RECURSO DE REVISTA
TEMPESTIVIDADE
COMPETÊNCIA MATERIAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário


I - Sendo o acórdão proferido susceptível de recurso ordinário, ter-se-á sempre que suscitar as nulidades da decisão de que o mesmo padeça (mormente nulidade por omissão de pronúncia) em sede de alegações de recurso, como fundamento do recurso, juntamente com os demais fundamentos do mesmo recurso, de acordo com o disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP, e igualmente nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC.
II - Sempre que um acórdão não admite recurso ordinário, a reclamação do mesmo e/ou a arguição de nulidades faz-se em requerimento autónomo para o tribunal que o proferiu, conforme arts. 615.º, n.º 4 (1.ª parte) e 617.º, n.º 6, ambos do CPC, aplicáveis por força do disposto no art. 4.º, do CPP, sendo que o acórdão que decide da reclamação apresentada e/ou das nulidades suscitadas, indeferindo-as, é uma decisão definitiva. Ou seja, não é susceptível de recurso ordinário, conforme resulta do citado art. 617.º, n.º 6, do CPC.
III - Os recorrentes deveriam ter interposto recurso de revista dita «especial», nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a), e do art. 671.º, n.º 3, ambos do CPC relativamente à questão da violação das regras da competência em razão da matéria (invocando, querendo, para o efeito contradição com outro acórdão do STJ), no prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão da Relação de 07-05-2019.
IV - E, por sua vez, deveriam ainda - querendo discutir a questão da duplicação de indemnização pelo mesmo dano, nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC - deduzir em peça recursória, recurso de revista excepcional, no mesmo prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão da Relação de 07-05-2019.
V - Cumprindo sublinhar que quer o recurso de revista dita «especial» previsto nos arts. 629.º, n.º 2, al. a), e 671.º, n.º 3, ambos do CPC, quer o recurso de revista excepcional previsto no art. 672.º do CPC, são recursos ordinários conforme expressamente estabelece o art. 627.º, n.º 2, do CPC.
VI - E, nessa medida, como são recursos ordinários e os recorrentes entenderam recorrer do acórdão da Relação que manteve a sua condenação civil, impunha-se que arguissem a nulidade por omissão de pronúncia da mesma decisão como fundamento de recurso, com os outros fundamentos de recurso, a interpor, no prazo de 30 dias, a contar da notificação do acórdão da Relação proferido em 07-05-2019, não sendo admissível a interposição da revista (excepcional) após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de 02-07-2019, que conheceu da nulidade suscitada de omissão de pronúncia.
VII - O acórdão do Tribunal da Relação Évora de 07-05-2019 foi notificado em Maio de 2019 aos recorrentes, pelo que o recurso interposto no dia 09-09-2019 para o STJ é extemporâneo e, por isso, inadmissível, sendo que a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior conforme disposto no art. 414.º, n.º 3, do CPP.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I - RELATÓRIO


1. Nos autos de Processo Comum Singular, com o nº 1093/14.9TAQSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de … – Juiz …, foram acusados e pronunciados os arguidos:

- AA, casado, …, filho de BB e de CC, nascido a …-04-1957, natural de … e residente na Estrada …, Nº …, …, … e;

- “Sondagens Casal, Lda.”, com sede na Estrada …, Nº …, …, ….


Imputando-se ao arguido AA, a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado, nos termos previsto e punido pelos artigos 152.º-B, n.os 1, 2 e 4, alínea b), do Código Penal, por referência aos artigos 3.º, alíneas a) e d) e, 31.º, alínea a), do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25 de Fevereiro e, 22.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 273/2003 e, imputando-se à arguida “Sondagens Casal, Lda.”, a prática do mesmo crime nos termos do artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.


2. DD, na qualidade de viúva da vítima, EE, solteira maior, na qualidade de filha do falecido, e FF, solteira, na qualidade de filha do falecido, constituíram-se como assistentes, aderiram a acusação do Ministério Público e, nos termos do disposto no artigo 77.°, do Código de Processo Penal, deduziram pedido de indemnização civil contra, os arguidos, e “Companhia de Seguros Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo:


- Pelos danos patrimoniais decorrentes de despesas com a morte, o valor de € 500,00, acrescidos de juros legais aplicáveis no valor de € 57,80;

- Pelos danos patrimoniais decorrentes dos danos futuros, o valor vencido até à data da instauração do pedido de € 37.700,00, ao qual acrescem os respectivos juros no valor de € 1.922,70€, mais requerendo que para o futuro seja fixada uma mensalidade de € 1.300,00, até ao ano de 2036;

- Pelos danos patrimoniais decorrentes da pensão de morte, à assistente viúva, o valor vencido até à presente data de € 13.260,00, a que acrescem os respectivos juros no valor de € 653,90, mais requerendo que para o futuro seja fixada uma mensalidade de € 390,00, acrescida do 13º e 14º mês, até ao ano de 2036;

- Pelos danos patrimoniais decorrentes da pensão de morte, à filha menor assistente FF, o valor vencido até à presente data de € 8,840,00, a que acrescem os respectivos juros no valor de € 437,61, mais requerendo que para o futuro seja fixada uma mensalidade de € 260,00, acrescida do 13º e 14º mês, pelo menos até 15 de Agosto de 2018, altura em que completará 18 anos de idade, sem prejuízo de se prolongar pelo período em que se mantenha eventualmente a estudar;

- Pelos danos patrimoniais decorrentes da pensão de morte, à filha maior assistente EE, o valor vencido até à presente data de € 8.840,00, a que acrescem os respectivos juros no valor de € 437,61, mais requerendo que para o futuro seja fixada uma mensalidade de € 260,00, acrescida do 13º e 14º mês, até que a mesma supere a doença psiquiátrica que contraiu em consequência do sinistro e recupere a capacidade de trabalho;

- Que seja constituída uma garantia para o pagamento da pensão de morte;

- Pelos danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida, o valor de € 80.000,00, acrescidos de juros legais aplicáveis no valor de € 7.706,30;

- Pelos danos não patrimoniais decorrentes do sofrimento das familiares, o valor de € 30.00,00, para a cônjuge sobreviva, a que acrescem os juros no valor de € 2.893,15, o valor de € 25.000,00 para filha mais velha, a que acrescem os juros no valor de € 2.410,96 e, o valor de € 30.000,00, para a filha mais nova, a que acrescem os juros no valor de € 2.893,15;

- Pelos danos não patrimoniais decorrentes do sofrimento do ofendido ao momento da morte, o valor de € 13.094,00, a que acrescem os juros no valor de 1.261,33€.


3. Os arguidos, notificados nos termos e para os efeitos dos artigos 78º e, 315º, do Código de Processo Penal, apresentaram contestação da acção penal e dos pedidos de indemnização.


4. Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, que decidiu:

1) - Julgar procedente, por provado, o despacho de pronúncia e a acusação do Ministério Público e, condenar o arguido AA, como autor material de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado, nos termos previstos e punidos pelo artigo 152.º-B, nº 1, n.º 2 e, nº 4, alínea b), do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão.

- Suspender a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado pelo período idêntico ao da mesma, nos termos do artigo 50º, do Código Penal.

2) - Julgar procedente, por provado, o despacho de pronúncia e a acusação do Ministério Público e, condenar a arguida “Sondagens Casal, Lda.”, pela prática de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado, nos termos previstos e punidos pelo artigo 152.º-B, nº 1, n.º 2 e, n.º 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz a pena de multa de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros);

3) - (…);

4) - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por DD EE, e FF contra os arguidos e a “Companhia de Seguros Fidelidade Companhia de Seguros, S. A.”, e, em consequência:

a) - Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade dos arguidos na acção de indemnização contra eles, deduzida nestes autos;

b) - Julgar procedente a excepção de incompetência em razão da matéria para conhecer do pedido formulado contra a “Companhia de Seguros Fidelidade, Companhia de Seguros, S. A.” e, dos danos consistentes na atribuição de pensões por morte decorrentes de acidente de trabalho às autoras e, em consequência, absolver do pedido relativamente a tais matérias os demandados e julgar totalmente improcedente a acção de indemnização deduzida contra a Companhia de Seguros Fidelidade, Companhia de Seguros, S. A.” e, absolver esta do pedido;

c) - Condenar solidariamente os demandados arguidos, a pagarem a autora DD, a quantia total a título de indemnização de € 121.878,03, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % ao ano, desde a data da presente sentença até integral pagamento e a quantia de € 500,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % ao ano, desde Agosto de 2014 até integral pagamento;

d) - Condenar solidariamente os arguidos demandados a pagarem à autora EE, € 65.689,01, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % ao ano, desde a data da presente sentença até integral pagamento;

e) - Condenar solidariamente os demandados arguidos a pagarem à autora FF, filha da vítima, € 65.689,01, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % ao ano, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

           

5. Inconformados com esta sentença condenatória, o arguido AA e a arguida “Sondagens Casal, Lda.”, da mesma interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora.


6. Por acórdão de 7 de Maio de 2019, foi deliberado no Tribunal da Relação:


Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e “Sondagens Casal, Lda.”, revogando-se a sentença recorrida na parte referente à absolvição do pedido da demandada “Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A.”, por ser parte ilegítima relativamente à responsabilidade civil decorrente da prática de acto ilícito e, quanto à responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, passando a constar da decisão recorrida, que a demandada apenas é absolvida da instância, por ser parte ilegítima relativamente à responsabilidade civil decorrente da prática de acto ilícito e, por este Tribunal Criminal ser materialmente incompetente, quanto à responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, confirmando-se, em tudo o mais a sentença recorrida.


7. Notificados, os arguidos AA e Sondagens Casal, Lda arguiram a «nulidade por omissão de pronúncia relativamente à impugnação da matéria de facto».


8. Por acórdão de 2 de Julho de 2019 foi tal requerimento indeferido «e, assim, integralmente subsistir o acórdão proferido nesta Relação, dada a ausência da suscitada nulidade do mesmo».


9. Não se conformando, AA e Sondagens Casal, Lda vêm a interpor «RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artº 672º, nº 1 al. A) e c) do CPC ex vi do artº 4º do CPP».


Rematam a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem:


«Conclusões


1 - Vem o presente recurso de revista excepcional, interposto ao abrigo do disposto no nº1 al. a) e c) do artigo 672º do CPC ex vi 4º CPP, do Acórdão da Veneranda Relação de Évora proferido em 04/07/2019, que manteve integralmente o Acórdão proferido, pois que nada se alterando relativamente à matéria de facto, não se produziu qualquer alteração à solução de direito, nomeadamente no que se reporta ao pedido de indemnização formulado pelas Assistentes nos autos, e no qual os arguidos foram condenados nos termos confirmados pelo Acórdão.

2 - De acordo com o entendimento perfilhado pelo Acórdão recorrido, “(…) resultará da configuração dos pedidos civis deduzidos pelas assistentes, a competência material dos juízos criminais ou do trabalho, para o conhecimento do pedido. Neste caso, concreto verifica-se que os pedidos civis deduzidos não têm por causa de pedir, a relação laboral existente entre a vítima e os arguidos, mas sim a responsabilidade civil resultante da responsabilidade penal dos mesmos arguidos. Então, face ao disposto no supra referido artigo 71º, do Código de Processo Penal, serão os juízos Criminais, os competentes em razão da matéria para conhecer dos pedidos civis deduzidos pelas assistentes (…).”;

3 - Sustenta ainda a Veneranda Relação de Évora, que “(…) óbvio resulta a impossibilidade de cumulação de indemnização pelos mesmos danos e, caso se verifique em concreto uma tal situação, sempre haverá lugar ao pedido de reembolso, por quem efectuou o pagamento indevido por quem indevidamente recebeu (…).”;

4 - Consideram os Recorrentes estar em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – competência material e duplicação de indemnizações quanto ao mesmo dano (al. a) do nº 1 do artº 672º CPC).

5 - Por outro lado, e relativamente à incompetência material, o ajuizado pela Veneranda Relação de Évora está em oposição com outro aresto já transitado em julgado pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 30/04/2019 proferido no âmbito do processo 100/18.0T8MLG-A.G1.S1 em que foi relatora a Sra. Conselheira Ana Paula Boularot. doc.1), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de Direito, pelo que há fundamento para o cabimento e a procedência do presente recurso de revista excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 672º do CPC ex vi artigo 4º do CPP.

6 - A competência dos Tribunais entende-se como a medida da sua jurisdição, isto é, a forma como entre estes se reparte e divide o poder jurisdicional. A incompetência será, por seu turno a “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.”[[1]];

7 - Em causa nos autos, está a incompetência absoluta dos Juízos Criminais para conhecer dos pedidos cíveis formulados pelas assistentes, em razão da matéria;

8 - A competência “(…) como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir (…)”[[2]] . Quanto a este ponto, argumenta a Relação de Évora, no acórdão recorrido, que “(…) Neste caso, concreto verifica-se que os pedidos civis deduzidos não têm por causa de pedir, a relação laboral existente entre a vítima e os arguidos, mas sim a responsabilidade civil resultante da responsabilidade penal dos mesmos arguidos (…)”;

9 - Não é assim. Compulsado o articulado das assistentes constata-se que a causa de pedir das pretensões formuladas é precisamente a relação laboral que existia entre o sinistrado e a arguida, Sondagens Casal, Lda.- “(…) Nos termos do artigo 7º da Lei n.º98/2009, de 04 de setembro, “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço. (…) Assim, a responsabilidade é originalmente pertencente à “Sondagens Casal, Lda.” (…) Afim de determinar os danos a indemnizar, é de relevante aplicação entre outros, o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais consagrado na Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro e Código Civil (…)” [[3]] (destaque nosso);

10 - Há deste modo que que aferir se o Juízo Local Criminal de … tinha competência, dentro do seu poder jurisdicional, para conhecer e apreciar o mérito do pedido de indemnização cível nos termos formulados pelas assistentes, por não ser uma matéria atribuída a outra ordem jurisdicional;

11 - Cremos que não, face, desde logo, ao disposto na al. c) do nº1 do artº 126 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto que “Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível (…) das questões emergentes de acidentes de trabalho.”, e ainda ao disposto na LAT (Lei 98/2009 de 4/09), com relevância para os seus artigos 1º e 18º.;

12 - Significa isto que, face à especialidade do processo de trabalho, a parcela jurisdicional do Juízo Local Criminal de … restringe-se apenas à responsabilidade criminal em que, possivelmente, os responsáveis pelo acidente de trabalho podem incorrer;

13 - Com efeito, no douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, “(…)Nos termos do artigo 40º da LOFT, os Tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afecta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir em tela, encontrando-se prevista no CPTrabalho não só a tramitação do processo relativo ao acidente laboral, como também todos os procedimentos destinados a ultimar a extinção e/ou a efectivação de direitos de terceiro conexos com o acidente de trabalho (…)”;

14 - A acrescer que, considerando-se o Juízo Criminal de … competente para apreciar, na totalidade, o pedido de indemnização formulado pelas Assistentes, e sendo o Tribunal do Trabalho o legalmente competente para o exercício do poder jurisdicional em matéria de reparação de danos decorrentes de acidentes de trabalho conforme supra exposto, existirá na realidade a possibilidade de duplicação de indemnização quanto aos mesmos danos, contrariamente ao pugnado no Acórdão;

15 - Com efeito, relativamente à condenação dos Recorrentes/Demandados, no pedido cível, entendeu o Tribunal que não havia lugar a qualquer desconto na indemnização a arbitrar às assistentes relativamente à indemnização que estas auferem no âmbito do processo de acidente de trabalho;

16 - Fundamentou a Veneranda Relação de Évora nos mesmíssimos termos em que o fez o Tribunal de Primeira Instância, estribando-se, nomeadamente, nos Acórdãos ai citados, da Relação de Évora de 19/12/2013 e Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/21012;

17 - Em ambos os arestos está em causa um acidente de viação, simultaneamente acidente de trabalho. Em ambos os arestos, a responsabilidade do evento incide sobre o causador do acidente de viação e não sobre a entidade patronal (pese embora a seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho possa vir a liquidar danos nos termos definidos na Lei 98/2009, a esta competindo por isso o direito de regresso referido nos arestos);

18 - Deste modo, decidem efectivamente ambos os acórdãos que o responsável pelo pagamento da indemnização é, pois, o causador do acidente de viação, responsável pelo acidente (e consequentemente a Companhia de Seguros para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação);

19 - Contudo, o caso sub judice não é subsumível à factualidade descrita nos referidos arestos, uma vez que em causa estará um único acidente, de trabalho, e, em última análise uma única entidade responsável que suportará quer os danos arbitrados nos presentes autos quer os que venham a ser considerados, nos termos da LAT, no âmbito do Processo a decorrer no Juízo do Trabalho de Sintra, pelo que, a solução de Direito teria de acompanhar essa mesma diferença;

20 - A decisão recorrida permite deste modo a cumulação de indemnizações, para os mesmos danos, na medida em que os valores aqui arbitrados, nomeadamente os encargos decorrentes do falecimento, e os restantes danos patrimoniais que os arguidos foram condenados a pagar, correspondem às prestações/pensões a que os beneficiários legais do sinistrado têm direito nos termos previstos e regulados na LAT.

21 - Permitindo cumular a indemnização a que os arguidos foram condenados nos autos no que se reporta aos danos futuros, com as pensões decorrentes da LAT a serem atribuídas no âmbito do processo de trabalho, estar-se-á a permitir o ressarcimento do mesmo dano, duas vezes, o que, é solução que a lei claramente não prevê nem admite.


Termos em que deve o presente recurso ser recebido e, a final, ser considerado procedente, assim se fazendo,

JUSTIÇA


10. Responderam as demandantes-recorridas DD, EE e FF, formulando as seguintes conclusões (transcrição):


«CONCLUSÕES:



Artigo .º 44


Os Recorridos vêm alegar que todos os pedidos de indemnização cível apresentados nos presentes autos têm natureza de direito laboral, o que não se aceita com os seguintes fundamentos.



Artigo .º 45


No seu pedido de indemnização cível, as aqui Recorridas peticionaram:

a) Pensões por morte, com base nas disposições conjugadas das alíneas b) do artigo 23.º, alínea g) do artigo 47.º e n.º 1 do artigo 56.º, todas da Lei 98/2009 de 4 de setembro, pedido este que consubstancia matéria de direito de trabalho;

b) Indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes de despesas com a morte, com base no nº 1 do artigo 495.º do Código Civil, pedido este que consubstancia matéria de direito cível;

c) Indemnização pelos danos futuros, nos com base no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, pedido este que consubstancia matéria de direito cível;

d) Indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida, sofrimento das familiares e sofrimento da vítima ao momento da morte, com base nos n.ºs 2 e 3 do artigo 496.º do Cód. Civil, pedido este que consubstancia matéria de direito cível.



Artigo .º 46


O Tribunal da 1.ª Instância absolveu os RR. quanto ao pedido de matéria de direito de trabalho melhor descrito na alínea a) do artigo anterior, por se ter considerado incompetente em razão da matéria.



Artigo .º 47


O objeto de tal pedido, as pensões por morte, vêm fixadas em legislação laboral, mais concretamente na da Lei 98/2009 de 4 de setembro, pelo que se aceita que consubstanciam matéria do âmbito laboral, da competência dos Tribunais de Trabalho.



Artigo .º 48


Questão totalmente distinta é a dos pedidos nas alíneas b) a d) do artigo 1.º, que consubstanciam matéria de direito civil, com previsão legal no nosso Cód. Civil, mais concretamente nos artigos 465.º e 466.º, pelo que são questões de direito civil e não do foro laboral.


II. DA ALEGADA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA



Artigo .º 49


Ora, os pedidos de indemnização do foro cível, atento o princípio da adesão previsto no artigo 71.º do CPP, podem ser deduzidas no processo penal, quando a respetiva factualidade subjacente integra a prática de um crime.



Artigo .º 50


Sendo que a factualidade em causa integra a prática do crime de infração de regras de segurança, então resulta do referido preceito legal que o Tribunal Penal absorve a competência residual do Tribunal Cível quanto à competência em razão da matéria.

Artigo .º 51


É verdade que que o Tribunal Laboral também absorve a competência do Tribunal Cível quanto aos pedidos de indemnização cível, conforme determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei 62/2013 de 26 de agosto, mas não há nenhum preceito legal que preveja a sobreposição da competência laboral acima da competência penal.

Artigo .º 52


No presente caso os pedidos de indemnização cível só foram deduzidos no processo penal, não estando em discussão no processo laboral a correr seus termos, enquanto o Tribunal Penal mantiver o entendimento de que é competente em razão da matéria.

Artigo .º 53


Não há qualquer base legal que fundamente o afastamento da competência penal em função da competência laboral, pelo que não se aceita que seja o Tribunal Criminal considerado incompetente.


III. DA ALEGADA CONTRADIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O ACÓRDÃO DO STJ NO PROCESSO N.º 100/18.0T8MLG-A.G1.S1



Artigo .º 54


Os recorrentes anexam às suas alegações o acórdão do STJ no processo n.º 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, que afasta a competência residual do Tribunal Cível em função do Tribunal de Trabalho.



Artigo .º 55


Os Recorrentes vêm alegar que o Tribunal Penal é incompetente em função do Tribunal do Trabalho e de outro modo, o Acórdão que anexam às suas alegações conclui que o Tribunal Cível é incompetente em função do Tribunal de Trabalho.



Artigo .º 56


No processo objeto de tal acórdão, a A. Seguradora peticionou junto do Tribunal Cível o exercício do direito de regresso contra a R. Entidade Patronal quanto ao valor da indemnização por si paga ao acidentado, alegando para tanto que houve culpa da entidade patronal no acidente.



Artigo .º 57


Acontece que este caso em nada é comparável com o dos presentes autos, uma vez que não teve lugar processo crime, nem poderia ter porque nenhuma das partes era o acidentado, nem foi o pedido deduzido no Tribunal Criminal.



Artigo .º 58


As Recorridas não apresentaram os pedidos de indemnização cível no Tribunal Cível e concordam que este Tribunal de facto não seria o competente para o efeito, pelo que não se vislumbra qual a relevância do invocado Acórdão para o presente recurso.



Artigo .º 59


O Douto Acórdão Recorrido (em consonância com a sentença da 1.ª Instância) considera que o Tribunal Penal é competente para decidir sobre os pedidos de indemnização cível, enquanto que o Acórdão que os Recorrentes anexam às suas alegações conclui que o Tribunal Cível é incompetente para decidir do pedido de exercício do direito de regresso.



Artigo .º 60


Ora, estamos perante situações distintas e não contraditórias entre si


IV. DA FALTA DE OPORTUNIDADE PROCESSUAL PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PARA O STJ



Artigo .º 61


Não estando perante decisões contraditórias entre si, não é aplicável a alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, não sendo admissível o presente recurso de revista por esta via.



Artigo .º 62


Na perspetiva das Recorridas, é crassamente manifesto que não estamos perante uma questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, circunstância esta prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, não sendo admissível o presente recurso de revista por esta via.



Artigo .º 63


Até porque em parte alguma das alegações é exposta uma fundamentação plausível, que não se vislumbra existir, que aponte no sentido da clara necessidade de apreciação de alguma questão pertinente para uma melhor aplicação do direito para o futuro.



Artigo .º 64


Na verdade, estamos perante um Acórdão que confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, pelo que não há lugar a interposição de recurso para o STJ, conforme determina o n.º 3 do artigo 671.º do CPC.



Artigo .º 65


Assim, no entendimento de que os pressupostos da interposição de recurso de revista não estão verificados, as Recorridas criaram a legitima expectativa de que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação não seria passível de ser objeto de recurso para o STJ.



Artigo .º 66


Além de que estamos no âmbito do direito penal, ao qual se aplicam as disposições legais do código de processo penal em matéria de recursos, que não provêm qualquer possibilidade de recurso para o STJ nestas circunstâncias.



Artigo .º 67


Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º por remissão da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º, ambas do CPP, não há lugar a recurso para o STJ.



Artigo .º 68


Colocar agora em crise a competência do Tribunal Criminal constituiria uma violação do princípio de acesso à justiça constitucionalmente consagrado.


V. DO EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DO RECURSO



Artigo .º 69


Sem conceder quanto ao entendimento de que no presente caso este recurso não é legalmente admissível, e por mero dever de patrocínio, requer-se que o presente recurso tenha efeito meramente devolutivo, com base no artigo 676.º do CPC.



Artigo .º 70


Isto porque é notório que as questões de indemnização cível em causa em nada se confundem com questões sobre o estado das pessoas.


VI. DA INEXISTÊNCIA DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS



Artigo .º 71


Os pedidos de indemnização cível foram apresentados e decididos no processo penal e os pedidos quanto ao subsídio e pensão por morte do foro laboral estão peticionados no processo de trabalho, cuja petição inicial foi submetida em maio de 2019.



Artigo .º 72


Pelo que não se compreende a alegada sobreposição de pedidos.



Artigo .º 73


É verdade que o pedido de pensão por morte previsto na legislação laboral foi inicialmente peticionado nos presentes autos, mas quanto a tal pedido o Tribunal considerou-se incompetente em razão da matéria, pelo que não se compreende a alegada sobreposição de pedidos.



Artigo .º 74


Em todo o caso, ainda que existisse sobreposição de pedidos, não haveria lugar a qualquer desconto conforme se decidiu no Acórdão da Veneranda Relação de Évora de 19-12-2013, na esteira do douto Acórdão do STJ de 11-12-2012 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).



Artigo .º 75


Há 5 anos atrás morreu um marido e pai de duas filhas, que era o pilar da família e o seu único sustento, 5 anos estes de luta mental e financeira que têm pesado dia após dia, e que os Recorrentes insistem em não aceitar por um fim,


Termos em que deve o presente Recurso ser liminarmente indeferido ou julgado improcedente, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA



11. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora, respondeu, concluindo:


«1º - Não ter sido violada qualquer disposição legal.

2º - O Tribunal da Relação de Évora bem como o Tribunal a quo terem efectuado uma correcta apreciação da prova e demais elementos disponíveis, decidindo fundamentadamente em conformidade.

3º - Terem, ainda, feito uma correcta e criteriosa aplicação dos preceitos legais que disciplinam a aplicação a qualificação jurídica das condutas em apreço praticadas pelo arguido.

4º - Não existir qualquer motivo para ser concedida razão ao recorrente pelo que deve a douta decisão recorrida ser mantida in tottum, negando-se provimento ao recurso.»


12. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer aí formulando a seguinte:


«conclusão:

I -  O recurso de revista excepcional com fundamento na alínea a) e c) do n.º1 do art.º 672.º interposto  pelos recorrentes deve ser rejeitado por falta de pressupostos:

- Não cumprimento do ónus de indicar e concretizar as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, mesmo que assim se não entenda a questão em análise não se subsume à previsão do referido normativo.

- E por não se verificar a contradição de acórdãos a que alude o art.º 672.º alínea c) do CPC.»


13. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, os recorrentes expressaram o seu desacordo com aquele parecer, sendo «inegável que se verifica a circunstância a que a alínea c) do nº 1 do artigo 672º do CPC [-] faz referência», concluindo pela admissão e conhecimento do recurso.


14. Com dispensa de vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.



II – EXTEMPORANEIDADE NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO


1. No exame preliminar o ora relator suscitou a questão da inadmissibilidade do presente recurso por extemporaneidade na sua interposição tendo relegado a sua apreciação e conhecimento para a conferência.


Cumpre, pois, conhecer de tal questão.


Recorda-se que o Tribunal da Relação conheceu do mérito-objecto do recurso que os arguidos, agora recorrentes, haviam interposto da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de … – Juiz … . Por acórdão proferido em 7 de Maio de 2019, foram julgados parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e “Sondagens Casal, Lda.”, revogando-se a sentença recorrida na parte referente à absolvição do pedido da demandada “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, por ser parte ilegítima relativamente à responsabilidade civil decorrente da prática de acto ilícito e, quanto à responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, passando a constar da decisão recorrida que a demandada apenas é absolvida da instância, por ser parte ilegítima relativamente à responsabilidade civil decorrente da prática de acto ilícito e, por este Tribunal Criminal ser materialmente incompetente, quanto à responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, confirmando-se, em tudo o mais a sentença recorrida


Por requerimento autónomo, datado de 23 de Maio de 2019, os arguidos, ora recorrentes, vieram arguir a nulidade por omissão de pronúncia (relativamente ao conhecimento do erro de julgamento sobre a matéria de facto), nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 425.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal, doravante CPP, do acórdão do Tribunal da Relação de 07 de Maio de 2019.


Por acórdão do Tribunal da Relação de 02 de Julho de 2019 foi indeferida a arguição de tal nulidade do acórdão de 7 de Maio de 2019, aí se tendo feito constar o seguinte:


Afigura-se que a nulidade foi tempestivamente arguida e na forma devida, perante esta Relação, já que, apesar de, em geral, as nulidades deverem ser arguidas ou conhecidas em recurso (art. 379.º, n.º 2, ex vi art. 425.º, n.º4, ambos do CPP) e, como tem uniformemente defendido a jurisprudência, podendo sê-lo na motivação do recurso e no prazo para este, quando se trate de decisão que não admita recurso ordinário – como é o presente, nos termos do art. 400.º, n.º1, al. f) do CPP – será feita perante o tribunal que a prolatou e, nesta situação, sujeita à regra geral de que tenha de ser invocada no prazo de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1, do CPP, o que se mostra observado.


Notificados deste acórdão, vieram os arguidos AA e “Sondagens Casal, interpor revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, por requerimento de 09 de Setembro de 2019, nos termos do artigo 672.º, nos 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, doravante CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, relativamente ao pedido de indemnização civil em que foram condenados.

Suscitam, para o efeito, em suma, as seguintes questões:


- incompetência em razão da matéria do Tribunal Criminal para conhecer do pedido cível formulado pelas demandantes civis;

 - duplicação de indemnizações quanto ao mesmo dano;


Por despacho de 22 de Outubro de 2019 foi admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se, então, consignado que:


Pese embora se entenda que não há lugar à admissão do presente recurso nos termos e para os efeitos do art. 672.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC, por não existir qualquer lacuna na legislação processo penal a integrar nos termos do disposto no art. 4.º do CPP, por mera cautela e não prolongar a tramitação dos autos admito o recurso interposto a fls. 1145, nos termos do disposto no art. 433.º do CPP. Subam os autos ao Colendo STJ.


2. APRECIAÇÃO


2.1. De acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 2, do CPP:

«As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º».


Em comentário a este preceito, considera OLIVEIRA MENDES:

«No n.º 2 regula-se o regime de conhecimento e de arguição de nulidades da sentença. De acordo com aquele dispositivo, as nulidades da sentença devem ser arguidas no recurso; caso a decisão não admita recurso (recurso ordinário) as nulidades deverão ser arguidas perante o próprio tribunal que proferiu a sentença – n.º 1 do art. 120.º do CPP – sendo o prazo de arguição o prazo-regra para a prática de qualquer acto processual – n.º 1 do art. 105.º - qual seja o de 10 dias. É esta também a solução expressamente consagrada em processo civil – n.º 4 do art. 615.º»”.

Prosseguindo:

«De acordo com a parte final do n.º 2, o tribunal recorrido, pode, mesmo em caso de recurso, proceder ao suprimento das nulidades da sentença. É o sentido a retirar do segmento final do referido dispositivo «aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 141.» (É aliás, o que sucede em processo civil, segundo preceito do n.º 1 do art. 617.º, ao estabelecer que se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento. Dever-se-á ter em atenção, porém, que o suprimento das nulidades da sentença pelo tribunal recorrido deve ser efectuado com muita prudência, sem prejuízo do princípio elementar de direito adjectivo constante do n.º 1 do art. 613.º do CPC, princípio aplicável em processo penal ex vi art. 4.º do CPP, segundo o qual a prolação do acto decisório fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa»[4].


Também o Código de Processo Civil determina no seu artigo 615.º, n.º 4 que:

«As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 [[5]] só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.»


Por sua vez, dispõe o artigo 617.º do mesmo Código que:

 

«1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.

3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.

4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.

5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.

6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.»


Em anotação ao artigo 615.º do CPC, e no mesmo sentido do comentário de OLIVEIRA MENDES, escrevem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PEREIRA DE SOUSA:

«Ademais, no que respeita às nulidades decisórias, as mesmas apenas podem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão nos casos em que esta não admita recurso, já que na situação inversa deverão ser inseridas nas alegações de recursos de apelação»,


Acrescentando-se:

«4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente nu divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso. 5. Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas. Porém, há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo, de modo que o prazo para interposição de recurso e apresentação de alegações é contado a partir da notificação da sentença (art. 638.º, n.º 1), sem que haja a possibilidade de a parte dilatar (artificialmente) o exercício desse direito através da dedução de incidentes de arguição de nulidade ou de reforma da sentença, questões que, quando surjam, devem ser necessariamente Integradas nas alegações de recurso, como claramente o prescreve o n.º 4. Seguro é que os resultados que se observam através da leitura dos acórdãos são reveladores da generalizada falta de consistência das nulidades que são frequentemente arguidas, tendo como reflexo justificado a sua apreciação sumária que, na maior parte das vezes, é inteiramente merecida. 6. No que concerne à arguição das nulidades da sentença, importa distinguir os casos em que a mesma admite ou não recurso ordinário. Naquela primeira situação, as nulidades apenas podem ser suscitadas em sede do recurso de apelação (ou, depois, em sede recurso de revista), como fundamentos autónomos da sua impugnação. 7. Nos casos em que a sentença não admita recurso ordinário, as nulidades devem ser arguidas incidentalmente, sendo apreciadas pelo juiz, depois de cumprido o contraditório. A lei não deixa margem para tergiversações, sendo a solução legal sustentada no anterior uso abusivo do incidente de arguição de nulidades que, por esta via radical, se procurou sancionar»[6].


Conforme também referem J. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE:

«Quando o valor da acção não permita, em regra, o recurso ordinário – ver art. 629.º-1, que faz depender a admissibilidade do recurso ordinário da circunstância de o valor da causa exceder a alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida – a nulidade da sentença deve ser arguida perante o tribunal que a proferiu (n.º 4), salvo se se aplicar algumas das alíneas a) a c) do n.º 2 ou do n.º 3 do art. 629.º […] Sendo a sentença proferida em causa susceptível de recurso ordinário, a nulidade, deve nele, em regra, ser arguida como fundamento do recurso. […] mas, se ambas as partes tiverem antecipadamente renunciado aos recurso (art. 632.º - 1) ou se, depois de proferida a decisão, a parte interessada na nulidade renunciar ao recurso (art. 632.-1), aceitar a decisão (art. 632.º, nºs 2 e 3) ou até desistir do recurso que entretanto tenha interposto (art. 632.º-5), a arguição da nulidade é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão, no prazo de 10 dias do art. 149-1 contado da notificação da sentença […]»[7].


2.2. Resulta, pois, das normas processuais coligidas que:


- Sendo o acórdão proferido susceptível de recurso ordinário, ter-se-á sempre que suscitar as nulidades da decisão de que o mesmo padeça (mormente nulidade por omissão de pronúncia) em sede de alegações de recurso, como fundamento do recurso, juntamente com os demais fundamentos do mesmo recurso, de acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, e igualmente nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4, do CPC.

- Sempre que um acórdão não admite recurso ordinário, a reclamação do mesmo e/ou a arguição de nulidades faz-se em requerimento autónomo para o tribunal que o proferiu, conforme artigos 615.º, n.º 4 (1.ª parte) e 617.º, n.º 6, ambos do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 4.º do CPP.

- E por sua vez, o acórdão que decide da reclamação apresentada e/ou das nulidades suscitadas, indeferindo-as, é uma decisão definitiva. Ou seja, não é susceptível de recurso ordinário, conforme resulta do citado artigo 617.º, n.º 6, do CPC.


2.3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal – Secções Criminais acolhe o entendimento que se vem de expressar o qual, aliás, directamente se retira das normas processuais indicadas.


Assim:


a) Pode ler-se no sumário do acórdão de 19-01-2011, proferido no processo n.º 882/05.0TAOLH.E1.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Pires da Graça)[8]:


«[…]

III - A omissão de pronúncia constitui nulidade da decisão, a ser arguida ou conhecida em recurso, nos termos do disposto no art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP. 

IV - Antes da reforma processual civil, operada pelo DL 303/2007, de 24-08, quanto a determinadas nulidades entre as quais as de omissão de pronúncia, só podiam ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitisse recurso ordinário; no caso contrário, o recurso podia ter como fundamento qualquer dessas nulidades – art. 668.º, n.º 3, do CPC. 

V - Com a posterior reforma do mesmo diploma adjectivo, o art. 668.º na redacção conferida pelos DL 303/2007, e 34/2008, de 24-08 e 26-02, manteve a mesma situação. 

[…]

XXVI - Sendo passível de recurso o acórdão da Relação, a alegada omissão de pronúncia, constitui nulidade a ser arguida em recurso, que deveria ter sido interposto no prazo de 20 dias a contar do depósito desse acórdão na secretaria. 

XXVII - Por isso, não tendo sido interposto recurso dela no referido prazo de 20 dias, é extemporânea a sua interposição, não devendo o recurso ser admitido. 

XXVIII - O recurso não é admitido quando a decisão não for recorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação – art. 414.º, n.º 2, do CPP. 

XXIX - A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior. 

XXX - O recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos do disposto nos arts. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.» 


b) Acórdão de 24-05-2011,proferido no processo n.º 46/05.2TELSB.E1-A.S1 - 5.ª Secção (Relator: Cons. Arménio Sottomayor): 


«I - Depois de proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, a recorrente, a pretexto de uma pretensa aclaração, pretendia que a Relação se pronunciasse acerca da aplicabilidade ao processo penal do disposto no art. 669.º, n.º 2, al. a), do CPC, de modo a que pudesse ser considerada a revogação do acórdão que a condenou pelo crime de branqueamento de capitais, pretensão que a Relação indeferiu, tanto por estar esgotado o poder jurisdicional, como por não existir lapso ou imprecisão passível de rectificação ou aclaração. 

II - Considerando que a Relação não se pronunciara expressamente acerca da requerida aplicação do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, a arguida veio invocar a nulidade da decisão aclaratória, o que a Relação indeferiu; recorreu então ao STJ, tendo sido proferida decisão sumária a rejeitar o recurso, por inadmissibilidade. 

III - Com efeito, do acórdão que indeferiu o pedido de aclaração não cabia nem «cabe recurso» (cf. art. 670.º, n.º 2, do CPC); mas, se coubesse, a arguida não poderia tê-lo impugnado mediante reclamação para a própria Relação – cf. arts. 668.º, n.º 4, do CPC, e 379.º, n.º 2, do CPP –, pois, ao reclamar, reconheceu, aliás expressamente, que a decisão reclamada não seria recorrível, ao mesmo tempo que renunciou implicitamente ao recurso até por transcurso do prazo de que porventura dispusesse.»


c) No acórdão de 13-02-2014, proferido no processo n.º 124/10.6JBLSB.E1.S1 - 5.ª Secção (Relator: Cons. Manuel Braz)[9], lê-se:


«I - Quando não é admissível recurso do acórdão da Relação, a arguição da sua nulidade, por omissão de pronúncia, deve ser feita, no prazo de 10 dias, previsto pelo art. 105.º do CPP, em requerimento autónomo dirigido a esse tribunal, a quem cabe conhecer sobre a matéria.

II - As nulidades da sentença só são arguidas em recurso se a decisão ou a parte da decisão a que digam respeito o admitir, como resulta do n.º 2 do art. 379.º, aplicável, nos termos do n.º 4 do art. 425.º do CPP, aos acórdãos proferidos em recurso.»


d) Igualmente no acórdão de 29-01-2015, proferido no processo n.º 288/08.9TAGDM.P2.S1 - 5.ª Secção (Relatora: Cons. Helena Moniz)[10]:

«[…]

III - Como se verifica absoluta coincidência entre o que foi decidido pelas duas instâncias (seja ao nível da própria condenação em si, seja ao nível dos montantes indemnizatórios atribuídos ao lesado para reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos), como também é idêntica (ou essencialmente idêntica) a fundamentação de facto e de direito utilizada por ambas as decisões (grosso modo, a 2.ª instância concordou com a argumentação produzida pela 1.ª instância), e como ocorreu unanimidade por parte dos Senhores Juízes Desembargadores que apreciaram os recursos em causa, mostra-se irrecorrível, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 671.º do CPC, o recurso interposto pela demandada para o STJ, com fundamento na alegada violação do duplo grau de jurisdição.

IV - Nos casos em que não seja legalmente admissível a interposição de recurso ordinário para o tribunal hierarquicamente superior, o sujeito processual interessado deverá arguir a nulidade da sentença ou do acórdão posto em crise perante o próprio tribunal que acabou de proferir essa decisão, em requerimento autónomo, a apresentar dentro do prazo geral de 10 dias, previsto no art. 105.º, n.º 1, do CPP. Significa isto que o n.º 2 do art. 379.º do CPP consagra dois modos de arguição das nulidades das sentenças (ou dos acórdãos): caso a decisão final admita recurso ordinário, as mesmas devem ser arguidas com o próprio recurso, dentro do respectivo prazo de interposição, como decorre textualmente deste dispositivo; caso a decisão final não admita recurso, as supostas nulidades devem suscitadas nos termos gerais perante o próprio tribunal que a proferiu, como a contrario decorre deste preceito.»


2.4. Na Jurisdição cível, podem convocar-se os seguintes acórdãos:


a) De 24-11-2016, Revista n.º 470/15.2T8MNC-A.G1.S1 - 2.ª Secção (Relator: Cons. Tomé Gomes):


«[…]

III - A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos arts. 615.º, n.º 1, als. b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos arts. 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, al. c), do mesmo Código, e portanto como fundamento acessório desse recurso. 

IV - Se aquela decisão não admitir recurso ordinário, as referidas nulidades só são arguíveis mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu tal decisão, nos termos dos arts. 615.º, n.º 4, 1.ª parte, e 617.º, n.º 6, do CPC. 

V - Não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, as nulidades previstas nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC só são arguíveis por via recursória, se a revista for interposta a título especial ou de revista excecional nos termos dos arts. 629.º, n.º 2, e 672.º, n.º 1, do CPC, respetivamente. 

VI - Não tendo a recorrente interposto a revista a título especial ou excecional, mas apenas com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, a mesma não é admissível, nos termos conjugados dos arts. 615.º, n.º 4, e 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo da eventualidade de o tribunal a quo conhecer ainda daquela nulidade, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 5 do art. 617.º do mesmo Código.»


b) De 08-03-2018, Revista n.º 323/08.0TBMNC-B.G1.S1 - 2.ª Secção (Relator: Cons. Abrantes Geraldes)[11]


«I - Ao invés do que ocorreu em tempos mais recuados, a interposição de recurso deve ocorrer num prazo peremptório que é contado a partir da notificação da decisão. 

II - O legislador teve a clara intenção de abolir de vez a possibilidade de apresentação autónoma de requerimentos de aclaração ou de reforma em casos em que seja admissível recurso, pelo motivo óbvio que tal faculdade era frequentemente utilizada de modo abusivo apenas para dilatar o início do prazo para a interposição de recurso ou para determinar o arrastamento do trânsito em julgado da decisão notificada. 

III - Tratando-se de acórdão da Relação, a lei prescreve o prazo de 30 dias para a interposição de recurso de revista, seja normal, seja excepcional; pelo que, ainda que, porventura, haja motivos para arguir a nulidade ou mesmo a reforma daquele, deve o requerimento ser integrado nas alegações de recurso (arts. 615.º, n.º 4, e 638.º, n.º 1, ambos do CPC). 

IV - Só existe possibilidade de apresentar requerimento autónomo de arguição de nulidades da sentença ou do acordo ou pedido de esclarecimento ou de reforma nos casos em que não seja admissível recurso da decisão. 

V - Tendo o recurso de revista sido apresentado para além do prazo de 30 dias posterior à notificação do acórdão primitivo, tinha o mesmo de ser rejeitado, não havendo que proceder a qualquer convolação do primitivo requerimento em requerimento de interposição de recurso de revista uma vez que este nem sequer respeitava os requisitos formais daquele, designadamente por haver total ausência de conclusões (art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC).»


c) De 27-11-2018, Revista n.º 662/14.1TJCBR-J.C1.S2 - 6.ª Secção (Relator: Cons. Salreta Pereira)[12]:

«O prazo para interposição de recurso de revista inicia-se após a notificação do acórdão da Relação que decide a apelação e não do acórdão posterior que decidiu as nulidades entretanto arguidas – arts. 638.º, n.º 1, e 615.º, n.º 4, ambos do CPC.»


d) De 14-03-2019, Revista n.º 602/15.0T8AGH.L1.S1 - 7.ª Secção (Relatora: Cons. Maria do Rosário Morgado):


«[…]

III - No regime processual vigente, a arguição de nulidades ou o pedido de reforma não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de interposição de recurso (arts. 615.º, n.º 4, 616.º, n.º 2, e 617.º do CPC).

IV - Não ocorre qualquer nulidade pelo facto do recurso de revista excepcional interposto a título subsidiário ter sido rejeitado pela Relatora por manifesta extemporaneidade quando, anteriormente, se havia determinado a remessa dos autos à Formação, para os efeitos previstos no art. 672.º, n.º 3, do CPC, uma vez que este despacho não faz caso julgado formal, como resulta do disposto nos arts. 620.º, 630.º, n.º 1, e 152.º, n.º 4, do CPC, nem tão pouco vincula os juízes que compõe a Formação (art. 641.º, n.º 5, do CPC).»


e) Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação no acórdão de  de 02 de Julho de 2019 em que foi indeferida a arguição da nulidade do acórdão de 7 de Maio de 2019, suscitada pelos agora recorrentes como resulta do trecho já supra transcrito.


2.5. Em face do exposto, impunha-se aos demandados civis a arguição da nulidade por omissão de pronúncia (relativamente ao erro de julgamento sobre a matéria de facto) como fundamento de recurso juntamente com os demais fundamentos de recurso, do acórdão da Relação de 07-05-2019, na medida em a responsabilidade civil é conexa com a responsabilidade penal.


Ou dito de outro modo, sem prejuízo da arguição da nulidade por omissão de pronúncia quanto à matéria/responsabilidade penal, em requerimento autónomo na medida em que relativamente à matéria penal, não era admissível recurso ordinário, sempre se impunha arguir aquela nulidade por omissão de pronúncia - artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, e/ou artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC - em sede de alegações de recurso de revista excepcional (como um dos fundamentos do recurso), uma vez que sempre que é admissível recurso ordinário exige-se que a arguição das nulidades do acórdão seja feita em sede de alegações de recurso, juntamente com os demais fundamentos de recurso, no prazo para interposição de recurso a contar da notificação do acórdão que alegadamente padece das nulidades (artigo 379.º, n.º 2 do CPP e artigo 615.º, n.º 4 do CPC).


Sendo que nos termos do artigo 617.º, n.º 1, do CPC, sempre cabia ao Juiz Desembargador no despacho de admissão de recurso, relativo à matéria civil, pronunciar-se sobre a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, suscitada nas alegações de recurso.


2.6. Vêm os recorrentes interpor revista excepcional nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, alegando para o efeito duas questões: i) a violação das regras da competência em razão da matéria e ii) duplicação de indemnizações para o mesmo dano.


De acordo com o artigo 671.º, n.º 3, do CPC, «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».


Verifica-se assim que a irrecorribilidade por existência de dupla conformidade de decisões (cíveis), cede para as situações em que é sempre admissível recurso, ou seja, nos casos previstos no artigo 629.º, n.º 2 e 3, do CPC.


Dispõe o artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC que «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado».


Assim, verifica-se que sempre seria admissível recurso do acórdão da Relação de 07-05-2019 relativamente à questão da violação das regras da competência em razão da matéria, nos termos do citado artigo 629.º, n.º 1, alínea a), do CPC, e não apenas por via da revista excepcional nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, conforme requerido pelos recorrentes. Neste sentido, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 28-03-2019, proferido no processo n.º 111/02.8TAALQ-E.L1 – 5.ª Secção (Relator: Cons. Nuno Gomes da Silva)[13], «A "dupla conforme" cede quando estão previstas as situações previstas no art. 629.º, n.º 2 CPC, ao determinar-se ali que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso - para o que aqui interessa como previsto na alínea a) - com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria.»


Assim deveriam os Recorrentes terem interposto recurso de revista dita «especial», nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 671.º, n.º 3, ambos do CPC relativamente à questão da violação das regras da competência em razão da matéria (invocando, querendo, para o efeito contradição com outro acórdão do STJ), no prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão da Relação de 07-05-2019.


E, por sua vez, deveriam ainda - querendo discutir a questão da duplicação de indemnização pelo mesmo dano, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC - deduzir em peça recursória, recurso de revista excepcional, no mesmo prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão da Relação de 07-05-2019.


Cumprindo sublinhar que quer o recurso de revista dita «especial» prevista nos artigos 629.º, n.º 2, alínea a), e 671.º, n.º 3, ambos do CPC, quer o recurso de revista excepcional previsto no artigo 672.º do CPC, são recursos ordinários conforme expressamente estabelece o artigo 627.º, n.º 2, do CPC[14].


E, nessa medida, como são recursos ordinários e os recorrentes entenderam recorrer do acórdão da Relação que manteve a sua condenação civil, impunha-se que arguissem a nulidade por omissão de pronúncia da mesma decisão como fundamento de recurso, com os outros fundamentos de recurso, a interpor, no prazo de 30 dias, a contar da notificação do acórdão da Relação proferido em 07-05-2019, não sendo admissível a interposição da revista (excepcional) após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de 02-07-2019, que conheceu da nulidade suscitada de omissão de pronúncia (do acórdão da Relação de 07-05-2019).


2.7. Concluindo:


De acordo com o artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, ex vi artigo 425.º, n.º 4, ambos do CPP, e/ou artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4, do CPC, as nulidades, nomeadamente a nulidade da omissão de pronúncia, do acórdão da Relação, sempre que este seja passível de recurso ordinário, têm que ser arguidas em sede de alegações de recurso, juntamente com os demais fundamentos de recurso do acórdão recorrido, e no prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão que alegadamente padeça das nulidades – artigo 411.º, n.º 1, alínea a), do CPP.


O acórdão do Tribunal da Relação Évora de 07-05-2019 foi notificado em Maio de 2019 aos recorrentes, pelo que o recurso interposto no dia 09-09-2019 para o Supremo Tribunal de Justiça é extemporâneo e, por isso, inadmissível, sendo que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Supremo Tribunal de Justiça conforme disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP.


3. DECISÃO


Em face do exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção em rejeitar, por inadmissibilidade decorrente da sua interposição extemporânea, o recurso interposto por AA e SONDAGENS CASAL, LDA – artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.


Custas por cada um dos recorrentes, com 3 UC de taxa de justiça, condenando-se ainda cada um no pagamento de 3 UC, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP).


Texto processado, revisto e assinado digitalmente pelo relator.

O relator atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, o voto de conformidade da Ex.ma Juíza Adjunta, Conselheira Conceição Gomes.


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 8 de Julho de 2020


Manuel Augusto de Matos (Relator)


Conceição Gomes

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[1] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Miguel Teixeira de Sousa, 2ª edição p-128.      
[2] Ac do STJ proferido no âmbito do processo 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, em que foi Relatora a Sra Conselheira Ana Paula Boularot.
[3] Cfr. Pedido de indemnização civil das assistentes –“Título IV – Dos Sujeitos Responsáveis Pela Indemnização Cível” e “Título V – Pedido de Indemnização Cível Quanto aos Danos Patrimoniais”.
[4] Et alii, Código Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição revista, Almedina, pp. 1133-1134.
[5] Entre as quais figura a omissão de pronúncia – alínea d) – arguida pelos recorrentes.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I. Parte Geral e Processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, 2018, Almedina, pp. 736-737.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição (Julho 2017), Almedina, p. 737.
[8] Publicado nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra menção.
[9] Sumários de Acórdãos das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 2014.
[10] Sumários de Acórdãos das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 2015.
[11] Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, 2018.
[12] Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, 2018.
[13] Sumários de Acórdãos das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 2019.
[14] A lei processual civil estabelece uma divisão fundamental em matéria de recursos: recursos ordinários e recursos extraordinários. «A distinção funda-se, considera ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, num critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão recorrida [-]. Enquanto os recursos ordinários em matéria cível supõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar s decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito, recaindo o poder decisório sobre o mesmo tribunal que proferiu a decisão» (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014-2.ª Edição, Almedina, pp. 25-26.