínica privada, escolhida pelo paciente está em causa a tutela contratual, não importando aqui abordar a problemática, que também se suscita, quanto a saber qual a natureza da responsabilidade civil (perante o utente) por actos médicos praticados em estabelecimentos Públicos de Saúde, questão que foi expressamente abordada por Diogo Freitas do Amaral em artigo publicado in Direito da saúde e Bioética – Lex - edições Jurídicas - 1991, pág, 122 [Cfr - também J. Moutinho de Almeida - A Responsabilidade Civil do Médico e o seu Seguro - Scientia Jurídica - Tomo XXI].
Perante os factos em análise estamos em face de um típico contrato de prestação de serviços médico.».
Manifestamente face aos factos a considerar entre a Ré e o falecido JM... estabeleceu-se uma relação contratual de prestação de serviço médico com vista à melhoria do seu estado de saúde.
Com efeito, tal como tem sido defendido pelo STJ, v.g. Acórdão de 22/03/2018, estando em causa o alegado incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços médicos, também pode ser convocável a responsabilidade extracontratual, uma vez que foi violado o direito à integridade física (neste caso a vida) do doente, direito absoluto tutelado pelo princípio geral da responsabilidade civil delitual do art. 483º, nº 1, do Código Civil.
Trata-se, afinal, de uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, como ocorre frequentemente nas hipóteses de responsabilidade civil por actos médicos. A orientação reiterada da jurisprudência do Supremo Tribunal (cfr. por exemplo, os acórdãos de 17/12/2009 (proc. 544/09.9YFLSB), de 15/09/2011 (proc. nº 674/2001.P1.S1), de 15/12/2011 (proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1), de 11/06/2013 (proc. nº 544/10.6TBSTS.P1.S1), de 02/06/2015 (proc. nº 1263/06.3TVPRT.P1.S1), de 01/10/2015 (proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1), de 28/01/2016 (proc. nº 136/12.5TVLSB.L1.S1) e de 23-03-2017 (proc. nº 296/07.7TBMCN.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt) é no sentido da opção pelo regime da responsabilidade contratual tanto por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada, como por ser, em regra, mais favorável à tutela efectiva do lesado.
Porém, não constitui neste tipo de contrato uma obrigação de resultado. Como bem se fundamenta na sentença recorrida: «A obrigação da Ré não consistia na sua cura dada a impossibilidade de garantir um tal desenlace, mas em fazer o que estivesse ao seu alcance, dentro dos meios e conhecimentos especiais de que dispunha. Está em causa uma obrigação de meios e não de resultado – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das obrigações t. I, Coimbra, p. 443-54).
A responsabilidade civil seja ela contratual ou extracontratual, tem sempre subjacente a ilicitude dum acto praticado, consistindo esta na infracção de um dever jurídico, no caso do acto médico. Exige-se a prova da falha na execução dos actos adequados à produção do resultado, e tal prova incumbe ao credor. Efectivamente, de acordo com as regas do ónus da prova, mormente prevista no art.º 342º do Código Civil, incumbe ao demandante a prova dos factos constitutivos do direito que pretende fazer valer e ao demandado a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do demandante, por exemplo, a prova de que executou a prestação devida, assim como lhe cabe a prova de que o incumprimento, em que tenha incorrido, não lhe é imputável a título de culpa.
Invocando os AA. o cumprimento defeituoso da prestação/obrigação de meios, cabe-lhes a prova da fonte da obrigação originária bem como os defeitos do cumprimento, não bastando fazer a prova do resultado defeituoso – o falecimento- pois a ré não se obrigou a produzir qualquer resultado.
A prova do cumprimento defeituoso numa obrigação de meios passa pela demonstração de que não foi produzida a actividade apta a permitir a obtenção do resultado correspondente ao interesse do credor ou, por outras palavras que existe uma divergência objectiva entre os actos praticados e aqueles que seriam adequados a que aquele resultado se pudesse produzir.
Provado o cumprimento defeituoso presume-se a culpa do devedor, cabendo-lhe a prova de que aquele foi produzido sem culpa da sua parte, mas, a ilicitude não se presume, incumbindo aos AA. o ónus da prova.
Como refere Guilherme de Oliveira in RLJ - ano 128º, pág.101 a responsabilidade médica “supõe o dano, como seria de esperar, supõe a culpa (não a culpa por não ter logrado a cura, já que a obrigação do médico, não é em principio, uma obrigação de resultado; mas culpa por não ter usado o instrumental de conhecimentos, o esforço técnico, que se pode esperar de qualquer médico numa certa época e lugar) e a verificação de um nexo de causalidade entre o dano sofrido e o comportamento adoptado pelo médico, com todas as dificuldades que este passo encerra”.
Ora, o médico não assegura nem pode assegurar a cura da enfermidade do paciente, tanto mais que tal cura, não depende apenas de intervenção médica, mas também de vários factores endógenos e exógenos entre os quais releva a resistência do doente, a sua capacidade de regeneração, o estado do organismo, etc.
Assim, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto na prestação, para se considerar provado o não cumprimento.
Neste mesmo sentido, as palavras de Carlos Ferreira de Almeida em texto sobre a responsabilidade civil no contrato de prestação de serviço médico (“Os contratos civis de prestação de serviço médico”, in AAVV, Direito da saúde e bioética, Lisboa, AAFDL, 1996, pp. 117): «A presunção de culpa do devedor inadimplente estende-se ao cumprimento defeituoso (artº 799º, nº 1). Quem invoca tratamento defeituoso como fundamento de responsabilidade civil contratual tem de provar, além do prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e a leges artis, bem como o nexo de causalidade entre o defeito e o dano. Feita esta prova, o médico (ou a clínica) só se exonera de responsabilidade, se provar que a desconformidade não é devida a culpa sua. (…) Como se referiu, nesta modalidade de obrigação não se exige ao devedor o resultado previsto, mas apenas que actue, na execução do acto médico, com a diligência normal do clássico “bom pai de família” (art.º 487º n.º 2 e 799º, n.º 2 ambos do Código Civil).
O médico, obriga-se, isso sim, para que se considere que agiu de acordo com a diligência de um bom pai de família, a agir de acordo com a leges artis, ou seja, com regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico. Isto é, o médico deve actuar, em cada caso, com um dever objectivo de cuidado, e com certos deveres específicos, como seja o dever de informar sobre tudo o que interessa à saúde, aos riscos da intervenção devendo empregar técnica adequada.».
É certo que tal obrigação de meios e não de resultados tem de ser vista perante o acto médico concreto em análise, pois tal como se decidiu em Ac. Recente da Relação do Porto ( datado de 23/3/2020, in www.dgsi.pt/jtrp): O entendimento generalizado de que a obrigação de prestação do ato médico configura uma obrigação de meios por parte do médico, na obtenção do tratamento adequado, comporta exceções justificadas na distinção da atividade médica de caráter mais geral e assim mais complexa, versus algumas atividades médicas mais especializadas, vocacionadas para um fim determinado e em que a margem de risco se assume como mínima, permitindo enquadrar a obrigação do médico assumida como uma obrigação de resultado.
Ora, no caso concreto claramente estamos perante um tratamento complexo, pelo que não é compatível, mesmo face ao grau de eficácia e satisfação que a Fundação publicita e pela qual é reconhecida, que se exija da ré o resultado independentemente de todas as vicissitudes do caso. Aliás, relativamente ao tratamento do linfoma de grau II de que o paciente sofria o resultado concreto foi obtido. Senão vejamos.
Nos dias 20 e 21 de Setembro de 2016 JM... efectuou, no Centro Clínico da Ré um exame que incluiu intervenção cirúrgica de biopsia de um dos gânglios linfáticos, e cujo exame anatomopatológico permitiu diagnosticar um linfoma de Hodgkin esclero-nodular, no estádio IIA. Tratando-se de um tumor maligno do sistema linfático, o tratamento adequado consiste na administração de quimioterapia e eventualmente de radioterapia.
Em Outubro de 2016, JM... iniciou tratamentos de quimioterapia no Centro Clínico C..., sendo acompanhado pelo Dr. MN..., tendo concluído as sessões de quimioterapia no da 28 de Dezembro de 2016. Na quimioterapia foi utilizada, entre outros, o medicamento Bleomicina, o qual constitui um fármaco adequado para o tratamento destas neoplasias, mas que é igualmente susceptível de causar reacções alérgicas e toxicidades várias, incluindo pulmonar.
Assim o paciente JM... foi submetido a 3 ciclos de quimioterapia com ABVD que terminou em Dezembro de 2016 e 15 sessões de radioterapia (30 Gy). Provou-se ainda que o protocolo ABVD é o protocolo utilizado universalmente para o tratamento do linfoma de Hodgkin, designando cada uma destas letras um dos quatro fármacos utilizado no tratamento por quimioterapia, sendo a letra B a correspondente à Bleomicina. Também ficou demonstrado que a eventual toxicidade da Bleomicina é inerente à utilização deste protocolo e não existe qualquer medida preventiva que a possa afastar, sendo que a mesma ocorre em 10% a 53% dos doentes a quem é administrado o protocolo. Sendo que a única solução para eliminar tal risco seria não administrar a Bleomicina mas tal implicaria a ineficácia do tratamento.
Nos primeiros dias de Janeiro de 2017, em resultado de uma reunião multidisciplinar que envolveu os médicos responsáveis pela radioterapia, quimioterapia e o Dr. Clínico, o Dr. MN... comunicou a JM... que iria ser sujeito a 15 sessões de radioterapia.
Assim, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2017 o JM... realizou 15 sessões de radioterapia, no centro clínico da Ré sob acompanhamento da Dra. BN....
O paciente JM..., no momento em que teve conhecimento de que seria submetido a 15 sessões de radioterapia, em 15 dias uteis seguidos, perguntou à responsável por tal tratamento, Dr.ª BN..., se o mesmo não poderia ser abreviado para apenas duas sessões.
No dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticóides, que é o tratamento adequado para lhe fazer face.
Ora, com data de 21/04/2017 foi realizado pelo paciente, no centro clinico da Ré Tomografia por emissão de positrões – PET/CT cujo relatório se encontra junto como doc. 22 da PI (fls. 58 v.º), e que se deu por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, a remissão do linfoma, ou seja, foi totalmente favorável o tratamento e a terapia utilizada para fazer face à doença de que o doente padecia.
É insofismável que o paciente veio a falecer, porém, teriam os AA. de ter logrado provar que tal evento fatal adveio da falta de tratamento ou até de diagnóstico da ré, ou seja, competia aos AA. provar que decorrente da terapêutica seguida (ou omitida) o paciente veio a sofrer uma situação adversa, indevidamente diagnosticada e tratada e que foi na sequência destas omissões que adveio a morte de JM....
 Volvendo à decisão recorrida: «No caso, atenta a factualidade assente, há que concluir que os AA. não lograram provar, como lhes competia, o cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços, não se tendo provado que, de acordo com a legis artis devessem ter adoptado quaisquer outros comportamentos ou que devessem ter determinado o internamento do doente.
De facto, não resultou provado que, face à sintomatologia apresentada pelo paciente, nas consultas de 19 a 21 de Abril, se justificasse o internamento do mesmo, nem que as dificuldades respiratórias, nessa data apresentadas e observadas pelo médico, indicassem qualquer patologia infecciosa.
Não se pode olvidar que o paciente, comunicou previamente aos médicos que estaria em Lisboa de 19 a 21 de Abril, que nesse mesmo dia 21 regressou à sua residência, em Moçambique, não tendo, sequer, aguardado o resultado da PET, o que é, também, indiciador de que o seu estado geral e sintomatologia não apresentava gravidade. Caso contrário, crê-se, teria o doente tratado de ficar em Portugal por maior período de tempo, mantendo-se próximo da rede clínica que o acompanhava, até ter conhecimento do resultado do exame que efectuara e perceber se seria necessário qualquer outro tipo de tratamento complementar.
Acresce que, a 2/05 o paciente em email aos Dr. MN... e BN... refere que estar “francamente melhor da parte respiratória” e quando a 9/05 diz que se mantém a situação de cansaço e de falta de ar, o Dr. MN... recomenda “tente passar umas semanas em Portugal – eu sei que é difícil, mas é impossível tratar de tudo por email”, não obteve qualquer resposta, o que permite concluir que a situação não se agravou.
Após tal data, de acordo com os factos assentes (e de acordo com o alegado), não houve qualquer outra comunicação entre o paciente e os médicos até ao momento do seu internamento em 27/05, em Moçambique.».
Analisados os factos dados como provados é manifesta ausência de nexo de causalidade entre a actuação da ré, ou a omissão da mesma quanto ao diagnóstico e acerto no tratamento, e o falecimento do doente.
Com efeito, ficou demonstrado após as sessões de radioterapia, JM... começou a sentir dificuldades respiratórias que os médicos associaram a uma possível toxicidade provocada à bleomicina, tendo-lhe receitado 80mg de cortisona diários (prednisolona). Quer o Dr. MN..., quer a Dra. BN... comunicaram a JM... que poderia prosseguir com a medicação em Moçambique. Pelo que JM... regressou a Moçambique, tendo efectuado a medicação que lhe foi prescrita pelos médicos da ré.
Ora, anteriormente, no dia 30 de Janeiro de 2017 o paciente JM... foi visto pela Dr.ª AF..., dermatologista, que lhe diagnosticou uma toxidermia associada à toxicidade à Bleomicina, tendo-lhe prescrito a administração de corticóides, que é o tratamento adequado para lhe fazer face.
Logo, resulta que inicialmente foram administrados corticoides dada a toxidermia e dadas as dificuldades respiratórias por inflamação do pulmão decorrente da utilização da bleomicina.
No dia 30 de Março de 2017 JM... envia email à Dr. BN..., cuja cópia se encontra junta como doc. 4 da contestação (fls. 108) no qual refere “(...) atenta a minha actividade profissional, muito gostaria de pedir à Dr.ª B...que pudesse remarcar a consulta para o dia 20 ou 21/04, uma vez que só poderei deslocar-me a Lisboa nessa semana por escassos dias, e dessa forma mantinha a PET para o dia 21/04”
A 8 de Abril, ainda em Moçambique, JM... efectua consulta de cardiologia, realizada pela Dr.ª B...Ferreira, tendo sido realizado ecocardiograma e radiografia ao tórax as quais evidenciaram a existência de “pericardite e HVE com alteração do relaxamento de grau II”.  Em 11 de Abril de 2017, JM... envia aos médicos assistentes da Ré, Dr. BN... e MN... no qual refere: “No âmbito da minha deslocação a Lisboa para a consulta no dia 20 e PET no dia 21, muito gostaria de colocar à vossa decisão a eventual marcação na próxima semana de uma consulta de pneumologia de “relativa” urgência, atentas as imagens do RX que junto. Com efeito, tive na passada semana a consulta de cardiologia aqui no ICOR com a Dr.ª B...F, onde fiz ecg e eco, tendo sido verificada a existência de uma leve peritonite, sem, contudo, sugerir motivo de preocupação. Porém e na tentativa de perceber a causa da dificuldade respiratória e consequente cansaço fiz o RX, onde a Dr.ª BF...sugere um quadro de possível fibrose pulmonar, naturalmente sem prejuízo da vossa competente análise. Peço que compreendam a minha ansiedade, mas de facto a minha qualidade de vida caiu bastante, não de forma progressiva, mas repentina, com ausência de sintoma como febre, diarreia ou falta de oxigenação nos dedos, o que me leva a ter ainda alguma esperança que possa tratar-se de uma alergia e não de fibrose. Ainda assim e apesar do cansaço extremo ao subir escadas a situação manteve-se estável nestas ultimas 3 semanas, desde que comecei a tentar suprimir a prednisolona”
A este a Dr.ª B...responde a 12/04/2017 referindo “Caro J..., Eu e o M... estivemos a discutir o caso. Mais uma vez parece-nos altamente improvável estarmos a falar de um processo de fibrose. Pode haver sim inflamação ou mesmo alguma inflamação respiratória. Mas temos de o observar… para concluir mais. Vamos ambos observá-lo na próxima semana e decidir o que fazer. Mantemos a consulta no dia 20?”.
O paciente JM... compareceu no centro clínico da Ré no dia 19/04/2017, sem que tivesse marcado previamente qualquer consulta ou exame, apesar disso, foi observado de imediato pelos médicos da ré, realizou TAC no próprio dia, cujos resultados foram analisados em conjunto com o Dr. NG..., médico oncologista que exerce funções na unidade do pulmão.
Ora, a TC confirmou sofrer o JM... de uma pneumonite provocada pela toxicidade ao medicamento Bleomicina, conclusão a que chegou, também o Dr. NG....
Com efeito, no dia 19 de Abril de 2017 JM... efectua, nos serviços de imagiologia da Ré TC do Tórax que revela “está mantida a permeabilidade do eixo traqueobrônquico até ao local de divisão segmentar; ausência de derrame pleural ou pericárdico; no mediastino, identifica-se uma densificação pré-vascular e 4 R/L, 5 e 6 com imagens de esboço nodular, a maior com 10mm em topografia retro-esternal; em sede parenquimatosa pulmonar, identificam-se as alterações paramediastínicas bilateralmente, com retracção parenquimatosa e perda de volume, em relação com
sequela pós radiogena. Em topografia subpeural, no lobo inferior esquerdo, identificam-se densificações em vidro despolido, subsegmentares e de limites imprecisos, podendo traduzir componente inflamatório associado. Não se identificam nódulos categoricamente suspeitos ou consolidações; sem alterações significativas na dependência das glândulas supra-renais; notado foco osteocondensante, em 7º arco costal posterior direito; sem outras alterações de caracter agudo, nomeadamente relevantes no presente contexto”-cfr doc. 21 (fls. 58).
Acresce que no dia 21 de Abril de 2017, JM... realizou no centro clinico da Ré Tomografia por emissão de positrões – PET/CT cujo relatório se encontra junto como doc. 22 da PI (fls. 58 v.º) que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta “continua a não se observar captação anormal de radiofármaco que possa traduzir tecido neoplásico metabolicamente activo nos segmentos corporais avaliados. (…) No presente estudo identifica-se acentuação difusa da captação “de novo” no parênquima pulmonar bilateralmente, sobretudo nos lobos superiores, correspondendo no componente CT do estudo a zona de maior densificação irregular do parênquima, em provável relação com patologia inflamatória, atribuível a alterações pós-terapêuticas.
Na sequência destes resultados os clínicos da ré não realizaram qualquer terapêutica distinta, aumentando a administração de cortisona (prednisolona) de 80mg/dia para 100mg/dia.
Face ao resultado do PET, em 21 de Abril de 2017 a Dr.ª BN... envia um e-mail dizendo “Boas novas da PET-CT… não há evidência de doença linfomatosa! Há sim evidência de alterações inflamatórias… mas isso já sabíamos! (…) um beijinho e as melhoras da pneumonite!”- cfr doc. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido. Logo, nessa data já a inflamação – pneumonite- estava a ser tratada.
Na verdade, a 2 de Maio de 2017 JM... voltou a contactar o dr. MN..., por e-mail cuja cópia consta a fls. 69 dos autos e aqui se dá por reproduzido, referindo “Tal como acordado, cá estou a manter actualizada a evolução do processo da pneumonite provocada pela toxicidade à bleomicina. Ora, quanto ao reforço da prednisolona, penso que o efeito deixou de ser o desejado, ou seja, não retirou por completo o efeito da toxicidade uma vez apesar de francamente melhor da parte respiratória, o inchaço associado à prednisolona veio degradar a qualidade de vida, nomeadamente no que respeita à mobilidade. Neste pressuposto gostaria de deixar a seguinte sugestão: diminuir a prednisolona para 2(40) + 2(40), com reforço de antibiótico (a introduzir), com vista a melhorar a função expectorante, que certamente melhorará a capacidade respiratória e qualidade de vida, e com impacto menor do desejado desmame da prednisolona?”. O Dr. MN... respondeu por e-mail de 2 de Maio junto a fls. 68 v.º, que aqui se dá por reproduzido, referindo “Eu entendo que o aumento da prednisolona seja mau para a sua qualidade de vida, mas se a falta de ar melhorou, parece-me benéfico continuar. O antibiótico não faz nada à pneumonite secundária à Bleomicina. Tente aguentar mais uma semana a 100mg e depois passamos a 80mg”.
Daqui resulta que é o próprio JM... que por email confirma que está melhor da parte respiratória, logo, em momento algum evidencia junto dos médicos que o acompanhavam que o tratamento prescrito não estaria a ter qualquer efeito positivo, ou até nocivo, como defendem os AA.
Em 09/05/2017 JM... enviou novo email ao Dr. MN..., nos termos do doc. 26 que aqui se dá por reproduzido, referindo “De facto a situação mantém-se, quer na situação de cansaço quer na situação de falta de ar. No entanto não sei e salvo o seu melhor julgamento, se não será este quadro de cansaço e falta de ar provocado pela prednisolona, e talvez diminuindo pudesse ser obtido um resultado mais equalizado, porquanto de manhã antes de tomar os 3 comprimidos eu sinto-me normalmente melhor, depois começo a inchar e o sufoco começa. Quando questionei sobre a possível prescrição de antibiótico foi porque tenho lido que a clindamicina pode ajudar no caso das pneumonites, naturalmente que a minha leitura vale o que vale…”. Importa referir que tal email foi enviado por JM... em resposta ao email enviado pelo Dr. M... N..., junto a fls. 71 dos autos e que aqui se dá por reproduzido no qual refere “Bom dia, Era para perguntar se está melhor e como tem sido a evolução”.
Em resposta, o Dr. MN... referiu: “Continuo a achar que o antibiótico não vai fazer nada, é uma pneumonite não é uma infecção. Se quiser faze um curso, também não lhe vai fazer mal, faça uma semana de clindamicina. Se se sentir pior e achar que as coisas não estão mesmo bem, marque um voo para cá e tente passar umas semanas em Portugal – eu sei que é difícil, mas é impossível tratar de tudo por email”. Manifestamente, o paciente não seguiu tais conselhos, nem existe evidencia de novos contactos deste.
Infelizmente, a 27 de Maio de 2017 JM... entra em estado de insuficiência respiratória tendo sido transportado de emergência de ambulância da sua residência para o Instituto do coração de Maputo. A 29 de Maio de 2017 JM... foi transferido para a unidade de cuidados intensivos do Instituto do Coração de Maputo.
Da certidão de óbito de JM... constam como causa da morte as seguintes: “-Básica: linfoma de Hodgkin esclero-nodular; Intermédia: pneumonite química à bleomicina; directa: insuficiência respiratória”. O Centro Clinico C... efectuou relatório clínico que se encontra junto como doc. 29 da PI e que aqui se dá por reproduzido, nos termos do qual referiu “Laboratorialmente, a destacar leucocitose, neutrofilia e elevação de PCR, compatível com quadro de sobreinfecção a agravar a pneumonite base. Apesar da instituição terapêutica antibiótica de largo espectro e de cobertura anti-fungica (instituídas após contacto de médicos assistentes do Instituo do Coração de Maputo com equipa de Hemato-oncologia do CCC), o doente veio a falecer devido a quadro de falência multi-orgânica após infecção respiratória no dia 31 de Maio de 2017.”
Daqui resulta que não há nexo de causalidade entre o que motivou a morte em concreto de JM... e qualquer actuação da ré em desconformidade com as boas práticas médicas, pois, não se provou qualquer situação de fibrose pulmonar, resultando do relatório da autópsia uma situação infecciosa. Ora, tal quadro infeccioso era inexistente à data em que o paciente foi observado no Centro clínico da Ré, como decorre do depoimento das várias testemunhas que, demonstrando conhecimento da documentação clinica do paciente, asseguram que na TAC efectuada por comparação com as análises apresentadas não havia quaisquer indícios de infecção, sendo todo o quadro clinico compatível com a situação de toxicidade à bleomicina, tanto mais que o paciente havia já apresentado reacção cutânea em Janeiro.
Volvendo à fundamentação da sentença e confirmando-se o acerto da mesma na subsunção dos factos: «Assim, afigura-se que os médicos da ré utilizaram os meios de tratamento adequados, segundo a legis artis, não tendo havido qualquer falta de diagnóstico. O que parece ter existido, é uma infecção respiratória, que, sendo o paciente imunodeprimido, assumiu gravidade. Porém, não lograram os AA. provar qualquer falta de cuidado ou erro de terapêutica por parte dos médicos da ré.
Na verdade, face ao diagnóstico confirmado de pneumonite, os médicos aplicaram a terapêutica indicada- corticóides, sendo que há data não existia qualquer indício de infecção, nem imagiológico nem laboratorial.». Concluindo-se ainda que: «Parece, pois, ser de concluir que o infeliz desfecho não se deveu a falta de qualquer cuidado médico ou de diagnóstico que tivesse podido ser identificado pelos médicos da ré, que, no momento em que observaram o doente, este não apresentava sintomatologia nem indícios imagiológicos de qualquer infecção a reclamar internamento para ventilação ou qualquer outro tratamento que não pudesse ser feito em ambulatório.
O facto de o doente residir e ter a sua actividade laboral em Moçambique, e a consequente distância dos médicos, poderá ter impossibilitado um acompanhamento clinico mais próximo, mas tal, não pode ser imputado à ré, tanto mais que o doente foi advertido de que, se se sentisse mal deveria vir para Portugal, porquanto não é possível o acompanhamento de toda a situação por email.
Não é possível face à prova produzida, concluir pela inobservância de quaisquer deveres objectivos de cuidado que torne ilícita e culposa a actuação dos médicos ao serviço da ré, em termos de ter existido inexecução de um dever geral de diligência que estes conheciam ou podiam conhecer ou que tenham utilizado uma técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais na chamada leges artis.
Assim, perante os factos em apreço, não só não lograram os AA. provar que a R. (ou os médicos ao seu serviço) agiu de forma ilícita, nem com falta de diligência, violando a legis artis, nem que tivesse omitido qualquer meio de diagnóstico que lhe permitisse aplicar diferente terapêutica.».
Assim, mais não resta senão julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão nos seus precisos termos.
*         
IV. Decisão:
Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação, em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão proferida.
Custas do recurso a cargo dos apelantes.
Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Teresa Soares