TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Sumário


I. – As circunstâncias agravantes constituem-se como um plus relativamente ao tipo-base;
II. – A apreciação de uma circunstância agravante (do tipo-base) deve ser ideada como um incremento da antijuridicidade típica a ser valorada e projectada numa continência de factores agregados aos elementos formais-materiais que compõem tipo;
III. – Não é integradora da agravante contida na alínea b) do artigo 24º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro a verificação de uma factualidade em que um individuo distribuiu e forneceu produtos estupefacientes a um grupo de 15 pessoas e num perímetro territorial lindado a dois (2) concelhos, durante o período de 2 (anos). 

Texto Integral

§I. – RELATÓRIO.

O Ministério Público requereu o julgamento, em audiência de processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo de: AA, também conhecido por “BB”, “CC”, “DD”, “EE” e “FF”, com os sinais de identificação constantes do processo, imputando-lhe “a prática, dos factos descritos na acusação de fls. 1398/1422 e, em virtude disso, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e c), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na sua redação atual (designadamente com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma.”

Pediu, igualmente, o Ministério Público, ao amparo do “disposto nos artigos 35º nºs 1 e 2 e 36º nºs 2 e 3 do Decreto-lei nº15/93 de 22-01, promove que sejam declarados perdidos a favor do Estado:

- Todos os produtos estupefacientes apreendidos nos autos;

- Os valores em numerário, telemóveis, veículo automóvel de matrícula ...-...-HM, igualmente apreendidos nos autos;

- Demais objetos apreendidos ao arguido e identificados na acusação.”

Após julgamento, o tribunal colectivo decidiu:

I – Absolver o arguido AA da prática, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21º nº1 e 24º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

II – Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…) IV – Declarar perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos nos autos, ordenando-se a destruição das respetivas amostras cofre (artigo 62º, n.º 6, do Decreto-lei nº15/93), a solicitar à Polícia Judiciária.

Declarar perdidos a favor do Estado as quantias em dinheiro, os telemóveis, o veículo Renault …, com a matrícula ...-...-HM e demais objetos apreendidos ao arguido (artigos 35º e 36º do Decreto-lei nº15/93).”

Da decisão discrepa o Ministério Público, junto do tribunal recorrido, dessumindo-se da fundamentação, com que pretende impugnar o julgado, as sequentes conclusões.


§I.(i). – QUADRO CONCLUSIVO.

§I.(i).1. – DO RECORRENTE.

Com flagrante inópia do preceituado para motivação de recursos (cfr. artigo 412º do Código d Processo Penal, o Ministério Público do tribunal de …, dissente do julgado com o aranzel que a seguir queda transcrita (sic): “O presente Recurso cinge-se apenas à discordância da não consideração pelo Tribunal a quo da verificação da circunstância agravante pp. art.º.24, alínea b) do DL. 15/ 93 e 22/01 no crime de tráfico de estupefacientes em que o arguido foi condenado- “as substâncias ou preparação foram distribuídas por um grande número de pessoas” e consequente agravamento da pena do arguido por tal circunstância agravante da ilicitude.

Não se discordando na sua globalidade do Acórdão proferido e tendo este, em concordância com o que defendemos em matéria de alegações finais e pelas razões ali explanadas, ter afastado a verificação a agravante da agravante da alínea c) do referido art.º 24- “procura ou obtenção de avultada compensação económica” – não podemos, porém, já concordar com o afastamento da qualificativa da alínea b) daquele dispositivo legal.

Partindo da factualidade dado como provada nos art.º 1 a 20 do Acórdão, importa reter de forma sucinta para além do mais que se irá explanar e com particular relevo para a questão suscitada que:

a) Pelo menos entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2017 durante mais de dois anos (janeiro de 2015 a fevereiro de 2017), o arguido vendeu a terceiros heroína e cocaína, a título lucrativo na sua residência, usando dois telemóveis para prévio contacto dos consumidores que o procuravam para tal finalidade.

b) Apesar de ter mudado por três vezes de domicilio e nos períodos mencionados no art.º 4 da matéria de facto fixada, o arguido continuou o exercício de tal atividade de forma inalterada, tendo sido confirmadas tais vendas regulares de estupefacientes em audiência de julgamento por diversos consumidores, que compraram ao arguido por várias vezes e em datas diversas ao longo daquele longo período temporal. Alguns destes chegaram a ser intercetados pela GNR com tais substâncias em sua posse, como sucedeu, por mero exemplo com GG, HH e II.

c) Cedeu também gratuitamente bases de cocaína e pacotes de heroína a outros consumidores das suas relações, com sucedeu por exemplo com JJ, assim como mandou entregar pelo menos por oito vezes ao KK, na zona da …, dez a vinte bases de cocaína para consumo deste, recebendo em contrapartida entre 100 a 150 € por tal produto. 

d) Os rendimentos do arguido eram provenientes da comercialização de produtos estupefacientes, vendendo estes pelo dobro do valor de aquisição, ao maior número possível de revendedores/ consumidores destes produtos pelo maior número de vezes possíveis, com o intuito logrado de distribuir tais substâncias por todas as pessoas que o contatassem para esse efeito e em todas as ocasiões em que tal ocorresse e assim obter lucros monetários com essa atividade, o que representou.

De acordo com o Tribunal recorrido” um outro elemento que assumiu grande relevância foram os autos de diligência externa que se encontram nos autos e que foram, em audiência, explicitados pelas testemunhas supra, quando e na medida em que tinham conhecimento, por terem presenciado os factos neles descritos”, concretamente os autos e diligências externas (ADE) de fls.36/37, 46/47, 50/51, 58/59, 62/63, 66/67, 69/70, 99/100, 102/104, 106/107, 108/110,  136/137, 138/139, 140/142, 162/164, 168/170, 193/194, 202/203, 212/214, 215/217, 218/220, 242/243, 244/245, 260/262, 267/268, 356/357 e 531/ 534 e prints relativos aos veículos visionados pelas testemunhas fls. 36/37, 46/47, 50/51, 58/59, 62/63, 66/67, 69/70,99/100, 102/104, 106/107, 108/110, 136/137, 138/139, 140/142, 162/164, 168/170, 193/194, 202/203, 212/214, 215/217, 218/220, 242/243, 244/245, 260/262, 267/268, 356/357 e 531/ 534 e prints relativos aos veículos visionados pelas testemunhas  nessas vigilâncias e que constam a fls. 38/45, 48, 52, 60, 64, 65, 68, 71, 101, 105, 117, 114, 165, 166, 167, 195/201, 221/203, 246/250, 263,264,269,358,533 e 534 dos autos.

Para além disso o tribunal Coletivo considerou relevante a abundante prova documental que constitui a transcrição das conversações telefónicas (Anexo VII), relatórios de pesquisa operativa de comunicações (Anexo IV), relatório de suporte fotográfico de fls. 326 a 329, transcrição/suporte de fotogramas de fls. 1 a 141 do Anexo III) doze (12) DVDs juntos de filmagens (anexo II), ouvindo ainda sobre a investigação efetuada, além das demais testemunhas, oito militares da GNR que descreveram as diligências em que participaram, confirmando os respetivos autos que as documentam e esclarecendo relativamente ás mesmas, tudo quanto lhes foi questionado.

Tendo em conta essa abundante prova, conclui o Tribunal recorrido que o “arguido não exercia qualquer atividade profissional, antes uma intensa atividade de venda, pelo dobro do preço da sua aquisição, de produtos estupefacientes, conclui-se que o seu rendimento lhe advinha, pelo menos, quase em exclusivo, dessa atividade”.

Ora, aqui cabe questionar como é que alguém pode exercer uma “intensa atividade de venda de estupefacientes” se não os transaciona a um grande número de consumidores, ainda que o seu lucro não atinja uma avultada compensação económica e se destina a fazer face ás suas despesas e sustento sem ter de exercer qualquer atividade profissional.

Não se trata duma conclusão perante uma simples possibilidade ou potencialidade ou mesmo o mero risco de os produtos estupefacientes virem a ser distribuídos por um grande número de pessoas, mas duma constatação cujo suporte material resulta do impressivo número de filmagens (12 DVDs), autos de transcrição de fotogramas (Anexo III), certidões de outros Inquéritos com fotogramas com sucede no Anexo VIII, as múltiplas transcrições de conversações telefónicas mantidas entre o arguido e os seus clientes que constam dos Anexos referenciados na acusação e foram valorados e considerados pelo Tribunal. 

É verdade que a lei não fornece qualquer critério para determinação do universo mínimo de pessoas que se devam ter por suficientes para se considerar preenchida tal qualificativa, mas o que o Tribunal Coletivo designou como uma “intensa atividade de venda de estupefacientes”, desenvolvida diariamente durante dois anos só é compreensível com aquilo que resulta do árduo trabalho policial que evidenciou que o arguido abasteceu um grupo de pessoas de tal modo numeroso que contribuiu forma expressiva para a disseminação local da droga.

Aliás, as considerações sobre a intensidade do tráfico desenvolvido e de que o Tribunal não tem dúvidas, não só se espelha naquela impressiva prova, como os militares da GNR que confirmaram os treze autos de diligência externa e, segundo o Tribunal, esclareceram de forma absolutamente credível a forma como decorreram as vigilâncias, para além dos seguimentos, interceções de conversações telefónicas e apreensões - sendo claros ao testemunharem terem presenciado o intenso frenesim de deslocações às residências do arguido por indivíduos toxicodependentes em todas essas ocasiões.

É verdade que alguns desses compradores de estupefacientes se deslocavam diariamente ao domicilio do AA para esse efeito, como sucedeu por exemplo com a LL que, segundo se apurou em julgamento e resulta do Acórdão, entre os inícios de Fevereiro e finais de Março de 2016 se deslocou à habitação do “BB” na Rua …, em …, com uma “regularidade diária e em cada ocasião, este lhe entregou dez bases de cocaína para consumo desta, mediante entrega da contrapartida monetária de 10€ cada base”( ponto 8.12 dos factos provados).

Porém, como nos parece evidente dos resultados das vigilâncias efetuadas e largamente documentadas e conjugadas coma deslocação das viaturas que ali se deslocavam e transcrições de interceções telefónicas, resulta inequívoco que o arguido cedeu e vendeu efetivamente a um grande número de pessoas, embora em pequenas doses e em regra pelo preço de 10€ cada, bases de cocaína e panfletos de heroína.

Essa realidade que o arguido tentou sempre afastar nas suas declarações e a que não são estranhas as medidas de contravigilância que o mesmo efetuava a partir de certa altura em que começou a desconfiar poder estar a ser vigiado e foram mencionadas por alguns dos militares inquiridos, não deve deixar de ser valorada em termos de ilicitude da conduta.

Destacando a atividade mais ou menos prolongada no tempo, diz o Tribunal recorrido para afastar o preenchimento da agravante do art.º 24, alínea b) do Dl. 15/93 que se desconhece o número concreto de compradores e foram apenas quinze os ouvidos em julgamento e as vendas eram feitas por distribuição direta no domicilio, na sua maioria após encomendas por telefone e os preços praticados, naturalmente, envolviam uma margem de lucro, mas não ultrapassam o dobro do preço da compra.

Porém, o Tribunal a quo não concluiu que as deslocações desses indivíduos ao domicílio do arguido fosse por razões sociais ou de outra índole, mas sim inseridas na atividade de compra e venda ali desenvolvida que classificou de intensa.

Acrescentou na sua fundamentação que não estamos perante uma atividade de grande escala, mas uma mera atividade de venda de substâncias de estupefacientes ao consumidor final (embora, na fase final, a atividade parecesse estar a assumir outra escala), não se vislumbrando riqueza no arguido, também consumidor de estupefacientes e que despendia parte do rendimento que obtinha com a venda daqueles para também comprar para seu consumo.  

Finalmente porque não se está seguramente perante valores próprios dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, afasta o Tribunal a quo, duma assentada só preenchimento das duas agravantes do art. 24º, alíneas b) e c) do Dl. 15/93. 

Ora se efetivamente a argumentação expendida quanto à agravante da alínea c) do referido dispositivo legal não merece qualquer discordância perante a prova recolhida, não nos parece que a mesma seja válida e suficiente para a qualificativa da alínea b), sendo certo que se tratam de agravantes diferenciadas e que, embora podendo verificarem-se conjuntamente- designadamente nas situações do grande tráfico- não têm que necessariamente se verificarem em dependência ou obrigatória interligação.

É verdade que enquanto à distribuição do grande traficante para o revendedor atende-se especialmente para a integração da qualificativa à quantidade de droga transacionada e preenchida pelo destino final do consumo a que as referidas quantidades proporcionam, já para o pequeno “dealer” exige-se uma quantificação mais alargada e que só pode resultar da repetição de pequenas quantidades distribuídas e que possa preencher o objetivo da agravante.

A cocaína e heroína transacionada e cedida pelo AA não foi distribuída apenas pelos consumidores inquiridos e expressamente indicados, mas por muitos outros ao longo desses dois anos e cujas deslocações para aquisição foram presenciadas, devidamente documentadas e consideradas pelo Coletivo.

As circunstâncias agravantes do art.º 24 do DL.15/93 implicam uma gravidade exponencial que se traduz para todas as condutas, mas tal não representa uma ilicitude exasperada e idêntica para as diversas situações concretas que a tipificação do crime – base comporta (art.º 21), uma vez que a moldura penal do tráfico de estupefaciente é suficientemente lacta para na pena concreta se proceder a tal diferenciação.

Concorda-se que, conforme tem sido entendimento dominante na Jurisprudência, o conceito de distribuição por um grande número de pessoas tem de ser relativizado de acordo com as circunstâncias concretas, diferençando as situações dos grandes traficantes com distribuição concentrada e mais limitada e uma maior suavização quanto aos vendedores de rua ou traficantes- consumidores, mas o Julgador não deve e salvo melhor entendimento, fazer uma interpretação corretiva da lei que afunile para a consideração de que aquela qualificativa só pode e deve ser aplicada nas situações de grande tráfico.

O que o legislador pretendeu contemplar naquela qualificativa são todas as situações de dispersão e difusão de grande amplitude da distribuição de substâncias de estupefacientes ao nível das saúde e ordem pública com nível significativo e resultante da distribuição por grande número de pessoas.

Tendo em conta que o exame critico da prova e sua fundamentação lógica não pode abdicar das regras da experiência comum, o Tribunal recorrido, ao dar “uma cajadada para matar dois coelhos”, fez uma inadequada e insuficiente interpretação jurídica da aplicação daquele normativo específico perante a matéria de facto fixada.

O facto de apenas quinze consumidores/compradores terem prestado depoimento em Tribunal resulta obviamente não só das regras e contingência da produção da prova testemunhal, como do facto de para a deteção e documentação da atividade de tráfico de estupefacientes efetuada durante o largo período referenciado, o OPC que efetuou a investigação não poder e sob pena de alertar o visado abordar o elevado número de consumidores que se deslocavam aos seus sucessivos domicílios para comprarem droga. Aliás, foi por isso que as abordagens efetuadas foram cirúrgicas e concretizadas em outros Inquéritos cujas certidões constam dos autos.

Ao valorar a prova documental traduzida no elevado número de filmagens e fotogramas resultantes do número expressivo de vigilâncias efetuados, conjugadas com os resultados das inúmeras interceções telefónicas assim como a identificação e deteção das viaturas automóveis referenciados e tendo em conta as conclusões sobre o modo e lugar onde o arguido exercia a atividade de tráfico que era o único modo de vida que lhe era conhecido, o Tribunal apenas e a nosso ver, só poderia chegar á conclusão de que aquele vendeu e cedeu a um grande número de pessoas a heroína e cocaína que foi adquirindo durante tal longo período de tempo.

A fim de justificar o seu entendimento, invoca o Tribunal a quo enxertos sumários de um Acórdão do STJ 2/10/2008 que, salvo o devido respeito e sem prejuízo da sua considerada atualidade, não nos parece ter “a haver” com (deveria ter querido dizer-se “a ver com) o recorte fatual estabelecido no Acórdão proferido nestes autos.

Desde logo, o número de pessoas a quem o arguido vendeu estupefacientes, tendo em conta a prova valorada e obtida pela investigação policial não foi fixo nem escasso, nem as pessoas foram sempre as mesmas dum pequeno círculo.

Por outro lado, a referência a um vasto número de pessoas não tem que se confundir com uma vastidão incalculável de grandes proporções atingidas pelo tráfico de droga, muito para além de toxicodependentes, pois como como se refere no Acórdão do STJ de 2/03/2017 (Proc. Nº 11/14.9GAVFR, ao se plasmar que” não merece qualquer censura a qualificação dos factos na alínea b) do Dl. 15/93 efetuada pelo Tribunal quando atento as inúmeras transações de cocaína e heroína, com regularidade diária, e durante o período entre o inico de dezembro de 2014 e 20/05/2015, os arguidos não exerceram qualquer atividade profissional remunerada, sendo que eram as contrapartidas monetárias que obtinham com a atividade de venda de produtos estupefacientes que proviam á satisfação das suas necessidades diárias.”

Conforme se tem acentuado no preenchimento pela jurisprudência do conceito indeterminado de “grande número de pessoas” no que toca à venda de quantidade de droga pouco significativas e sem que tal implique menos rigor na apreciação global e critica da prova, verifica-se atualmente uma tendência mais abrangente do entendimento da referida agravação relativamente ao Acórdão citado no que toca à venda de quantidade de droga pouco significativas e que passa pela consideração do número elevado, significativo e impressionante de compradores e consumidores, do conjunto de lugares em que foi exercida tal atividade, tendencialmente transformados em lugares de acesso a atos de tráfico de estupefacientes.

No Acórdão refere-se que as circunstâncias agravantes previstas se justificam por estarem em causa condutas que colocam em risco setores da população especialmente vulnerável e que também que aquela alínea b) está relacionada com uma potencialidade da danosidade social do tráfico de estupefacientes e as condutas visadas são aquelas que associamos a uma atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala.

Ora não deixa de ser curioso que se por um lado no Acórdão se afasta o preenchimento dessa agravante, não deixa o Tribunal recorrido de fundamentar a aplicação da concreta pena de prisão, entre outras razões, o facto de se tratar de tráfico de estupefacientes que envolve a venda e/ou cedência dos mais nocivos para a saúde e que criam grande dependência psicológica, como são cocaína e a heroína que aquele abastecia regularmente compradores, destacando nas exigências de prevenção geral  o grande número de consumidores de estupefacientes existente nos dias de hoje, cada vez mais jovens, com todas as consequências negativas  que a dependência  do consumo deste tipo de substâncias  acarreta  para a vida em sociedade com consequências verdadeiramente devastadoras no que toca à saúde, vida pessoal, familiar e social dos consumidores .      

No caso, além do tempo de duração de tal atividade, sucessivamente em três localidades e freguesias diferentes, as inúmeras transações de cocaína e heroína com regularidade diária e visando contrapartidas monetárias obtidas dessa venda para satisfazer as necessidades diárias do arguido, que não exercia qualquer atividade profissional e que levou o Tribunal recorrido a considerar intensa tal atividade delituosa não pode dissociar-se duma disseminação da droga a nível significativo e já fora de comum que ultrapassou a prática habitual dos pequenos traficantes de venda direta e traduz claramente um aumento da licitude.

A nosso ver, ao considerar não estar preenchido a agravante do art.º 24, alínea b) do Dl. 15/93 perante a matéria de facto apurada, a abundante prova produzida e regras de experiência comum, o Tribunal a quo errou ao não aplicar tal dispositivo legal ao absolver o arguido nesta parte, que deve pelo exposto ser condenado, conduzindo a uma alteração do quantum da pena concreta, atento o aumento da ilicitude que tal acarreta.

Sabendo bem que a aplicação objetivável da medida da pena implica uma elevada dose de apreciação e sensibilidade que pode oscilar nalguma fluidez do julgador no equilíbrio e ponderação adequada decorrente das finalidades da pena, julga-se, porém, adequado perante o agravamento em um quarto nos seus limites mínimo e máximo e sem prejuízo da demais fundamentação da pena concreta e que segundo os critérios dos art.º 40 e 71 do CP a aplicação duma pena de seis( 6) anos e cinco( 5) meses de prisão ou seja uma agravação que se computa em onze meses relativamente àquela que lhe foi aplicada por força da subsunção da conduta no art.º 21 do DL. 15/93 de 22/01.”    


§I.(i).2. – DO RECORRIDO.

1ª Bem decidiu o coletivo de Juízes ao considerar não verificada a circunstância agravante p.p. pelo artº 24, alínea b) do DL.15/93 de 22/01 – “as substâncias ou preparação foram distribuídas por um grande número de pessoas”. 

2ª Aquela alínea b) está relacionada com uma especial potenciação da danosidade social do tráfico de estupefacientes e as condutas visadas são aquelas que associamos a uma atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala.

3ª Sendo que, resultou provado que, o arguido não distribuiu a droga a um grande número de pessoas, mas antes, que as pessoas foram sendo mais ou menos as mesmas, ainda que servidas várias vezes pelo arguido.

4ª Assim, bem andou o tribunal a quo ao decidir não se verificar a circunstância agravante p.p. pelo artº 24, alínea b) do DL.15/93 de 22/01.”


§I-(ii). PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

“1. Do acórdão de tribunal coletivo proferido em 24.04.2020, vindo o arguido AA a ser condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, interpõe recurso o Magistrado do MºPº, em 25.05.2020, endereçado ao Tribunal da Relação do Porto, recurso circunscrito a matéria de direito.

2. Por despacho judicial de 27.05.2020, o Sr. Juiz determinou a remessa do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 432º nº1-c) do CPP.

3. Afigurando-se nada obstar ao conhecimento do recurso por parte do STJ, o mesmo deverá ser apreciado em sede de conferência.

4. Do parecer

4.1. No citado acórdão foi proferida condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em tal decisão, o arguido foi absolvido da prática de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, nº1 e 24º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

4.2. O recurso do Magistrado do MºPº restringe-se “à discordância da não consideração pelo Tribunal a quo da verificação da circunstância agravante pp. art.º.24, alínea b) do DL. 15/ 93 e 22/01 - “as substâncias ou preparação foram distribuídas por um grande número de pessoas” e consequente agravamento da pena do arguido por tal circunstância agravante da ilicitude.”

Alega o Magistrado recorrente que “no caso, além do tempo de duração de tal atividade, sucessivamente em três localidades e freguesias diferentes, as inúmeras transações de cocaína e heroína com regularidade diária e visando contrapartidas monetárias obtidas dessa venda para satisfazer as necessidades diárias do arguido, que não exercia qualquer atividade profissional e que levou o Tribunal recorrido a considerar intensa tal atividade delituosa, não pode dissociar-se duma disseminação da droga a nível significativo e já fora de comum que ultrapassou a prática habitual dos pequenos traficantes de venda direta e traduz claramente um aumento da licitude.

“Ao considerar não estar preenchido a agravante do art.º 24, alínea b) do Dl. 15/93 perante a matéria de facto apurada, a abundante prova produzida e regras de experiência comum, o Tribunal a quo errou ao não aplicar tal dispositivo legal ao absolver o arguido nesta parte, que deve pelo exposto ser condenado, conduzindo a uma alteração do quantum da pena concreta, atento o aumento da ilicitude que tal acarreta”.

Alega ainda o Magistrado recorrente que “a cocaína e heroína transacionada e cedida pelo AA, conhecido pela alcunha de “BB” ou “CC” não foi distribuída somente pelos consumidores inquiridos e expressamente indicados, mas por muitos outros que ao longo desses dois anos o procuraram e cujas deslocações para aquisição foram presenciadas, devidamente documentadas e consideradas pelo Coletivo.” (sublinhados nossos)

4.1. Ressalvado o respeito por opinião divergente, tal afirmação não resulta ipsis verbis da matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo.

Acresce, não ter o Magistrado recorrente impugnado a matéria de facto dada como provada pelo tribunal, nos termos do art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, ou mesmo por alegação de vícios da decisão previstos no nº2 do art. 410º do CPP, os quais, desde já se considera não ocorrerem no texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência.

Vem impugnada tão só a avaliação do tribunal ao considerar que a matéria de facto fixada não se enquadra na previsão da alínea b) do art. 24º do DL 15/93 de 22.01.

O tribunal coletivo fundamentou tal avaliação nos seguintes termos: “Com efeito, estamos em presença de uma atividade mais ou menos prolongada no tempo (entre inícios de janeiro de 2015 e 20-02-2017), mas que se traduz em idas regulares à cidade … para aí adquirir estupefaciente (cocaína e heroína e, em algumas situações, canábis, já que, aquando da detenção, o arguido também tinha esta substância na sua posse, não se tendo provado que a destinasse à venda, mas também não se tendo feito qualquer prova de que a destinasse exclusivamente ao seu consumo) em quantidade suficiente para abastecer um número de consumidores que ultrapassa os 15 identificados nos autos - desconhecendo-se o número concreto.

A venda é feita nas sucessivas residências que o arguido teve neste período, sendo que, na fase final abastecia um cliente com quantidades mais significativas e fez-lhe as entregas num outro local. As vendas, na sua maioria são feitas pelo arguido após contactos telefónicos dos consumidores a fazer as encomendas ou estes dirigem-se às ditas residências onde contactavam diretamente com o arguido e adquiriam o estupefaciente. Os preços praticados, naturalmente, envolvem uma margem de lucro, mas não ultrapassa o dobro do preço da compra.

Não estamos, pois, seguramente, em presença de atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala, mas sim perante uma atividade de venda de substâncias estupefacientes ao consumidor final (muito embora, na fase final, a atividade parecesse estar a assumir outra escala) por traficante que vai satisfazendo as necessidades de um círculo de pessoas que o procura nas suas residências.

Mais, não estão seguramente em causa, valores próprios dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição.

Com efeito, o arguido, embora se possa dizer, face à ausência ou escassez de rendimentos lícitos, que vivia, quase exclusivamente, dos rendimentos que retirava desta atividade, não obtinha nem tinha expetativas de obter ganhos elevados. Não se vislumbram sinais de riqueza no arguido, antes dificuldades económicas, não esquecendo que, ele próprio era consumidor de estupefacientes e despendia uma parte desse rendimento na compra de estupefaciente para seu consumo.

Atento tudo o exposto, é de concluir que não se verifica o preenchimento de qualquer das aludidas agravantes, caindo a conduta do arguido na previsão do artigo 21º do Decreto-lei n.º 15/93.”

Cumpre dizer que a circunstância de o tribunal aludir que “o arguido adquiriu quantidade suficiente para abastecer um número de consumidores que ultrapassa os 15 identificados nos autos - desconhecendo-se o número concreto ”, ao não ter quantificado uma ordem de grandeza de compradores de estupefacientes ao arguido não permite, a nosso ver, enquadrar os factos fixados no acórdão como integrando a previsão da citada alínea b) do art. 24º do DL 15/93 de 22.01.  

Volvendo à fundamentação do acórdão, que se acompanha, “as circunstâncias qualificadoras do artigo 24º, implicam uma gravidade exponencial das condutas, que se traduz numa ilicitude exasperada.

As circunstâncias agravantes previstas justificam-se por estarem em causa condutas que colocam em risco de forma exponencial a saúde pública ou que colocam em risco setores da população especialmente vulneráveis ou que acentuam a censura de que a conduta do agente é passível.

Aquela alínea b) está relacionada com uma especial potenciação da danosidade social do tráfico de estupefacientes e as condutas visadas são aquelas que associamos a uma atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala. De todo o modo, tem sido papel da jurisprudência (reconhecido pelo legislador já que não forneceu qualquer critério que permita definir, em concreto, o que deva considerar-se um “grande número de pessoas”) delimitar e densificar este conceito.

Citamos, pois, a este propósito um excerto do sumário do acórdão do STJ de 02-10-2008:“IV - Este último normativo rege para situações que desbordam francamente, pela sua gravidade, do vasto campo dos casos que se acolhem à previsão do art. 21.º e que ofendem já de forma grave ou muito grave os bens jurídicos protegidos com a incriminação – bens jurídicos variados, de carácter pessoal, mas todos eles recondutíveis ao bem jurídico mais geral da saúde pública. São, em suma, situações que, pelo que toca às quantidades e aos lucros obtidos, devem atingir significativas ordens de grandeza, que não se compadecem, de um modo geral, com a venda de substâncias estupefacientes ao consumidor final por um traficante que vai satisfazendo as necessidades de um pequeno círculo de pessoas, ainda que se venha dedicando, por tempo significativo, a essa atividade e tenha a sua subsistência assegurada exclusivamente através dela. V - O arguido pode ter-se dedicado à venda de produtos estupefacientes durante um lapso de tempo relativamente grande, mas o número de pessoas a quem vendeu tais produtos ser um número fixo e escasso. Isto é, ele pode ter fornecido um conjunto mais ou menos certo de consumidores que o abordavam no dia-a-dia. Nesse caso, não se pode falar em a droga ter sido distribuída por um grande número de pessoas, pois se as pessoas forem mais ou menos as mesmas, ainda que servidas muitas vezes pelo mesmo fornecedor, isso não faz com que o seu número seja vasto. A lei [al. b) do art. 24.º], ao falar em grande número de pessoas, tem em vista um número incalculável, de grandes proporções, de pessoas que tenham sido atingidas pelo tráfico de droga e não um grupo de toxicodependentes, ainda que relativamente numeroso, que se abastece normalmente no mesmo traficante.”[1]

(…) Daí a afirmação de que a imagem global do facto não prescinde da quantidade e da qualidade do produto, mas há-de ponderar também, além do mais, o volume de vendas, o tempo de duração, os sinais exteriores de riqueza manifestados, os elementos humanos envolvidos, a posição e modo de atuação dos agentes, os meios materiais de atuação no terreno (ou seja, a logística organizativa) e as expectativas de ganhos. A afirmação daquela dimensão de ilicitude e culpa, que ultrapassa o tráfico normal previsto no artigo 21º, n.º 1, receberá essa denominação sempre que o agente do negócio se proponha enriquecer, alcançar fortuna à custa da miséria alheia, apontando para «operações ou negócios» de grande tráfico, longe das operações de médio escalão, previstas na base típica, a extrair de modelos retirados da observação empírica permitida e moldada pelas regras da experiência. “

Acompanhando, como supra se referiu a fundamentação do acórdão sob recurso, não repugnaria, porém, que a medida da pena se situasse em patamar mais elevado, considerando-se adequada a pena de 6 anos e 6 meses em face do grau de culpa com que o arguido atuou.

Porém, o Magistrado recorrente peticiona a elevação da medida da pena, em 11 meses de prisão, em função da condenação do arguido pela prática de crime de tráfico agravado de estupefacientes - p. e p. pelo art. 21º nº1 e 24º-b) do DL 15/93 de 22.01, conforme se afigura resultar a conclusão primeira do recurso interposto: “discordância da não consideração pelo Tribunal da verificação da circunstância agravante pp. art.º.24, alínea b) do DL. 15/ 93 de 22/01 no crime de tráfico de estupefacientes em que o arguido foi condenado e consequente agravamento da pena daquele por tal circunstância agravante da ilicitude”.

Nessa medida, considerando encontrar-se corretamente subsumida a conduta do arguido, em face da matéria de facto que o tribunal deu como provada, à previsão de prática do crime de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº1 do DL 15/93.de 22.01, e não tendo sido requerido pelo Magistrado recorrente o agravamento da medida da pena de prisão no âmbito da factualidade e subsunção jurídica operada pelo tribunal, afigura-se que a medida de 5 anos e 6 meses aplicada pelo tribunal não poderá ser alterada.

Pelo exposto, com respeito embora pela posição divergente assumida pelo Magistrado recorrente, pronunciamo-nos pela improcedência do recurso.”


§I.(ii). - QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

A solipsa questão que desinquietou o Ministério Público junto do tribunal recorrido atina com a absolvição do arguido do crime de tráfico de substâncias estupefacientes agravado pela circunstância estatuída na alínea b) do artigo 24º – “as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas” – do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro e a sua condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes base (artigo 21º do mesmo diploma legal).

Estima que a facticidade provada substancia a integração/subsunção na materialidade contida no aposto segmento de norma.


§.II. – FUNDAMENTAÇÃO.

§II.(i). DE FACTO.

A leitura do acórdão não condescende com a admissão de vícios endógenos da decisão que suscitem merma da sua compreensão e inteligibilidade global, pelo que se tem por definitivamente consolidada a factualidade que foi valorada e adquirida pelo tribunal de primeira (1ª) instância.   

1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o início de Janeiro de 2015 e até ao dia 20 de Fevereiro de 2017 – data em que foi detido no âmbito dos presentes autos de Inquérito n.º 377/15.3… –, o arguido AA, com as alcunhas de “BB”, “CC”, “DD”, “EE” e “FF”, dedicou-se, com regularidade, à venda a terceiros de substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, a título lucrativo, adquirindo tais produtos em locais e a pessoas não concretamente identificados, mas designadamente na cidade …, e depois entregando-os a indivíduos que lhos adquiriam para seu consumo, mediante a entrega por estes de contrapartidas monetárias.

2. Tendo em vista a aquisição dos sobreditos produtos estupefacientes ao arguido, por regra, os terceiros adquirentes deslocavam-se à residência deste e uma vez aí recebiam do arguido tais produtos e entregavam a este a contrapartida monetária, sendo que tal deslocação era, em algumas dessas ocasiões, precedida de contacto telefónico entre o arguido e estes terceiros adquirentes.

3. Nos contactos telefónicos por si estabelecidos com os terceiros adquirentes nos períodos descritos nesta acusação e nos termos e para os efeitos referidos, o arguido utilizou, entre outros, os números de telemóvel 96…18 e 91….23.

4. Assim, no sobredito período, o arguido efetuou as referidas entregas de produtos estupefacientes aos terceiros deles consumidores sobretudo no interior da sua residência, sendo que:

4.1. Desde pelo menos o início de janeiro de 2015 e até cerca de meados de novembro de 2015 o arguido residiu numa habitação sita na Rua …, em …;

4.2. Desde meados de novembro de 2015 e até cerca do início de novembro de 2016, o arguido residiu numa habitação sita na Rua …., n.º …, em …, …;

4.3. Desde cerca do início do mês de novembro de 2016 e até 20/02/2017, data em que o arguido foi detido no âmbito destes autos, este residiu numa habitação sita na Viela …, n.º …, …, em … .

5. No âmbito da atividade de venda de produtos de estupefacientes a terceiros a que se dedicou no período acima mencionado, o arguido efetuou regularmente deslocações à cidade …, local onde se abasteceu dos produtos estupefacientes que depois transportou para a sua residência, inicialmente sita na Rua …, em …, posteriormente sita na Rua do …, n.º …, em …, …, e por fim, sita na Viela …, n.º …, …, em … .

6. Nessas deslocações à cidade …, o arguido fez-se transportar em vários automóveis da sua propriedade/por si utilizados e/ou da propriedade/utilizados por terceiros consumidores de produtos estupefacientes, entre os quais os seguintes:

- Renault …, de cor cinzenta, com a matrícula ...-CC-..., então da propriedade de MM;

- Renault …, de cor branca, com a matrícula ...-PJ-..., então utilizado por NN;

- Opel …, de cor cinzenta, com a matrícula ...-...-OJ, então utilizado por OO;

- Renault …, de cor Bordeaux, com a matrícula ...-...-HM, então da propriedade do arguido.

7. Tal ocorreu, designadamente: a 29 de Fevereiro de 2016, dia em que o arguido se deslocou à cidade … fazendo-se transportar no lugar do pendura do Renault …, de cor cinzenta, com a matrícula ...-CC-..., então tripulado por MM e no qual seguia ainda, no banco de trás, PP, companheira deste último; a 17 de Março de 2016, dia em que o arguido se deslocou à cidade … fazendo-se transportar no lugar do pendura do Renault …, de cor branca, com a matrícula ...-PJ-..., então tripulado por NN; a 16 de Fevereiro de 2017, dia em que o arguido se deslocou à cidade … fazendo-se transportar no lugar do pendura do Opel …, de cor cinzenta, com a matrícula ...-...-OJ, então tripulado por OO; e a 20 de Fevereiro de 2017, dia em que o arguido se deslocou à cidade … fazendo-se transportar no lugar do pendura do Renault …, de cor Bordeaux, com a matrícula ...-...-HM, então da propriedade do arguido mas tripulado por QQ.

8. No mesmo período e no âmbito da sobredita atividade de compra e venda a terceiros de produtos estupefacientes, o arguido efetuou, entre outras, as seguintes entregas de tais produtos:

8.1. No período compreendido entre o início de Julho de 2015 e o dia 23 de Setembro de 2015, em pelo menos em 7 (sete) ocasiões e no interior da sua residência, então sita na Rua …, em …, o arguido AA entregou a GG, em cada uma dessas ocasiões e para consumo desta, um pacote de heroína e uma base de cocaína, mediante a entrega por esta da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada pacote de heroína e de Euros 10,00 por cada base.

8.2. Nas 7 (sete) ocasiões referidas em 10.1., a aí referida GG encontrava-se na companhia de II, a quem o arguido AA entregou, em cada uma dessas ocasiões e para consumo desta, entre duas a três bases de cocaína, mediante a entrega pela referida II da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

8.3. No dia 23/09/2015, GG, HH e II, que se encontravam juntas e fazendo-se transportar no automóvel da marca e modelo …, de cor cinzenta e com a matrícula ...-EX-..., tripulado por RR, dirigiram-se à residência do arguido AA então sita na Rua …, em … e, uma vez no interior da mesma, este entregou a cada uma delas uma base de cocaína, mediante a entrega por cada uma delas da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

8.4. Desde o início de janeiro de 2015 e até ao dia 26 de abril de 2016, sempre no interior da sua habitação, inicialmente sita na Rua …, em …, e depois sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a SS, para consumo deste e com a regularidade mínima de uma vez por mês, duas bases de cocaína, em cada ocasião, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

8.5. Desde cerca de meados de setembro de 2015 e até cerca do mês de outubro de 2016, sempre no interior da sua habitação, inicialmente sita na Rua …, em …, e depois sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a TT, para consumo deste, em cada ocasião e com a regularidade de dois em dois dias, entre duas a três bases de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

8.6. No período compreendido entre meados de novembro de 2015 e o final de setembro de 2016, no interior da sua residência, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a UU, para consumo deste, com a regularidade de uma a duas vezes por semana e em cada ocasião, entre uma a duas bases de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

As sobreditas entregas ocorreram, designadamente, nos dias 25/11/2015, 26/11/2015, 01/12/2015 e 28/01/2016, no interior da residência do arguido, para a qual o aludido UU se deslocou fazendo-se transportar no veículo automóvel de cor azul e da marca e modelo Volkswagen …, com a matrícula ...-...-HB.

8.7. No período compreendido entre meados de novembro de 2015 e o início de novembro de 2016, no interior da sua residência, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a VV, para consumo deste, com uma regularidade não concretamente apurada, mas em pelo menos seis ocasiões, entre uma a duas bases de cocaína, em cada ocasião, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

As sobreditas entregas ocorreram, designadamente, nos dias 26/11/2015, 01/12/2015, 03/02/2016 e 03/03/2016, no interior da residência do arguido, para a qual o aludido VV se deslocou fazendo-se transportar no veículo automóvel de cor branca, da marca e modelo Ford … e com a matrícula ...-...-MX e no veículo automóvel de cor branca, da marca e modelo Audi …, com a matrícula ...-...-XS.

8.8. No período compreendido entre o início de março de 2016 e o final de julho desse ano, no interior da sua residência, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a XX, para consumo deste, com a regularidade mínima de uma vez por semana e em cada ocasião, uma base de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

Em algumas dessas ocasiões, o arguido ofereceu a XX uma segunda base de cocaína.

As sobreditas entregas ocorreram, designadamente, nos dias 15/03/2016, 12/04/2016, 12/07/2016 no interior da residência do arguido, para a qual o aludido XX se deslocou fazendo-se transportar no veículo automóvel de cor branca e da marca e modelo Rover 214, com a matrícula ...-...-IQ.

8.9. No dia 22 de Março de 2016, ZZ, que então se encontrava na companhia de AAA e se fazia transportar no automóvel tripulado por este, da marca e modelo Peugeot …, de cor cinzenta e com a matrícula ...-...-ZS, dirigiu-se à habitação do arguido, então sita na Rua do …, n.ºs …, em …, entrou na mesma pelas 15h06m e uma vez aí, o arguido entregou-lhe duas bases de cocaína, para seu consumo e do aludido AAA, mediante a entrega por aquele ao arguido da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base, num total de Euros 20,00.

8.10. Em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos nos dias 15/03/2016, 28/03/2016, 31/03/2016, 06/04/2016 e 13/04/2016, o arguido entregou gratuitamente pelo menos uma base de cocaína e/ou um pacote de heroína a JJ, para consumo deste.

Tais entregas ocorreram no interior da residência do arguido, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, para a qual nessas ocasiões o referido JJ se dirigiu tripulando o veículo automóvel de cor preta, da marca e modelo Mitsubishi … e com a matrícula …-…-RE.

8.11. Entre meados de novembro de 2015 e finais de agosto de 2016, no interior da sua residência, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a BBB, para consumo deste, com a regularidade de três vezes por semana e em cada ocasião, entre um a dois pacotes de heroína, mediante a entrega por aquele da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada pacote.

Em algumas destas ocasiões, o arguido entregou ainda ao mesmo BBB, para consumo deste, uma base de cocaína, mediante a entrega por aquele da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

Algumas das sobreditas entregas de heroína e da respetiva contrapartida monetária foram efetuadas por intermédio da consumidora LL, sobrinha de BBB, identificada no ponto 8.12 e pessoa de quem, nessas ocasiões, este se fez acompanhar aquando das deslocações à residência do arguido para aquisição de tais produtos estupefacientes.

As sobreditas entregas de heroína e cocaína pelo arguido ao referido BBB ocorreram, designadamente, no dia 22/03/2016, no dia 28/03/2016 e no dia 13/04/2016, no interior daquela residência do arguido, para a qual o aludido BBB, por vezes acompanhado da sua sobrinha LL, se deslocou fazendo-se transportar no veículo automóvel de cor cinzenta e da marca e modelo Citroen …, com a matrícula …-…-JI.

8.12. Desde o início de fevereiro de 2016 e até ao final de março de 2016, sempre no interior da sua habitação, então sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a LL, para consumo desta, com uma regularidade diária e em cada ocasião, dez bases de cocaína, mediante a entrega por esta da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

A sobredita LL foi internada para tratamento à toxicodependência no final de março de 2016, teve alta cerca do final de julho desse ano e, pouco depois, retomou o consumo de produtos estupefacientes, tornando a adquiri-los ao arguido.

Assim, também no período compreendido entre o início de Agosto de 2016 e o dia 20 de Fevereiro de 2017 (data em que o arguido foi detido no âmbito dos presentes autos), no interior da sua residência, inicialmente sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, e depois sita na Viela …, n.º …, …, em …, o arguido AA entregou a LL, para consumo desta, com uma regularidade quase diária e em cada ocasião, entre duas a três bases de cocaína, mediante a entrega por esta da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

8.13. No período compreendido entre o início de janeiro de 2016 e, pelo menos, até inícios de novembro de 2016, no interior da sua residência, inicialmente sita nos n.ºs … da Rua do …, em …, o arguido entregou a CCC, com a regularidade mínima de uma vez por mês, em cada uma dessas ocasiões e para consumo deste, uma base de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de Euros 10,00 por cada base.

Tais entregas ocorreram, designadamente, pelas 13h43m do dia 15/03/2016, pelas 14h48m do dia 22/03/2016 e pelas 17h34m do dia 06/04/2016, no interior da residência do arguido, para a qual o aludido CCC se deslocou fazendo-se transportar no veículo automóvel da marca Hyunday e modelo …, com a matrícula …-…-OX.

8.14. No período compreendido entre finais de Dezembro de 2016/início de Janeiro de 2017 e o dia 20 de Fevereiro de 2017, o arguido entregou cocaína a KK, para consumo deste, com uma regularidade não concretamente apurada mas em pelo menos oito ocasiões, entregando-lhe em cada uma destas ocasiões uma quantidade não concretamente apurada daquele produto mas compreendida entre pelo menos 10 (dez) a 20 (vinte) bases de cocaína, mediante a entrega por este de uma contrapartida monetária compreendida entre Euros 100,00 e Euros 150,00.

Tais entregas ocorreram, designadamente, nos dias 01/02/2017, 03/02/2017 e 16/02/2017, na sequência dos contactos telefónicos previamente estabelecidos para esse efeito entre o arguido, então utilizador dos números de telemóvel 96…18 e 91…23, e este consumidor, então utilizador do número de telemóvel 91….88. E ainda no dia 04/02/2017, na sequência dos contactos telefónicos previamente estabelecidos para esse efeito entre o arguido – com utilização daqueles números e por intermédio de QQ, conhecido por “DDD” e referido nos pontos (8.15 e 9.) – e o referido consumidor KK, então a utilizar o número de telemóvel 93…54, titulado por EEE.

Com exceção da efetuada no dia 04/02/2017, que ocorreu na residência do arguido, então sita na Viela ..., n.º …, …, em …, todas as demais entregas de produtos estupefacientes efetuadas pelo arguido ao referido KK ocorreram na …, junto ao acesso à autoestrada, para onde este se deslocava no veículo automóvel da marca e modelo Kia …, com a matrícula …-PI-…

8.15. Em locais e datas não concretamente apuradas, mas em pelo menos três ocasiões compreendidas entre o início de dezembro de 2016 até ao dia 20 de fevereiro de 2017, o arguido entregou gratuitamente, em cada uma dessas ocasiões, pelo menos uma base de cocaína a QQ, para consumo deste.

9. No dia 20 de Fevereiro de 2017, a hora não concretamente apurada mas anterior às 19h44m, o arguido saiu da sua residência, então sita na Viela …, n.º …, …, em …, rumo à cidade …, com o intuito de ali adquirir produtos estupefacientes para posterior venda dos mesmos a terceiros consumidores, fazendo-se transportar no lugar do pendura do Renault …., de cor Bordeaux, com a matrícula ...-...-HM, sua pertença mas então tripulado por QQ.

10. Nesse dia, no percurso que efetuaram rumo …, o arguido e o aludido QQ passaram junto à área de serviço …, na A1, no sentido E…-Porto, pelas 19h44m, fazendo-se transportar no aludido veículo de matrícula ...-...-HM.

11. E, ainda nesse dia, pelas 22h50m, no regresso da cidade …, o arguido e o aludido QQ tornaram a passar junto à área de serviço …, na A1, no sentido Porto-E…, fazendo-se transportar naquele mesmo automóvel, mantendo-se o arguido no lugar do pendura e QQ ao volante deste veículo.

12. Nesse momento, os militares da GNR que ali se encontravam seguiram no encalço do ...-...-HM, o qual saiu da A1 pelas 22h55m, ingressando na A25 e tomando o sentido de Albergaria-a-Velha, saiu da A25 e ingressou na Estrada Nacional, rumando de imediato até à residência do arguido, então sita na Viela …, n.º …, …, em …, local onde, pelas 23h15m, o referido QQ imobilizou o ...-...-HM e onde aqueles militares, que se haviam mantido no encalço deste veículo, abordaram QQ e o arguido.

13. Nesta ocasião, o arguido detinha, no bolso traseiro das calças que trazia vestidas, a quantia de Euros 25,00 (vinte e cinco euros) em numerário.

14. Entre as 23h30m e as 23h35m desse mesmo dia, o arguido detinha, no interior do veículo de matrícula ...-...-HM:

a) Um telemóvel da marca e modelo Samsung Duos GT-S73…2, de cor preta e com os IMEI 35…58 e 35…56, contendo o cartão SIM n.º 71…28 da operadora “Vodafone”;

b) Uma mochila da marca “Nike” contendo:

- Um telemóvel da marca e modelo Samsung SM-G5…0FZ, de cor branca e com o IMEI 35…02, contendo o cartão SIM n.º 00006….7 da operadora “MEO”;

- Um telemóvel sem marca visível e com a inscrição “Proteste”, modelo 770, de cor branca e com os IMEI 86…35 e 86…43, sem cartão SIM;

- 8 (oito) pacotes de heroína, com o peso de 1,130g, colocados no interior de um maço de tabaco;

c) Um tubo de ensaio contendo 35 (trinta e cinco) bases de cocaína (cloridrato), com o peso de 5,100g.

15. Nesse mesmo dia 20/02/2017, entre as 23h38m e as 00h14m, o arguido detinha, no interior da sua habitação, sita na Viela …, n.º ..., .., em …, os seguintes objetos e produtos:

a) No pátio coberto:

- 1 (uma) nota de Euros 10,00 (dez euros);

b) No quarto do arguido:

- Dois pedaços de canábis (resina), colocados no interior de um cofre metálico de cor preta, e ainda um terceiro pedaço/“bolota” de canábis (resina), tendo estes três pedaços o peso total de 8,720g;

- Um documento com a inscrição “MoneyGram” e o n.º 97…17, referente a uma transferência do valor de Euros 663,52 (seiscentos e sessenta e três euros e cinquenta e dois cêntimos).

16. O arguido destinava a cocaína e a heroína que detinha nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 14. – e que adquirira momentos antes na cidade … – à venda a terceiros consumidores dos mesmos, nos termos supra descritos, e vinha utilizando os telemóveis que nessas mesmas circunstâncias detinha para efetuar/receber os contactos telefónicos desses consumidores, para esse efeito, sendo estes telemóveis, os demais objetos e as quantias monetárias supra referidas, também detidos pelo arguido naquelas mesmas circunstâncias, provenientes de anteriores vendas de tais produtos que este havia realizado.

17. À data dos factos descritos supra, o arguido não se encontrava autorizado a comercializar produtos estupefacientes e não exercia qualquer atividade profissional, sendo os seus rendimentos quase na sua totalidade provindos da sua atividade de venda de produtos estupefacientes a terceiros consumidores.

18. O arguido agiu com o propósito concretizado de adquirir produtos estupefacientes nas quantidades e qualidades supra referidas, para cedência e venda a terceiros, e de deter e realizar a venda desses produtos pelo dobro do valor da sua aquisição, ao maior número possível de revendedores/consumidores destes produtos e pelo maior número de vezes possíveis, nos termos supra descritos, com o intuito logrado de distribuir tais substâncias por todas as pessoas que o contactassem para esse efeito e em todas as ocasiões em que tal ocorresse e assim obter lucros monetários com essa atividade, o que representou.

19. O arguido praticou os factos supra descritos de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo a natureza, qualidade, quantidade e composição estupefaciente dos produtos por si adquiridos, detidos, cedidos e vendidos, e bem sabendo que a sua aquisição, detenção e cedência a qualquer título sem autorização legal são proibidas, o que representou.

20. O arguido agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

21. O arguido respondeu e foi condenado:

a) em 09-04-2008 (trânsito em 24-06-2008) pela prática, em 02-11-2007, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo abreviado nº1266/07.0…, tendo-lhe sido aplicada pena de multa, já declarada extinta pelo cumprimento;

b) em 21-09-2011 (trânsito em 21-10-2011) pela prática, em 10-09-2011, de crime de condução sem habilitação legal e crime de condução perigosa, no âmbito do processo sumário nº76/11.5…, tendo-lhe sido aplicada pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir, já declaradas extintas pelo cumprimento;

c) em 14-11-2013 (trânsito em 16-12-2013) pela prática, em 05-01-2011 e 10-12-2012, de dois crimes de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo abreviado nº684/11.4…, tendo-lhe sido aplicada pena de 11 meses de prisão, suspensa por 1 ano e com regime de prova, já declarada extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal;

d) em 06-01-2012 (trânsito em 12-03-2012) pela prática, em 25-12-2011, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo sumário nº715/11.8…., tendo-lhe sido aplicada pena de multa, já declarada extinta pelo cumprimento;

e) em 28-02-2013 (trânsito em 12-04-2013) pela prática, em 04-02-2011, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo comum singular nº325/11.0…, tendo-lhe sido aplicada pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano e com regime de prova, já declarada extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal;

f) em 13-03-2013 (trânsito em 11-04-2013) pela prática, em 07-07-2011, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo abreviado nº536/11.8…, tendo-lhe sido aplicada pena de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano e com regime de prova, já declarada extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal;

g) em 26-03-2012 (trânsito em 09-05-2012) pela prática, em 05-03-2012, de crime de condução sem habilitação legal e crime de falsificação de documento, no âmbito do processo sumário nº106/12.3…, tendo-lhe sido aplicada pena de 14 meses de prisão, suspensa por 14 meses e com regime de prova, suspensão que foi revogada, tendo o arguido cumprido a respetiva pena de prisão, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento;

h) em 23-10-2012 (trânsito em 17-12-2012) pela prática, em 15-10-2012, de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de condução perigosa e três crimes de injúria agravada, no âmbito do processo sumário nº418/12.6…, tendo-lhe sido aplicada pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e pena acessória, já declaradas extintas pelo cumprimento;

i) em 05-06-2013 (trânsito em 11-07-2013) pela prática, em 20-03-2012, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo comum singular nº695/12.2…, tendo-lhe sido aplicada pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano, já declarada extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal;

j) em 25-06-2013 (trânsito em 12-08-2013) pela prática, em 26-08-2011, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo comum singular nº444/12.5…, tendo-lhe sido aplicada pena de 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano e com regime de prova, já declarada extinta nos termos do artigo 57º do Código Penal;

k) em 29-04-2014 (trânsito em 29-04-2014) pela prática, em 18-05-2012, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo comum singular nº37/13.0…, tendo-lhe sido aplicada pena de 8 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, pena que foi revogada, tendo o arguido cumprido a respetiva pena de prisão, já declarada extinta;

l) em 11-12-2015 (trânsito em 25-01-2016) pela prática, em 18-11-2015, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo sumário nº81/15.2…, tendo-lhe sido aplicada pena de prisão por dias livre (72 períodos), a qual foi declarada extinta pelo cumprimento (parte dela em regime contínuo);

m) em 13-01-2017 (trânsito em 10-07-2017) pela prática, em 26-12-2016, de crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo sumário nº851/16.4…, tendo-lhe sido aplicada pena de 16 meses de prisão.

n) em 23-03-2018 (trânsito em 02-05-2018) pela prática, em 14-02-2017, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de resistência e coação sobre funcionário, no âmbito do processo comum coletivo nº59/17.1…, tendo-lhe sido aplicada pena de 2 anos e 3 meses de prisão.

No âmbito destes autos foi levado a cabo o cúmulo jurídico desta pena com a aplicada no âmbito do processo nº851/16.4…, tendo sido fixada a pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, que o arguido se encontra a cumprir.

22. O arguido é natural de … sendo oriundo de um agregado familiar estruturado que terá procurado assegurar uma vivência ajustada com referências normativas. O pai .. e a mãe operária …asseguraram estabilidade e autonomia económica à família verificando-se, no entanto, lacunas ao nível da supervisão.

23. O arguido apresenta um percurso escolar com algumas limitações, tendo concluído o 9º ano de escolaridade cerca dos 16 anos de idade, revelando dificuldades de adesão em contexto escolar. Após o seu abandono inicia uma ocupação como aprendiz de …, tendo cerca dos 18 anos de idade, emigrado para a … . Residiu e trabalhou nesse país até 2007, data em que foi deportado para Portugal e impedido de regressar por um período de cinco anos, na sequência de problemas com o sistema de Justiça … .

24. Iniciou o consumo de estupefacientes aos 25 anos de idade, tornando-se dependente do consumo de cocaína e heroína, deixando de consumir heroína após internamento em 2012.

25. Após o regresso a Portugal, o arguido fixou-se na zona de …, onde trabalhou em várias empresas de … . Mais tarde conheceu FFF, a qual também era toxicodependente, situação que condicionou a sua vivência, sem rotinas nem objetivos definidos, mantendo o convívio com grupos de pares com comportamentos aditivos e de práticas desajustadas e desviantes. Desta união o arguido tem três filhas, de 6, 9 e 14 anos, duas delas a residir com a mãe e avós maternos, e a de 9 a residir com uma tia paterna. A relação, entretanto, terminou.

26. O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional …, desde 29.11.2017 (embora se encontre preso ininterruptamente, desde a sua detenção à ordem dos presentes autos em 20-02-2017), cumprindo sucessivamente várias penas. Em contexto prisional tem adotado um comportamento normativo, sem qualquer infração, com adequado relacionamento interpessoal. Atualmente, apresenta algum sentido crítico, face ao desvalor e gravidade das condutas criminais, que justifica com o consumo de estupefacientes.

No Estabelecimento Prisional de … realizou tratamento de desabituação de estupefacientes. No Estabelecimento Prisional onde se encontra atualmente, efetuou uma consulta no CRI da …em maio de 2019.

Encontra-se a frequentar o EFA B2 (Educação e Formação de Adultos).

Ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.

Quando em liberdade, o arguido pretende regressar ao seu agregado de origem, passando a residir com o pai, de 76 anos de idade e a irmã GGG, sendo que, o apoio disponibilizado por estes familiares é limitado, mostrando-se receosos face aos seus anteriores comportamentos.

27. No meio em que se insere o agregado de origem, o arguido detém uma imagem de indivíduo com ligações à problemática da toxicodependência.


Factos não provados.

Para além daqueles que já se mostram excluídos pelo seu confronto com os factos considerados provados, da discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

a) – Que, no período mencionado em 1. dos factos provados, o arguido se tenha dedicado, com regularidade e a título lucrativo, à venda a terceiros, de canábis (resina).

b) - Que o arguido também adquirisse os produtos estupefacientes mencionados em 1. dos factos provados, em … .

c) - Que, no âmbito da atividade de venda de produtos de estupefacientes a terceiros a que se dedicou no período mencionado em 1. dos factos provados, o arguido tenha efetuado deslocações regulares ao acampamento de pessoas de etnia cigana conhecido por “acampamento …”, sito em … e que, nesse local, se tenha abastecido de produtos estupefacientes que depois transportou para a sua residência, inicialmente sita na Rua …, em …, posteriormente sita na Rua do …, n.º …, em …, …, e por fim, sita na Viela …, n.º …, …, em … .

Que tal tenha sucedido, designadamente, nos períodos compreendidos entre o início de fevereiro de 2016 e o final de março de 2016 e o início de agosto de 2016 e 20 de fevereiro de 2017, em datas não concretamente apuradas, mas em cerca de 40 (quarenta) ocasiões e que, nessas ocasiões, o arguido se tenha deslocado para àquele acampamento num veículo automóvel e na companhia de LL.

d) - Que as entregas de estupefaciente efetuadas pelo arguido a CCC e descritas no ponto 8.13 dos factos provados, também tenham ocorrido na residência do arguido sita na Viela …, n.º …, …, em … .

e) - Que o arguido destinasse a canábis (resina) que detinha nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 15. b) dos factos provados, à venda a terceiros consumidores dos mesmos, nos termos descritos no ponto 1. dos mesmos factos provados.


CONVICÇÃO DO TRIBUNAL.

Relativamente aos factos provados.

A factualidade relativa às atividades de aquisição, detenção, transporte e venda ou cedência de produtos estupefacientes, desenvolvida pelo arguido, resultou provada, tendo em consideração os seguintes elementos de prova, conjugados entre si e interpretados de acordo com as regras da experiência comum.

Em sede de audiência de julgamento, o arguido prestou declarações e sustentou, até ao final, que, embora tenha procedido a algumas vendas de cocaína no período em causa, tais vendas eram muito reduzidas e que, sendo consumidor, a maior parte do estupefaciente que adquiria no Porto era para seu consumo ou para partilhar ou dar aos seus amigos consumidores, sendo que, as pessoas que o acompanhavam nas idas … iam para comprar o seu próprio estupefaciente e para conduzir o automóvel, uma vez que não tem carta de condução. Esclareceu que comprava cada base de cocaína por €5,00 e vendia por €10,00, sendo os mesmos, os preços para cada panfleto de heroína, muito embora negue que alguma vez tenha vendido este tipo de substância e que, se alguma vez a trouxe … era porque era dada como bónus na compra de cocaína.

Não obstante esta postura, o arguido, confrontado, ponto por ponto, com a matéria de facto descrita na acusação, confessou a grande maioria dos factos.

Vejamos.

Confirmou que os números de telefone constantes do ponto 3. eram por si usados nos contactos com outros consumidores e bem assim, as residências sucessivas que teve e períodos em que nelas permaneceu (ponto 4.).

Embora afirmando que as aquisições de estupefaciente eram nos termos e com os objetivos já referidos, confessou que fazia as deslocações descritas em 5. e reconheceu as viaturas e indivíduos mencionados em 6. (à exceção da de matrícula ...-PJ-... e do indivíduo de nome NN).

Quanto aos factos descritos em 8.1. a 8.15., relativos a algumas das transações levadas a cabo pelo arguido, confrontado com cada uma delas, admitiu conhecer as pessoas em causa, à exceção das mencionadas em 8.4., 8.5., 8.6., 8.7. e 8.9., não admitindo, contudo, os factos nos termos em que ali vêm descritos, a não ser no que toca às transações mencionadas em 8.3., 8.10., 8.14. e 8.15., que confessou integralmente.

Confessou, igualmente, toda a factualidade descrita nos pontos 9. a 15., onde se descreve a sua conduta no dia em que foi detido, os termos em que ocorreu tal detenção e os objetos e substâncias que foram apreendidos. Excecionou, contudo, negando-os, os seguintes factos: a heroína que foi apreendida no interior do seu veículo automóvel não se encontrava dentro da mochila e não lhe pertencia, mas sim ao indivíduo que o acompanhou na deslocação ao Porto descrita nos factos em causa e a canábis que lhe foi apreendida era para seu consumo e não para venda.

Para além de os factos não admitidos pelo arguido se mostrarem provados com base nas provas que, de seguida, se indicam, estas não suportam a versão apresentada pelo arguido, antes confirmam que o mesmo se dedicou no período em causa, à atividade descrita nos pontos 1. a 16. dos factos provados, nos precisos moldes aí descritos.

Relativamente à prova testemunhal, fundamentais foram, no que concerne a toda a factualidade descrita nos pontos 1. a 16., os depoimentos dos militares da GNR que estiveram envolvidos na investigação, os quais foram absolutamente credíveis e esclarecedores quanto à forma como decorreram as diligências de inquérito, mais concretamente, as vigilâncias, as interceções de conversações telefónicas, os seguimentos a detenção do arguido e as apreensões documentadas nos autos.

Assim, as testemunhas HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM e NNN, descreveram as diligências em que participaram, confirmando os respetivos autos que as documentam e esclarecendo, relativamente às mesmas, tudo quanto lhes foi questionado.

Estes depoimentos, para além do mais, permitiram ao Tribunal obter uma visão geral, mas circunstanciada, da demais prova, nomeadamente a documental.

De notar que, muito embora o arguido tenha referido que a heroína que lhe foi apreendida não lhe pertencia, as testemunhas JJJ e MMM que procederam à busca no automóvel aquando da detenção do arguido, confirmaram que a heroína se encontrava no interior da mochila que pertencia ao arguido e assinalaram que, no momento, o indivíduo que o acompanhava (QQ) disse logo, de forma veemente, que nenhuma da droga encontrada lhe pertencia, ao contrário do arguido que nada disse sobre esse aspeto, isto é, não refutou, como seria natural, na altura (como faz agora) que a heroína apreendida lhe pertencesse.

Um outro elemento de prova que assumiu grande relevância foram os autos de diligência externa que se encontram nos autos e que foram, em audiência, explicitados pelas testemunhas referidas supra, quando e na medida em que tinham conhecimento, por terem presenciado os factos neles descritos.

Concretamente, os ADE de fls.36/37, 46/47, 50/51, 58/59, 62/63, 66/67, 69/70, 99/100, 102/104, 106/107, 108/110, 136/137, 138/139, 140/142, 162/164, 168/170, 193/194, 202/203, 221/214, 215/217, 218/220, 242/243, 244/245, 260/262, 267/268, 356/357 e 531/534 e PRINTs relativos aos veículos visionados pelas testemunhas nessas vigilâncias e que são fls. 38/45, 48, 52, 60, 64, 65, 68, 71, 101, 105, 111/114, 165, 166, 167, 195/201, 221/230, 246/250, 263, 264, 269, 358, 533, 534 dos autos.

Essencial é, também, a abundante prova documental, que constitui a transcrição de conversações telefónicas, contida no Anexo VII (certidões do Inquérito nº604/16.0…); todas as conversações e/ou comunicações intercetadas e gravadas constantes do suporte técnico junto a fls.58 do Anexo VII (certidões do Inquérito nº604/16.0…) e transcrições de conversações e/ou comunicações intercetadas e gravadas, cuja transcrição foi ordenada, constantes do Anexo VII (certidões do Inquérito nº604/16.0J…), apenso a estes autos.

Na mesma linha, se consideraram os relatórios de pesquisa informática e análise operativa de comunicações, bem como suporte digital de fls.1 a 7 do Anexo IV e fls. 994 a 1013 e 1081 a 1085 dos autos.

Assinala-se, também, enquanto prova documental tida em consideração pelo Tribunal:

- Auto de notícia de fls.3 a 5;

- Relatório e suporte fotográfico de fls.326 a 329;

 - Doze DVDs juntos ao Anexo II – Filmagens, apenso a estes autos;

- Autos de transcrição/suporte de fotogramas de fls.1 a 141 do Anexo III, apenso a estes autos;

- Auto de notícia/detenção de fls.490 a 531;

- Auto de revista/apreensão de fls.545;

- Documento de fls.571;

- Autos de busca e apreensão e respetivos relatórios fotográficos de fls.551 a 556, 557, 569, 570, 572, 573, 578 e 579;

- Testes rápidos e autos de pesagem de fls.559 a 562 e 574 a 577;

- Exame direto de fls.558;

- Relatório pericial do LPC de fls.894/896

- Print de fls.1299 e 1300;

- Informação da Segurança Social de fls.1240;

- Informação da Direção de Finanças de … de fls.1246;

- Informações bancárias de fls.1, 2 e 4 a 46 e informações da Segurança Social de fls.3 a 47 e 49 do Anexo I, apenso a estes autos.

Finalmente, o tribunal teve em consideração os depoimentos de todas as outras testemunhas arroladas pela acusação e ouvidas em audiência, a saber, RR, GG, SS, TT, VV, XX, ZZ, UU, JJ, CCC, BBB, LL e KK.

Cabe aqui fazer referência que o Tribunal ponderou, não só os depoimentos prestados em audiência, mas também o teor dos depoimentos prestados por algumas dessas testemunhas perante o Ministério Público em sede de inquérito e cujos autos a que foram reduzidas foram lidos em audiência. Tal leitura encontra-se, conforme documentam as atas da audiência de julgamento, autorizada por despacho proferido pela Senhora Juiz Presidente do Coletivo, após deliberação deste e devidamente fundamentado. Nessa conformidade, e atento o disposto nos artigos 355º e 356º do Código de Processo Penal, é inquestionável que o teor desses autos pode, deve e, por isso, foi livremente apreciado pelo Tribunal. Note-se, como não podia deixar de ser, que em cada caso, o Tribunal não deixará de expor em que medida e por que razão as considerou para fundar a sua decisão sobre a matéria de facto, no confronto das mesmas com as que a respetiva testemunha prestou em audiência de julgamento.

De todo o modo diga-se que, em relação à testemunha HH que não esteve presente em audiência de julgamento (dado ter falecido, entretanto) e cujo auto de declarações prestadas perante magistrado do Ministério Público, foi ali lido, tal auto não suscitou quaisquer dúvidas quanto à veracidade do declarado e, quanto às testemunhas que estiveram presentes em audiência, a verdade é que, sem exceção, quando confrontadas com a leitura em audiência dos autos que se lhes referem, disseram nada a ter a acrescentar ou corrigir confirmando que as mesmas correspondem à verdade.

Cabe fazer pequenas notas sobre alguns destes depoimentos para melhor fazer compreender como se formou a convicção do Tribunal, tendo em conta o respetivo teor, a demais prova indicada e as declarações prestadas pelo arguido.

A testemunha JJ negou em audiência que alguma vez o arguido lhe tivesse cedido, mesmo que gratuitamente, cocaína ou heroína. Admitiu conhecer o arguido e ter frequentado uma das suas residências com o objetivo de lhe exigir o pagamento de uma quantia que o mesmo lhe devia e identificou como seu o veículo automóvel indicado no ponto 10.10.

Não obstante isso, o arguido confessou integralmente a factualidade descrita neste ponto 10.10., depois de o Tribunal o confrontar especificamente com o respetivo teor, razão pela qual, tal factualidade se considerou provada, apesar do teor do depoimento da testemunha em causa.

A testemunha CCC, confirmou a factualidade descrita em 10.13., contudo, afirmou categoricamente e de forma que mereceu o convencimento do Tribunal que nunca se dirigiu a qualquer residência do arguido que não fosse a situada em … . Concretamente, nunca conheceu qualquer residência em …, … . Estando adquirido nos autos (até por confissão do arguido) que o arguido residiu em … até novembro de 2016, mudando-se nessa altura, para …, considerou-se como provado um período de tempo inferior ao que constava da acusação, isto é, que as aquisições decorreram entre janeiro e novembro de 2016 e não, entre janeiro de 2016 e 20-02-2017.

Finalmente, a testemunha KK referiu que, de cada vez, adquiriu ao arguido entre 10 e 15 bases de cocaína, contudo, o arguido, quando confrontado com a matéria de facto descrita em 10.14, disse que vendeu a esta testemunha, no período mencionado na acusação, por 8 vezes, 10 a 20 bases de cocaína de cada vez. Assim, considerámos provada esta matéria, tal como vinha descrita na acusação.

Relativamente aos factos de natureza psicológica descritos nos pontos 18. a 20. dos factos provados, tendo em consideração a análise da matéria de facto provada à luz das regras da experiência comum, nenhumas dúvidas tem o Tribunal sobre a sua verificação. Com efeito, o arguido não podia desconhecer a natureza das substâncias que adquiria, detinha e cedia a terceiros, como também não podia desconhecer, por tal ser do conhecimento de todo o Homem médio, que as suas condutas eram ilícitas e penalmente punidas.

Que o arguido não exercia qualquer atividade profissional à época e que os seus rendimentos lhe advinham quase exclusivamente da atividade de venda de estupefacientes, também não há quaisquer dúvidas. O arguido disse que efetivamente, não trabalhava desde 2015 e tal é confirmado pela prova documental já mencionada. Alegou o arguido que recebia dinheiro da …, enviado por familiares, sendo exemplo de um desses envios o documento que lhe foi apreendido e constante de fls.571. Ora, para além de não ter sido feita qualquer outra prova desses envios e, em especial, da sua proveniência, o documento em causa também não suporta, só por si, as declarações do arguido, antes as parece infirmar. Com efeito, compulsado o documento em causa, verificamos que ali consta como destinatário da quantia, um indivíduo de nome OOO, nascido em …-02-1979 e residente em … e não o arguido e consta como “ordenante”, um indivíduo de nome PPP.

Assim, considerando que o arguido não exercia qualquer atividade profissional, antes uma intensa atividade de venda, pelo dobro do preço da sua aquisição, de produtos estupefacientes, conclui-se que o seu rendimento lhe advinha, pelo menos, quase em exclusivo, dessa atividade.

A matéria de facto descrita nos pontos 21. a 27., e que é relativa aos antecedentes criminais, percurso de vida e condições de vida, à data dos factos e atualmente, do arguido, resultou provada com base no teor do CRC de fls.1523 a 1540 e do relatório social de fls.1498 a 1500 e declarações prestadas em audiência pelo arguido relativamente ao teor do relatório social em causa e que foram no sentido de o confirmar por corresponder à verdade.


Relativamente aos factos não provados.

Alíneas a) e e):

Não foi feita qualquer prova de que a atividade de venda de estupefacientes desenvolvida pelo arguido nos termos descritos em 1. dos factos provados tivesse por objeto, também, a substância canábis (resina).

O arguido referiu que não vendia esta substância e que apenas a consumia, sendo a que lhe foi apreendia no dia em que foi detido, destinada, precisamente, ao seu consumo.

Por outro lado, nenhuma das testemunhas ouvidas se referiram à cedência, por parte do arguido, deste tipo de substância.

Finalmente, mesmo a testemunha NNN (militar da GNR) afirmou, com base naquilo que lhe foi dado perceber em virtude das diligências de investigação em que participou, que o arguido vendia cocaína e heroína, mas não canábis.

Alíneas b) e c):

Também não se fez prova de que o arguido se abastecesse de produtos estupefacientes num acampamento em … .

O arguido reconheceu que se deslocou diversas vezes a este acampamento, mas porque tem relações de amizade com alguns dos seus moradores, nomeadamente um de nome QQQ, tendo ido a diversas festas como casamentos e outras. Para além disso, a sua companheira de então e mãe dos seus filhos, era de etnia cigana e a dada altura desapareceu com um dos filhos e ele foi diversas vezes àquele acampamento para saber se ela ali estava. Em suma, as suas deslocações nunca foram para adquirir estupefacientes.

A testemunha LL, que é mencionada na acusação como tendo acompanhado o arguido nessas deslocações e para a compra de estupefacientes, não se lhes referiu em nenhum momento (seja em audiência, seja enquanto prestou declarações perante MP, que foram lidas e por ela confirmadas em audiência).

A testemunha XX disse que efetivamente acompanhou o arguido ao acampamento da … em …, mas o arguido disse-lhe que a deslocação era para procurar a mulher, o que suporta a versão apresentada pelo arguido.

Finalmente, a testemunha III (militar da GNR) disse não ter conhecimento, atentas as diligências de prova em que participou, que o arguido se abastecesse de estupefacientes noutro lugar para além … e a testemunha KKK (militar da GNR que participou em muitas vigilâncias e seguimentos) disse que não recorda de nenhum seguimento do arguido a um acampamento em … .

Alínea d):

Conforme já se referiu supra, a testemunha CCC, afirmou que nunca se dirigiu a qualquer residência do arguido que não fosse a situada em … . Concretamente, nunca conheceu qualquer residência em …, … .

Tal testemunha, como já se referiu, mereceu o convencimento do Tribunal, razão pela qual, se considerou não provado que a testemunha se tivesse dirigido à residência do arguido em Viela …, nº…, …, …, para adquirir estupefaciente.”


§II.(ii). -. DE DIREITO.

§II.(ii).1). – CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE CONTIDA NA ALÍNEA b) DO ARTIGO 24º DO DECRETO-LEI 15/93, DE 22 DE JANEIRO.

Na perspectiva do recorrente, a conduta antijurídica e ilícita do arguido induz a subsunção à previsão contida no segmento normativo inciso na alínea b) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por, em síntese, “[o] tempo de duração de tal atividade, sucessivamente em três localidades e freguesias diferentes, as inúmeras transações de cocaína e heroína com regularidade diária e visando contrapartidas monetárias obtidas dessa venda para satisfazer as necessidades diárias do arguido, que não exercia qualquer atividade profissional e que levou o Tribunal recorrido a considerar intensa tal atividade delituosa não pode dissociar-se duma disseminação da droga a nível significativo e já fora de comum que ultrapassou a prática habitual dos pequenos traficantes de venda direta e traduz claramente um aumento da licitude.”

O tribunal recorrido justificou o afastamento da circunstância aposta na alínea b) do artigo 24º do decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, - [(b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas)] - com a sequente argumentação (sic); “As circunstâncias agravantes previstas justificam-se por estarem em causa condutas que colocam em risco de forma exponencial a saúde pública ou que colocam em risco setores da população especialmente vulneráveis ou que acentuam a censura de que a conduta do agente é passível.

Aquela alínea b) está relacionada com uma especial potenciação da danosidade social do tráfico de estupefacientes e as condutas visadas são aquelas que associamos a uma atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala. De todo o modo, tem sido papel da jurisprudência (reconhecido pelo legislador já que não forneceu qualquer critério que permita definir, em concreto, o que deva considerar-se um “grande número de pessoas”) delimitar e densificar este conceito.

Citamos, pois, a este propósito um excerto do sumário do acórdão do STJ de 02-10-2008: “IV - Este último normativo rege para situações que desbordam francamente, pela sua gravidade, do vasto campo dos casos que se acolhem à previsão do art. 21.º e que ofendem já de forma grave ou muito grave os bens jurídicos protegidos com a incriminação – bens jurídicos variados, de carácter pessoal, mas todos eles recondutíveis ao bem jurídico mais geral da saúde pública. São, em suma, situações que, pelo que toca às quantidades e aos lucros obtidos, devem atingir significativas ordens de grandeza, que não se compadecem, de um modo geral, com a venda de substâncias estupefacientes ao consumidor final por um traficante que vai satisfazendo as necessidades de um pequeno círculo de pessoas, ainda que se venha dedicando, por tempo significativo, a essa atividade e tenha a sua subsistência assegurada exclusivamente através dela. V - O arguido pode ter-se dedicado à venda de produtos estupefacientes durante um lapso de tempo relativamente grande, mas o número de pessoas a quem vendeu tais produtos ser um número fixo e escasso. Isto é, ele pode ter fornecido um conjunto mais ou menos certo de consumidores que o abordavam no dia-a-dia. Nesse caso, não se pode falar em a droga ter sido distribuída por um grande número de pessoas, pois se as pessoas forem mais ou menos as mesmas, ainda que servidas muitas vezes pelo mesmo fornecedor, isso não faz com que o seu número seja vasto. A lei [al. b) do art. 24.º], ao falar em grande número de pessoas, tem em vista um número incalculável, de grandes proporções, de pessoas que tenham sido atingidas pelo tráfico de droga e não um grupo de toxicodependentes, ainda que relativamente numeroso, que se abastece normalmente no mesmo traficante.”( Disponível para consulta em www.dgsi.pt)

(…) Um olhar sobre a generalidade dos factos praticados pelo arguido permite, sem grandes dúvidas, concluir que não se verifica qualquer das agravantes enunciadas.

Com efeito, estamos em presença de uma atividade mais ou menos prolongada no tempo (entre inícios de janeiro de 2015 e 20-02-2017), mas que se traduz em idas regulares à cidade do Porto para aí adquirir estupefaciente (cocaína e heroína e, em algumas situações, canábis, já que, aquando da detenção, o arguido também tinha esta substância na sua posse, não se tendo provado que a destinasse à venda, mas também não se tendo feito qualquer prova de que a destinasse exclusivamente ao seu consumo) em quantidade suficiente para abastecer um número de consumidores que ultrapassa os 15 identificados nos autos - desconhecendo-se o número concreto. A venda é feita nas sucessivas residências que o arguido teve neste período, sendo que, na fase final abastecia um cliente com quantidades mais significativas e fez-lhe as entregas num outro local. As vendas, na sua maioria são feitas pelo arguido após contactos telefónicos dos consumidores a fazer as encomendas ou estes dirigem-se às ditas residências onde contactavam diretamente com o arguido e adquiriam o estupefaciente. Os preços praticados, naturalmente, envolvem uma margem de lucro, mas não ultrapassa o dobro do preço da compra.

Não estamos, pois, seguramente, em presença de atividade de distribuição de estupefacientes em grande escala, mas sim perante uma atividade de venda de substâncias estupefacientes ao consumidor final (muito embora, na fase final, a atividade parecesse estar a assumir outra escala) por traficante que vai satisfazendo as necessidades de um círculo de pessoas que o procura nas suas residências.

(…) Atento tudo o exposto, é de concluir que não se verifica o preenchimento de qualquer das aludidas agravantes, caindo a conduta do arguido na previsão do artigo 21º do Decreto-lei n.º 15/93.”

A solução da questão em tela de juízo não demanda uma análise detalhada à compleição ilícita e antijurídica do tipo-base, antes se deve bastar com o funcionamento das circunstâncias agravantes, que exasperam e incrementam a antijuridicidade e a intensidade da acção culposa desenvolvida pelo agente na execução e consumação da acção típica.

A temática – como seria de esperar – não infla ventos de novidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Impondo rumo de orientação escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 1-10-2003, no processo 03P2646, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, “O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substâncias estupefacientes, descrevendo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».

O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.

Por isso, a fragmentação dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º). (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234).

Mas também, em perspectiva similar de cobertura das diversas situações que merecem tratamento específico, a previsão de circunstâncias que agravam o tipo essencial: o artigo 24º do referido diploma prevê nas alíneas a) a l) uma série de elementos, situações, características ou qualidades que fazem agravar as penas previstas no artigo 21º; entre tais circunstâncias, a alínea b) dispõe que as penas serão aumentadas na medida prevista, se «as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas».

A enunciação das circunstâncias que agravam, nos termos do artigo 24º, as penas previstas no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, para o crime de tráfico de estupefacientes, revela uma heterogeneidade de motivos que não permite a construção de uma teoria geral sobre o fundamento da agravação.

Com efeito, estão aí presentes circunstâncias que se referem ainda ao perigo e à protecção recuada suposta pela natureza e função dos crimes de perigo no caso de certos destinatários da actividade; outras às qualidades do agente, ao seu estatuto funcional ou ao lugar da infracção; outras ainda à maior eficácia da actividade; ou ainda relativas à consideração de efectivos resultados danosos, não já de maior potencialidade do perigo, mas de verificação real de consequências desvaliosas.

Deste modo, cada fundamento de agravação tem se ser valorado por si, desde logo na específica dimensão que lhe deva ser reconhecida ainda ao nível da própria tipicidade.

É este o caso da referida alínea b) do artigo 24º.

As penas são agravadas, isto é, o crime essencial previsto no artigo 21º é agravado, quando os produtos ou substâncias foram distribuídos por grande número de pessoas.

A expressão usada na descrição e identificação do fundamento, ao contrário, por exemplo, do referido na alínea a) («foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos»), aponta exclusivamente para uma situação verificada, em que efectivamente ocorreu (já ocorreu) uma disseminação efectiva do produto, manifestando-se - e é essa a razão específica da agravação - mais do que o perigo ligado normalmente ao tráfico, um risco sério, efectivo e concreto para os bens jurídicos protegidos. A distribuição efectiva por grande número de pessoas, em si mesma, ao transformar o perigo ligado à actividade em exasperada potenciação do risco, ou mesmo em dano, introduz um elemento de maior densidade na violação do bem jurídico, a justificar que seja considerado como elemento de agravação.

Por isso, não é a mera possibilidade de maior difusão que agrava o facto; esta maior possibilidade resultaria, no plano da mera realidade e das correlações físicas e naturais, desde logo da maior ou menor quantidade do produto ou substância. E a quantidade, apenas enquanto tal, se constitui elemento prestável para distinguir a maior ou menor ilicitude entre o crime essencial (artigo 21º) e os tipos privilegiados (artigos 25º e 26º), não se apresenta relevante em nenhuma das enunciações do artigo 24º.

Deste modo, a agravação resultante da alínea b) do artigo 24º supõe uma distribuição efectiva, passada, ocorrida, verificada, e não a simples possibilidade ou potencialidade, ao nível do risco, de o produto ou substância vir a ser distribuído por grande número de pessoas.

Não basta, pois, como se refere no acórdão deste Tribunal de 6 de Dezembro de 2000 (proc. 2842/00-3ª secção), a simples circunstância de que «os agentes do crime de tráfico se encontravam na posse de uma grande quantidade de droga destinada, em princípio, a actividades de distribuição. Para que se dê por verificada a agravante, necessário se torna que tenha havido uma distribuição efectiva por grande número de pessoas. Dizendo de outro modo: é preciso que tenham sido identificadas pessoas singulares, em número significativo, que tenham comprado, consumido ou por algum modo recebido droga dos agentes numa actividade que, quanto a estes, possa ser classificada como de tráfico» - cfr., também, o acórdão de 11 de Janeiro de 2002 (proc. 2824/00-5ª secção).” (Esta doutrina colheu assentimento no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.05.2004, relatado pelo Conselheiro  Pereira Madeira,: “Como reiteradamente este Supremo Tribunal tem decidido, nomeadamente no Acórdão de 1/10/03, proferido no recurso n.º 2646/03-3, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano XI, T3, págs. 183 e aqui de novo se reitera, "A agravação resultante da alínea b) do artigo 24.º do DL 15/93, de 22/1 - distribuição por grande número de pessoas - pressupõe uma distribuição efectiva, passada, ocorrida, verificada, e não, a simples possibilidade ou potencialidade no nível do risco de o produto ou substância vir a ser distribuído por grande número de pessoas.")

A presença de uma circunstância transforma o crime (“reato”) simples num crime circunstanciado e a relação que passa entre um e outro é uma relação de genus a specie. No crime circunstanciado devem, portanto, devem existir todos os elementos (“estremi”) de crime simples: a circunstância é sempre um plus.” (Francesco Antolesi, Manuale de Diritto Penale, Parte Generale, Milano, Giuffrè Editore, 1997, p. 435). A circunstância (agravante) adjunta ao crime de tráfico de estupefacientes surge como uma exasperação do crime-base por razões que se prendem com os efeitos e consequências sociais, pessoais, físicas e psíquicas que as descritas e plasmadas nas distintas ci4rcunstâncias coenvolvem. Para nos atermos somente á circunstância que despega do pedido do recorrente – venda de produtos estupefacientes a um leque alargado e disperso de pessoas – a razão da agravante atina com o efeito insidioso, “pregnante” e deletério que a distribuição de produtos dessa natureza assume quando disseminados por uma quantidade de pessoas alargada e desgarrada. Uma propalação indiscriminada e transitável, espácio-temporalmente, inculca a ideia de difusão desse tipo de produtos por um conjunto descontrolado de pessoas e de uma incidência socio-pessoal insalubre e defectiva, susceptível de se tornar preocupante no plano da saúde psíquica de determinadas áreas ou polos societários.

Vem adquirido que (i) o arguido fomentou e grassou a sua actividade por um período de 2 (dois) anos – ou pelo menos durante esse período foi controlado pelas autoridades policiais; (ii) que durante esse período o arguido embasou a sua sede na área de Aveiro – com incursões ao “mercado abastecedor”, na zona do Porto); (iii) que durante esse período o arguido foi objecto (sujeito) a vigilâncias pelas autoridades policiais; (iv) que durante o período de 2 (dois) anos as autoridades policiais identificaram 13 (treze) ou 15 (quinze) consumidores que se dirigiram á residência do arguido para se abastecerem de produtos estupefacientes; (v) que esse “abastecimento/fornecimento” se processou, prevalentemente, no perímetro Ílhavo-Aveiro.

O quadro factual adquirido pelo tribunal recorrido – e que o recorrente coonesta – não consente a subsunção da acção ilícita ao conteúdo conceptual-material inerido e plasmado na norma circunstante de injunção agravativa.

Na verdade, ainda que desquiciado do alinhamento jurisprudencial que parece querer enquerir a agravante com a noção de “grande traficante”, ou seja daquele que, potencialmente e pela quantidade de produto estupefaciente ao seu dispor, é susceptível de vir a fornecer um grande número de  pessoas, afigura-se-nos que no caso presente, nem a quantidade de pessoas nem o espaço onde o produto era distribuído/fornecido, são de molde a considerar que o produto foi distribuído a um grande, ou alargado e disseminado, número de pessoas. Ainda que desbordando da ideia – que como parece ser a jurisprudência prevalente – deverá ser a quantidade de produto ao dispor do traficante que serve de referente e aferidor ilativo para abdução da circunstância agravante, o facto é que não pode ser considerado, materialmente, como integrador da circunstância um indivíduo vender num espaço/perímetro delimitado e a uma quantidade de pessoas que não vai além de 15 (quinze), durante um período de tempo de cerca de dois (2) anos.

A argumentação induzida pelo recorrente não colhe aplauso e/ou guarida na melhor acepção que deve ser efectuada da materialidade antijurídica inerida na alínea b) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o que concita a manutenção do julgado nos precisos termos em que foi prolatado.


§III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar provimento ao recurso;

- Sem Custas (artigo 522º do Código de Processo Penal)


Lisboa, 4 de Novembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos


(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)