TÍTULO EXECUTIVO
RENDAS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – A indemnização prevista no art. 1045/2 do CC, mesmo que incluída em termos determináveis na comunicação em causa no art. 14-A/1 do NRAU, não é abrangida pela exequibilidade do título aí previsto, por não ser uma obrigação contratual e na data da comunicação ainda não estarem verificados os pressupostos da indemnização.
II – Já o mesmo não se pode afirmar da “indemnização” prevista no art. 1045/1 do CC.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 10/04/2020, S veio requerer uma execução para pagamento de quantia certa, contra O e A, apresentando para o efeito, nos termos dos artigos 14-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (= NRAU) e 703/1-d do CPC, entre o mais, um contrato de arrendamento de uma sua fracção autónoma para habitação da executada, celebrado com ela em 01/02/2014 (doc.2).
Alega, em síntese, o seguinte: O contrato tinha a duração de 5 anos e a renda era de 350€ mensais; tinha como fiador o executado; a executada não efectuou o pagamento das rendas referentes a Maio e Junho de 2014 (= 750€ [sic]); por meio de carta registada com aviso de recepção remetida a 03/10/2014 para a executada, para a morada convencionada pelas partes, o exequente procedeu à resolução do contrato por falta de pagamento das rendas, interpelando-a ainda para efectuar o pagamento das quantias que mantinha em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas (doc.3); comunicação recebida pela executada a 02/05/2016 [sic]; do mesmo modo, por meio de carta registada com a/r remetida a 03/10/2014, o exequente comunicou ao fiador que procedeu à resolução do contrato de arrendamento, interpelando-o para o pagamento das quantias que mantinha em dívida, interpelando-o para efectuar o pagamento das quantias em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas e a título de indemnização pelo atraso na entrega do locado (doc.4); comunicação recebida pelo fiador a 06/10/2014; no decorrer do prazo atribuído aos executados para que estas procedessem ao fim da mora (art. 1084/3 do Código Civil), estes não efectuaram qualquer pagamento, nem o seu recebimento foi recusado pelo exequente, considerando-se o contrato resolvido a 30/11/2014; apesar disso, o locado só foi restituído ao exequente a 19/06/2019; o arrendatário tem como obrigação restituir o locado ao senhorio logo que finde o contrato, caso assim não proceda deverá pagar a título de indemnização um montantes corresponde à renda [sic]; caso não o faça e cumulativamente entre em mora no pagamento da indemnização, esta deverá ser elevada ao dobro, nos termos do artigo 1045 do CC; em razão da não pronta restituição do locado ao senhorio os executados deverão indemnizar este no montante de 37.100€ (= 350€/renda x 53 meses x 2); os executados devem pagar ainda 76,50€ referente à liquidação da taxa de justiça devida pela entrada da presente acção judicial; e devem “ser condenados no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre a quantia em dívida, desde a data de trânsito em julgado da sentença até integral e efectivo pagamento, conforme o art. 829-A/4 do CC.”
[todos os documentos referidos foram apresentados e dados por reproduzidos; na comunicação para a executada [que é de 01/10/2014, com a/r de 06/10/2014] falava-se em 5 rendas não pagas, no total de 1750€ e que caso a fracção não fosse entregue era devido ainda “o valor referente à indemnização correspondente ao valor da renda, elevado ao dobro em caso de mora, desde o momento em que o contrato cessou e até efectiva entrega do locado (cfr. art.1045, n.ºs 1 e 2, do CC)”, na comunicação para o executado [que é de 29/09/2014, com a/r de 06/10/2014] dizia-se que “informamos que decidimos […] proceder à resolução do contrato de arrendamento relativo à fracção […], resolução essa que produzirá efeitos no último dia do mês em que V. Exa seja notificado da presente, devendo o locado ser desocupado e entregue […] no decurso de um mês a contar dessa data. […S]erá responsável, solidariamente com o inquilino, pelo pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas que não sejam efectivamente pagas até à restituição do locado, sendo certo que, nos termos legais, em caso de atraso, tais montantes serão elevados ao dobro (art. 1045/2 do CC).”]
Tendo o processo sido concluso para despacho liminar, a 05/05/2020 foi proferido o seguinte despacho:
“[…]
A circunstância de existir um direito de crédito é irrelevante para efeitos de acção executiva caso esse direito não se encontre consubstanciado num documento legalmente idóneo que, de acordo com a lei, seja dotado de exequibilidade intrínseca e extrínseca. O título executivo é condição necessária da acção executiva, pelo que sem título não pode ser instaurada execução; e se for instaurada, deve ser liminarmente indeferida, pode ser objecto de oposição e pode ser motivo de rejeição oficiosa, nos termos previstos no art. 734.
Com efeito, estatui o art. 10/5, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
A Lei 6/2006, de 27/02 [que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)], no seu art. 15/2, veio atribuir força executiva ao contrato de arrendamento, para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Esta lei já sofreu, entretanto, diversas alterações, dispondo actualmente o seu art. 14-A/1 que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”
Estamos perante um título complexo, dado que se reclamam para que seja exequível, dois documentos: o contrato de arrendamento, e o comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas em dívida (cfr. decisão singular do TRL de 15/05/2008, proc. 4055/2008-6).
Trata-se de um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos do art. 703/1-d.
E porque se trata de norma especial não comporta interpretação analógica (art. 11 do CC), não podendo ademais olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (art. 9/2-3 do CC).
No que aos títulos executivos respeita, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, fixou que documentos podem concretamente cumprir essa função, elencando-os no art. 703 e em outras disposições especiais, nos termos permitidos pela al. d) do seu n.º 1.
Conforme refere Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 150, “trata-se de um rol taxativo, não se admitindo o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia.”
Ou seja, os títulos executivos são os indicados na lei como tal, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo (cfr., neste sentido, o ac. do TRC, de 21/03/2013).
É, portanto, neste quadro de especialidade e excepcionalidade que terá que ser entendida e enquadrada a formação do título executivo em referência. In casu, remeteu o exequente electronicamente aos autos o contrato de arrendamento e comunicações dirigidas aos executados, através das quais lhes comunicou estar em dívida a quantia de 1750€, relativa às rendas não pagas dos meses de maio a Setembro de 2014.
Porém, para além da cobrança desse valor, pretende agora, para além do mais, obter o pagamento de “indemnização correspondente à renda elevada ao dobro”, para tanto invocando que, apesar de lhes ter comunicado a resolução do contrato em 03/10/2014, o locado só viria a ser entregue em 19/06/2019.
Ora, conforme resulta do art. 14-A/1 do NRAU, a formação de título executivo nos termos aí previstos só é possível para “a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”, sendo, portanto, inócua a declaração dirigida pelo senhorio ao arrendatário, pelo menos para este efeito, de qualquer outro valor em dívida, seja a que título for, nomeadamente a título de indemnização.
Carece por isso o exequente, manifestamente, de título executivo para exigir a cobrança de qualquer quantia relativa a indemnização.
Verificando-se que, através das comunicações efectuadas, o exequente deu conhecimento aos executados de que se encontravam em dívida 1750€ de rendas, não dispõe de título executivo para exigir a cobrança de quaisquer outras quantias, que não foram objecto de comunicação, tanto mais que os valores devidos desde então, ainda que correspondentes ao valor das rendas, assumem o carácter de indemnização, porquanto após a cessação do contrato não pode já falar-se em rendas, por o contrato ter deixado de subsistir.
[o despacho recorrido ainda fundamenta e decide a falta de título para a cobrança de taxa de justiça e pelos juros – o que não se transcreve visto que o recurso não lhes faz referência]
Concluindo, o exequente apenas dispõe de título executivo bastante para exigir dos executados a cobrança da quantia de 1750€, relativa às rendas alegadamente não pagas dos meses de Maio a Setembro de 2014, sendo manifesta a falta de título executivo relativamente aos demais valores reclamados.
Termos em que, face ao exposto, indefiro liminarmente o requerimento executivo na parte em que se pretendia obter a cobrança de valor superior a 1750€, prosseguindo a execução apenas quanto cobrança deste montante.
[…]”
O exequente recorre deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, em síntese:
Em 29/09/2014 e 01/10/2014 o exequente enviou uma comunicação aos executados, resolvendo o contrato de arrendamento, com fundamento no não pagamento das rendas referentes aos meses de Maio a Setembro de 2014, no valor global de 1750€.
Cumprindo o disposto pelos artigos 9 e 10 do NRAU enviando para o efeito uma comunicação registada com aviso de recepção, sendo cada comunicação recebida pelo próprio destinatário.
Os executados, dentro do prazo conferido para o efeito, não liquidaram as rendas vencidas, bem como a mora de 50% do valor devido, por isso o contrato considera-se resolvido por falta de pagamento das rendas, resolução que produziu os seus efeitos na data de assinatura do aviso de recepção pela executada, em 06/10/2014.
Devendo o locado ser desocupado e entregue livre de pessoas e bens no decurso de um mês a contar da data resolução, nos termos do artigo 1087 do CC.
O exequente nas comunicações enviadas aos executados é contundente ao informar das implicações legais que recairiam sobre estes caso não procedessem à restituição do locado após a cessação do contrato [transcreve apenas a comunicação feita ao fiador – parenteses deste TRL].
Da leitura da comunicação, é totalmente perceptível para o homem de conhecimento médio que a arrendatária tem como obrigação (i) desocupar o locado ao fim de um mês após a resolução, (ii) caso assim não proceda deverá manter os pagamentos do valor equivalente à renda, mas a título de indemnização, já que o contrato se encontra resolvido, (iii) caso persista em não restituir o locado nem em pagar a indemnização, esta será elevada em dobro.
Face à conduta relapsa da arrendatária, o exequente/senhorio, foi obrigado a lançar mão do procedimento especial de despejo para recuperar a posse do imóvel.
Nessa sequência o imóvel foi apenas entregue ao exequente em 19/06/2019.
Face ao exposto, além das rendas vencidas deverão os executados entregar ao exequente, a título de indemnização, os valores devidos desde a resolução do contrato até entrega efectiva do imóvel.
As comunicações recepcionadas contêm os dados para o cálculo aritmético dos montantes.
Assim sendo, veio o exequente apresentar o requerimento executivo para cobrança coerciva do montante global de 37.926,50€, aritmeticamente calculado, uma vez que a obrigação já se encontra líquida, além de certa e exigível.
O valor exequendo é composto pela soma dos seguintes montantes: i) 750€, referente às rendas vencidas e não pagas; ii) 37.100€, a título de indemnização pelo atraso da restituição do locado; iii) 76,50€, referente à liquidação da taxa de justiça devida pela entrada da presente acção judicial.
Os executados não contra-alegaram.
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Questões que importa decidir: se é de entender que a indemnização pretendida (art. 1045/2 do CC) está abrangida pela exequibilidade do título apresentado.
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Os factos que interessam à decisão desta questão são os que constam do relatório supra.
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Decidindo:
As normas que estão relacionadas com esta questão são as seguintes:
Art. 1041/1 do CC                   
Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
Art. 1045 do C.C:
1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora a referida indemnização é elevada ao dobro.”
Artigo 14-A/1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redacção dada pela Lei 31/12, de 14/08 (mantida em 2014 e 2019):
O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
Art. 15/2 do NRAU na versão original
O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
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Toda a jurisprudência tem admitido que o título dado à execução, decorrente da conjugação do contrato de arrendamento com a comunicação, pelo senhorio ao arrendatário, de que, entre o mais, fica em dívida, depois da resolução do contrato, o valor equivalente às rendas que se venceriam até à entrega efectiva do prédio arrendado, é título que serve para a cobrança deste valor.
Ou seja, a jurisprudência aceita que aquele título está abrangido pelo actual art. 14-A/1 do NRAU (≈ 15/2 da redacção original), isto é, que o senhorio pode executar as “rendas” vincendas até à entrega efectiva do prédio arrendado.
Neste sentido, veja-se:
Decisão singular do TRL de 12/12/2008, proc. 10790/2008-7 (que, em obiter dictum exige que da comunicação conste a liquidação do montante peticionado, por entender que o significado útil da exigência da comunicação prevista no artigo 15/2 do NRAU é o de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida)
Decisão individual do TRL de 26/07/2010, proc. 8595/08.4YYLSB-B.L1-1
Ac. do TRP de 12/10/2010, proc. 6733/09.9YYPRT.P1
Ac. do TRP de 18/10/2011, proc. 8436/09.5TBVNG-A.P1
Ac. do TRP de 22/03/2012, proc. 5644/11.2TBMAI-A.P1
Ac. do TRL de 15/12/2012, proc. 1105/12.0YRLSB-2
Ac. do TRC de 18/02/2014, proc. 182/13.1TBCTB-A.C1
Ac. do TRL de 22/05/2014, proc. 8960/12.2TCLRS-B.L1-6
Ac. do TRL de 27/10/2016, proc. 4960/10.5TCLRS.L1-6
Ac. do TRL de 18/01/2018, proc. 10087/16.9T8LRS-B.L1-6
Ac. do TRL de 21/02/2019, proc. 3855/17.6T8OER-A.L1-2
Ac. do TRL de 12/03/2019, proc. 15962/17.0T8LSB-A.L1-7
Ac. do TRC de 04/06/2019, proc. 7285/18.4T8CBR-B.C1
No mesmo sentido, implicitamente, veja-se, Gravato Morais, CDP 27, Jul-Set2009, pags. 64-69 e Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9.ª edição, 2019, pág. 218.
Mas, enquanto alguns acórdãos, mais antigos, exigiam que a comunicação ao arrendatário contivesse a liquidação aritmética, prévia e extraprocessual, dos valores que o senhorio considerava compreendidos na prestação devida, caso da decisão individual do TRL de 2010, do acórdão do TRP de 2010, seguindo o obiter dictum da decisão singular do TRL de 2008, e do ac. do TRC de 2014, a maior parte deles limita-se a exigir, implícita ou explicitamente  que a comunicação feita pelo senhorio abranja uma referência às “rendas” que se vencerão até à entrega efectiva do prédio arrendado (considerando que não há título executivo, no todo ou em parte, quando tal não acontece: como, apenas por exemplo, no caso do ac. do TRL do proc. 3855/17)
Dentro desta jurisprudência, há vários acórdãos que se pronunciaram sobre, e decidiram, a questão específica de saber se, nestes títulos executivos, se admite só o valor das “rendas” que se venceriam depois da resolução do contrato até à efectiva entrega do prédio arrendado, ou seja, o valor que corresponde às rendas que o arrendatário já vinha pagando (art. 1045/1 do CC), ou se se admite também a indemnização em dobro do valor da renda, indemnização prevista no art. 1045/2 do CC.
Um, o do TRP de 18/10/2011, proc. 8436/09.5TBVNG-A.P1, não admitiu que a indemnização do dobro do valor das “rendas” fosse englobada na quantia exequenda.
E explica:
Quanto à indemnização não temos dúvidas que o título não comporta a sua realização coactiva. Como vimos, o artigo 15/2 do NRAU é claro na afirmação de que constitui título executivo para a acção de pagamento de rendas o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Logo, o título executivo não confere ao exequente suporte para a realização coactiva do valor inerente à indemnização pela mora na restituição do locado, a que se refere o artigo 1045/2 do CC, mas somente para o pagamento de rendas.
Neste sentido, antes do NRAU, já dizia o ac. do TRP de 22/03/2004, proc. 0450722:
“Transpondo as transcritas disposições legais e ensinamentos doutrinais para o caso dos autos, é para nós claro que assiste, parcialmente, razão à agravante, na medida em que esta dispõe de regular e válido título executivo quanto aos montantes das rendas (e correspondente indemnização legal) vencidas até à operada cessação, por denúncia da sua parte, do invocado contrato de arrendamento e que (na sua versão, que a executada poderá contrariar, em eventuais embargos de executado – cfr. art. 804/2) não lhe foram, ainda, pagas. […] Mas já não poderá dizer-se o mesmo das demais obrigações de natureza pecuniária em que, segundo a exequente, a executada se encontra, perante si, constituída. É que tais obrigações, decorrendo de um facto indemonstrado (não restituição atempada, à locadora, do arrendado – cfr. art. 1045[/2] do CC e cláusula 11 do contrato de arrendamento) e não coevo da outorga do contrato de arrendamento formalizado no documento particular junto aos autos (cfr. arts. 362 e segs. do CC), de modo algum, poderão ser consideradas como tendo sido constituídas ou reconhecidas pela executada-locatária mediante a celebração de tal contrato. Não dispondo, pois, a exequente de título executivo quanto às mesmas, nem sendo caso de uso, quanto a tal, do poder-dever atribuído ao juiz pelo art. 811-B/1.”
E no mesmo sentido, ia o ac. do TRL de 19/02/2002, proc. 00108787 (só sumário):
O contrato de arrendamento para habitação de duração limitada celebrado nos termos do art. 98 do RAU em que conste a obrigação de pagamento mensal de uma renda e não a obrigação de pagamento da indemnização a que alude do art. 1045/2 do CC, correspondente ao dano ocasionado pelo atraso na restituição da coisa, não constitui título executivo para obtenção do pagamento coercivo desta última. É que tal documento não tem a virtualidade de certificar o reconhecimento e constituição dessa dívida, não dando a conhecer minimamente o conteúdo da obrigação do devedor e não tendo, assim, força executiva quando a tal obrigação nos termos dos arts 46-c e 45-1 do CPC.
Note-se que estes dois acórdãos têm, embora com as devidas adaptações, aplicação natural ao caso, pois que o título obtido através da via do art. 14-A/1 do NRAU é um título executivo produzido por um particular (Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 1163), ou seja, é um documento particular que é um título executivo por disposição especial da lei – art. 703/1-d do CPC (Lebre de Freitas, A acção executiva, 7.ª edição, Gestlegal, 2017, pág. 82) e que tem por base um documento particular, um contrato de arrendamento, do qual não constam “as consequências do incumprimento das obrigações dele derivadas.”
Os outros acórdãos, que sugeriram, entenderam ou decidiram o contrário, são os do TRL de 22/05/2014, proc. 8960/12.2TCLRS-B.L1-6, de 27/10/2016, proc. 4960/10.5TCLRS.L1-6, de 18/01/2018, proc. 10087/16.9T8LRS-B.L1-6, de 12/03/2019, proc. 15962/17.0T8LSB-A.L1-7, e o ac. do TRC de 2019.
Os argumentos destes acórdãos, que não discutem os argumentos dados pelos anteriores, vêm todos da anotação de Gravato Morais ao acórdão do TRP de 12/05/2009, proc. 1358/07.6YYPRT-B.P1 (citado já a seguir), embora esta diga respeito directamente apenas ao art. 1041/1 do CC, anotação na qual se escreve:
Quanto ao argumento que o ac. do TRP tira do texto da lei (“acção de pagamento de renda”) diz que: “é ultrapassável desde que haja fundadas razões que o justifiquem, embora não estejamos seguros que a expressão utilizada (pagamento da renda) não possa ter, de per si, um sentido lato. Até porque a parte final do preceito se refere ao "montante em dívida", parecendo ampliar o alcance da locução inicial.”
Depois continua:
“A indemnização em causa - conquanto não esteja prevista no contrato - está perfeitamente definida na lei (50%), sendo, portanto, determinável, sabendo-se de antemão qual o seu valor em função do número de meses em falta quanto ao pagamento da renda.
Por outro lado, repare-se que o senhorio tem sempre duas vias alternativas ao seu dispor, à luz do art. 1041 do CC: "rendas em atraso + indemnização de 50%"; Ou "rendas em atraso + resolução". Ora, para um mesmo regime substantivo - o do não pagamento da renda - não devem existir soluções adjectivas diversas. O que se pretende é que a disciplina da acção relativa ao incumprimento da obrigação de pagamento da renda seja unitária. A ideia defendida pelo tribunal permitiria concluir que se deu primazia à resolução do contrato em vez do seu cumprimento, pois só no caso de resolução seria possível instaurar uma acção executiva para pagamento da renda.
Note-se que se mostraria até pouco evidente este regime na seguinte situação: para obter o pagamento da renda haveria que instaurar uma acção executiva; para obter a indemnização não se prescindiria de uma acção declarativa.
Acresce que o próprio tribunal defende - com acerto que a comunicação onde se exige o pagamento da renda não precisa de revestir qualquer das formalidades previstas no art. 9 do NRAUL. O que sugere, indirectamente, que se desliga a questão da resolução extrajudicial (pois esta depende de solenidade especifica: notificação avulsa ou contacto pessoal) da temática das rendas, autonomizando-a. A nosso ver, é um argumento decisivo para permitir o recurso à via executiva no caso de ser exigida a indemnização legal.”
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Num caso paralelo, que é o do art. 1041 do CC, em que também existe a possibilidade de formação de título executivo por falta do pagamento de rendas, com o contrato subsistente, também se discute, como se acabou de ver, se o título executivo abrange apenas as rendas, ou pode abranger também a indemnização de 20% pelo atraso no pagamento das rendas.
Quanto a isto, existe no sentido negativo o ac. do TRP de 12/05/2009, proc. 1358/07.6YYPRT-B.P1: a força executória dos referidos documentos apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário, e não a indemnização prevista no art. 1041/1 do CC, nem quaisquer outras rendas vencidas posteriormente àquela comunicação.
Com efeito – diz o acórdão - não obstante a liquidação desta indemnização ter sido incluída na comunicação feita previamente aos devedores, tal circunstância não lhe confere nem garante força executiva, por três razões:
Primeiro, porque o preceito do art. 15/2 do NRAU, que confere força executiva ao contrato de arrendamento, apenas refere “a acção de pagamento da renda”, excluindo da norma qualquer referência à indemnização pelo atraso no pagamento da renda. Sem que se possa invocar que esta omissão se deveu a mero lapso, porquanto o legislador não podia ignorar que a referida indemnização decorre da lei e está prevista no art. 1041/1 do CC. E também não parece legítimo que se possa invocar que tal menção era desnecessária, porquanto, em relação aos juros de mora, o legislador fez constar no art. 46/2 do CPC que se consideram abrangidos pelo título executivo. O que, devidamente conjugado, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não quis estender a força executiva do contrato de arrendamento à indemnização prevista no art. 1041/1 do CC.
Segundo, em reforço da interpretação anteriormente referida, porque, ao contrário do que sucede com a obrigação de pagar a renda, que constitui uma obrigação contratual do arrendatário e consta expressamente do contrato que, por isso, lhe serve de título executivo, a pretendida indemnização decorre da lei, e não do contrato. Daí que, não estando prevista no contrato, este não pode constituir título executivo em relação à referida indemnização (quod non est in titulo non est in mundo).
Terceiro, porque esta indemnização tem o carácter de uma sanção pelo atraso no pagamento da renda, e não de obrigação contratual que tenha sido expressamente aceite e assumida pelo arrendatário. E como sanção legal que é, a sua aplicação não é automática em relação a todos os casos de mora no pagamento da renda, mas, como dispõe no art. 1041/1 do CC, funciona apenas nos casos em que o contrato não for resolvido com o mesmo fundamento. O que sempre exigiria a confirmação documental de que o senhorio não resolveu o contrato com fundamento na falta de pagamento das mesmas rendas.
Donde se impõe concluir que a obrigação de pagar a indemnização prevista no art. 1041/1 do CC, para além de não constar do contrato que serve de título à execução, também não está reconhecida e definida por qualquer outro documento assinado pelos devedores ou a que a lei confira força executiva. Não bastando, para o efeito, que tenha sido comunicada ao arrendatário e comprovada essa comunicação.
Consequentemente, do que aqui se trata é de falta de título a que a lei confira força executiva.
No mesmo sentido, vai Joana Pinto Monteiro, A execução para cobrança de rendas, no I Congresso de direito do arrendamento, Almedina, 2020, pág. 187:
“Face ao previsto no art. 14-A/1, entende-se que o título se restringe às rendas e encargos, não sendo extensível à indemnização devida [art. 1041/1 do CC].”
Em sentido contrário, vai o ac. do TRC de 05/02/2013, proc. 643/11.7TBTND-A.C1 (e segue a posição da jurisprudência mais antiga, quanto ao conteúdo da comunicação, isto é, no sentido de que tem de ser com a indicação/especificação dos montantes em dívida).
Bem como, já se viu, Gravato Morais e Luís Menezes Leitão (obra citada, pág. 222, com o argumento de Gravato Morais de que essa indemnização se encontra legalmente fixada).
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Posto isto, segue-se, nesta parte, a posição do acórdão do TRL de 19/02/2002, proc. 00108787, e dos do TRP de 2004, 0450722, 2009, 1358/07.6YYPRT-B.P1, e 2011, 8436/09.5TBVNG-A.P1, que, aliás, corresponde àquilo que se diz normalmente quanto aos títulos executivos particulares (antes da reforma de 2013 do CPC e depois dela, em relação aos títulos particulares subsistentes), isto é (seguindo o ac. do TRL de 05/11/2020, proc. 1266/13.1TBMTJ-A.L1):
“[N]ão é exequível, atenta a diversa natureza das obrigações em causa, o documento particular que formalize o contrato objecto de resolução, para o efeito de fazer valer as consequências do incumprimento das obrigações dele derivadas.” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 33, citando nesse sentido o ac. do TRL de 27/06/2007, proc. 5194/2007-7:
I- A lei confere hoje força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805 (artigo 46.º/1, alínea c) do CPC).
II- Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c) do C.P.C
No mesmo sentido, veja-se o ac. do TRG de 08/10/2015, proc. 81/14.0TBMDL.G1:
1. A exequibilidade conferida por lei aos documentos particulares assenta na aparente certeza e segurança quanto à existência e quantificação das obrigações, o que deve emergir do texto do documento.
2. Tal não ocorre com as obrigações emergentes da resolução do contrato que consta do documento que serve de título executivo à execução, o que desde logo se apreende quando se considera que a restituição é exigível não por força do contrato mas da sua resolução;
3. Fundada execução em obrigações que não se encontram contidas no título executivo, deve a mesma ser liminarmente indeferida, nos termos do artigo 726, n.ºs 1 e 2-a do CPC).
Este acórdão do TRG ainda invoca um artigo de “António Santos Abrantes Geraldes, A Reforma da Acção Executiva, TEMIS, Rev. Fac. Direito da UNL, Ano IV, nº 7, 2003, página 46:
‘Implicando a resolução contratual a antecipação da obrigação de restituição, a verificação do respectivo condicionalismo não emerge do próprio documento, exigindo a invocação e a prova de outros factos que terão de ser submetidos à discussão contraditória a realizar em sede da acção declarativa.’”
No mesmo sentido, para uma questão paralela, veja-se ainda o ac. do TRL de 25/02/2003, proc. 664/2003-7, com ampla fundamentação no ponto 5 da respectiva fundamentação, para a qual se remete:
I - O direito de crédito correspondente às prestações do aluguer de longa duração é qualitativamente diverso daquele que emerge do incumprimento do contrato, ainda que decorrente de cláusula penal.
II - Provando-se nos embargos de executado que o exequente declarara a resolução do contrato de aluguer de longa duração, é inviável convolar a execução por forma a que em vez das rendas em dívida, siga para pagamento da indemnização decorrente da referida resolução.
Em suma, uma coisa é a obrigação de pagamento das rendas que constam do título, ou “indemnizações” equivalentes, outra é a obrigação que resulta depois da resolução do contrato, tendo o conteúdo concreto composto pelas consequências dessa resolução (que não estão referidas no contrato) e pressupostos que não estão preenchidos antes do título (a mora culposa ocorrido depois da comunicação) e que não podem estar verificados no título.
A lei permite a formação de um título executivo particular com a indicação de valores inequivocamente em dívida ou que ficarão em dívida com a permanência da ocupação do prédio arrendado e que são certos e conhecidos do arrendatário, que já os vem pagando. Não permite que, para além disso, o senhorio faça o julgamento do comportamento posterior do arrendatário e lhe impute a mora culposa sem possibilidade de discussão antes da formação do título.
É certo que se pode dizer que em ambos os casos (art. 1045/1 e 1045/2 do CC) se está perante uma indemnização, já que o contrato, depois da resolução, já não existe e, por isso, a indemnização da “renda”, ou do dobro da “renda”, é sempre uma indemnização.
Mas, enquanto a “indemnização” do valor da renda simples tem apenas como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que permanece no prédio “arrendado” depois da cessação do contrato sem que tenha sido interpelado para o restituir, a indemnização em dobro é uma indemnização em sentido próprio de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
Neste sentido, por exemplo, Maria Olinda Garcia, Arrendamentos para comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, 2006, pág. 59:
“Ao incumprimento deste dever corresponde uma sanção indemnizatória específica: a prevista no n.º 2 do art. 1045 do CC, ou seja, logo que o arrendatário entre em mora fica obrigado a pagar a título indemnizatório, o dobro da quantia que correspondia à renda vigente aquando da extinção do contrato.
No n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem (50), sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por "indemnização”.
No mesmo sentido, para esta questão da diferença das previsões do artigo 1045/1 e 1045/2 do CC, veja-se Luís Menezes Leitão, obra citada, pág. 103; mais ou menos no mesmo sentido, Elsa Sequeira Santos, CC anotado vol. I, 2.ª edição, Almedina/Cedis, 2019, pág. 1309. 
Posto isto,
A posição contrária, de Gravato Morais e jurisprudência que o seguiu, quanto à possibilidade de o título abranger a indemnização propriamente dita, quer a do art. 1041 quer a do art. 1045/2 do CC, não convence, porque não rebate os específicos argumentos processuais executivos assinalados acima.
Por outro lado, está manifestamente em contra corrente com a desconfiança do legislador da reforma de 2013 do CPC quanto aos títulos particulares, retirando-lhes, por regra, exequibilidade, pois que a opção contrária implicou o aumento do risco de execuções injustas, […] a grande maioria das quais não antecedidas de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório (da exposição de motivos da proposta de lei 113/XII).
Por fim, tendo em conta o que antecede e para além do que já aí consta, diga-se expressamente, em relação aos argumentos de Gravato Morais aplicáveis ao caso do art. 1045/2 do CC, que (i) não há, assim, razões para ultrapassar a expressão da lei, que se refere a rendas e não a indemnizações [para mais, a lei foi entretanto alterada e o art. 14-A/1 do NRAU fala de título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, continuando a não falar em indemnizações, apesar de o legislador não poder deixar de saber da polémica existente sobre a questão]; (ii) a determinabilidade da indemnização prevista na lei, não afasta o facto de esta ser uma consequência da lei e não do contrato base do título executivo e ter pressupostos que não estão preenchidos aquando da emissão do título; (iii) não tem nada de especial que em relação a valores conhecidos do arrendatário e constantes do contrato, o senhorio possa obter um título executivo particular, sem contraditório prévio, e já não o possa fazer em relação a obrigações legais cujos pressupostos ainda não se verificaram, nem constavam do contrato e com valores que o arrendatário não pagava normalmente.
*
Sendo assim, coincide-se parcialmente com o despacho recorrido, considerando-se que a indemnização [do art. 1045/2 do CC] não está abrangida pela exequibilidade conferida pela lei ao título dado à execução, mas tal conclusão não é extensível à “indemnização” equivalente ao valor da renda (art. 1045/1 do CC).
Pelo que a execução deve poder prosseguir, relativamente às “rendas” vencidas até à restituição do locado, pelo valor de 18.550€ (= 350€ x 53 meses) + 700€ das rendas vencidas antes disso (e não pelos 1750€ referidos, por erro de leitura, pelo tribunal recorrido, nem pelos 750€ referidos, por erro de multiplicação, pelo exequente [o qual, por outro lado, só pede 2 rendas, de 350€, porque entretanto a executada pagou as outras 3]), num total de 19.250€.
A questão dos juros e da taxa não faz parte do objecto do recurso, visto que do recurso não consta uma linha que seja, quer nas conclusões quer no corpo das alegações, com a excepção a seguir assinalada, que diga respeito à taxa [o facto de uma conclusão do recurso referir que o valor exequendo é composto pela taxa, é uma simples repetição, não argumentação] ou aos juros.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que considerou que não havia título para a cobrança de 18.550€ [“rendas” vencidas até à restituição da fracção arrendada] e rectificando o erro relativamente ao valor das rendas vencidas que é de 700€ e não 1750€, pelo que a execução deverá prosseguir pelo valor global de 19.250€.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pelo exequente e pelos executados, na proporção do decaimento.

Lisboa, 19/11/2020
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas - vencida, com a seguinte

DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida, por considerar, sem embargo do muito respeito que me merece a fundamentação do acórdão, que o recurso deveria ter mais amplo provimento, devendo a execução prosseguir para pagamento das rendas vencidas, no valor de 700 € (e não 1.750 € ou 750 €, concordando com a retificação feita no acórdão), e da indemnização pelo atraso na restituição da fração arrendada, no valor de 37.100 €, perfazendo (a quantia exequenda) o total de 37.800 €.
É certo que a letra do art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27-02, se presta a diferentes interpretações quanto à questão de saber se título executivo assim formado pode ou não abranger a indemnização prevista no art. 1045.º do CC.
Mas entendo que a resposta deve ser afirmativa, acompanhando, pois, a jurisprudência e a doutrina citadas no acórdão a este respeito, com destaque para o acórdão da Relação de Lisboa de 18-01-2018, proferido no processo n.º 10087/16.9T8LRS-B.L1-6, e as posições de Gravato Morais e Menezes Leitão, a propósito da indemnização prevista no art. 1041.º do CC, a qual me parece assentar em argumentos que podem ser transpostos para o caso dos autos. Em particular, este último autor, na obra citada, pág. 223, responde afirmativamente à questão de saber se o título executivo se limita às rendas em falta ou se abrange igualmente a indemnização pela falta do seu pagamento prevista no art. 1041.º, n.º 1, do CC, referindo “uma vez que essa indemnização se encontra legalmente fixada, devendo assim considerar-se que essa importância acresce ao título executivo, permitindo a sua cobrança pelo senhorio”.
Ainda na doutrina, Soares Machado e Regina Santos Pereira, in “Arrendamento Urbano (NRAU)”, 3.º ed., Petrony, pág. 281, alertando para as possíveis discussões judiciais que a aplicação do aludido preceito pode suscitar, indicam o que consideram ser o procedimento mais seguro (menos controverso) e eficaz a adotar pelo senhorio, referindo designadamente que a notificação do arrendatário (e do fiador) “deve conter a comunicação da resolução do contrato e, também, a comunicação relativa ao montante de rendas, encargos ou despesas em dívida até esse momento, mencionando-se, desde logo o valor das rendas, encargos e despesas vincendos, incluindo os devidos nos termos do art.º 1045.º, n.º 1, ou n.º 2 do C.C., consoante o caso”.
Com efeito, no art. 1045.º do CC está legalmente estabelecido/tarifado (sem recurso, pois, às regras gerais dos art.ºs 562.º e ss. do CC) o valor da compensação devida pelo arrendatário ao senhorio pela ocupação do locado uma vez findo o contrato de arrendamento e até à efetiva entrega do imóvel. Assim, no caso de resolução extrajudicial do contrato, o arrendatário pode continuar a ocupá-lo, sem incorrer em mora quanto à obrigação de restituição do mesmo, durante o período previsto no art. 1087.º do CC (se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes), sendo devido, a título de indemnização, o valor da “renda”, nos termos do n.º 1 do art. 1045.º do CC, até à data da entrega do imóvel. Mas, acrescenta-se no n.º 2, logo que o arrendatário se constitua em mora na restituição da coisa, incorre na obrigação de pagar uma indemnização "agravada", no valor das rendas em dobro (com referência ao período temporal entre o início dessa mora e a efetiva entrega do imóvel).
Acompanho, pois, a jurisprudência e a doutrina que, em face dos elementos de interpretação histórico, teleológico e sistemático, consideram que a indemnização legal do art. 1045.º do CC se inclui nos conceitos de “montante em dívida” e “rendas” constantes do referido art. 14.º-A (e na versão primitiva da lei, no art. 15.º, n.º 2).
A limitação que poderá existir à formação do título executivo a este respeito prende-se com o conteúdo da comunicação efetuada, já que não poderá deixar de ser feita expressa advertência quanto à intenção do senhorio cobrar, por a considerar devida, tal indemnização, com menção aos elementos a considerar para a sua liquidação (admitindo que possa ter lugar no requerimento executivo).
Assim, alcança-se a melhor harmonia do sistema jurídico (no plano do direito substantivo e processual) com respeito pela intenção do legislador, quer na primitiva versão do NRAU (2006), quer posterior (mormente na Lei n.º 31/2012, ao ampliar de forma expressa a possibilidade de formação de título também quanto às despesas e encargos que corram por conta do arrendatário), que foi dispensar o senhorio do recurso à ação declarativa para cobrança das quantias a que tinha direito no caso de falta de pagamento de renda.
O que se compreende, tendo em conta que, no NRAU, se veio facultar ao senhorio a possibilidade de recorrer à execução para entrega do imóvel arrendado e, depois, no NRAU revisto em 2012, ao procedimento especial de despejo (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, na génese da Lei n.º 6/2006: “Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva (…)”).
Ou seja, criou-se uma alternativa ao regime da ação de despejo para resolução do contrato com o fundamento previsto no art. 64.º, n.º 1, al. a), do antigo RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15-10, ação em que habitualmente, a par da resolução do contrato e do despejo propriamente dito, era corrente o pedido de condenação do arrendatário no pagamento das “rendas vencidas e vincendas até efetiva desocupação do locado, sendo o valor correspondente ao dobro da renda após a data do trânsito em julgado da sentença que decrete a resolução do contrato” (ou formulações idênticas). Sem embargo dessa qualificação terminológica incorreta, sempre se entendera que pretensões assim formuladas abrangiam a indemnização prevista no art. 1045.º do CC e uma decisão judicial condenatória que as atendesse constituía título executivo.
Por certo o legislador (desde 2006 e até ao momento atual) não pretendeu tornar mais difícil ao senhorio a cobrança coerciva dessa indemnização, na situação mais gravosa da mora na obrigação de restituição da coisa locada, como seria se lhe permitisse apenas, tanto mais já após a efetivação do despejo como é o caso, que viesse exigir o pagamento de metade do valor devido por via da execução baseada no título executivo previsto na Lei n.º 6/2006, mas continuasse a impor o recurso à ação declarativa para que aí obtivesse o título executivo quanto ao valor remanescente em dívida. A necessidade de instauração em tribunal de duas ações distintas (ou até de sucessivas comunicações do montante em dívida – sem prejuízo dos casos em que se justifique, até pela possibilidade de cumulação sucessiva de execuções) parece ter estado arredada do espírito do legislador.
A meu ver, as razões que justificam que o montante da indemnização seja elevado para o dobro não afastam a possibilidade de formação do título executivo a esse respeito, desde que, como acontece no caso em apreço, a comunicação tenha sido devidamente efetuada e estejam já definidos os marcos temporais para o seu cálculo, que foram, aliás, considerados no acórdão. Daí que, contanto que a comunicação prevista no art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006 as mencione, se possa formar título executivo relativamente às rendas vencidas, às rendas vincendas, bem como à “indemnização pelo atraso na restituição da coisa” prevista no art. 1045.º do CC (incluindo o n.º 2 deste preceito legal).
No caso dos autos, uma vez que, conforme também se entendeu no acórdão, essa comunicação foi efetuada, mostrando-se, face ao que foi alegado no requerimento executivo e ao teor dos documentos dados à execução, correta a liquidação feita, atinente às duas rendas vencidas e à indemnização prevista no art. 1045.º do CC, correspondendo (retificado o erro de cálculo) ao valor peticionado, não se justificava, a meu ver, o indeferimento liminar parcial, nos termos decididos pela 1.ª instância e com os quais o acórdão coincidiu parcialmente.           
Laurinda Gemas