DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA DAS PARTES
Sumário


I- A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo de demonstração, para além da circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, da conduta negligente da parte, determinativa da paralisação do processo, e, do ónus a essa parte imputável do impulso processual respectivo.
II- A lei processual não prevê no artº 285º que a decisão de extinguir a instância deva ser precedida de prévio despacho a notificar a parte da necessidade de dar impulso processual aos autos, pelo que se tem tal obrigação por inexistente, por via de regra, e, máxime, no processo de execução em que a deserção ocorre ope legis – o que se verifica, designadamente, “quando não se suscitarem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte”, casos em que a deserção da instância “deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos”.
III. Sem prejuízo de, em concreto, face aos elementos circunstanciais de cada caso, se poder vir a revelar necessário, ou adequado, quer proceder à notificação da necessidade da parte de impulsionar os autos, quer, ao abrigo do Princípio do Contraditório, nos termos do artº 3º-nº3 do Código de Processo Civil, proceder à audição das partes, no âmbito ou esclarecimento da deserção da instância, com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual, designadamente nos casos em que ” não se revelem evidentes quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo decorrente da inércia prolongada”.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

H. D., Exequente nos autos de Execução Comum em curso, em que são executados K. P. e outros, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 15/1/2020, que julgou deserta a instância nos termos do artº 281º-nº5 do Código de Processo Civil.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

1º. O Despacho Judicial recorrido apresenta-se-nos totalmente carente de um exame crítico e fundamentado da factualidade apurada, sendo violador de normas e princípios jurídico-processuais fundamentais.
2º. As razões da nossa discordância visam a inexistência de decisão proferida sobre a matéria de facto e a decisão proferida sobre a matéria de Direito, cingindo-se, concretamente, ao seguinte: a) Erro notório na apreciação da prova carreada nos autos; b) Omissão de pronúncia e inexistência de fundamentação; c) Violação do princípio da boa gestão processual; d) Violação do princípio da adequação formal do processado; e) Violação do princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais; f) Violação dos artigos 6.º, 177.º, 281.º 547.º, 615.º n.º 1, alínea b) e d), 852.º, 853.º n.º 3, alínea b), todos do Código de Processo Civil.
3º. Em face da factualidade apurada no tocante à ausência de impulso processual por parte do Exequente, a decisão do tribunal a quo, ainda que merecendo o nosso maior respeito, afigura-se-nos surpreendente, incompreensível, insensata e injusta; fazendo uma errada apreciação da prova carreada nos autos, violando, ostensivamente, o inalienável dever de fundamentação (artigo 154.º do CPC), a qual in casu, inexiste pura e simplesmente; e postergando os princípios da boa gestão processual (artigo 6.º do CPC), da adequação formal do processado (artigo 547.º do CPC) e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais.
4º. No tocante ao dever de fundamentar, reza o n.º 1 do artigo 154.º do CPC, que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa neste artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos. Como se estatui nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e/ou quando juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Bem sabemos, porém, que não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Isso dito, descendo ao caso sub judice, temos que o douto Despacho Judicial recorrido se mostra totalmente carente de fundamentação, não apresentando, no que agora releva, qualquer descrição fáctica considerada pertinente e a correspondente subsunção jurídica. Não foram, pois, discriminados e analisados criticamente os factos considerados provados (quais factos, perguntámo-nos?) para que viesse a ser exarada a decisão que extinguiu a instância por deserção, nos termos dos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 5 do CPC. Em que facto ou factos se sustentou para chegar à deletéria conclusão de que não houve impulso processual nos últimos seis meses por parte do Exequente, ora Recorrente? Nenhuma das partes o sabe! Tal não é especificado - ainda que por remissão - na decisão recorrida! A decisão recorrida, na verdade, não elenca as razões de facto e de direito que, no entender do seu autor, a ela conduziram. Mais concretamente, não enuncia os parâmetros temporais decisivos para o preenchimento da previsão contida no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nem sequer constata a ausência de qualquer actividade por parte da Exequente no período de tempo constante dessa previsão, pelo que jamais poderia concluir, em suma, que essa inércia é causa directa e necessária da consequência que acabou por determinar - a extinção da instância por deserção. Inexiste, pois, qualquer fundamentação fáctica no Despacho Judicial recorrido, facto que, por si só, é gerador de nulidade, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 154.º, 607.º, n.º 3, 615.º, n.º 1 alínea b), do CPC, e artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
5º. A isso acresce que o mesmo Despacho Judicial padece ainda de omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615 do CPC. Nos termos deste comando legal, a sentença /decisão é ainda nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Compulsados os autos, ressalta que não só o Exequente - em resposta aos requerimentos levados a juízo pelos Executados - mas também a Sra. Agente de Execução - quando para tanto interpelada pelo Meritíssimo Juiz - vieram comprovar aos autos que o processo nunca esteve paralisado por mais de 6 meses, tendo sido realizados diversos actos, tais como diversos contactos telefónicos do mandatário do Exequente com a agente de execução, tendo aquele inclusivamente reunido várias vezes com esta de forma a conseguir recolher os dados necessários à liquidação do IMT, a qual se revelou deveras difícil e morosa, dado estar em causa a venda de um quinhão hereditário, onde se integram bens de várias heranças e que envolvem vários herdeiros. A decisão recorrida, em momento algum, se debruça e decide - usando de imprescindível análise crítica - sobre as declarações prestadas pela Sra. Agente de Execução, que foi categórica em afirmar que não houve inacção do Exequente, tendo asseverado que este se manteve colaborante e activo, contribuindo diligentemente para o impulso da tramitação processual. Violou o Despacho Judicial recorrido o disposto pela alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de pronúncia, o que o torna nulo.
6º. Sem prescindir, e no que concerne ao mérito da decisão recorrida, também o tribunal a quo, ao decidir extinguir a instância por deserção, violou os princípios da boa gestão processual (art.º 6.º do CPC) da adequação formal do processado (artigo 547.º do CPC) e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais (artigo 3.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo CPC). Consagrando o princípio da adequação formal, reza o artigo 547.º do CPC, “O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.
O princípio da adequação formal destina-se a introduzir alguma flexibilidade na tramitação ou marcha do processo, permitindo adequá-la integralmente a possíveis especificadas ou peculiaridades da relação controvertida ou à cumulação de vários objectivos processuais a que correspondam formas procedimentais diversas, visando ultrapassar – através do estabelecimento de uma tramitação “sucedânea” – possíveis inadequações ou desadaptações das formas legais e abstractamente instituídas, no âmbito de qualquer tipo de processo. Pretende acentuar-se com a consagração deste princípio – que se substitui ao do estrito e rígido respeito pela legalidade das formas processuais – o carácter funcional ou instrumental do processamento ou tramitação, que não pode ser perspectivado como encerrando um fim em si mesmo, mas antes entendido como visando a realização de objectivos substanciais: a justa composição do litígio, alcançada com respeito integral dos princípios essenciais estruturantes do processo civil, de entre os quais pontificando o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre questões ou decisões iminentemente formais ou dilatórias. De facto, o fim último da actividade jurisdicional prende-se com a busca e alcance de soluções de mérito justas para o caso concreto, não devendo o julgador prejudicar tal desiderato ao sobrevalorizar aspectos de natureza formal e/ou dilatória.
Ora, não obstante a informações prestadas pela Sra. Agente Execução, que fazem fé, o Meritíssimo Juiz a quo, contrariando o seu sentido, de forma surpreendente e precipitada, decide exarar, em 16.01.2020, o Despacho Judicial sob recurso, que configura uma decisão judicial injusta, ilegal e destituída de bom senso, tendo dizimado um processo moroso e complexo (prestes a completar 6 anos!), de difícil tramitação por envolver vários intervenientes e que estava no seu termo, estando já integralmente pagas as custas processuais (446.06 €), os honorários do Agente de Execução (3276,87 €) e os impostos inerentes à transmissão do quinhão hereditário - Imposto sobre Transmissões Onerosas e Imposto de Selo - no valor de 1254,04 € e 200,00 €, respectivamente.
7º. A decisão recorrida, além de não conter qualquer fundamentação, é insensata e faz errada apreciação dos factos, postergando, ostensivamente, o princípio da boa gestão processual (artigo 6.º do CPC). Do cotejo dos autos, comprova-se que o Exequente, no período que precedeu a Despacho Judicial recorrido, nunca recebeu a notificação por parte da Sra. Agente de Execução ou do Meritíssimo Juiz no sentido de dar impulso processual aos autos sob a cominação de ser determinada a extinção da instância por deserção. O Exequente sempre manteve uma atitude processual activa e colaborante, assim o confirmando a Sra. Agente de Execução. Mostra-se, por conseguinte, nula a decisão contida no Despacho Judicial recorrido, o qual, não atendendo à informação prestada pela Sra. Agente Execução, se precipitou na completa destruição, “à vigésima-quinta hora”, de uma acção executiva de vários anos (interposta em Abril de 2014), laboriosa por envolver diversos intervenientes (alguns com residência e cidadania estrangeira), que estava já na fase final, com custas, honorários do Agente de Execução e tributos à Autoridade Tributária liquidados.
8º. Por outro lado, entendemos ainda que a decisão de extinguir a instância sempre mereceria um prévio Despacho que notificasse o Exequente da necessidade de dar impulso processual aos autos, sendo ainda certo que tal decisão nunca poderia partir da iniciativa do Meritíssimo Juiz.

Em conformidade com as conclusões expostas e o douto suprimento de V.as Ex.as, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto Despacho Judicial recorrido, substituindo-o por um outro devidamente fundamentado, quer de facto, quer de Direito, que, apreciando o caso em apreço no respeito dos princípios da economia e celeridade processuais, da boa gestão processual, da adequação formal do processo, da justiça stricto sensu, e, ainda, da prevalência das decisões de mérito, ordene à Sra. Agente de Execução que emita em favor do Exequente o respectivo título de transmissão do direito de acção ao quinhão hereditário que os Executados possuem nas heranças abertas por óbito de A. L. e V. R., onde se inclui a herança por óbito de A. R., seguindo-se ulteriores trâmites até final.

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, á a seguinte a questão a apreciar:

- a decisão recorrida que julgou deserta a instância nos termos do artº 281º-nº5 do Código de Processo Civil viola o dever de fundamentação previsto no artº 154º do CPC ?
- a decisão de extinguir a instância deve ser precedida de prévio despacho a notificar a parte da necessidade de dar impulso processual aos autos ?


FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito ):

I. 1. Veio o exequente H. D., Exequente nos autos de Execução Comum em curso, em que são executados K. P. e outros, interpor recurso de apelação da decisão que julgou deserta a instância nos termos do artº 281º-nº5 do Código de Processo Civil.
2. Nos autos, em 15/1/2020, foi proferida a decisão recorrida a julgar deserta a instância nos termos do artº 281º-nº5 do Código de Processo Civil, com o seguinte teor: “Uma vez que os autos não tiveram qualquer impulso processual nos últimos seis meses, considero a instância deserta, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil. Notifique.”
II. Dispõe o nº5 do artº 281º do Código de Processo Civil que “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Como resulta do preceito legal em apreço, em sede de processo executivo, a deserção da instância opera ope legis, independentemente de qualquer decisão judicial que a declare; porém, não obstante, não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, sendo necessária, ainda, a demonstração de que os autos se encontravam parados por negligência da parte a quem incumbiria o impulso processual, e que esta não cumpriu o indicado ónus, constituindo estas condições requisitos legais para que a deserção se tenha por verificada.
Havendo, assim, que proceder-se, em concreto, à caracterização da conduta negligente da parte, determinativa da paralisação do processo, e, do ónus a essa parte imputável do impulso processual respectivo.
No mesmo sentido v. Ac. TRG de 17/12/2019 - “Como claramente resulta do preceito, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus; que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade” - e, entre muitos outros, Ac. TRG de 30/5/2018, 16/5/2019, todos in www.dgsi.pt
“A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação aparente (cfr. neste sentido os acórdãos da Relação de Coimbra de 01.12.2015 processo 2061/10.5TBCTB-A.C1 e 14.6.2016 processo 500/12.0TBAGN.C1; Acórdão da Relação do Porto de 14.3.2016 processo 317/06.0TBLSD.P1 e Relação de Coimbra de 07.6.2016 processo 302/13.6TBLSA.C1, publicados no “site” da dgsi).” – Ac. TRG de 17/12/2029, supra citado.
No caso sub judice a decisão não procede à delimitação dos indicados requisitos legais de aplicação da norma, não contendo fundamentação, pois que não bastando para a deserção da instância nos termos do artº 281º-nº5 do Código de Processo Civil, a verificação da falta de impulso processual no prazo de seis meses, haverá que, e face aos elementos factuais dos autos, a fixar, determinar a conduta negligente da parte, e como causa determinativa da paralisação do processo, e, do ónus a essa parte imputável do impulso processual respectivo.
“ a decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo que aponte para a negligência da parte em termos de impulso processual” – Ac. STJ de 20/9/2016, P.1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, in www.dgsi.pt
Nestes termos ocorrendo violação do dever de fundamentação decorrente do artº 154º do Código de Processo Civil, não podendo subsistir a decisão recorrida, e, ainda, não contendo a mesma os necessários elementos de facto e de direito com vista à sua “reapreciação” e “reexame” em sede de recurso.
III. Relativamente à questão de saber se a decisão de extinguir a instância deve ser precedida de prévio despacho a notificar a parte da necessidade de dar impulso processual aos autos, propendemos pela resposta negativa, por via de regra, considerando, que tal previsibilidade não se contém na letra, e, nem, ainda, no espírito e sentido da norma do artº 281º do Código de Processo Civil, ( v. Ac. STJ de 14/12/2016, P. 105/14.0TVLSB.G1.S1, in www.dgsi.pt: - “O aludido preceito não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efetivamente verificados os pressupostos que a determinam” e, máxime, no processo de execução em que a deserção ocorre ope legis.
“Fora dos casos em que a lei impõe que o juiz ao proferir decisão ouça as partes independentemente de estas terem suscitado qualquer questão de facto ou de direito, o juiz deve proferir decisão fundamentada à luz das regras de direito aplicáveis, decisão que é sempre passível de impugnação nos termos da lei” - Ac. STJ de 14/12/2016, supra citado.
E, igualmente no tocante à imposição ou dever de “prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual”,
e no seguimento da posição que vem sendo, uniformemente, seguida pelo STJ, v., nomeadamente, Ac. de 14/12/2016, Ac. 8/3/2018, Ac.14.12.2016, Ac. 20.09.2016,
sem prejuízo de, em concreto, face aos elementos circunstanciais de cada caso concreto, se poder vir a revelar necessário ou adequado, quer proceder a tal notificação da necessidade da parte de dar impulso processual aos autos, designadamente nos casos em que ” não se revelem evidentes quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo decorrente da inércia prolongada” – cfr. referem A.Geraldes, P.Pimenta, Luis Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil, anotado”, notas ao artº 281-,
quer, igualmente, proceder à audição das partes, em tal âmbito ou esclarecimento, no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual, ao abrigo do Princípio do Contraditório, nos termos do artº 3º-nº3 do Código de Processo Civil.
Concluindo os indicados autores, in obra citada: “ Em suma diremos que quando não se suscitarem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos”
Tratando-se de questão controversa na Doutrina (v. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, ed. 2013, p. 112, e, 3.ª ed., 344.; Lebre Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3.ª ed., 124 e 125, 157 e 158, 183, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, anotado, Vol I, 3ª edição, pg.555 a 557, P.Pimenta e A.Geraldes, Luis Filipe Pires de Sousa, in CPC, anotado, notas ao artº 281º ) e na Jurisprudência (v. jurisprudência supra citada, e, a título exemplificativo, neste Tribunal - Ac. TRG de 17/12/2019, Ac. TRG de 30/5/2018, 16/5/2019, e, em sentido contrário, Ac. TRG de 16/1/2020, Ac.1/3/2028, e, jurisprudência citada do STJ - Ac. 8/3/2018, Ac.14.12.2016, Ac. 20.09.2016, todos in www.dgsi.pt ).
Refere-se no Ac. Acórdão do STJ, de 20/9/2016, proc.nº 1742/09.TBBNV-H.E1.S1: “Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual”.
E, Ac. STJ de 8/3/2018, P. 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 “ (…) perfilhando-se o entendimento seguido no Acórdão do STJ, de 14.12.2016 (proc. n.º 105/14.0TVLSB.G1.S1)[5], não se justificar interpretação corretiva do citado art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses a antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância. Desde logo porque, tal como se afirma neste acórdão, «o aludido preceito legal não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida, notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efectivamente verificados os pressupostos que a determinam» (…) «se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação peremptória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente».
(…) De igual modo e sufragando-se a orientação seguida no Acórdão do STJ, de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.TBBNV-H.E1.S1) [6], importa realçar que a negligência de que fala o citado art. 281º, n.º1 do CPC « é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objectivamente no processo”.
“em sítio algum estabelece a lei qualquer “audição” das partes (seja ou não a expensas do princípio do contraditório) em ordem à formulação de um juízo sobre essa negligência (aliás, mais do que ouvir as partes ou atuar o contraditório, tratar-se-ia então de um autêntico “incidente”, por isso que, dentro da lógica subjacente, as partes teriam que ser admitidas a demonstrar as razões que as levaram a não promover o andamento do processo, isto é, a sua não negligência). Acórdão do STJ, de 20.09.2016, citado.
Concluindo-se, pela procedência do recurso de apelação, nos termos expostos.

Conclusão ( Sumário ):

I.A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo de demonstração, para além da circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, da conduta negligente da parte, determinativa da paralisação do processo, e, do ónus a essa parte imputável do impulso processual respectivo.
II. A lei processual não prevê no artº 285º que a decisão de extinguir a instância deva ser precedida de prévio despacho a notificar a parte da necessidade de dar impulso processual aos autos, pelo que se tem tal obrigação por inexistente, por via de regra, e, máxime, no processo de execução em que a deserção ocorre ope legis – o que se verifica, designadamente, “quando não se suscitarem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte”, casos em que a deserção da instância “deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos” (– cfr. autores e obra citados).
III. Sem prejuízo de, em concreto, face aos elementos circunstanciais de cada caso, se poder vir a revelar necessário, ou adequado, quer proceder à notificação da necessidade da parte de impulsionar os autos, quer, ao abrigo do Princípio do Contraditório, nos termos do artº 3º-nº3 do Código de Processo Civil, proceder à audição das partes, no âmbito ou esclarecimento da deserção da instância, com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual, designadamente nos casos em que ” não se revelem evidentes quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo decorrente da inércia prolongada” – (cfr. autores e obra citados).


DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal das Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido.
Custas pelos apelados.

Guimarães, 12 de Novembro de 2020

( Maria Luísa Duarte Ramos )
( Eva Almeida )
( António Beça Pereira )