COMPRA E VENDA ENTRE SOCIEDADES
ACTO COMERCIAL
VENDA A CONTENTO
FIXAÇÃO DE PRAZO
Sumário

I - A compra e venda efetuada entre duas sociedades comerciais é, à partida, um ato comercial, na vertente subjetiva.
II - A aquisição por uma empresa de um acessório para instalar numa máquina que usa no exercício da sua atividade não retira a comercialidade à referida compra.
III - Determinando compradora e vendedora que o pagamento do preço só ocorria após verificação, por aquela, do acessório após uso em obra, mesmo com dúvidas sobre o tipo de modalidade negocial em causa, será mais correto enquadrar essa atuação na primeira modalidade de contrato de venda a contento prevista no artigo 923.º, do C. C., aplicável por inexistir regulamentação própria no Código Comercial (artigo 3.º, deste último diploma).
IV - Não tendo sido fixado prazo para se determinar se havia aceitação da proposta de venda pelo comprador, o prazo deve ser fixado pelo tribunal em termos de razoabilidade.
V - Compete à vendedora alegar e provar que foi efetuada a proposta e que a compradora não se pronunciou sobre a mesma em tempo útil.

Texto Integral

Processo n.º 102477/19.5YIPRT.P1.

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1). Relatório.
B…, Lda., com sede em … – …, propôs contra
C…, Lda., com sede na …, …, …, Penafiel,
Requerimento de injunção, que seguiu termos no Juízo Local Cível de Penafiel,
pedindo o pagamento de 6150 EUR, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
O sustento de tal pedido consiste em:
. a requerente dedica-se ao comércio de automóveis, peças e acessórios, sucata e serviço de reboque;
. a requerida dedica-se a atividades de escavações, terraplanagens e movimentação de terras;
. no âmbito das respetivas atividades, em 25/09/2017, a requerida comprou à requerente o martelo hidráulico para giratória, conforme fatura FA 2018/…, com vencimento em 05/06/2018, pelo preço de 5000 EUR, acrescido de I. V. A.;
. a requerente entregou à requerida esse martelo sendo que ficou acordado que o pagamento do preço seria efetuado após verificação do martelo, em obra, por parte da requerida;
. a requerida prometeu pagar o preço acordado, o que não sucedeu apesar das diversas interpelações para o efeito.
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Contestou a requerida, alegando em síntese que:
. nada deve à requerente;
. o contrato nunca existiu;
. a requerida entregou-lhe efetivamente um outro martelo para ser experimentado numa máquina da requerida, mas constatou‐se que o mesmo não funcionava bem, tendo sido retirado na máquina da requerida, comunicando-se à requerente que ia ser devolvido;
. a requerente não possibilitava a entrega do martelo, tendo então a requerida procurado devolvê-lo no dia 01/06/2018, tendo aquela recusado-se a recebê-lo.
Termina pedindo a sua absolvição.
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a condenar a requerida a pagar à requerente a quantia de 6150 EUR, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a calcular à taxa legal supletiva desde o dia posterior à data de vencimento da factura em causa nos presentes autos até integral pagamento, sendo que os vencidos até à data da entrada do requerimento de injunção não poderão ultrapassar o montante de 597,98 EUR.
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Inconformada, apresenta a requerida o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A ‐ Vem o recurso interposto da sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de €6.150,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a calcular à taxa legal supletiva desde o dia posterior à data de vencimento da factura em causa nos presentes autos até integral pagamento, sendo que os vencidos até à data da entrada do requerimento de injunção não poderão ultrapassar o montante de €597,98.
B – Constitui fundamento do recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de direito, uma vez que a decisão errou na interpretação das normas legais com que fundamenta a decisão, errando na interpretação da condição suspensiva do contrato de compra e venda do martelo hidráulico, violando as normas jurídicas vertidas nos artigos 343 n.º 3, 270º, 405º n.º 1 e 2, 874º e 879º do Código Civil.
C ‐ Sem prescindir, constitui ainda fundamento do recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, uma vez que da prova testemunhal produzida em audiência impunha‐se que o tribunal a quo considerasse como provada a não verificação da condição suspensiva a que a autora e a ré subordinaram a eficácia do contrato de compra e venda, que se traduzia em verificar se o martelo não padecia de algum vício que impedisse o seu normal funcionamento.
D ‐ A sentença recorrida efectua uma errada apreciação crítica dos factos e da sua subsunção ao direito, errando de forma flagrante na interpretação jurídica do negócio realizado entre a autora e a ré.
E ‐ A sentença conclui bem que o acordo realizado pelas partes traduzia um contrato de compra e venda sob condição suspensiva, ou seja, subordinado a condição suspensiva.
F ‐ Resulta da fundamentação de direito da sentença “Essa venda foi sujeita a uma condição suspensiva, ou seja, a requerida levaria consigo o martelo e pagaria o preço após testar o martelo em obra. Quer isto dizer que, caso o martelo padecesse de algum vício que impedisse o seu normal funcionamento, o negócio não produziria quaisquer efeitos. De acordo com o disposto no artigo 270º do CC As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso diz‐se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.”
G ‐ Acrescenta‐se na fundamentação da sentença que “As partes não estipularam qualquer prazo”, ou seja, torna‐se manifesto que não foi estipulado qualquer prazo para a verificação da condição suspensiva, para que o martelo fosse testado em obra e para que fosse verificada a existência de algum vício que impedisse o seu normal funcionamento.
H – Não obstante, a sentença erra na consequência jurídica que extrai da circunstância de as partes terem celebrado um contrato de compra e venda subordinado a condição suspensiva e sem estipulação de qualquer prazo para a sua verificação.
I ‐ A sentença errou na conclusão que extraiu ao referir que “Contudo, temos naturalmente que recorrer a critérios de razoabilidade e equidade sendo que, tendo o martelo sido testado nos dias seguintes, a requerida deveria de imediato ter procedido à sua devolução, o que não aconteceu. De resto, também não provou que o martelo padecesse de qualquer problema que impedisse o seu normal funcionamento”, concluindo que “se verificou a condição tendo o contrato produzido os seus efeitos. Presume‐se assim o incumprimento do contrato por parte da requerida nos termos do disposto no artigo 799º do CC.”
J – Com a decisão proferida o Tribunal a quo incorreu em clara violação do regime do ónus da prova previsto no artigo 343º n.º 3 do Código Civil e em violação do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil.
L ‐ Resulta do disposto no artigo 343º n.º 3 do Código Civil que “Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe‐lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu (…)”. À luz do referido normativo legal incidia sobre a autora o ónus da prova de que condição suspensiva se verificou. Cabia à autora provar que a condição suspensiva se tinha verificado, ou seja, que o martelo não padecia de vício que impedisse o seu normal funcionamento.
M – Ao abrigo do disposto no artigo 343 n.º 3 do Código Civil, pretendendo a autora invocar a eficácia do contrato de compra e venda subordinado a condição suspensiva, com consequente obrigação da ré pagar o preço, cabia‐lhe provar que a condição suspensiva se verificou e que o contrato de compra e venda produziu os seus efeitos.
N – Ao abrigo do n.º 1 do artigo 270.º do Código Civil a estipulação entre os contraentes de condição suspensiva, suspende a eficácia do negócio, que só produzirá efeitos se vier a verificar‐se o evento futuro e incerto a que corresponde a condição.
O ‐ No caso de estipulação de condição suspensiva o negócio fica completo logo que celebrado, mas os seus efeitos aguardam, ou seja, só se produzem caso venha a acontecer o facto futuro e incerto que integra a condição suspensiva.
P ‐ Concluindo e bem a sentença a quo que a autora e a ré subordinaram a eficácia do contrato de compra e venda do martelo hidráulico ao acontecimento futuro e incerto de verificar se o martelo não padecia de qualquer vício que impedisse o seu normal funcionamento, pretendendo a autora valer‐se da eficácia do contrato, à luz do preceituado no artigo 343 n.º 3 do Código Civil, tinha que provar que a condição suspensiva se verificou, ou seja, que o martelo hidráulico não padecia de qualquer vício que impedisse o seu normal funcionamento e que, por conseguinte, o contrato de compra e venda produziu os seus efeitos.
Q ‐ Compulsada a factualidade provada constata‐se que o tribunal a quo não dá como provado que o martelo objecto do contrato não padecia de vício que impedisse o seu normal funcionamento, acontecimento futuro e incerto a que as partes, no momento da celebração do acordo, subordinaram a produção dos seus efeitos jurídicos, sendo que a prova da verificação da condição suspensiva cabia à Autora, em harmonia com o estatuído no artigo 343 n.º 3 do Código Civil.
R ‐ A sentença errou ao fazer incidir sobre a ré o ónus da prova da não verificação da condição suspensiva, com clara violação do ónus da prova previsto no artigo 343º n.º3 do Código Civil.
S ‐ No caso em apreço cabia à autora o ónus da prova de que a condição suspensiva se verificou. Não incide sobre a Ré a prova de que a condição suspensiva não se verificou. Errou a sentença a quo quando faz incidir sobre a ré o ónus da prova da não verificação da condição suspensiva, e baseado nesse facto – de que a ré não provou que o martelo padecesse de qualquer problema que impedisse o seu normal funcionamento ‐ considera que a condição suspensiva a que as partes subordinaram o contrato se verificou, concluindo pelo incumprimento contratual da Ré, com a consequente condenação no pagamento do preço.
T ‐ A sentença ao referir que não se provou que existisse problema com o martelo que impedisse o seu normal funcionamento e, ao mesmo tempo, concluir que se verificou a condição suspensiva, incorre em flagrante erro e contradição, pois a condição era precisamente essa – o normal funcionamento do martelo.
U – Errou a sentença na conclusão que extrai da circunstância de não resultar provado que o martelo padecesse de qualquer problema que impedisse o seu normal funcionamento, revertendo erradamente em prejuízo da ré a circunstância de não se ter provado a existência de vício do martelo, com clara violação da regime do ónus da prova previsto no artigo 343º n.º 3 do Código Civil.
V – Não se poderia concluir, como faz a sentença a quo, que a ré está em mora, uma vez que as partes não estipularam prazo para a verificação da condição suspensiva.
X ‐ O tribunal a quo reconhece na fundamentação da sentença que “As partes não estipularam qualquer prazo.”
Z ‐ Apesar de se reconhecer que não foi estipulado qualquer prazo o Tribunal a quo, com recurso a alegados “critérios de razoabilidade e equidade”, extrai a conclusão que a ré deveria de imediato ter procedido à devolução do martelo.
AA ‐ O tribunal a quo não poderia ter extraído essa conclusão e não podia referir que o martelo deveria ser devolvido de imediato, quando as partes não realizaram qualquer estipulação nesse sentido, incorrendo a sentença em clara violação do princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil.
AB ‐ As partes não estipularam prazo para a verificação da condição suspensiva a que subordinaram o contrato de compra e venda e podiam obviamente fazê‐lo, dentro do referido princípio da liberdade contratual.
AC ‐ Não existe nos autos qualquer alusão ou referência por parte da autora quanto a uma qualquer eventual reclamação ou interpelação para efeito de fixação de prazo para a verificação da condição suspensiva.
AD ‐ Se as partes não estipularam qualquer prazo para a verificação da condição suspensiva, não poderia o tribunal recorrido fixar um prazo para a verificação da condição suspensiva e, mais ainda, incidir sobre a ré o ónus de proceder à devolução imediata do martelo, com clara violação do princípio da liberdade contratual.
AE ‐ Violou a sentença a quo o disposto nos artigos 343º n.º 3, artigo 270º n.º 1,artigo 874º, artigo 879º e artigo 405º todos do Código Civil.
Sem conceder;
AF ‐ A sentença errou na decisão proferida quanto à matéria de facto, ao considerar como não provado que o martelo se encontrava com mau funcionamento que impedia o seu normal funcionamento em obra.
AG ‐ Logrou‐se provar que o martelo não estava com boas condições de funcionamento e não permitia um normal funcionamento em obra, após colocação na máquina giratória a que se destinava, da marca DOOSAN, modelo ….
AH ‐ Errou o tribunal a quo na resposta dada nos pontos 1. e 3 dos Factos Não Provados da sentença, que deveriam ser dados como provados e que a ser dados como provados impunham que a decisão fosse no sentido de considerar que o contrato de compra e venda do martelo hidráulico celebrado entre autora e ré não chegou a produzir os seus efeitos, não estando a ré obrigada a pagar o preço, em virtude da não verificação da condição suspensiva a que as partes subordinaram o contrato e que se traduzia em verificar se o martelo não padecia de vício que impedisse o seu normal funcionamento em obra.
AI – A fundamentação da sentença faz referência às declarações das testemunhas D…, manobrador, funcionário da ré, E…, manobrador, funcionário da ré e filho do legal representante da ré, e F…, mecânico e funcionário da ré, que demonstram a existência de um mau funcionamento do martelo.
AJ – Resulta em particular do depoimento da testemunha D…, o manobrador da máquina giratória a que se destinava o martelo, a confirmação que após utilização do martelo por 1,5 horas o ponteiro partiu, foi colocado um ponteiro novo que também partiu, o martelo era usado e não funcionava na máquina; após ter partido um segundo ponteiro deixou de ser utilizado em obra. Das declarações desta testemunha resulta de forma inequívoca que o martelo foi testado em obra e que não tinha um normal funcionamento, o que impediu a sua utilização.
AL ‐ A testemunha D… prestou declarações na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 22.01.2020. Esta testemunha é o manobrador da máquina a que se destinava o martelo. Exerce as funções de manobrador ao serviço da ré há 18 anos, conforme passagem com registo de gravação com início a minutos 01:18 e termo a minutos 01:55.
AM – Confirmou a testemunha que o martelo foi colocado na máquina e experimentada a sua utilização em obra, por duas vezes, mas não lhe foi possível realizar o trabalho porque partia os ponteiros, conforme passagem com registo de gravação com início a minutos 02:14 e termo a minutos 03:24.
AN ‐ Confirmou a testemunha que verificou a existência de uma anomalia com o martelo que não permitia o seu normal funcionamento em obra, e que se tratava de um martelo já usado, conforme declarações com passagem de registo de gravação com início a minutos 05:13 e termo a minutos 06:48.
AO – Confirmou a testemunha que o martelo tinha falta de potência e que apresentava problemas porque partia os ponteiros, conforme declarações com passagem de registo de gravação com início a minutos 07:00 e termo a minutos 07:50.
AP – Confirmou a testemunha que o martelo não mais voltou a ser utilizado e que aquela máquina da Ré é a única que utiliza aquele tipo de martelo, conforme declarações com passagem de registo de gravação com início a minutos 08:51 e termo a minutos 09:40.
AQ ‐ A testemunha F… prestou declarações na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 22.01.2020, exerce funções de mecânico ao serviço da ré e confirmou que os ponteiros partiam, confirmou que o martelo está avariado, nas instalações da ré, sem qualquer utilização, conforme declaração com registo de gravação com início de minutos 0:39 e termo a minutos 01.45; e passagem com registo de gravação com início a minutos 02:05 e termo a minutos 02:11; e declaração com registo de gravação com início de minutos 02:18 e termo a minutos 02:52.
AR ‐ Não podem subsistir quaisquer dúvidas que existiu e se verificou um anormal funcionamento do martelo, que partiu um ponteiro após uma utilização de 1,5 horas e após colocação de um novo ponteiro e nova utilização por igual período de tempo partiu novamente o ponteiro que foi colocado, quando não se justificava tal comportamento, como bem refere o manobrador da máquina na qual o martelo foi colocado que não teve dúvidas em afirmar que não era normal que o martelo partisse os ponteiros com tão pouco tempo de funcionamento, cerca de 1,5h e que tal facto resultava do mau funcionamento do martelo.
AS ‐ Resulta evidente das declarações das testemunhas que aquele martelo era usado, com muito uso, que não tinha potência, e que não mais foi utilizado pela ré após o experimentar em obra, nas referidas circunstâncias, o que também sustenta a sua falta de conformidade para um normal funcionamento em obra.
AT ‐ Errou a sentença na resposta dada à factualidade não provada dos pontos 1. e 3. que devem ser alterados e considerados como provados com essa mesma redacção:
1. “O pico que foi colocado no martelo partiu‐se em consequência do seu mau funcionamento”; 3. “Nesse mesmo dia foi experimentado o martelo e constatou‐se que o mesmo não se encontrava apto para aquela máquina”.
AU ‐ Resultando provado que o martelo não tinha um normal funcionamento em obra – acontecimento incerto e futuro a que as partes subordinaram a eficácia do contrato nos termos do previsto no artigo 270 n.º 1 do Código Civil ‐ teria que se concluir que o contrato de compra e venda celebrado não produziu os efeitos consagrados no artigo 879º do código Civil e, assim, não existe incumprimento contratual por parte da Ré.
AV – Violou a sentença o disposto nos artigos 343 n.º 3; 270º, 405º n.º 1 e 2, 874º e879º do Código Civil; e os artigos 396º do Código Civil e 607º n.º 5 do CPCivil.».
Termina pedindo a revogação da sentença, com a absolvição da recorrente do pedido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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As questões a decidir são:
. alegado erro de julgamento quanto aos factos não provados 1 a 3;
. determinação do tipo de contrato celebrado entre as duas empresas;
. consequências a retirar da qualificação jurídica a atribuir ao acordado.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
1. A requerente é uma empresa que se dedica ao comércio de automóveis, peças e acessórios, sucata e serviço de reboque.
2. A requerida dedica-se à atividade de escavações, terraplanagens e movimentação de terras, entre outras.
3. Em 25 de Setembro de 2017, no exercício das suas atividades, requerente e requerida acordaram que esta adquiria à primeira o martelo hidráulico para giratória, pelo preço de € 5.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
4. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, nas instalações da requerente, sitas em …, Penafiel, a requerente procedeu ao carregamento do referido martelo no camião da requerida, cujo transporte ficou a cargo desta última, que de imediato ficou investida no uso e fruição do martelo.
5. Ficou acordado que o pagamento do preço seria efetuado após verificação do martelo em obra, por parte da requerida.
6. O martelo foi testado em obra nos dias seguintes.
7. Por conta do acordo celebrado, a requerente emitiu e entregou à requerida a fatura FA 2018/…, com vencimento em 05.06.2018 no valor de € 6.150,00 (seis mil cento e cinquenta euros).
8. O martelo destinava-se a ser utilizado numa máquina giratória DOOSAN, modelo ….
9. Em data não concretamente apurada mas que se situa entre os meses de Junho e Agosto de 2018 o legal representante da requerida deslocou-se às instalações da requerente levando consigo o martelo para o devolver.
10. Nas circunstâncias referidas em 8 a requerente recusou-se a receber o martelo.
11. No dia 08.06.2019 a requerida enviou à requerente carta registada com aviso de receção com o seguinte teor: “fomos surpreendidos com uma carta de V. Exas, recebida ontem, dia 07.06.2018, com uma fatura com o nº 2018/…, datada de 2018-06-05, no valor de € 5.000,00 acrescido de IVA, com referência a um “Martelo hidráulico para giratória Hitachi 215”, o que nos causou a maior surpresa e indignação. Como bem sabem, nunca e em momento algum, comprámos qualquer martelo, nem nunca celebrámos qualquer contrato de compra e venda que sustente a indicada quantia, ou qualquer outra, pelo que rejeitamos, em absoluto, qualquer motivo ou fundamento que justifique a emissão da referida fatura, que abusivamente emitiram e nos remeteram. Pelo exposto, rejeitamos a fatura e a existência de qualquer dívida, pelo que, por esta mesma via, procedemos à devolução da mesma”.
E resultaram não provados:
1. O pico que foi colocado no martelo partiu-se em consequência do seu mau funcionamento.
2. O martelo não encaixava devidamente na máquina.
3. Nesse mesmo dia foi experimentado o martelo e constatou-se que o mesmo não se encontrava apto para aquela máquina.
4. Foi então comunicado ao responsável da requerente que o martelo não servia para a máquina e que seria devolvido, o que não mereceu qualquer reparo deste.
5. Por diversas vezes a requerida tentou devolver o martelo à requerente sem que esta o possibilitasse.
6. Alguns dias após a receção da carta referida em 10, o legal representante da requerente telefonou ao legal representante da requerida a dizer que o envio da fatura foi um “engano da esposa” e que ia resolver a situação.».
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2.2). Dos argumentos do recurso.
1). Da apreciação da matéria de facto.
Estão em causa os factos não provados 1 a 3 com a seguinte redação:
1. O pico que foi colocado no martelo partiu-se em consequência do seu mau funcionamento.
2. O martelo não encaixava devidamente na máquina.
3. Nesse mesmo dia foi experimentado o martelo e constatou-se que o mesmo não se encontrava apto para aquela máquina.
Para nós, com o devido respeito pelo douto entendimento do recorrente, pensamos ser claro que esta factualidade não podia ser dada como provada. Aliás, tendo este tribunal de recurso ouvido toda a produção de prova, ficou-se com a sensação de que a qualidade da prova que se produziu nos autos, incluindo em julgamento, foi pouco consistente.
Em termos documentais, temos uma fatura n.º 2018/…, de 05/06/2018, referente à venda de um martelo que, nas próprias palavras do legal representante da Autora/recorrida, ocorreu cerca de nove meses antes, o que à partida não se afigura uma situação corrente na organização de uma empresa.
Depois ficamos a saber que o objeto vendido terá sido retirado de uma viatura que tinha «acabado de chegar» ao parque da Autora/recorrida e que o legal representante da recorrente afirmou que era «mesmo aquele martelo» de que precisava, tendo então retirado-se do veículo esse acessório (ambas as partes estão de acordo quanto a estes factos nomeadamente em sede de julgamento).
Desde logo se questiona porque não está junto aos autos um documento de aquisição da referida viatura, com o respetivo valor e até eventualmente qual o valor do referido acessório/extra para se poder aferir se o valor de 5.000 EUR constante da fatura tinha uma correspondência com o valor de mercado.
Depois, toda a restante prova foi pouco clara sobre as condições em que a peça foi entregue à Ré/recorrente – se a título de empréstimo para solucionar um problema ocasional como esta defende ou uma venda mas com o sentido de se poder levar a peça para ver ser servia mas aqui sempre tendo na base uma compra e venda, sem se concretizar um prazo para se alcançar uma conclusão sobre se peça servia os intentos do comprador.
No presente recurso, grande parte destas questões estão ultrapassadas já que a recorrente expressamente aceita que se está perante uma compra e venda, por 5.000 EUR, acrescido de I. V. A., não questionando essa factualidade.
Assim, entrando na análise destes factos não provados, se a prova sobre aquilo que está provado, na nossa opinião, já não era sólida, em relação aos factos não provados mais se fortalece essa nossa visão.
O saber porque motivo o martelo não funcionou oscilou entre:
. não estar nas devidas condições por, independentemente da potência da máquina que o opera, ele teria de funcionar.
Assim foi referido por testemunhas da Ré/recorrente mas sempre de modo vago e comprometido, no sentido de não se querer explicar se aquele acessório, instalado numa máquina que o operava, com uma possível potência maior do que aquela máquina de onde foi retirado, podia ainda assim funcionar em segurança (D… - «o martelo encaixava na máquina», «martelo não estaria preparado para a máquina» mas também referindo que «o martelo estava avariado»; E… – filho do legal representante da recorrente, nada sabia em concreto sobre o funcionamento do martelo; legal representante da recorrente – mesmo partindo duas vezes o ponteiro, entende que «o martelo não dava» e «só um técnico pode saber…» se a potência de um martelo é compatível com a máquina que o opera, logo se apressando a dar o exemplo de na sua empresa existirem máquinas com potências diferentes do martelo e a funcionarem em pleno.
Ou seja, nem há depoimentos isentos que pudessem, por si só, levar a concluir que o martelo tinha um problema mecânico ou que, pelo contrário, foi o uso que lhe foi dado que provocou avarias ou até se nunca poderia ser usado aquele acessório;
. a inexistência de explicação sobre esta situação.
Assim sucedeu da parte da Autora/recorrida. Não houve qualquer testemunha ou documento produzido no sentido de se saber se o martelo estava em condições de funcionar ou não.
Aliás, até se pode colocar a hipótese de a Autora/recorrida nem o saber pois, se como o legal representante da mesma afirmou em julgamento, a máquina tinha acabado de chegar e se tirou o martelo, podia já ter algum problema que desconhecesse (daí que faça sentido, tal como definitivamente provado, que o bem tenha sido entregue à recorrente para verificação, só sendo de pagar o preço após essa mesma verificação – facto provado 5 -).
A tudo isto, acresce que não há qualquer tipo de prova técnica (documental, pericial ou mesmo por testemunhas isentas que comprovadamente e com conhecimento referissem o modo de funcionamento adequado da peça) que possa levar o tribunal a atingir algum tipo de conclusão segura.
Note-se que alegar que o martelo «não estava apto» é concluir que o não estava, sem se saber porque poderia tal suceder, ou seja, trata-se de um juízo conclusivo que em nada auxiliaria o tribunal a decidir.
Em relação ao dia em que se verificou que o martelo não estava apto, desde logo não se apura que não estivesse em condições de funcionar; e depois o que foi referido é que umas horas depois de entregue partiu-se um ponteiro do martelo, tendo a recorrida entregue outro que também partiu (G… e D…).
Mas daqui não se pode concluir que logo se percebeu que o martelo tinha uma qualquer vicissitude no seu funcionamento pois a quebra dessa parte do martelo pode advir de incorreto uso como acima referimos, matéria que efetivamente não obteve prova.
Daí que, corretamente, esta matéria foi dada como não provada, improcedendo esta argumentação.
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2.2). Do mérito da decisão.
Como já referimos, está aceite nos autos que entre as partes foi celebrado, em 25/09/2017, um contrato de compra e venda de um martelo hidráulico, pelo preço de 5000 EUR, acrescido de I. V. A., sendo que este seria pago após verificação do martelo em obra, por parte da requerida; este teste ocorreu em obra nos dias seguintes (factos provados 3, 5 e 6).
O Réu/recorrente aceita esta prova e qualificação do contrato – conclusão E ‐«A sentença conclui bem que o acordo realizado pelas partes traduzia um contrato de compra e venda sob condição suspensiva, ou seja, subordinado a condição suspensiva.».
Vejamos.
A Autora/recorrida vendeu à Ré/recorrente um bem móvel sendo que a finalização do negócio (pagamento do preço) ocorria quando o mesmo fosse verificado por esta.
Essa verificação, como infra iremos referir, não tem para nós um conteúdo muito explícito mas, por ora, diremos que tem de significar que o comprador teria de retirar alguma conclusão sobre o funcionamento do martelo e, se tal lhe agradasse e assim se verificasse, o preço deveria ser pago (não seria uma simples verificação sem se retirar qualquer consequência que acionaria o vencimento do preço mas sim a verificação de que o bem interessava ao comprador - não faria qualquer sentido que se tivesse acordado que seria pago o preço com a verificação mesmo que não interessasse a aquisição, o que equivaleria à inexistência de qualquer real requisito para se pagar o preço).
Em primeiro lugar, o tribunal recorrido aplicou as regras previstas no Código Civil (C. C.) quanto à compra e venda.
Nos autos está em causa a celebração, entre duas empresas comerciais (sociedades por quotas), de um contrato de compra e venda, resultando dos factos provados que o acessório vendido pela recorrida e adquirido pela recorrente se destinava a ser colocado numa máquina que esta usava na sua atividade – factos 3 e 8 -.
O artigo 2.º, do Código Comercial (C. Com.) determina que são considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados no Código e, além desses, todos os contratos e obrigações assumidas por comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário não resultar do próprio ato.
São assim comerciais desde logo todos os atos regulados no C. Com. ou em lei extravagante posterior; depois são ainda comerciais os atos praticados por comerciantes.
Estes são aqueles que estão definidos no artigo 13.º, do C. Com. - as pessoas que, tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem deste profissão e as sociedades comerciais -.
E, sendo um ato praticado por comerciantes, para continuar a ser um ato comercial, não pode:
. o ato ter natureza exclusivamente civil – uma doação ou um testamento, por exemplo -;
. resultar do próprio ato que não é comercial, ou seja, desse ato não pode resultar que o que se está a praticar não se destina ao exercício do comércio do comerciante (um exemplo que costuma ser dado é a do merceeiro que compra um bem para si ou para um seu filho) – veja-se Luís Brito Correia, Direito Comercial, I, 3ª tiragem, páginas 32 a 38 -.
Ora, no caso, Autora/recorrida e Ré/recorrente são duas empresas pelo que o ato que praticam é subjetivamente comercial e, da compra e venda que foi celebrada, não resulta nem a prática de um ato de natureza exclusivamente civil (está prevista a figura da compra e venda comercial – artigos 463.º a 476.º, do C. Com) nem resulta que a mesma não se destinasse ao comércio/atividade da recorrente. Na verdade, sendo adquirida uma peça para reparar uma máquina que o comprador usa na sua profissão, não está a efetuar uma compra destinada ao uso ou consumo do comprador ou da sua família como prevê o artigo 464.º, 1.º, do C. Com. mas antes a realizar uma compra para continuar a utilizar um bem no exercício da sua atividade.
Se assim não fosse, então a comercialidade subjetiva era excluída; sendo a aquisição para o desempenho da sua atividade, temos a prática de um ato subjetivamente comercial relacionado com a atividade do comprador.
A atuação da vendedora Autora/recorrida afigura-se ser subjetiva e objetivamente comercial – venda de bem por empresa que tem como escopo também a venda de peças –pode presumir-se judicialmente que a venda da peça à recorrente foi precedida de uma compra dessa peça por parte da vendedora, pois a venda decorre no exercício da sua atividade – artigo 463. 1.º, do C. Com. e artigos 349.º e 351.º, do C. C. -.
A compra pela Ré/recorrente é subjetivamente comercial como acima referido.
Temos então que foi praticado pelas partes um ato comercial, em concreto, a compra (pela recorrente) e venda (pela recorrida) de um bem móvel.
Foi acordado que o preço (5.000 EUR, acrescido de I V. A.) seria pago quando a recorrente/compradora verificasse o martelo em obra, o que sucedeu nos dias seguintes (factos 5 e 6).
Entre junho e agosto de 2018, a recorrente procurou devolver o martelo, não tendo a recorrida aceite essa devolução – factos provados 8 a 10 -.
As partes, celebrando o referido contrato de compra e venda, relativo a um bem que estava à vista do comprador, acrescentaram a cláusula de que o comprador ia verificar o martelo em obra.
Esta expressão «verificar o martelo em obra», na nossa perceção e como já demos a entender, não é muito clara pois tanto pode significar que se vai verificar se o martelo serve os propósitos do comprador como também pode significar que, havendo abinitio, interesse na aquisição, se vai analisar se o bem não contém defeitos.
Não se está perante uma situação em que o bem é vendido sob amostra ou determinado segundo uma qualidade ou é vendido «não à vista» nem se verifica que a venda não possa ser determinada por uma qualidade, não se aplicando assim o disposto nos artigos 469.º e 470.º, do C. Com., reservados para aqueles tipos de compra e venda.
No caso, o bem foi vendido estando na presença da compradora, tendo sido transportado das instalações da vendedora para as daquela – facto provado 4 -.
Daí que, à partida, não teria a venda que ficar sujeita à condição prevista nos citados artigos 469.º e 470.º, do C. Com.: na condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada ou na condição de o comprador poder distratar o contrato caso, examinando o bem, não lhe convenha, respetivamente.
Caso surgisse algum problema no funcionamento do martelo vendido, teria que se recorrer às regras de compra e venda de coisa defeituosa prevista no ordenamento civil – artigos 913.º a 922.º, do C. C. por força da remissão do artigo 3.º, do C. Com, atenta a ausência de regulamentação neste último diploma nesta matéria.
No entanto, as partes, no domínio da liberdade contratual (artigo 405.º, do C. C.), determinaram que o preço só seria pago depois de a compradora verificar o bem em obra, ou seja, a compradora iria verificar se o bem funcionava no âmbito da atividade de construção civil a que se dedicava.
Esta cláusula, na nossa opinião, aparenta mais ser a estipulação de uma reserva de o bem agradar ao comprador, ou seja, será mais uma situação em que este vai verificar na obra se o martelo serve os seus intentos do que analisar se o martelo tem defeitos.
E se se estipula que o preço só será pago quando tal for verificado, ou seja, na interpretação que se nos afigura mais correta, quando o comprador declarar que o martelo lhe agrada porque entende que é o bem de que necessita, quando ocorrer essa declaração, o comprador está a declarar que aceita a concretização do contrato que, só então, se torna perfeito.
O que acabamos de referir é a definição que consta no artigo 923.º, n.º 1, do C. C. – «a compra e venda feita sob reserva de a coisa agradar ao comprador vale como proposta de venda» -(primeira modalidade de venda a contento) – o que também será aplicável por força da remissão daquele artigo 3.º, do C. Com. -.
Também está legalmente prevista a segunda modalidade de venda a contento (artigo 924.º, n.º 1, do C. C.) onde se menciona que «se as partes estiverem de acordo sobre a resolução da compra e venda no caso de a coisa não agradar ao comprador, é aplicável o disposto nos artigos 432.º e seguintes.» - aqui o negócio está perfeito desde o início podendo o comprador resolver unilateralmente o contrato -.
Pensamos não ser esta a situação em causa pois o pagamento do preço foi diferido no tempo, sendo este um efeito essencial da compra e venda – artigo 879.º, c), do C. C. – ; assim, o comprador só pagava o preço se verificasse que a coisa lhe interessava, não havendo a perfeição do negócio desde o início do acordo.
De qualquer modo, o legislador, no artigo 926.º, do C. C., percebendo a dificuldade que existe em delimitar qual destas duas modalidades de venda a contento se verifica (pensamos que a situação de venda sujeita a prova não se coloca por não se saber se houve algum tipo de qualidades asseguradas pelo vendedor – artigo 925.º, do C. C. -), estabeleceu que, em caso de dúvida, se presume que se adotou a primeira – a compra e venda feita sob a reserva de agradar ao comprador equivale a uma proposta de venda -.
As partes não estabeleceram um prazo para que o comprador declarasse que o bem que lhe foi proposto vender lhe interessava.
Estando-se no domínio de relações comerciais, a brevidade que se quer na concretização de celebração deste tipo de contratos de transferência onerosa de bens adensa-se em relação a uma venda puramente civil já que o escopo do lucro está sempre presente na pessoa que vendeu o bem.
Assim, a declaração do comprador não pode consolidar-se num prazo tão tardio que se possa entender como irrazoável para o tipo de negócio em causa, atento o tipo de pessoas envolvidas (comerciantes).
A lei comercial confere o prazo regra de oito dias para que o comprador possa examinar o bem para se poder concluir que nada impede a concretização do negócio – artigo 471.º, do C. Com. -.
Este artigo pode ser adaptado a cada situação pois se há bens em que os oito dias são suficientes, podem existir outros cuja montagem e colocação em funcionamento implicam que se tenha de ultrapassar esse prazo, pelo que se deve entender que esse prazo se inicia quando se concluir que o comprador já estava em condições de apreciar as qualidades do bem –a título de exemplo, Ac. do S. T. J. de 06/03/2012, www.dgsi.pt -)
No caso concreto, não foi estipulado qualquer prazo concreto.
O n.º 2, do artigo 923.º, do C. C., determina que a proposta de venda se considera aceite se, tendo sido a coisa entregue ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo de aceitação, nos termos do n.º 1, do artigo 228.º.
Este fixa algumas situações:
. se foi fixado prazo para aceitação, a proposta mantém-se até o prazo findar – alínea a) -;
. se não foi fixado prazo mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino – alínea b) -;
. se não foi fixado prazo e a proposta foi efetuada a pessoa ausente ou por escrito a pessoa presente, mantém-se a proposta até cinco dias depois do prazo que resulta da alínea b) – alínea c) -.
Como referem Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, 3.ª edição, I, página 217, não está prevista a situação de não ter sido fixado prazo em proposta efetuada verbalmente a pessoa presente; entendem esses autores que «nesse caso, ou se confere um prazo para a resposta, ou se pretende uma resposta imediata.».
No caso concreto, não temos a certeza de se poder assim concluir atenta a falta de prova nesse sentido; mas, ponderando as necessidades de comprador (que necessitava da peça para a usar em obra e do vendedor, que pretende obter o correspetivo pela entrega do bem em tempo adequado), pensamos que se deve encontrar um prazo que se possa considerar razoável e justo para considerar que, decorrido o mesmo, o comprador aceitou a proposta.
É, no fundo, a materialização do princípio da boa-fé previsto no artigo 762.º, n.º 2, do C. C. no sentido de «tendo decorrido já o tempo mais do que suficiente para preencher o prazo assente pelos usos» - Antunes Varela, ob. citada, página 25 -, não existirem pretextos para se retardar o cumprimento.
E permitindo a lei que um prazo que é exigível para o acordo que se celebra (como é o caso) e em que as partes não o determinaram, possa ser fixado pelo tribunal nos termos do artigo 777.º, n.º 2, do C. C., não existe, na nossa opinião, óbice a que seja fixado nestes autos onde se discute precisamente o tipo de contrato e o momento em que houve ou não aceitação do contrato (o legislador terá tido em mente desde logo o recurso ao processo de fixação judicial de prazo mas, nossa opinião, pensamos que não está impedido o tribunal de, na ação onde concretamente se discute o acordo e se a atuação do comprador é correta e atempada, de fixar em termos argumentativos um prazo razoável para depois se concluir se houve ou não conclusão do negócio).
Assim, ao entregar-se o martelo para ser verificado em obra, o que sucedeu nos dias seguintes (facto provado 6), pensamos que um prazo razoável para tal verificação será aquele situado entre os oito dias que a lei comercial estabelece no citado artigo 471.º, do C. Com. e um máximo de trinta dias (conforme o prazo estabelecido no artigo 916.º, n.º 2, do C. C. quanto à denúncia de um defeito), sempre após a testagem em obra do bem.
Uma vez que podem existir diversos tipos de obra a realizar com a ajuda do martelo, em terrenos/pedras de diferentes características, pode igualmente haver influência das condições atmosféricas ou outro tipo de imprevistos, pensamos que a compradora, ao fim de decorridos oito dias após verificar o martelo em obra já podia manifestar uma eventual rejeição da sua aquisição ou, nalgum circunstancialismo mais imponderável, ao fim dos trinta dias também já o poderia fazer. E se não pudesse, «bastar-lhe-ia» alegar que não o podia efetuar por algum motivo, depois se aferindo se havia motivo adequado para prolongar aquele prazo.
A recorrente/compradora alegou que procurou devolver o martelo no mesmo dia em que o recebeu por não funcionar (nesse mesmo dia foi experimentado o martelo e constatou-se que o mesmo não se encontrava apto para aquela máquina e foi então comunicado ao responsável da requerente que o martelo não servia para a máquina e que seria devolvido, o que não mereceu qualquer reparo deste. Por diversas vezes a requerida tentou devolver o martelo à requerente sem que esta o possibilitasse), mas essa alegação não resultou provada (factos não provados 3 a 5).
Da factualidade resulta que tendo o bem sido entregue em 25/09/2017, foi tentada a sua devolução entre junho e agosto de 2018, recusada pela recorrida – factos provados 3,4, 9 e 10 -.
Não há prova de qualquer outro tipo de atuação da recorrente que demonstre a rejeição da proposta compra de compra num prazo adequado, só existindo essa manifestação tácita de rejeição (devolução de bem) cerca de nove meses depois da entrega, o que é manifestamente excessivo.
É uma conclusão que, derivada da falta de prova, leva a que também se conclua que, findos os trinta dias acima referidos, nada tendo sido manifestado pela recorrente, a proposta de venda da recorrida foi aceite pela recorrente nos termos do 923.º, n.º 2, do C. C..
Não se está, na nossa opinião e sabendo-se da dificuldade que pode existir na análise destas figuras, perante uma venda sob condição conforme artigo 270.º, do C. C. como consta da sentença recorrida (Mota Pinto, em Teoria Geral do Direito Civil, 3:º edição, página 560 considera que existe uma condição potestativa – procede da vontade das partes – na segunda modalidade de venda a contento – o comprador declara que a coisa não lhe agrada, não tendo de pagar o preço mas fica privado do bem mas o vendedor ficou desde logo vinculado).
Pensamos que, em face de uma situação em que primeiro há uma proposta de venda que é, depois, aceite pela recorrente, há um adiamento da concretização de um negócio e não a sujeição da produção dos efeitos de um negócio já celebrado a um acontecimento futuro e incerto.
Por isso, não se estando perante a aplicação da regra de ónus de prova prevista no artigo 343.º, n.º 3, do C. C. (direito invocado pelo autor está sujeito a condição suspensiva), nesta figura de venda a contento, competia à recorrida/vendedora alegar e provar que tinha sido efetuada a proposta e que a recorrente não se tinha pronunciado sobre a mesma em tempo útil, o que conseguiu – artigo 342.º, n.º 1, do C. C. – (Ac. R. L. de 30/06/1994, www.dgsi.pt).
Note-se que, ainda que se entendesse que o silêncio/não rejeição neste tipo de venda é uma condição, a Autora/recorrida demonstrou que entregou o bem à Ré/recorrente em setembro de 2017 e que a mesma nada disse até junho de 2018 (aqui provando menos do que alegou pois mencionou que a recorrente admitia a compra para depois a negar, devolvendo a fatura emitida em 05/06/2018), pelo que também se preenchia o ónus de prova previsto naquele artigo 343.º, n.º 3, do C. C..
Não se provando que o bem padecia de algum defeito, não existe factualidade que possa levar a concluir que tenha havido uma venda de coisa defeituosa.
Assim, conclui-se que ocorreu uma compra e venda do bem, iniciada por uma proposta de compra e venda e depois confirmada, pelo silêncio da compradora, pelo que tem a Ré/recorrente de pagar o preço de aquisição.
Não é suscitada qualquer outra questão pelo que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Registe e notifique.

Porto, 8 de Outubro de 2020
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Fernando Baptista