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ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
PERDA DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
Sumário
I - O facto de o mau estado de conservação dos pneus em geral, e não dos pneus do veículo sinistrado em particular, reduzir a sua capacidade de aderência à estrada, provocando a respetiva falha, é um facto puramente instrumental que não carece de constar do elenco dos factos provados na sentença, podendo ser considerado na respetiva motivação, para extrair ilações assentes em regras da experiência. II - Constando das condições gerais do contrato de seguro automóvel com a cobertura de danos próprios uma cláusula de exclusão dos “sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspeção obrigatória”, o seu preenchimento verifica-se quando tiver sido incumprido o dever de apresentação do veículo à inspeção periódica obrigatória nos termos previstos no regime de inspeções técnicas de veículos a motor e seus reboques aprovado pelo DL n.º 144/2012, de 11-07, não bastando a prova do mau estado de um pneu do veículo da Autora (cujo profundidade do sulco do piso, abaixo de 1,6mm, não permitiria a aprovação do veículo em inspeção obrigatória). III - Neste caso, embora o desgaste e a inerente deterioração do pneu traseiro esquerdo, que nem se provou fossem do conhecimento da Autora, possam ter contribuído para uma perda de aderência do veículo RC, não se justifica, com fundamento nos artigos 570.º e 572.º do CC, a exclusão ou redução (equitativa) da quantia a que aquela terá direito face aos danos resultantes da ocorrência do sinistro coberto pelo contrato de seguro. IV - Na quantificação do dano atinente à perda do veículo, tendo sido invocado pela Ré seguradora existir uma situação de sobresseguro, sendo o valor do capital seguro à data do sinistro (28.613,00 €) muito superior ao preço pelo qual o veículo foi comprado (15.022,09 €) e ao (atual) valor comercial médio do veículo em Portugal (15.225 €), é este último o valor que deverá ser considerado, havendo ainda que deduzir o valor da franquia (250 €) e também o valor do salvado que a Autora podia obtido com a venda do veículo (7.184,00 €) conforme avaliação feita pela Ré e proposta apresentada, e não o valor (6.000 €) pelo qual veio a ser mais tarde vendido pela Autora. V - Não é devida indemnização pela privação do uso do veículo pois não estava incluída uma tal cobertura e não se mostra ter sido recusado pela Ré o veículo de substituição durante o tempo previsto no contrato, nem que a posição assumida por esta, ao recusar proceder ao pagamento do valor que se concluiu ser devido (7.791 €), seja atentatória do princípio da boa fé.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
PS… interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentou contra Seguradoras Unidas, S.A.
Na Petição Inicial, apresentada em 18-06-2018, a Autora pediu a condenação da Ré a pagar-lhe:
a) 22.363,00 €, referentes à indemnização devida pelo valor do seu veículo (ao abrigo da apólice contratada, 28.613,00 € deduzida de 6.000,00 € do valor do salvado e 250,00 € da franquia contratual);
b) 21.000,00 €, a título de compensação pelo período em que está sem usufruir do seu veículo, calculada à taxa diária de 50,00 €, quantia que se reclama até integral pagamento da indemnização;
c) 5.000,00 €, referentes a danos não patrimoniais;
d) Juros moratórios, no dobro da taxa legal em vigor, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou a Autora que sofreu danos, os quais descreveu e quantificou, designadamente, a perda total do seu veículo (então avaliado em 28.613 €), a privação do uso do mesmo (no valor estimado de 21.000 €, considerando um total de 420 dias, já descontando os 14 dias em que usufruiu de veículo de substituição, à razão diária de 50 €) e o sofrimento físico e psíquico associado às lesões corporais, tudo em consequência de acidente de viação, sinistro coberto pela apólice de seguro celebrado com a Ré, que recusou pagar-lhe qualquer quantia.
Citada a Ré, veio apresentar Contestação, na qual se defendeu por impugnação, de facto e de direito, negando alguns dos factos alegados na Petição Inicial (o que justificou com o facto de o tipo de embate em apreço, contra o lancil do vértice dos ilhéus direcionais na saída das rotundas, com cerca de 35 a 40 cm de altura, estar associado a despistes com veículos importados sobrevalorizados) e por exceção perentória, invocando: (i) a exclusão da cobertura facultativa em virtude do disposto na cláusula 40.ª, n.º 1, al. e), das condições gerais do contrato de seguro, já que, segundo alega, o acidente foi causado pelo mau estado de conservação dos pneus; (ii) o sobresseguro nos termos do art. 132.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-04, considerando que o capital seguro começou por ser de 31.000 € e à data do sinistro era de 28.613 €, mas o veículo havia sido adquirido pelo preço de 15.022,09 € (incluído o ISV), concluindo que, face à tabela de desvalorização do veículo, o capital seguro, caso o sinistro esteja coberto pelo contrato, haverá de ser reduzido a 14.698,50 €; (iii) ao qual haverá de ser descontado, além do valor da franquia, o valor do salvado, conforme avaliação e proposta obtida (7.179 €), nada mais sendo devido. Concluiu pugnando pela improcedência da ação.
Teve lugar a audiência prévia na qual a Autora declarou desistir do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, reduzindo o pedido para o valor global de 43.363 €, desistência que foi homologada por sentença, com as custas da responsabilidade da Autora na proporção da parte do pedido de que desistiu.
No início da audiência prévia a Autora pronunciou-se a respeito da “inexistência da Inspecção Ténica”, tendo dito que “foram juntos com a Petição Inicial, o Doc. 8 – Certificado de Aprovação em Inspecção Técnica de Matrícula e doc. 9 – Inspecção Técnica Periódica válida até 11/07/2017, invocando que a inspecção estava válida com base nestes documentos.”
Na mesma audiência foi elaborado o despacho saneador (que fixou o valor da causa em 48.363 €), bem como despacho de identificação do objeto do litígio (“verificação da existência de responsabilidade contratual pelo pagamento dos danos causados pelo acidente”) e enunciação dos temas de prova (a saber: a dinâmica do acidente, os danos daí resultantes, o estado do veículo à data, o apuramento do valor do capital seguro e o valor do veículo à data).
Realizou-se audiência final de julgamento, com a prestação de declarações pela Autora e os depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes.
De seguida, foi proferida a sentença recorrida que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido, com fundamento na verificação dos factos integradores da cláusula de exclusão invocada pela Ré.
Inconformada com esta decisão, veio a Autora interpor recurso de apelação em que pugna pela substituição da decisão recorrida por outra que atenda a sua pretensão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A) Veio o Tribunal a quo proferir sentença nos presentes autos que absolveu a Apelada contra si formulado. B) Entendeu que a Apelada provou os factores da exclusão da responsabilidade que havia assumido com a celebração do contrato de seguro, pelo facto dos pneus do veículo da Apelante apresentavam um desgaste superior ao aceitável para homologação. C) Considera a Apelante incorrectamente julgados como provados os Pontos 33, 34, 35 e 36 dos Factos Provados da Sentença que no seu entender deveriam ter sido julgados como Não Provados. D) Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão no depoimento da testemunha AA…, perito averiguador da Apelada e nas fotos que o mesmo tirou e que foram juntas aos autos como doc.1 da contestação. E) Sucede que, afirmou a Apelante, em sede de declarações de parte, que o despiste ocorreu porque viu um animal de porte médio na via e desviou-se do mesmo, tendo o embate ocorrido de imediato, porque já estava muito perto do lancil, não tendo sequer travado. F) Mais afirmou a Apelante que quando o veículo foi adquirido, o seu ex-marido trocou quer as jantes quer os pneus, tendo colocado pneus novos no veículo, estando estes em boas condições, tanto que, os próprios funcionários da oficina para onde o veículo foi rebocado após o acidente lhe confirmaram que os mesmos estavam em boas condições. G) Afirmou igualmente a testemunha CM…, perito do ramo automóvel, que viu o veículo que se encontrava parqueado no Concessionário da Mercedes em Sintra e que os pneus se encontravam em razoável estado de conservação, dentro dos limites mínimos estabelecidos por lei. H) Sendo certo que, afirmou a testemunha AJ…, que viu o veículo numa oficina em lisboa, não se recordando em que oficina bem como do local. (01h11m00ss a 01h1158ss) I) Acresce que, das fotografias juntas aos autos como doc. 1 da contestação não é possível aferir que as mesmas sejam do veículo da Apelante, não sendo possível visualizar a respectiva matrícula. J) Não deveria esta testemunha ter merecido a credibilidade do tribunal, não existindo assim prova de que esta testemunha tenha efectivamente vistoriado o veículo da Apelante. K) Por outro lado, tendo o Tribunal a quo considerado como provado que o acidente sofrido pela Apelante ocorreu devido a despiste da mesma quando esta se tentava desviar de um animal que lhe surgiu repentinamente e sem que a mesma tivesse conseguido sequer travar, não poderia ter considerado que o desgaste dos pneus contribuiu para a perda de aderência do veículo. L) Por conseguinte, deveriam os Pontos 33, 34, 35 e 36 dos Factos Provados da Sentença terem sido julgados como não provados. M) Atento o supra exposto resulta que entre Apelante e Apelada foi celebrado um contrato de seguro referente ao veículo de que a Apelante era proprietária com a matrícula RC. N) Neste contrato, foi incluída a cobertura de “danos próprios”, não sendo apresentados fundamentos atendíveis para a exclusão da responsabilidade da Apelada. O) Por conseguinte, resultando dos factos provados que a Apelante em 22/03/2017, pelas 01h40m na rotunda da Lhéngua Mirandesa, em Algueirão, perdeu o controlo do veículo indo embater num lancil, quando tentava desviar-se de um animal, será devida a indemnização à Apelante, como resulta do artigo 562.º do Código Civil. P) Existe nexo de causalidade, na medida em que o veículo sofreu um despiste e esse facto origina o direito à indemnização, no termos do artigo 563.º do Código Civil e o quantum indemnizatório decorre do valor contratualmente fixado para o efeito. Q) Mais resultando provado que o capital seguro para a cobertura de choque, colisão ou capotamento era de 28.613,00 euros, ao qual deverá ser deduzido o valor do salvado no montante de 6.000,00 euros e do valor da franquia no montante de 250,00 euros. R) É a Apelada responsável pelo pagamento à Apelante do montante de 22.363,00 euros. S) Tendo sido comunicado o acidente e enviados todos os documentos solicitados pela R. e tendo esta comunicado a sua recusa em proceder à regularização, causou a mesma danos na esfera jurídica da Apelada, em virtude da mesma ter ficado sem poder circular com o seu veículo desde a data do acidente, não tendo a mesma veículo para se poder deslocar, o que lhe causou transtornos. (Pontos 9 e 27 dos Factos Provados da Sentença) T) Deverá igualmente ser a Apelada condenada no pagamento à Apelante do montante de 21.000,00 euros, a título de privação de uso, desde a data do acidente até à data de entrada da acção e ainda no montante de 50,00 euros diários até integral e efectivo pagamento. U) Deverá o presente recurso ter provimento e a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que condene a Apelada no pagamento ao Apelante do montante de 22.363,00 Euros, a título de capital garantido contratualmente, devido pela perda total do veículo RC, já descontado da franquia contratualmente estipulada, acrescida do montante de 21.000,00 euros, a título de privação de uso, acrescido de 50,00 euros diários até integral e efectivo pagamento, no montante global de 43.363,00 euros.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelada defende que se mantenha a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, considerando não provados os factos vertidos nos pontos 33., 34., 35. e 36. do elenco dos factos provados;
2.ª) Se não é aplicável ao sinistro em apreço a exclusão da cobertura de “danos próprios” prevista na cláusula 40.ª, n.º 1, al. e), das condições gerais do contrato;
3.ª) Não sendo aplicável, qual o montante que a Ré está obrigada a pagar à Autora (com fundamento em responsabilidade contratual), incluindo aqui a questão do sobresseguro. Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990; assinalámos com asterisco os pontos impugnados; acrescentámos o que consta entre parenteses retos no ponto 12.):
1. No dia 22 de março de 2017, pelas 01.40h, ocorreu um acidente de viação na rotunda da Lhéngua Mirandesa (Cavaleira) em Algueirão – Mem Martins, Sintra.
2. No acidente de viação interveio o veículo de matrícula …-RC-… correspondente a um automóvel ligeiro de passageiros doravante designado por RC.
3. O veículo RC é propriedade da Autora PS…, sendo à data do sinistro por si conduzido.
4. A condutora do veículo RC seguia na auto-estrada A16 e saiu dessa via passando a circular na rotunda ali existente.
5. A Autora perdeu o controlo do veículo RC indo embater com no lancil existente na Rotunda referida em 1.º.
6. A condutora do veículo RC foi surpreendida com por um animal de porte médio que não conseguiu reconhecer, embora lhe parecesse idêntico a um cachorro ou de uma raposa, quando se aproximava da saída da A16 para passar a circular na rotunda.
7. O acidente ocorreu quando a Autora tentava desviar-se do animal.
8. O embate no lancil causou danos materiais do veículo RC.
9. Os danos ocorridos no veículo RC impossibilitavam a sua a circulação sendo necessário recorrer a um reboque para ser retirado do local do acidente.
10. A condutora do veículo RC foi submetida a teste qualitativo de alcoolemia tendo-se verificado o resultado de 0,00.
11. Face as lesões sofridas pela Autora esta foi assistida pelo serviço do CODU que lhe prestou os primeiros socorros e posteriormente transportada pelos Bombeiros Voluntários de Algueirão Mem-Martins, para Centro Hospitalar Lisboa Norte, E.P.E. - Hospital de Santa Maria.
12. O veículo RC à data do acidente de viação encontrava-se garantido pela companhia de seguros Seguradoras Unidas, S.A., e garantido por contrato titulado pela apólice n.º … [cujas condições particulares e gerais foram juntas pela Ré com a Contestação, como doc. 2, aqui se dando por reproduzido o seu teor, das mesmas constando designadamente: aindicação do capital de 31.000,00 €, valor dos extras: 0,00 €, a cobertura denominada de “Danos próprios”, incluindo a cobertura de “Choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros” e a respetiva franquia no valor de 250,00 €, bem como uma cláusula com o seguinte teor: “Cláusula 40.ª – Exclusões 1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…) e) Sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspeção obrigatória ou outras relativas à homologação do veículo, exceto se for feita prova de que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau estado do veículo, nem por causa conexa com a falta de homologação;)]”
13. A Autora efetuou a competente participação junto da ora Ré, tendo remetido cópia da D.A.A.A. (declaração amigável de acidente automóvel), com a descrição do sinistro, bem como a solicitação da regularização do mesmo.
14. Mais informou a Ré da imobilização do veículo RC e da necessidade de lhe ser cedido um veículo de substituição, tendo-lhe sido cedido por 14 dias, ao fim dos quais lhe foi pedido que procedesse à sua entrega.
15. Por missiva de 21 de abril de 2017, a Ré efetuou uma proposta condicional de perda total do veículo RC, após vistoria efetuada pelos seus serviços onde foi apurado que face aos danos verificados, a reparação revelara-se excessivamente onerosa.
16. Considerou a Ré que o valor estimado para reparação 32.415,38 € era excessivo face ao valor seguro à data do sinistro de 28.613,00 €, pelo que “colocou” à disposição da Autora a quantia de 21.184,00 €, após deduzir a franquia contratual de 250,00 €, mantendo a Autora na sua posse o salvado que foi pela Ré avaliado em 7.184,00 €.
17. Mais informou a Ré, que a empresa A2B Visual era a entidade disponível para aquisição do salvado pelo valor acima referido, proposta que tinha como validade o período de 30 (trinta) dias de trinta dias.
18. Contudo, em 29 de abril de 2017 a Ré comunicou a Autora, que de acordo com os elementos probatórios disponíveis, não lhe era possível pronunciar-se com rigor, no que diz respeito a assunção de responsabilidade danos decorrentes do sinistro, assim, “... o nosso parecer técnico vai no sentido de não existirem elementos suficientes que permitam liquidar os prejuízos reclamados...”.
19. Mais transmitiu a Ré, que face aos elementos de que dispunha, não seria ainda possível assumir a responsabilidade.
20. Não obstante as insistências junto da Ré, esta manteve-se irredutível na sua posição de não assunção de responsabilidade, invocando em carta de 19 de maio de 2017 o artigo 40.º Alínea e) - Exclusões às Coberturas Facultativas, “Sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as condições sobre inspecção obrigatória ou outras relativas à homologação do veículo...”.
21. Entende a Ré que não poderá assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro em apreço, uma vez que não foi verificada a obrigatoriedade da Inspecção Técnica Periódica ou “... outras relativas à homologação do veículo...”
22. O salvado veio a ser vendido pela Autora por cerca de 6.000,00 € (seis mil euros).
23. O veículo RC é proveniente da Alemanha tendo sido importado para Portugal em 22-02-2016.
24. O veículo RC até à data em que foi importado para o território nacional foi submetido as inspeções periódicas e obrigatórias no país de origem, (Alemanha), em 2014 e 2016.
25. Uma vez em Portugal, o veículo RC foi sujeito igualmente às inspeções exigidas por lei em 07-03-2016, conforme o certificado emitido pela entidade competente IMTT Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P., e que remete para nova inspeção à data de 11-07-2017.
26. Sendo que o veículo RC foi considerado “Aprovado” após a inspeção de 07-03-2016, no âmbito da qual foram efetuados: ensaios, exames, verificações e outras observações complementares de acordo com a regulamentação estipulada, não tendo sido detetadas “...quaisquer anotações de deficiências significam a conformidade do veículo com a regulamentação em vigor, no momento em que foi inspeccionado...”.
27. Desde a data do acidente que a Autora não tem veículo para se poder deslocar, o que lhe causou transtornos na sua vida, familiar, social e profissional.
28. A rotunda onde ocorreu o embate da viatura da Autora com o lancil é uma praça circular com três vias de trânsito em inclinação.
29. Durante a madrugada o local é isolado por não haver habitações próximas.
30. O piso é asfaltado e encontrava-se em bom estado de conservação.
31. O tempo estava bom.
32. O lancil embatido tinha cerca de 35/40 cm de altura.
* 33. No pneu traseiro direito do veículo da Autora já se observavam as telas interiores, e nas zonas laterais o relevo era de apenas 1,14mm.
* 34. O pneu traseiro esquerdo possuía um rasto de apenas 0,41mm.
* 35. O mau estado de conservação dos pneus reduz a sua capacidade de aderência à estrada, provocando a sua falha.
* 36. O elevado desgaste dos pneus traseiros, bem como a deterioração dos mesmos, contribuiu de forma decisiva para a perda de aderência do veículo RC.
37. O valor comercial do veículo em causa oscila entre 11.950,00 € e 18.500,00 € no máximo.
38. O veículo em causa foi adquirido por 11.950,00 €, sendo este o valor de aquisição, a que acresce o ISV no montante de 3.072,09 €, perfazendo o montante final de 15.022,09 €.
1.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na sentença motivou-se a decisão da matéria de facto nos seguintes termos (sublinhado nosso): O tribunal firmou a sua convicção sobre os factos provados com base na documentação junta aos autos designadamente, cópia das condições particulares da apólice e demais condições do contrato de seguro, certificado de inspecção periódica, participação do acidente elaborada pela autoridade policial e respectivo croquis, da qual resulta que o agente participante se deslocou ao local e verificou o estado do veículo e do condutor após o acidente e diversas comunicações trocadas entre as partes, que comprovam os factos que foram julgados provados. O agente participante foi ouvido como testemunha, tendo confirmado o teor do auto de participação, bem como o croquis. O Tribunal conjugou a documentação existente nos autos com as declarações de parte da Autora que os complementaram e esclareceram, no que se refere concretamente aos factos provados com os nºs 6 e 7 e 27. As declarações de parte têm que ser ponderadas tendo presente que a parte que as presta tem interesse na matéria em discussão e, por isso, releva essencialmente para formar no julgador a convicção de que os factos se passaram conforme descrito pela parte, a forma como as declarações são prestadas, o que é dito espontaneamente e o que é omitido, a coerência com aquilo que é a experiência comum, os restantes meios de prova que suportam ou não tais declarações. No caso em apreço, os factos alegados pela Autora relativos às circunstâncias em que se deu o acidente tem como suporte probatório as declarações de parte da Autora, condutora do veículo, a participação do acidente e respectivo croquis, não tendo sido apresentada prova testemunhal. Assim, temos que analisar se as declarações prestadas têm a coerência interna e externa necessária para, conjugadas com a participação do acidente e croquis, firmar a convicção de que os factos ocorreram conforme é relatado pelo Autor. Tudo ponderado, não vemos que haja qualquer contradição entre as declarações prestadas pela Autora e as informações constantes da participação elaborada pela autoridade policial, que atesta que a autora se encontrava no local na data do acidente com o respectivo veículo e que aquela ficou ferida sem gravidade em consequência deste e o veículo danificado, razão pela qual entendemos que as declarações de parte do Autor são suficientes para dar como provado a ocorrência do acidente e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, tal como veio alegado pela Autora e confirmado na participação policial e croquis. No que respeita ao estado do veículo, nomeadamente, dos seus pneus traseiros, o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas AA…, perito averiguador, que viu o veículo na oficina para onde o mesmo foi transportado a seguir ao acidente e refere que o veículo era de tracção traseira e tinha os pneus traseiros desgastados e com as telas à mostra, tendo efectuado as competentes medições, conforme fotos que tirou e se encontram juntas à contestação, as quais foram igualmente ponderadas. A convicção do Tribunal sobre os factos relacionados com o estado dos pneus foi reforçada pela observação do croquis que retrata a configuração da via, não se encontrando explicação para o despiste se não for tomada em consideração o mau estado dos pneus e consequente falta de aderência destes. O Tribunal firmou a sua convicção sobre o valor de venda do salvado no depoimento da testemunha CM…, pessoa contratada pela Autora para fazer a gestão do sinistro, tendo o mesmo declarado que a venda do salvado foi feita por seu intermédio, pelo preço de 6.100,00 euros. Teve ainda o Tribunal em consideração a declaração aduaneira de veículo que comprova o seu valor de aquisição e imposto pago, bem como as cópias de pesquisas efectuadas na internet quanto ao valor de venda de veículos semelhantes. Não foi apresentada prova sobre o valor de aluguer de veículos semelhantes e o depoimento da testemunha CA…, coordenar de averiguação, único que referiu que o veículo não tinha autonomia para sair do local do acidente, por falta de combustível, não nos convenceu por não ter visto o veículo e por tal falta de combustível ter sido detectada, segundo a mesma testemunha, já o veículo se encontrava na oficina, desconhecendo-se se o combustível teria sido retirado do depósito após a sua entrada naquele local.
A Apelante pretende que os factos vertidos nos pontos 33., 34., 35. e 36. sejam considerados não provados, tendo em linha de conta:
- O teor das declarações por si prestadas (das quais resulta, segundo refere, que o despiste ocorreu porque se desviou de animal; que, aquando da aquisição do veículo, foram trocadas as jantes e os pneus; e que os funcionários da oficina da Mercedes para onde o veículo foi rebocado após o acidente lhe confirmaram que os mesmos estavam em boas condições);
- O depoimento da testemunha CM… (que, segundo a Autora, viu o veículo quando este se encontrava parqueado no Concessionário da Mercedes em Sintra e disse que os pneus lhe pareceram em razoável estado de conservação);
- Não merecer credibilidade o depoimento da testemunha AJ… (porque, refere a Autora, este disse ter visto o veículo numa oficina em Lisboa, não se recordando em que oficina nem do local, não sendo crível que tivesse efetivamente vistoriado o veículo);
- Não resultar das fotografias juntas aos autos como doc. 1 da contestação que as mesmas sejam do veículo da Apelante, por não ser visível a respetiva matrícula.
A Apelada, por sua vez, defende o acerto da decisão recorrida, argumentando, em síntese, que na apreciação da prova testemunhal e das declarações de parte prestadas pela Autora estamos no domínio da livre convicção probatória (art. 396.º CC), devendo manter-se inalterada a decisão recorrida, pois foi feita uma correta apreciação da prova produzida em juízo.
Apreciando.
Em primeiro lugar, não vemos nenhuma razão para dar como não provado o que consta do ponto 35., muito embora até nos pareça que um tal facto nem carecia de estar incluído no elenco dos factos provados, tratando-se de facto notório ou de facto instrumental atinente ao funcionamento de presunção judicial.
Com efeito, o que aí se refere não se reporta especificamente aos pneus do veículo da Autora, tratando-se de afirmação genérica. É óbvio, ninguém o negou, nem o pode negar, que o mau estado de conservação dos pneus reduz a sua capacidade de aderência à estrada, provocando a sua falha (dos pneus), isto independentemente de o piso estar seco ou molhado, embora o problema se agrave com o piso molhado.
Não se desconhece que nos carros de competição são colocados pneus “slick”/lisos para aumentar a superfície de contacto com o asfalto e, assim, a respetiva aderência. Mas tais pneus nada têm a ver, na sua composição, com pneus comuns “carecas”. Na verdade, enquanto aqueles pneus são feitos com materiais “macios” que duram apenas algumas “voltas” (sendo até normal a sua substituição no decurso das provas), os pneus “correntes” usados nos carros são feitos com materiais mais duros, concebidos para uma duração maior (um determinado n.º de Km), mas que os torna menos aderentes; daí que quando a borracha superficial existente na parte das ranhuras destes pneus (que servem para escoar a água no piso molhado, evitando o “aquaplanig”) se gasta, ocorram alterações estruturais nos mesmos, ficando exposta uma borracha que está demasiado próxima da parte metálica do pneu e que, regra geral, tem menos qualidade, logo, menos aderência (além de que, num vulgar pneu “careca”, a borracha se mostra desgastada, envelhecida, sem as caraterísticas de elasticidade necessárias para uma adequada tração).
Já quanto aos pontos 33 e 34., é verdade que a Autora disse que o (então) seu marido tinha comprado jantes novas e pneus novos, mas não apresentou nenhuma prova documental desse facto, não sendo suficiente para nos convencer disso a circunstância de aquele lho ter dito; veja-se que também lhe terá dito, nas palavras da Autora, que o carro tinha custado 29.000 € quando, na verdade, custou cerca de metade – cf. ponto 38. que a Autora nem questionou.
Por outro lado, se os funcionários da oficina da Mercedes, onde o veículo esteve imobilizado durante cerca de 1 ano, lhe disseram que os pneus estavam em bom estado, não se percebe por que motivo a Autora não arrolou esses funcionários como testemunhas.
A Autora, face à forma como depôs, parecia perceber muito pouco de carros, não sendo, pois, suficientemente credível o seu depoimento a este respeito.
O depoimento da testemunha CF… mereceu-nos credibilidade, mas este limitou-se a dizer que os pneus lhe pareceram em razoável estado para circular, reconhecendo não ter feito nenhuma medição ou teste.
Por isso, estas declarações de parte e depoimento testemunhal não abalaram inteiramente o que foi dito pela testemunha AA…, embora já não se recordasse onde se situava a dita oficina (ao contrário do que referiu a Autora não disse que era “em Lisboa”, mas “na zona de Lisboa”, o que se pode aceitar, considerando que Sintra é um subúrbio de Lisboa); referiu ter visto os pneus e medido o rasto (nas extremidades, onde era mais profundo), tendo tirado as fotografias juntas aos autos (como doc. 1 da Contestação), em duas das quais se vê que o rasto era de 1,14 mm (em vez do mínimo legal de 1,60 mm).
Mas esse depoimento (em que, a dado momento, a testemunha se referiu a um rasto de apenas 0,41 mm na zona central de um dos pneus e de 0,79 mm na de outro), também pela forma como foi prestado, só nos convence na medida em que se mostra corroborado pelo referido doc. 1, oportunamente junto aos autos pela Ré, o qual, saliente-se, consiste de apenas 3 fotografias (duas iguais), a preto e branco, de fraca qualidade, que aparentam ser todas do pneu esquerdo traseiro, apenas sendo visível (nas duas fotos iguais) uma medição de 1,14 mm.
Como já se referiu a testemunha CF…, cujo depoimento nos merece igual credibilidade (pela forma como foi prestado e pela sua razão de ciência, pois também viu a viatura e providenciou pela venda do salvado), assegurou que os pneus lhe pareceram em razoável estado para o veículo circular; confrontado com as fotografias juntas aos autos, referiu que a linha branca visível nas fotografias pode não corresponder à tela interior do pneu, mas ter sido uma marca deixada pelo acidente, explicação que não podemos descartar, face ao despiste ocorrido.
O veículo havia sido inspecionado cerca de 1 ano antes do acidente e apenas deveria ser sujeito à inspeção obrigatória em julho desse ano; não há notícia de que desde o momento em que foi adquirido (tinha então 308.673 km - cf. doc. 8 junto com a PI e doc. 4 junto com a Contestação) até ao momento em que ocorreu o sinistro tivesse feito um n.º de km de tal ordem que pudesse explicar um desgaste e deterioração como os que foram dados como provados.
Assim, consideramos que apenas foi produzida prova convincente de que o pneu traseiro esquerdo - e só este - tinha um rasto de 1,14 mm e não de 0,41 mm, inexistindo outra prova (pericial ou documental) mais segura oportunamente carreada para os autos a este respeito.
Por outro lado, não podemos fazer tábua rasa da dinâmica do acidente tal como descrita nos pontos 5. a 8.: quando a Autora se aproximava da saída da A16 para passar a circular na rotunda, foi surpreendida por um animal de porte médio, que lhe pareceu idêntico a um cachorro ou uma raposa; quando tentava desviar-se do animal, perdeu o controlo do veículo RC indo embater com o veículo no lancil existente na Rotunda. Nada indica, antes pelo contrário, que a Autora tenha tentado travar. Na altura, conforme consta da participação do acidente elaborada pela PSP (junta com a PI como doc. 1) estava bom tempo.
Assim, e tendo em conta que apenas há prova do desgaste de um dos pneus traseiro, admitimos, face à regra de experiência acima referida, que tal facto pode ter contribuído para uma perda de aderência do veículo, mas não estamos convictos de que isso tenha acontecido de forma decisiva.
Destarte, mantém-se o ponto 35., elimina-se o ponto 33. e altera-se a redação dos pontos 34. e 36. nos seguintes termos:
* 34. O pneu traseiro esquerdo possuía um rasto de apenas 1,14 mm.
* 36. O desgaste e a inerente deterioração do pneu traseiro esquerdo podem ter contribuído para uma perda de aderência do veículo RC. 2.ª questão – Da cláusula de exclusão
Na sentença recorrida, considerou-se a este respeito que: Na sua defesa a Ré invoca a exclusão da sua responsabilidade com base na alínea e) do n.º 1 da cláusula 40ª, das Condições Gerais do contrato, que prevê ficarem excluídas das coberturas facultativas contratadas as seguintes situações: “Sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspecção obrigatória ou outras relativas á homologação do veículo, excepto se for feita prova de que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo maus estado do veiculo ou por causa conexa com a falta de homologação.” Dentre as situações excluídas do contrato, previstas naquela cláusula, encontra-se a situação em que o segurado, voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando este tenha sido chamada por si ou por outra entidade”. No presente caso, cremos mostrar-se demonstrada a situação de sinistro originado por causa conexa com a falta de observância da profundidade mínima dos sulcos regulamentares do piso dos pneus traseiros que tinham uma profundidade de 1,14 mm na zona entre o meio do pneu e as laterias, sendo que na zona central já se encontravam com a tela à vista. De acordo com a legislação vigente - art. 15º, nº4 do Regulamento Anexo ao DL 72-C/2003, de 14/04), os indicadores de desgaste do piso devem advertir visualmente quando a profundidade das ranhuras correspondentes do piso estiver reduzida a 1,6 mm, com uma tolerância de +0,6/-0 mm, sendo esse o mínimo aceitável para homologação. Assim sendo, entendemos que a Ré seguradora provou, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, os factos integradores da exclusão da responsabilidade que havia assumido com a celebração do contrato de seguro, não tendo a Autora apresentado qualquer prova de que o sinistro não tenha sido originado ou agravado pelo mau estado dos pneus do veículo. Deve, pois, ser julgado improcedente o pedido apresentado pela Autora.
A Apelante discorda, afirmando que não há fundamento para a exclusão da cobertura de “danos próprios”.
Defende a Apelada, por seu turno, que o mau estado dos pneus contribuiu, de forma absoluta, para a produção do acidente, pelo que os danos decorrentes do alegado sinistro estão excluídos do âmbito do seguro, tal como julgou o Tribunal recorrido.
Vejamos.
Está em causa a interpretação da cláusula 40.ª, n.º 1, al. e), das condições gerais do contrato de seguro, cujo teor é o seguinte: “1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…) e) Sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspeção obrigatória ou outras relativas à homologação do veículo, exceto se for feita prova de que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau estado do veículo, nem por causa conexa com a falta de homologação”.
Na interpretação das declarações das partes nos contratos de seguro há que ter presente o disposto nos artigos 236.º a 238.º do CC, devendo, em caso de dúvida, prevalecer o sentido mais favorável a quem deles beneficia.
A redação da cláusula citada podia ser mais clara na remissão que faz para o cumprimento das disposições sobre inspeção obrigatória (ou outras relativas à homologação do veículo, sendo certo que estas não estão aqui em causa).
Mas é sabido que o regime das inspeções periódicas visa a confirmação regular da manutenção das boas condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e das condições de segurança dos automóveis ligeiros, pesados e seus reboques. Esse regime consta da lei, designadamente do Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11-07, que entrou em vigor a 10-08-2012 e regula as inspeções técnicas periódicas, as inspeções para atribuição de matrícula e as inspeções extraordinárias de veículos a motor e seus reboques, previstas no artigo 116.º do Código da Estrada, sendo aplicável, à data do sinistro, na versão resultante da Retificação n.º 44/2012, de 07-09, e do Decreto-Lei n.º 100/2013, de 25-07.
Na sentença recorrida considerou-se que face ao mau estado dos pneus do veículo da Autora, que não permitiria a aprovação do veículo em inspeção obrigatória, estaria verificada tal causa de exclusão.
Conforme acima decidido, foi alterada em parte essa factualidade, apenas se podendo considerar que o pneu esquerdo não estava nas devidas condições, porque a profundidade dos sulcos do piso do pneu estava abaixo do mínimo estabelecido de 1,6mm, conforme resulta do preceito legal indicado na sentença.
Mas tanto não releva, a nosso ver, para o preenchimento da referida cláusula (“Sinistros originados pelo veículo quando não tiverem sido cumpridas as disposições sobre inspeção obrigatória”), pois o sentido que um declaratário normal pode retirar do texto da mesma remete, apenas e só, para o incumprimento do referido regime legal atinente à inspeção de veículos.
De salientar que a referência constante da cláusula ao mau estado do veículo apenas visa permitir (ao segurado) a prova de facto negativo (que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau estado do mesmo) em ordem a evitar que a exclusão opere, mantendo-se a garantia da cobertura em apreço.
Ademais, seria excessivamente desfavorável para um segurado uma interpretação conducente à exclusão de responsabilidade da Seguradora se o veículo não estivesse, sempre e a todo o momento, em condições de poder ser aprovado na inspeção. Tal parece-nos inaceitável, porquanto penalizaria de forma desrazoável os proprietários de veículos que, sendo cumpridores da lei, até podem nem se aperceber de alguns dos problemas técnicos que a viatura apresenta.
Consideramos, assim, que o cumprimento das “disposições sobre inspeção obrigatória”(mormente por parte dos proprietários dos veículos) se resume, para efeitos do preenchimento da referida cláusula, ao dever de apresentação dos mesmos à inspeção periódica obrigatória (nos termos previstos no art. 11.º do referido DL n.º 144/2012).
Nesta linha de pensamento, embora a respeito da apreciação do caráter abusivo de uma tal cláusula, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 30-06-2016, no processo n.º 649/15.7T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt: I - Num contrato de seguro há uma diferença entre a cláusula limitativa do risco, que é admissível e a cláusula abusiva, pois naquela a finalidade é restringir a obrigação assumida pela seguradora, enquanto nesta é restringir ou excluir a responsabilidade de forma ilegítima por estabelecerem uma desigualdade de força e reduzirem unilateralmente as obrigações do contratante mais forte ou agravarem as do mais fraco, criando uma situação de grave desequilíbrio entre elas, ou seja, em que uma parte se aproveita da sua posição de superioridade para impor em seu benefício vantagens excessivas, que ou defraudam os deveres de lealdade e colaboração que são os pressupostos de boa-fé, ou sobretudo, aniquilam uma relação de equidade que é um princípio de justiça contratual, provocando uma gravíssima situação de desequilíbrio. II - Assim, as cláusulas limitativas nos contratos de seguro não são vedadas, não sendo consideradas abusivas. III - Não é abusiva uma cláusula de exclusão do contrato de seguro facultativo em caso de incumprimento da obrigação de inspecção periódica do veículo é abusiva, já que apenas prevê o cumprimento da lei. IV - No âmbito do seguro facultativo saber se é necessária a demonstração do nexo de causalidade do facto que exclui o seguro e a eclosão do acidente, é algo que depende estreitamente da redacção que, em concreto, tiver a cláusula delimitadora do objecto dos contratos de seguro porque estamos no âmbito da interpretação das respectivas cláusulas.
Estamos perante matéria de exceção perentória (facto impeditivo) cujo ónus da prova competia à Ré (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC). Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 10-03-2016, proferido na Revista n.º 4990/12.2TBCSC.L1.S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário: I - No contrato de seguro, o risco constitui um elemento essencial ou típico dessa espécie contratual, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato, e que deve existir quer aquando da sua celebração quer durante a sua vigência. II - O risco relevante para efeitos do contrato de seguro, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respetivo contrato através da chamada declaração inicial dos riscos cobertos. III - Na prática negocial, tal delimitação, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vetores complementares, primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base, com o que se configura um tipo abstrato de sinistro coberto pelo seguro. (…) VI - Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações hipotéticas configuradas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos que são do direito de indemnização, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC. VII - Por sua vez, à seguradora cabe provar os factos ou circunstâncias excludentes do risco ou aqueles que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos nos termos do n.º 2 do art. 342.º do CC.
Ora, a Ré não alegou nem provou que o veículo da Autora não tivesse sido aprovado na última inspeção obrigatória antes do acidente ou que já tivesse passado a data limite para nova inspeção obrigatória (aliás, nem alegou qual era a data da 1.ª matrícula do veículo, embora resultasse do doc. 1 junto com a PI e do doc. 4 junto com a Contestação que era 11-07-2011) e até se provou que o veículo fora sujeito às inspeções exigidas por lei em 07-03-2016 e que a nova inspeção só deveria ter lugar em 11-07-2017 (cf. ponto 25.), mostrando-se indiferente para o preenchimento da referida cláusula, face à interpretação que da mesma fazemos, a factualidade vertida nos pontos 34. e 36. (atinente ao estado do pneu).
Assim, embora por razões não inteiramente coincidentes com as que a Apelante invocou, impõe-se concluir que não se verificam os pressupostos fácticos para que seja aplicável a cláusula de exclusão em apreço, improcedendo a exceção invocada pela Ré.
Não se pense que com este entendimento se está a desconsiderar, sem mais, a relevância de todo e qualquer comportamento doloso ou grosseiramente negligente (por parte do tomador de seguro/segurado) que tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos.
Na verdade, não se olvida que, de harmonia com o disposto no art. 3.º, n.º 2, do Código da Estrada, “(A)s pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”
Nem que a contribuição causal e culposa para a ocorrência do sinistro (ou o agravamento dos danos daí resultantes) poderá ser sancionada, de harmonia com os princípios gerais consagrados nos artigos 570.º e 572.º do CC, em certas circunstâncias fácticas, como, por exemplo, quando o proprietário de um veículo, sabendo que os pneus ou os travões do veículo estão em muito mau estado, assume o risco da sua condução, a tanto não obstando a circunstância de se tratar de responsabilidade contratual. Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão do STJ de 10-12-2009, no processo n.º 494/06.0TBAVR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: I) - A questão da concorrência de culpas surge com mais frequência no domínio da responsabilidade extracontratual, mas a norma do art. 570º, nº1, nº2, do Código Civil aplica-se também à responsabilidade civil contratual, postulando aqui uma mais exigente conceituação do nexo de causalidade e do padrão de actuação do lesado à luz do paradigma do bonus pater familias e da actuação que seria de exigir no caso concreto. II) - Ante o incumprimento do devedor, o credor não pode farisaicamente alhear-se dos resultados dessa conduta para daí colher vantagem que seria imoral ou injusta e sempre eticamente censurável, pois poderia com a sua inacção contribuir, impunemente, para o agravamento dos danos e assim onerar a sanção para o incumprimento. III) - Mesmo aqui, deve o lesado agir de boa fé, na perspectiva de actuação honesta e que contemple o interesse da contraparte. IV) - Daí que para haver culpa co-responsabilizante do lesado e ser afastada a teoria da diferença com ressarcimento dos danos em valor inferior aos que o credor efectivamente sofreu, importará a evidência de uma conduta culposa do lesado violadora das regras da boa-fé e que essa conduta – omissiva ou negligente – seja causa adequada do dano ou do seu agravamento. V) - Os factos reveladores de conculpabilidade devem ser graves no sentido de justificarem um juízo de censura, não bastando qualquer omissão ou negligência que se deva ter por aceitável de acordo com um padrão negocial justo, no sentido de que não deve ser exigida ao credor/lesado uma conduta super diligente para evitar o agravamento dos danos, mas antes lhe deve ser imposto pela boa-fé que, no quadro circunstancial do incumprimento actue por forma a atenuar os danos resultantes dessa situação, sobretudo, se for previsível que, apesar dos esforços do devedor para obviar à propagação ou perduração dos danos, a sua actuação pela natureza da prestação que lhe cumpra, possa não surtir efeito pronto.
E também a sentença do Julgado de Paz do Porto de 21-12-2012, no processo n.º 606/2012-JP, disponível em www.dgsi.pt, em que se provou que os pneus anteriores do veículo da demandante apresentavam um rasto irregular e encontravam-se lisos e com os arames das lonas expostos.
Porém, no caso dos autos, apenas se provou que um dos pneus estava desgastado, deteriorado, apresentando o rasto a profundidade de 1,14 mm, não estando provado que isso fosse do conhecimento da Autora, o que nos remete apenas para uma eventual negligência, nem sendo forçoso considerar que a Autora devia ter atentado nessa circunstância.
Além disso, mesmo que tal facto possa ter contribuído para a perda de aderência, não resulta dos factos provados que uma tal circunstância (a perda de aderência) deu causa ou contribuiu para o despiste, como sucederia, por exemplo, se nenhum outro circunstancialismo fáctico pudesse explicar o despiste ocorrido. Na situação dos autos, em face da dinâmica do acidente tal como emerge dos factos descritos nos pontos 4. a 8. (que, repete-se, não podemos questionar – pois a Ré não requereu a ampliação do âmbito do recurso nos termos do art. 636.º, n.º 2, do CPC), não havendo sequer notícia de que o piso estivesse molhado (o que potenciaria a perda de aderência), a causa do despiste parece ter sido o súbito e inopinado aparecimento de animal na via e a (aparente) inépcia da Autora ao desviar-se do mesmo, perdendo o controlo do veículo.
Portanto, não estamos em condições de afirmar, no contexto fáctico apurado, que muito provavelmente a perda de aderência contribuiu para que a Autora tivesse perdido o controlo do veículo, despistando-se, sendo certo que à Ré incumbia ter alegado e provado uma diferente dinâmica do acidente que permitisse uma tal conclusão, mas não o fez (porventura por admitir, embora sem o ter alegado, que as circunstâncias do acidente até eram outras).
Daí que, e até sob pena de desvirtuar a razão de ser do contrato de seguro automóvel facultativo com a cobertura de danos próprios, se imponha concluir não estarmos perante uma situação em que a medida da contribuição culposa da segurada para a ocorrência do sinistro justifique a exclusão ou redução (equitativa) da quantia a que tem direito face aos danos do mesmo resultantes.
3.ª questão – Da quantificação do montante contratualmente devido (perda do veículo e privação do seu uso)
Na sentença recorrida considerou-se que: No âmbito da presente acção competia à Autora a alegação e prova do facto gerador (risco coberto) da responsabilidade civil contratual da ré seguradora, a saber, a verificação do acidente e danos deste resultantes – cfr. art. 342º, nº1 CC. Por sua vez, à ré seguradora cabia a alegação e prova da factualidade conducente à exclusão da sua responsabilidade contratual – cfr. art. 342º, nº 2, do CC. O Autor, na qualidade de segurado, para poder exigir da Ré seguradora a prestação acordada, no caso de verificação de algum dos riscos por esta cobertos, tinha o ónus de alegar e provar a ocorrência efectiva desses riscos. É inequívoco e nem a Ré colocou em dúvida esse facto, que o veículo seguro sofreu danos pelo embate no lancil, quando a Autora circulava, na noite de 22 de Março de 2017, na rotunda de Lléngua Mirandesa, em Algueirão, Mem Martins, Sinta, podendo concluir-se que a Autora fez prova da verificação do risco coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes. Assim, de acordo com os factos provados, podemos afirmar que o evento participado se integra no âmbito da cobertura do contrato que inclui, entre outras a garantia de choque, colisão ou capotamento, pelo capital de € 28.892,00 sendo a franquia de €250,00 incluindo veículo de substituição, em caso de acidente, por um período máximo de 30 dias vd. condições particulares constantes do processo.
Lembramos que a Apelante defende, em síntese, que:
- Existe nexo de causalidade, na medida em que o veículo sofreu um despiste e esse facto origina o direito à indemnização, nos termos dos artigos 562.º e 563.º do Código Civil e o quantum indemnizatório decorre do valor contratualmente fixado para o efeito;
- Resultando provado que o capital seguro para a cobertura de choque, colisão ou capotamento era de 28.613,00 €, ao qual deverá ser deduzido o valor do salvado no montante de 6.000,00 € e do valor da franquia no montante de 250,00 €, a Apelada é responsável pelo pagamento à Apelante do montante de 22.363,00 € relativo à perda total do veículo;
- Tendo sido comunicado o acidente e enviados todos os documentos solicitados pela Ré e tendo esta comunicado a sua recusa em proceder à regularização, causou a mesma danos na esfera jurídica da Apelada, em virtude da mesma ter ficado sem poder circular com o seu veículo desde a data do acidente, não tendo a mesma veículo para se poder deslocar, o que lhe causou transtornos, pelo que deverá igualmente ser a Apelada condenada no pagamento à Apelante do montante de 21.000,00 €, com referência à privação de uso do veículo desde a data do acidente até à data de entrada da ação, no montante de 50,00 € diários até integral e efetivo pagamento.
A Apelada, por sua vez, defende que não assiste razão à Apelante.
Não se discute o que foi entendido na sentença recorrida quanto à verificação dos factos que preenchem a previsão da responsabilidade assumida pela Ré com a celebração do contrato de seguro, isto é, o sinistro, ou seja, o risco coberto com o contrato.
Não estando provados os factos atinentes à invocada exclusão da cobertura da Ré, esta encontra-se obrigada a atribuir o capital seguro, por força do contrato e da lei, o que implica que façamos a quantificação dos danos em presença.
Da perda do veículo
É fora de dúvida que o valor em que foi orçamentada a reparação do veículo (32.415,38 €, indicado pela Ré), ultrapassava o valor do capital seguro à data do sinistro (28.613,00 €, aceite por ambas as partes, atendendo à tabela de desvalorização do veículo prevista contratualmente), sendo certo que a Autora teria apenas direito a receber, quanto a esta cobertura, o valor correspondente ao mesmo, deduzido da franquia contratual e, eventualmente, do valor do salvado, daí a conclusão da perda total do veículo.
A Ré declinou assumir a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do capital seguro, invocando na Contestação, além do mais, a existência de sobresseguro, questão que não foi apreciada na sentença recorrida, por estar prejudicada, mas da qual cumpre agora conhecer, considerando que as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar a esse respeito.
Dispõe o art. 132.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-04, sob a epígrafe “Sobresseguro”, que: “1 - Se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro, é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato. 2 - Estando o tomador do seguro ou o segurado de boa fé, o segurador deve proceder à restituição dos sobreprémios que tenham sido pagos nos dois anos anteriores ao pedido de redução do contrato, deduzidos os custos de aquisição calculados proporcionalmente.”
Por sua vez, preceitua o art. 43.º, com a epígrafe “Interesse”, nos seus n.ºs 1 e 2, que: “1 - O segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato. 2 - No seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade de coisa, direito ou património seguros”.
A este propósito, e a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 24-04-2012, no processo n.º 32/10.0T2AVR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt: I - Verifica-se uma situação de sobresseguro sempre que, ab initio ou no decurso do contrato, o objecto do seguro tenha um valor inferior ao declarado, ou seja, um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro. II - A questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no art. 435.º do CCom, é actualmente regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04, o qual no seu art. 132.º diz que “se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato” sendo precisamente este art. 128.º que mantém, na legislação nacional relativa ao contrato de seguro, a consagração do princípio do indemnizatório, referindo que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”. III - Em caso de sobresseguro (originário ou posterior), o contrato deve, por força do principio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente, ou seja, na parte em que o valor exceda o do objecto segurado – arts. 128.º e 132.º, n.º 1, do DL n.º 72/2008. IV - A justificação para esta realidade normativa não pode deixar de ter presente o principio segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no art. 562.º CC –, não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo ou. muito menos. constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial. V - As razões da regulamentação da questão do sobresseguro (ou seguro excedente) devam ser, como são, consideradas verdadeiras razões de ordem pública, destinadas à salvaguarda do princípio do indemnizatório, daí resultando que se deva considerar ferida de nulidade absoluta toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto segurado. VI - A limitação da obrigação de indemnizar ao montante real do objecto seguro decorre, directa e exclusivamente, do disposto no art. 128.º do DL n.º 72/2008.
Resultou provado que o (atual) valor comercial do veículo em causa oscila entre 11.950,00 € e 18.500,00 € no máximo e que o mesmo foi adquirido pelo preço de 11.950,00 €, a que acresce o ISV no montante de 3.072,09 €, perfazendo o montante final de 15.022,09 €.
De salientar que (não obstante o que foi referido pela Autora nas suas declarações) não se provou que tivessem sido igualmente adquiridos quaisquer extras (ex. jantes especiais), coincidindo aquele preço quase exatamente com o valor comercial médio do veículo em Portugal, ou seja, 15.225 €. É este o valor que, a nosso ver, deverá ser considerado, em detrimento daquele outro, que nos parece menos objetivo, sujeito a possíveis variações/descontos por diversos motivos, e ao qual podem acrescer ainda despesas, como os custos de transporte, sobretudo no caso de veículos importados.
Assim, o valor relativo à cobertura do seguro em apreço sempre terá de ser, desde já, reduzido para 15.225 €, por força da aplicação dos citados normativos legais atinentes ao sobresseguro.
Obviamente, haverá ainda que deduzir o valor da franquia (250 €).
E deverá ser também abatido o valor do salvado.
A este respeito as partes divergem se deverá ser considerado o valor de 6.000 € (pelo qual veio a ser vendido pela Autora) ou antes o valor de 7.184,00 € (em que foi avaliado pela Ré e da proposta obtida).
Poder-se-á pensar que o valor a considerar deve ser o primeiro, já que este último apenas consta de carta enviada pela Ré (em 21 de abril de 2017) com uma proposta condicional da Ré para assumir a responsabilidade pelo sinistro, mas que foi retirada cerca de uma semana depois, compreendendo-se que a Autora tenha continuado a insistir junto da Ré no sentido de reverter a sua posição.
Porém, parece-nos que se impõe, neste particular, convocar o disposto nos artigos 570.º e 572.º do CC, de harmonia com as considerações acima feitas, reconhecendo a medida da contribuição culposa da Autora para o agravamento do dano (a atender em ordem a determinar o valor da prestação devida pela Ré).
Com efeito, embora se aceite que a Autora podia insistir junto da Ré no sentido do cumprimento da prestação que considerava devida - isto, naturalmente, até ter recebido a terceira carta, de 19 de maio de 2017, com uma tomada de posição definitiva -, a verdade é que apenas se provou que a Autora fez, até essa altura, “insistências junto da Ré”, nada permitindo considerar que tais insistências fossem no sentido de questionar o valor da reparação do veículo ou pugnar pela mesma.
Pelo contrário, tudo indica, face ao valor tão elevado da reparação (mesmo superior ao valor do capital seguro à data em que o contrato de seguro foi celebrado), que a Autora se conformou com a apreciação feita pela Ré quanto à perda total do veículo.
Assim sendo, não se descortina nenhuma razão séria para que a Autora, dispondo no dia 21 de abril de uma proposta de aquisição do salvado por 7.184 €, que era válida por 30 dias, nenhuma diligência tivesse feito para concretizar essa venda, optando por o vender (mais tarde) por apenas 6.000 €.
É, pois, imputável à Autora a perda do valor diferencial de 1.184 €, concluindo-se que o valor que a Ré está obrigada a pagar à Autora no tocante à cobertura em apreço é de 7.791 €.
Do dano da privação do uso do veículo
A Autora pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de “21.000,00 €, com referência à privação de uso do veículo desde a data do acidente até à data de entrada da ação, no montante de 50,00 € diários até integral e efetivo pagamento”.
A Ré defendeu não ser devida qualquer quantia a esse título.
Preceitua o art. 130.º do referido Regime Jurídico do Contrato de Seguro, sob a epígrafe “Seguro de coisas”, que: “1 - No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro. 2 - No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado. 3 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem.”
Resulta dos factos provados (atentando na apólice e nas condições gerais e particulares) que o dano da privação do uso não foi objeto de cobertura no contrato de seguro facultativo celebrado entre as partes. Foi apenas incluída a cobertura de veículo de substituição (com limitação temporal), mas não foi sequer alegado (antes pelo contrário) que a Ré se tenha recusado a proporcionar uma viatura de substituição. Assim, é evidente que a Ré não poderá, nos termos estritos das coberturas contratadas, responder por um tal dano, ainda que possa existir.
Mas, estando também provado que desde a data do acidente a Autora não tem veículo para se poder deslocar, o que lhe causou transtornos na sua vida, familiar, social e profissional, poder-se-á questionar se terá direito a ser indemnizada pelo dano da privação do uso, na esteira da jurisprudência largamente dominante sobre esta matéria. A título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 25-09-2018, no processo n.º 2172/14.8TBBRG.G1.S, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do ponto III do respetivo sumário, com o seguinte teor: A jurisprudência do STJ, depois de algumas divergências, passou a reconhecer, sem qualquer espécie de hesitação, o direito de indemnização relativamente a situações de privação do uso do veículo em que este é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do mesmo foi causa de despesas acrescidas.
Com efeito, é razoável pensar que se a Autora tivesse oportunamente recebido o valor relativo à perda total do veículo (independentemente do seu montante), poderia tê-lo utilizado para adquirir outro veículo, obviando assim à referida afetação da sua vida familiar, social e profissional.
Ora, neste particular, fazemos nossas as seguintes considerações desenvolvidas no acórdão da Relação de Lisboa de 04-06-2020, proferido no proc. n.º 422/19.3T8LSB.L1, em que a ora Relatora interveio com 2.ª Adjunta, disponível para consulta em https://outrosacordaostrp.com/: Seguindo, em parte a sentença recorrida, pode-se entender, que “relativamente ao atraso injustificado no pagamento da indemnização garantida pela cobertura do risco por perda total, necessária para compra de outro veículo”, a jurisprudência está dividida em duas posições: - “A que defende que estando em causa uma obrigação pecuniária, e porque se trata de responsabilidade contratual, a indemnização pela mora corresponde aos juros legais, salvo convenção em contrário, pelo que em caso de mora do devedor na realização da prestação indemnizatória, não há lugar à indemnização de outros danos, nomeadamente, o dano da privação do uso do bem, a não ser que o credor prove que a mora lhe causou dano superior aos juros mas [apenas] quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.” Acrescente-se que esta corrente diz que se não for assim, então não teria sentido a cobertura do risco da privação do uso (art. 130/2-3 da LCS), pois que este estaria sempre coberto: ou seja, seria o mesmo, para um segurado, cobrir aquele risco ou não. Neste sentido, por exemplo, os acórdãos do TRC de 23/05/2006, proc. 1323/06; do TRL de 25/06/2009, proc. 1515/05.0TBMTJ.L1-2; do TRP de 15/05/2012, proc. 1900/10.5TBVFR.P1; do TRP de 13/06/2013, proc. 4438/11.0TBVNG.P1; do TRG de 10/10/2013, proc. 598/12.0TBVCT.G1 (com voto de vencido); do TRP de 23/6/2015, proc. 4393/13.1TBMAI.P1; do TRG de 15/12/2016, proc. 291/15.2T8FAF.G1; do TRP de 07/02/2017, proc. 842/14.0TJPRT.P1; do TRG de 09/02/2017, proc. 104/15.5T8PTL.G1.do TRG de 30/03/2017, proc. 122/15.3T8VRM.G1; do STJ de 13/07/2017, 188/14.3T8PBL.C1.S1 (acabou por atribuir a indemnização pelo dano em causa, mas com outra fundamentação, isto é, porque no caso estava prevista a cobertura de um veículo de substituição sem limite de tempo); e do TRP de 06/02/2018, proc. 446/15.0T8AMT.P1; e do TRP de 21/02/2018, proc. 32/17.0T8GDM.P1 - Outra que fundamenta a ressarcibilidade destes danos com base na violação de um dever secundário ou acessório da obrigação. O inexplicável atraso no andamento do processo de pagamento da indemnização ao segurado, traduz-se, na violação de um dever acessório da prestação, que, não resultando do contrato de seguro, resulta do princípio da boa-fé, consubstanciado na violação de um dever de diligência e lealdade. Assim, o segurador que venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, está obrigado a indemnizar o dano que resultou para a contraparte, o segurado.” Neste sentido, vão, entre outros, os acórdãos do TRP de 25/01/2011, proc. 3322/07.6TJVNF.P1; do TRG de 05/12/2013, proc. 607/10.8TBFLG.G1; do TRC de 19/05/2015, proc. 127/14.1TBSCD.C1 (que, no entanto, não concedeu a indemnização por entender que, “segundo a alegação mesma do recorrente […], não estava em causa a ofensa de um dever daquela espécie – mas a violação do dever principal ou primário de prestar, ele mesmo); do TRP de 14/03/2016, proc. 4876/12.0TBSTS.P1 (admite a hipótese da condenação – por exemplo, se tivesse havido uma aceitação incondicional e sem reservas da responsabilidade (nomeadamente quanto à quantificação da indemnização) por parte da seguradora e o posterior e incoerente adiamento da realização da prestação, com manobras e argumentos dilatórios, mas não no caso em concreto; e diz que a tese do recorrente, levada às últimas consequências, assumiria contornos fundamentalistas, traduzidos na seguinte asserção: sempre que um contraente recusasse o incumprimento, vindo a ser condenado em acção intentada com esse fim, estaria a violar deveres acessórios de conduta); do TRL de 13/10/2016, proc. 716/14.4TJLSB.L1-2; do TRG de 20/10/2016, proc. 2884/11.8TBBCL.G1; do STJ de 14/12/2016, proc. 2604/13.2TBBCL.G1.S1; do TRG de 09/03/2017, proc. 4076/15.8T8BRG.G1; do TRC de 07/11/2017, proc. 131/16.5T8SAT.C1; do STJ de 23/11/2017, proc. 2884/11.8TBBCL.G1; do STJ de 23/11/2017, proc. 4076/15.8T8BRG.G1.S2; do TRP de 21/02/2018, proc. 1069/16.1T8PVZ.P1; do TRL de 15/03/2018, proc. 20028/15.5T8LSB.L1-8; do STJ de 08/11/2018, proc. 1069/16.1T8PVZ.P1.S1 (com voto de vencido); do TRP de 11/11/2018, proc 2528/15.9T8PRD.P1; do STJ de 27/11/2018, proc. 78/13.7PVPRT.P2.S1; do TRC de 28/05/2019, proc. 1442/18.0T8CBR.C1; do TRL de 22/10/2019, proc. 115/18.8T8FAR.L1-7 (mas não concedeu a indemnização por ter entendido que o dano, no caso, não se verificava); do TRG de 05/12/2019, proc. 2949/18.5T8BRG.G1; e do TRG de 07/12/2019, proc. 72/18.1T8CMN.G1. (A sentença recorrida fala numa terceira corrente, “que entende que a indemnização é devida, por a mesma ser um corolário lógico da contraprestação inerente ao risco assumido pelo segurador, pois de outro modo ficaria esvaziada de conteúdo a contraprestação do segurador nestes casos ou, pelo menos, a correspectividade das prestações mostrar-se-ia desequilibrada, em prejuízo do tomador do seguro.”, mas trata-se apenas de uma posição isolada – não se encontrou outro acórdão no mesmo sentido - de um ac do TRG de 12/03/2009, proc. 634/04.4TBBCL.G1. Contra esta posição, pode-se responder com aquele argumento da primeira corrente: o que o segurado contrata não é, nestes casos, a cobertura do risco da privação do uso, pelo que indemnizar este dano, sem mais, equivale a acrescentar, sem contrapartida de um prémio para a seguradora, a cobertura de um risco) Ora, parece indesmentível que se o comportamento da seguradora, no processamento da reclamação do pagamento do capital seguro devido pela verificação do sinistro, vier a provocar danos na esfera jurídica ou pessoal do segurado, por violação daquilo que se chamam os deveres acessórios da conduta, esses danos devem ser indemnizados, pois que, se não, estaria a violar-se o disposto nos arts. 798, 562, 564/1 e 566, todos do CC. O ponto é que se demonstre que os danos invocados foram provocados pela violação daqueles deveres acessórios de conduta. Segue-se, por isso, tal como a sentença recorrida e ao contrário da ré, esta segunda corrente, sendo que, vários dos acórdãos da primeira corrente têm argumentos que levam a pensar que, nos casos concretos em que se prove que realmente o comportamento da seguradora causou aqueles danos, eles também aceitariam que a seguradora fosse condenada a ressarci-los. A aceitação desta segunda corrente não corresponde, já se vê, como decorre do que se expôs, que sempre que a seguradora não entregue o capital seguro na sequência do sinistro verificado, se imponha, só por isso, a sua condenação numa indemnização pelos danos invocados. Pois, caso contrário, como sugere o ac. do TRP de 14/03/2016, citado acima, teria que se entender que sempre que um contraente – todos eles, não só as seguradoras – recusasse, bem ou mal não interessa, o incumprimento, vindo a ser condenado em acção intentada com esse fim, deveria ser condenado não só nas consequências normais do incumprimento das correspondentes obrigações, como por exemplo, no caso de obrigações pecuniárias, nos juros de mora (art. 806/1 do CC), mas ainda numa série de outras indemnizações. Posto isto, o que interessa é, então, que se possa dizer que o comportamento da seguradora é, por si, causador de outros danos que não aqueles que já decorrem da mora no cumprimento da obrigação; sendo que se tem de admitir, como sempre, que as seguradoras, como qualquer outro contraente, possa ter um entendimento diverso daquele que foi atingido pelo tribunal sobre a verificação dos pressupostos da obrigação cujo cumprimento lhe é pedido e que, por isso, a simples assunção desse entendimento – como a recusa em pagar a indemnização por entender que não se verifica a hipótese coberta ou que se verificam as cláusulas de exclusão – não é nem fonte daqueles outros danos, nem poderia, só por si, ser fonte da obrigação de os indemnizar.
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, importa ter presente o disposto nos artigos 102.º e 104.º do referido Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Preceitua o primeiro, com a epígrafe “Realização da prestação do segurador”, que: “1 - O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, dependendo das circunstâncias, pode ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro. 3 - A prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária.”
Estatuindo, por seu turno, o art. 104.º, sob a epígrafe, “Vencimento”, que “(A) obrigação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102.º”.
Ora, a Ré, antes de ter decorrido um mês sobre a data do acidente, enviou à Autora uma proposta condicional e, cerca de uma semana depois, informou-a que, de acordo com os elementos disponíveis, ainda não lhe era possível assumir a responsabilidade pelo sinistro, tudo indicando que estava a diligenciar no sentido da confirmação da ocorrência do sinistro, das suas causas e circunstâncias. E, finalmente, menos de 2 meses após o acidente, tomou posição definitiva e fundamentada (invocando a aludida cláusula de exclusão) a esse respeito.
Portanto, não nos parece que se possa censurar a Ré pela demora no cumprimento das suas obrigações contratuais, incluindo deveres acessórios de informação, sendo razoável o tempo que tardou a comunicar que declinava a sua responsabilidade, fazendo-o em termos compreensíveis para um cliente medianamente esclarecido, tão pouco se justificando, apesar do nosso entendimento a respeito da inaplicabilidade da cláusula de exclusão, sancioná-la por isso e considerá-la responsável pelos prejuízos ora reclamados pela Autora.
Assim, a partir do momento em que a Ré, em maio de 2017, comunicou à Autora a sua posição (que, aliás, manteve sempre, de forma coerente), podia a Autora ter reagido, demandando a Ré ou adquirindo outro veículo, até porque nada indica que não o pudesse ter feito e nem se descortina nenhuma explicação para que tenha tardado mais de 1 ano a intentar a presente ação, exigindo uma quantia indemnizatória que ultrapassa largamente o valor do veículo.
Em suma, não é possível imputar à Ré a responsabilidade pelo invocado dano da privação de uso do veículo em consequência da forma como, no fundo, “fez a gestão do sinistro”, ou seja, como procedeu perante a participação do sinistro feita pela Autora (com vista ao pagamento do capital seguro).
A conclusão é a de que a Ré incumpriu a obrigação principal do contrato que sobre si impendia, mas não deu causa a outros danos cujo ressarcimento aqui, nos presentes autos, deva ser determinado.
Dos juros
Por se tratar de obrigação pecuniária e a Ré estar em mora, são devidos juros desde a data da citação, à taxa supletiva legal dos juros civis (cf. artigos 559.º, 804.º a 806.º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 08-04), não se descortinando fundamento legal para que tal taxa seja elevada ao dobro, conforme pretendido pela Autora. Porventura terá considerado que ao caso seria aplicável o disposto no art. 38.º do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21-08, olvidando que está em causa o cumprimento de um contrato de seguro automóvel facultativo.
Em síntese:
A Ré Seguradora é contratualmente responsável (com referência à cobertura de danos próprios em consequência de choque, colisão, capotamento) pelo pagamento à Autora da quantia relativa ao dano da perda total do veículo, considerando o seu valor médio de mercado (15.225 €), descontado o valor da franquia (250 €) e valor do salvado pelo qual podia ter sido vendido (7.184,00 €), o que perfaz 7.791 €.
Não é devida indemnização pela privação do uso pois não estava coberta, não se mostra ter sido recusado pela Ré o veículo de substituição durante o tempo previsto no contrato, nem que a sua recusa de pagamento seja atentatória do princípio da boa fé.
Os juros de mora são devidos desde a citação, à taxa legal dos juros civis, não havendo fundamento legal para que seja elevada ao dobro.
Assim, procedem em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento.
Das custas processuais
Ambas as partes ficaram vencidas, pelo que são responsáveis pelo pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 82% para a Autora e 18% para a Ré, face ao valor global do pedido apreciado, considerando a redução do pedido requerida pela Autora na audiência prévia (48.363 € - 5.000 € ꞊ 43.363 €), sem prejuízo da sua responsabilidade pelas custas na proporção da parte do pedido de que desistiu (conforme sentença homologatória proferida em 22-05-2019) – cf. artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC.
Como a Autora beneficia do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cf. ofícios apresentados em 09-10-2018 e 17-10-2018), não vai condenada a efetuar o respetivo pagamento (cf. artigos 1.º e 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigos 20.º, 26.º e 29.º do RCP).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 7.791 €, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal (aplicável aos juros civis), vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo a Ré do restante peticionado.
Mais se decide, sem prejuízo do que foi decidido quanto a custas na sentença homologatória da desistência parcial do pedido, condenar a Ré-Apelada no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção do respetivo vencimento (que se fixa em 18%), apenas não se condenando a Autora-Apelante no pagamento das custas processuais, na proporção do seu decaimento em ambas as instâncias (82%), atento o apoio judiciário de que beneficia.
D.N.
Lisboa, 05-11-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua