SIMULAÇÃO
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
REGISTO DA ACÇÃO
EXECUÇÃO
PENHORA
Sumário

I - O registo provisório por natureza das acções corresponde a um registo essencialmente cautelar, mais não sendo que a antecipação do registo da própria sentença transitada, sendo através da conversão que o registo da acção conserva a prioridade que tinha como provisório; através do registo da acção, o autor garante antecipadamente a oponibilidade a terceiros das providências que venham a ser decretadas pelo Tribunal impedindo que esses terceiros se possam prevalecer de direitos que sobre o prédio venham a adquirir do réu.
II - No caso que nos ocupa, a penhora dos prédios na execução que correu contra a co-R. sociedade sucedeu quando a acção de declaração de nulidade por simulação (que não foi registada) corria termos, antes de proferida a sentença de declaração de nulidade e determinação do cancelamento dos registos e, necessariamente, antes de ser inscrita no registo a decisão proferida e averbados os consequentes cancelamentos.
III - Quando da aquisição dos prédios pelos co-RR. pessoas singulares há mais de seis meses que resultava do registo o cancelamento da aquisição a favor da co-R. sociedade e a subsistência da aquisição dos mesmos prédios a favor da A.; considerando apenas estes elementos - sem ter em conta, ainda, a anterior penhora - atento o disposto no art. 7 do CRP, seria de presumir que o direito de propriedade sobre os dois prédios pertencia à A. e não à co-R. sociedade.
IV - Resulta do art. 819 do CC que os actos de disposição ou oneração dos bens posteriores à penhora são inoponíveis no processo de execução - trata-se de uma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução a qualquer nele interveniente (diversa da inoponibilidade subjectiva, isto é em face de um certo terceiro).
V – No caso dos autos a confissão do pedido pela co-R. sociedade na acção de declaração de nulidade por simulação corresponde a um acto voluntário de disposição relativamente aos imóveis penhorados – homologada a confissão e declarados nulos por simulação os contratos de compra e venda dos imóveis estes deixaram de integrar o património daquela R. ingressando na massa insolvente, ora A.; assim, estaremos perante um acto de disposição dos bens penhorados inoponível em relação à execução, nos termos do citado art. 819 do CPC.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - A «Massa Insolvente Vistas Campestres – Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda.» intentou acção declarativa com processo comum contra SF…, AF… e «Teixeira & Gomes, Lda.».
Alegou a A., em síntese:
A A. foi declarada insolvente em 15-2-2012 e, já após tal declaração, por apenso ao processo de insolvência, intentou acção contra a sociedade «Teixeira & Gomes, Lda.» alegando que o contrato de compra e venda de dois prédios rústicos, datado de 14-5-2009, que a sociedade «Vistas Campestres» havia celebrado com aquela «Teixeira & Gomes, Lda.» havia sido simulado.
Os dois referidos prédios rústicos, descritos na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob os nºs … e …, foram penhorados no âmbito de acção executiva em que eram exequentes SF… e AF… e executada «Teixeira & Gomes, Lda.».
Entretanto foi proferida sentença declarando a nulidade, por simulação, da mencionada compra e venda, sendo cancelada a inscrição da aquisição dos imóveis a favor da sociedade «Teixeira & Gomes, Lda.». Apesar disso, naquela aludida acção executiva, os dois prédios foram adjudicados aos RR. SF… e AF….
Conclui a A. pedindo que:
 a) se declare que a A. é a actual proprietária dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob os nºs … e … da freguesia de Tabua;
b) se condene os RR. a reconhecerem o direito de propriedade da A.;
c) se condene os RR. a absterem-se de praticar actos lesivos do direito de propriedade da A.;
d) se condene os RR. a entregarem os prédios livres e devolutos à A.;
e) se declare a nulidade da venda executiva feita entre os RR.;
f) se declare a nulidade da emissão do título de transmissão feito a favor dos RR. S… e AF…, no âmbito do processo nº …/…T8FNC;
g) se ordene o cancelamento de quaisquer registos efectuados com base no referido título de transmissão.
A R. «Teixeira & Gomes, Lda.» contestou, alegando em resumo:
- que não é sujeito da relação controvertida configurada pela A., devendo ser absolvida da instância por ilegitimidade passiva;
- que reconheceu a propriedade da A. e não praticou qualquer acto em sentido contrário, devendo ser absolvida da instância por se verificar a excepção dilatória do caso julgado;
- que não tendo praticado qualquer acto que obste ao reconhecimento do direito da propriedade dos imóveis por parte da A., nem os possuindo, deve ser absolvida dos pedidos.
Contestaram os RR. S… e AF…, deduzindo também pedido reconvencional, alegando essencialmente:
A A. não procedeu ao registo da acção intentada contra a «Teixeira & Gomes, Lda.», sendo a decisão proferida nessa acção registada somente em 18-7-2017, quando estava registada para além da aquisição dos prédios a favor da «Teixeira & Gomes, Lda.», uma penhora a favor dos RR. S… e AF…. Não intervindo a A. no âmbito daquela acção executiva e prosseguindo esta, os RR. adquiriram em venda executiva, devidamente publicitada e não padecente de qualquer vício, o direito de propriedade dos dois prédios, que haviam sido penhorados.
O direito que os RR. adquiriram decorrente da penhora judicial e que registaram é anterior ao registo da acção de simulação, estando os RR. protegidos contra a arguição de nulidade decorrente da simulação, atento o disposto no art. 243 do CC.
Os RR. não foram parte na acção de simulação que correu termos entre a A. e a R. «Teixeira & Gomes, Lda.», não estando vinculados pela decisão proferida nesse processo que, no que lhes respeita, não constitui caso julgado.
A penhora gera ineficácia em relação ao executado dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, nos termos do art. 819 do CC.
A aquisição dos imóveis pelos RR. S… e AF… foi registada na Conservatória do Registo Predial e desde então estes estão na posse dos referidos prédios, tendo procedido a obras de desmatação e delimitação dos mesmos.
O direito de propriedade adquirido pelos RR. é proveniente de venda executiva, advindo da penhora registada antes da decisão de anulação dos contratos, não relevando o facto de no momento do registo da aquisição a favor dos RR. ter ocorrido a repristinação do registo a favor da A. que não anulou os efeitos da penhora pré-existente.
Com a aquisição em venda executiva os RR. adquiriram a propriedade dos prédios livres de direitos de garantia ou reais – art. 824 do CC.
Os RR. despenderam os valores que indicam com o preço da adjudicação, imposto das transmissões, despesas de limpeza e vedação.
Concluíram pedindo que:
- se julgue procedente a excepção peremptória de inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé, com a consequente absolvição do pedido;
- caso assim não se entenda, se julgue improcedente, por não provada, a presente acção, com a consequente absolvição dos pedidos;
- caso a acção venha a proceder que seja julgado procedente o pedido reconvencional e a A. e a R. «Teixeira & Gomes, Lda.» sejam solidariamente condenadas a pagar aos RR./reconvintes a quantia que se apurar a final ou que for liquidada em execução de sentença, em valor não inferior a 75.828,00 €, resultado do somatório do preço da adjudicação, dos impostos pagos com as transmissões e despesas com a limpeza e vedação dos prédios, reconhecendo a A. e aquela R. o direito de retenção dos RR. S… e AF… sobre os imóveis, até se mostrarem pagas aquelas quantias.
O processo prosseguiu, vindo a ter lugar audiência prévia.
Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedentes as excepções da ilegitimidade da R. «Teixeira & Gomes, Lda.» e do caso julgado e que decidiu:
«a) declarar que a autora é a atual titular do direito de propriedade sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob os nºs …/… e …/…, da freguesia da Tabua, o primeiro inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … e o segundo inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo …;
b) condenar os réus a reconhecer esse direito, abstendo-se da prtica de atos lesivos desse direito e entregando esses prédios livres e devolutos à autora;
c) declarar que a venda executiva (adjudicação em execução) efetuada no âmbito do processo no …/…T8FNC é ineficaz em relação à autora, no que respeita aos imóveis de que esta é proprietária, acima referidos em a), ordenando-se o cancelamento da inscrição da aquisição daqueles imóveis no registo predial a favor de S… e AF… e de todas as inscrições com ela conexas.
d) julgar legalmente inadmissível a reconvenção deduzida contra a ré Teixeira & Gomes, Lda;
e) absolver a autora da instância reconvencional».
Apelaram os RR. S… e AF…, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
I. Os factos vertidos nos articulados impõem um juízo de ponderação relativamente às datas em que ocorreram determinados actos, para que se saiba em que altura as partes intervenientes tiveram conhecimento de certos factos e como agiram, o que em conjunto nos permite aquilatar o comportamento que cada uma teve, face às diversas matérias e circunstâncias.
II. Em 03-02-2017, aquando da audiência final, da confissão de alguns pedidos e da desistência de outros na acção de simulação, tanto a autora Vistas Campestres como a ré Teixeira & Gomes (T&G) sabiam e não podiam ignorar, que os imóveis versados no processo haviam sido penhorados a favor dos apelantes, por ordem da acção executiva identificada no registo predial.
III. Além da data do registo da penhora (AP. 945 de 29-04-2016), parece ser relevante para a boa decisão do processo que se apure qual a data que a T&G teve conhecimento formal do registo da penhora sobre os imóveis.
IV. Do documento 12 da contestação dos apelantes, a fls. dos autos, consta a carta do senhor agente de execução com a citação após realização da penhora, efectuada em 01-06-2016, à então executada T&G (aqui ré).
V. Face à relevância do dito documento deveria aquela matéria ter sido considerada como assente, num artigo sistematicamente inserido entre os pontos 2.1.9 e 2.1.10, dos factos assentes, com a redacção que se sugere: “Por carta datada de 01-06-2016, o senhor Agente de Execução citou a ré Teixeira & Gomes, após a realização da penhora dos imóveis referidos em 2.1.1 e 2.1.2, em que foi nomeada fiel depositária dos mesmos, para proceder ao pagamento da dívida exequenda, com a cominação de que, não sendo feito o pagamento “serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados”
VI. Por outro lado, os pontos 2.1.9 e 2.1.10 dos factos assentes, contêm   omissões que se reputam importantes, no que concerne às datas em que foi intentada pela autora a acção de simulação contra a ré T&G e bem assim o dia da audiência final em que ambas as partes acordaram, a primeira na desistência de alguns pedidos e a segunda na confissão de outros, com implicações neste processo (as datas constam da certidão judicial electrónica com código de acesso …- …-…-…).
VII. O ponto 2.1.16 da matéria assente padece de omissão quanto à forma e meios que foram usados para dar publicidade à venda e à adjudicação levados a cabo na acção executiva. Como se verifica pelos documentos 7 e 8 da contestação dos apelantes, foram feitas duas notificações, nos dias 10 e 11 de Janeiro de 2018, foram afixados três editais nas Juntas de Freguesia da situação dos prédios e a partir do dia 12 de Janeiro de 2018 foi publicitada a venda por meios electrónicos, nas plataformas de acesso ao público em geral.
VIII. Assim, s.m.o., a parte final do texto do referido ponto deveria ser aditado do seguinte modo: “2.1.16.- Em 31 de Março de 2017, no referido processo n.º …/…T8FNC do Juízo de Execução do Funchal os exequentes, aqui réus AF… e SF… requereram a adjudicação de diversos imóveis, incluindo os acima descritos em 2.1.1. e 2.1.2., tendo a mesma sido publicitada através de três editais (10/012018 e 11/01/2018) e sete publicações electrónicas de venda (desde o dia 12/01/2018).”
IX. Acresce que, no ponto 2.1.17. existe uma omissão com relevância para apreciação dos pedidos formulados na reconvenção. O texto faz referência à abertura de propostas e às verbas adjudicadas aos exequentes (aqui réus), mas omite os valores pelos quais os imóveis descritos em 2.1.1 e 2.1.2 lhes foram adjudicados, que constam dos documentos 9 e 10 da contestação dos apelantes.
X. Como renovado respeitos se entende que a redacção do referido ponto deveria ser do seguinte modo: “2.1.17.- No dia 23 de Janeiro de 2018, procedeu-se à abertura das propostas em carta fechada na presença da Mma. Juíza e das demais partes presentes, nos termos do artigo 820º do CPC, tendo sido proferido douto despacho que aceitou diversas propostas de compra e adjudicou algumas verbas aos exequentes, incluindo as referentes aos imóveis acima descritos em 2.1.1. e 2.1.2., pelos preços de € 24.000,00 e de € 42.000,00, respectivamente”
XI. Por fim, o ponto 2.1.18.- da matéria assente, existe um erro de mero cálculo, relativamente ao valor pago pelos apelantes, a título de IMT e Imposto de Selo pela adjudicação dos prédios versados nos autos – cfr. documento 11 da contestação dos apelantes.
XII. Devidamente corrigido aquele ponto deveria figurar com o seguinte texto:
”2.1.18.- Em 23-02-2018 foram liquidados os impostos de transmissão relativamente aos prédios adjudicados, tendo os réus pago a título de IMT a quantia de 3.300,00 euros e de Imposto de Selo a quantia de 528,00 euros.”
Da Matéria de Direito
XIII. No caso em apreço a autora e a ré T&G agiram em conluio e de má-fé, com intuito de prejudicar terceiros e, aparentemente, entre elas simularam as vendas de, ao menos, dois prédios rústicos, que são objecto desta acção, para mais tarde vir aquela impugnar judicialmente, noutro processo (Juízo de Comércio), o negócio em que havia intervindo, no qual se produziria a confissão da segunda que ditou a nulidade dos mesmos.
XIV. A autora incumpriu com a obrigação constante do artigo 3º n.º 1 do Código do Registo Predial, de proceder ao registo da acção (do Juízo de Comércio), nos registos dos prédios cuja validade do contrato translativo era colocado em crise pela nulidade proveniente da invocação da simulação.
XV. A autora apesar de saber que estava registada desde 29-04-2016 a favor dos réus, sobre os dois prédios, uma Penhora, para cobrança de uma quantia exequenda de € 104.489,61, contra a ré T&G, num processo que se mostra identificado na inscrição, jamais veio se opor, embargar ou invocar na acção executiva qualquer direito incompatível com aquele que se arvorava na outra acção.
XVI. Porque o registo da decisão judicial homologatória do acordo sobre a simulação (Juízo de Comércio) é feito apenas em 18-07-2017, altura que se mostra registado uma penhora a favor dos réus, não pode aquela sentença ser oponível aos beneficiários deste direito, tanto mais que não foram parte no referido processo e desconheciam, sem culpa, a simulação do negócio entre a vendedora e a compradora (executada).
XVII. Tendo em conta a carga negativa que a lei atribui ao negócio simulado, a nulidade pode ser invocada, nos termos gerais do artigo 286º do Código Civil, por qualquer interessado e até pelos simuladores. Contudo, neste caso, muito embora a simulação possa realmente ser arguida pelos próprios simuladores e pelos seus herdeiros, a lei proíbe que a mesma possa ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé - cfr. n.º 1 do artigo 243º do Código Civil.
XVIII. Os apelantes entendem, s.m.o, que por serem terceiros de boa-fé estão protegidos contra a arguição da nulidade decorrente da simulação, feita pelos simuladores e seus sucessíveis, pelo que lhes é legítimo invocar a inoponibilidade da simulação que constitui efeito impeditivo do efeito jurídico pretendido pela autora e, consequentemente, excepção peremptória, de conhecimento oficioso, que foi alegada pelos réus mas que não foi apreciada pelo douto Tribunal a quo.
XIX. Ao ter decidido que o direito de propriedade é um direito absoluto e pleno, legitimado pela acção de reivindicação, que se impõe a todos, sem atender à obrigatoriedade do registo da acção de simulação e da inoponibilidade de terceiros de boa-fé contra os simuladores, a douta sentença a quo violou os comandos e princípios contidos nos artigos 1º e 3º n.º 1 do Cód. do Registo Predial e no artigo 243º n.º 1 do Código Civil.
XX. A sentença que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar é nula, por força do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil.
XXI. Em nome do princípio do contraditório, corolário do princípio constitucional da defesa, o caso julgado é por regra inoponível aos terceiros que não participaram no processo.
XXII. No caso dos autos os apelantes não foram parte interveniente na acção (do Juízo de Comércio) e cumpriram com a obrigação do registo da penhora sobre os imóveis colocados em crise (cfr. alínea n) do n.º 1 do artigo 2º do Cód. Reg.Predial).
XXIII. A douta sentença a quo não aplicou, nos limites previstos no n.º 1 do artigo 619º do CPC, os efeitos da decisão transitada em julgado, o qual deveria ter sido conjugado com o disposto nos artigos 580º e 581º quanto aos efeitos do caso julgado, porque, se existir um sujeito que seja titular de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes pela decisão transitada, então tal sujeito, terceiro não interveniente na acção, não está vinculado pela referida decisão.
XXIV. Por outro lado, como é sabido a penhora traduz-se num desapossamento de bens do devedor e gera ineficácia em relação ao executado dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados – cfr artigo 819º do Código Civil.
XXV. No caso que nos ocupa, a ré T&G depois de citada na execução e conhecedora da penhora dos imóveis na acção executiva, confessou os pedidos na acção de simulação (no Juízo de Comércio), dispondo voluntariamente do direito de propriedade sobre os mesmos a favor da autora, o que s.m.o. não pode deixar de gerar ineficácia na acção executiva e, consequentemente, quanto aos exequentes, neste mesmo processo, por efeito do mencionado artigo 819º do Código Civil.
XXVI. A douta sentença a quo ao declarar a ineficácia da venda judicial, ao invés de declarar a ineficácia da confissão na acção de simulação perante a acção executiva e perante os exequentes (aqui apelantes), garantidos por penhora devidamente registada, violou a norma do artigo 819º do Código Civil.
XXVII. A venda executiva e os anúncios de venda, a abertura de propostas, as vendas e adjudicações, tal como a emissão do título de transmissão a favor do apelantes e bem assim a liquidação de impostos e os respectivos registos aquisitivos deram-se sem quaisquer anomalias, tendo sido tramitadas de acordo com as formalidades prescritas na lei.
XXVIII. Com a aquisição em venda executiva os réus adquiriam, por adjudicação, o direito de propriedade dos imóveis, livres de direito de garantia ou reais, como a propriedade antes registada a favor da autora (sociedade simulante), por efeito do n.º 2 do artigo 824º do Código Civil.
XXIX. A adjudicação da propriedade não foi feita a non domino, porque como provém de aquisição em execução, é consequência de penhora anteriormente inscrita que beneficia da dispensa do trato sucessivo.
XXX. Tudo em função da regra consignada no final do n.º 4 do referido artigo 34º Cód Reg. Predial, que estipula que “no caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular inscrito, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito” (sublinhado nosso).
XXXI. O douto tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito ao enquadrar   o caso no art.º 839º, nº 1, al. d) do C.P.C., por ser norma que está configurada no quadro da relação processual entre as partes da acção executiva e não da acção declarativa de condenação.
XXXII. Ao invés o douto Tribunal a quo deveria ter valorado a existência da penhora registada a favor dos apelantes e em conjugação com o referido artigo 819º aplicar a norma do artigo 824º n.º 2 do Código Civil e o nº 4 do artigo 34º do Cód. do Reg. Predial, declarando a regularidade da adjudicação feita na acção executiva e do registo aquisitivo a favor dos adquirentes.
Da Reconvenção
Questão que só deverá ser analisada por esse Venerado Tribunal, se improcederem todas as razões alegadas, em recurso, quanto à douta decisão da acção.
XXXIII. Com o devido respeito, não se subscreve o entendimento, aliás douto, de que a autora pelo facto de ser Massa Insolvente de uma sociedade, tem legitimidade activa para demandar numa acção, que não no processo de insolvência, mas não tem legitimidade passiva para ser no mesmo processo demandada num pedido reconvencional, que além de um componente indemnizatória pretende assegurar um direito de retenção
XXXIV. As normas dos artigos 90º, 128º e 146º do CIRE, indicadas como fundamento na douta sentença a quo, não obrigam que os direitos contra a insolvente sejam reconhecidos exclusivamente em Processo de Insolvência, através da reclamação de créditos ou verificação ulterior de créditos. Apenas determina que mesmo sendo o crédito reconhecido por decisão definitiva (fora da insolvência), não esteja o reclamante dispensado de reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
XXXV. A solução mais conforme o Direito e que cumpre os princípios de economia processual e igualdade das partes é que na presente acção seja admitida a reconvenção, como aliás foi aceite por douto despacho de 26-02-2019, a fls. dos autos, ao menos contra a autora, decidindo-se quanto aos pedidos reconvencionais formulados de condenação no pagamento do preço de adjudicação, impostos e despesas e bem assim na declaração do direito de retenção pelos réus reconvintes dos imóveis versados, até que os valores lhes sejam pagos.
XXXVI. A douta sentença a quo aplicou mal o Direito ao não admitir a reconvenção, ao menos contra a autora, tendo deste modo violado o disposto na alínea b) do n.º 2, do artigo 266º do CPC.
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II – São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, atento o teor das conclusões apresentadas, as questões que se colocam são as seguintes: se a sentença é nula por omissão de pronúncia; se é de proceder à proposta alteração da decisão sobre a matéria de facto provada; consequências da falta de registo da acção de declaração de nulidade por simulação e da não invocação pela A. na acção executiva de direito incompatível; se, sendo os apelantes terceiros de boa fé estão protegidos contra a arguição de nulidade decorrente da simulação, sendo-lhes esta inoponível;  se, tendo em consideração o disposto no art. 819 do CC, atenta a penhora já registada, a confissão do pedido que teve lugar na acção de simulação, havendo disposição do direito de propriedade, é ineficaz face à execução, pelo que com a aquisição em venda executiva os apelantes adquiriram o direito sobre os imóveis, livres de direitos de garantia ou reais.
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III - O Tribunal de 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1.- A sociedade Vistas Campestres-Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda inscreveu a seu favor, por Ap. 1 de 13.09.2006, a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o nº …/…, da freguesia da Tabua, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, por compra à sociedade Duarte&Ramos, Lda.
2.- A sociedade Vistas Campestres-Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda inscreveu a seu favor, por Ap. 1 de 13.09.2006, a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o nº …/…, da freguesia da Tabua, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, por compra à sociedade Duarte&Ramos, Lda.
3.- A 14.05.2009 as sociedades Vistas Campestres-Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda, na qualidade de vendedora e Teixeira&Gomes, Lda, na qualidade de compradora, outorgaram escritura pública de compra e venda tendo por objeto diversos prédios, nomeadamente o imóvel acima referido em 1.
4.- A sociedade Teixeira&Gomes, Lda inscreveu a seu favor a aquisição do imóvel acima referido em 1. através da Ap. 6078 de 15.05.2009.
5.- A 30.07.2009 as sociedades Vistas Campestres-Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda, na qualidade de vendedora e Teixeira&Gomes, Lda, na qualidade de compradora, outorgaram escritura pública de compra e venda tendo por objeto diversos prédios, nomeadamente o imóvel acima referido em 2.
6.- A sociedade Teixeira&Gomes, Lda inscreveu a seu favor a aquisição do imóvel acima referido 2. através da Ap. 1456 de 06.08.2009.
7.- A sociedade Vistas Campestres-Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda foi declarada insolvente no dia 15.05.2012, nos autos com o número …/…TBPTS, que correu termos na extinta secção única do Tribunal Judicial da Ponta do Sol, sendo que, actualmente o processo segue os seus termos no ….º Juízo de Comércio do Funchal no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira.
8.- No apenso D daquele processo de insolvência tratou de decidir-se a acção declarativa de condenação sob a forma comum intentada pela A. contra a Sociedade Teixeira & Gomes, Lda., aqui ré.
9.- A A., já insolvente, intenta a acção de condenação alegando que os contratos de compra e venda celebrado com a sociedade Teixeira &Gomes, Lda., acima mencionados em 3. e 5., haviam sido simulados com o intuito de afastar do património da vendedora o imóvel “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”, e “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”.
10.- A R. Teixeira & Gomes, Lda. contestou a referida acção de simulação, mas em sede de audiência final veio confessar os pedidos da dita acção declarativa de condenação, que foram admitidos e homologados pelo tribunal, nomeadamente o pedido da alínea a), a saber:
“declarar-se nula e de nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 14/09/2009, no Cartório Notarial de GJ…, sito na Ribeira Brava, lavrada a fls. 47 a fls. 48 verso, do livro 133-A, no que diz respeito ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …/… da freguesia da Tábua”; e alínea d):
“declarar-se nulas e sem nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 30/07/2009, no Cartório Notarial Privativo da Ponta do Sol, sito na Ponta do Sol, lavrada a fls. 51 a 53 verso, do livro de escrituras diverso n.º11, referente ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …”.
11.- Decidiu assim o tribunal:
“ 1. Declarar nulos, por simulados, o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 14 de Maio de 2009, no Cartório Notarial de GJ, sito à Ribeira Brava, lavrada a fls.47 a 48 verso, do livro 133-A, e celebrado entre as sociedades VISTA CAMPESTRE –COMPRA E VENDA DE BENS IMÓVEIS, LDA., na qualidade de vendedora, e a sociedade TEIXEIRA & GOMES, LDA., na qualidade de compradora, que tem por objecto “o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …/…, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….º”;
2. Ordenar o cancelamento de qualquer inscrição predial de aquisição a favor do R. TEXIERA & GOMES, LDA., relativa ao prédio rústico referido em 1., bem como de todas as inscrições com ela conexa e que tenham como base ou origem a escritura de compra e venda referida em 1., ou que eventualmente venham a ser realizadas em relação ao mesmo, com base na referida escritura ou em consequência do registo de compra e venda pela mesma titulada;
3. Declarar nulos, por simulados, o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 30 de Julho de 2009, no Cartório Notarial Privativo da Ponta do Sol, sito na Ponta do Sol, lavrada a fls.51 a 53 verso, do livro de escrituras diverso n.º 11, e celebrado entre as sociedades VISTA CAMPESTRE – COMPRA E VENDA DE BENS IMÓVEIS, LDA., na qualidade de vendedora, e a sociedade TEIXEIRA & GOMES, LDA., na qualidade de compradora, que tem por objecto “o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …/…, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1049.º; e
4. Ordenar o cancelamento de qualquer inscrição predial de aquisição a favor do R. TEIXEIRA & GOMES, LDA., relativa ao prédio rústico referido em 3., bem como de todas as inscrições com ela conexa e que tenham como base ou origem a escritura de compra e venda referida em 1., ou que eventualmente venham a ser realizadas em relação ao mesmo, com base na referida escritura ou em consequência do registo de compra e venda pela mesma titulada.”
12.- Em virtude desta sentença, transitada em julgado a 06.03.2017, que declarou a nulidade dos contratos de compra e venda acima mencionados em 3. e 5., o Administrador Judicial da Massa Insolvente da Vistas Campestres diligenciou junto da Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava, através da AP. 2192 de 2017/07/18, pelo cancelamento da inscrição aquisição do direito de propriedade sobre aqueles prédios a favor da sociedade Teixeira & Gomes, Lda., daí resultando o averbamento do cancelamento das inscrições acima referidas em .4. e 6. e repristinação das inscrições acima referidas em 1. e 2.
13.- Nesse mesmo dia 18.07.2017, o Administrador Judicial procedeu ao registo da declaração da insolvência [AP. 2194 de 2017/07/18].
14.- No processo n.º …/…T8FNC do Juízo de Execução do Funchal, em que são exequentes AF… e SF… e executada a sociedade Teixeira&Gomes, Lda, a 01-06-2016 foi realizado o Auto de Penhora de diversos prédios, nomeadamente dos imóveis acima descritos em 1. e 2., tendo o senhor agente de execução procedido em 29-04-2016 à apresentação para registo da penhora (Ap. 945), a qual foi inscrita definitivamente nos prédios descritos com os números … e …, ambos da freguesia da Tabua, concelho da Ribeira Brava.
15.- A Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial do Funchal recusou cancelar a apresentação “AP. 945 de 2016/04/29”, referente a penhora registada a favor dos aqui réus AF… e SF…, em resposta ao pedido apresentado pelo Administrador Judicial da Vistas Campestres a 18.07.2017.
16.- Em 31 de Março de 2017, no referido processo n.º …/…T8FNC do Juízo de Execução do Funchal os exequentes, aqui réus AF… e SF…, requereram a adjudicação de diversos imóveis, incluindo os acima descritos em 1. e 2., tendo a mesma sido publicitada.
17.- No dia 23 de Janeiro de 2018, procedeu-se à abertura das propostas em carta fechada na presença da Mma. Juíza e das demais partes presentes, nos termos do artigo 820º do CPC, tendo sido proferido douto despacho que aceitou diversas propostas de compra e adjudicou algumas verbas aos exequentes, incluindo as referentes aos imóveis acima descritos em.1. e 2.
18.- Em 23-02-2018 foram liquidados os impostos de transmissão relativamente aos prédios adjudicados, tendo os réus pago a título de IMT a quantia de 4.781,00 euros e de Imposto de Selo a quantia de 764,96 euros.
19.- No dia 27-02-2018 foi emitido o Título de Transmissão a favor dos adjudicantes/exequentes, aqui réus, tendo o senhor agente de execução nessa mesma data apresentado oficiosamente a registo na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz.
20.- Essa apresentação deu lugar à AP. 3227 de 2018/02/27, tendo a senhora conservadora registado a aquisição da propriedade dos prédios descritos sob os nºs … e … a favor dos aqui réus.
21.- Os réus estão na posse dos referidos prédios, desde essa altura.
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IV – 1 – Defendem os apelantes que a sentença recorrida é nula, consoante o disposto no nº 1-d) do art. 615 do CPC, visto não se haver pronunciado sobre a inoponibilidade da simulação, excepção por eles suscitada na contestação deduzida.
Nos termos do art. 615, nº 1-d) do CPC, a sentença ou o acórdão são nulos quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A nulidade da omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento por parte do julgador daquele dever prescrito no nº 2 do art. 608 do mesmo Código, de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada. As ditas questões reconduzem-se a todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cabia conhecer, não abrangendo (enquanto fundamento da nulidade da sentença) os argumentos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes; deste modo, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, embora a não constitua a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da adoptada e que as partes hajam invocado.   
Efectivamente, dizendo que se defendiam por excepção, os RR. AF… e SF… invocaram a inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé, alegando que por serem terceiros de boa fé estão protegidos contra a arguição de nulidade decorrente da simulação, face ao disposto no art. 243 do CC.
A decisão recorrida não se pronunciou sobre esta matéria.
Entende-se, deste modo, que se verifica a invocada nulidade da omissão de pronúncia.
Havendo este tribunal que conhecer, de qualquer modo, do objecto da apelação, atento o disposto no nº 1 do art. 665 do CPC.
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IV – 2 - Pretendem os Apelantes que sejam aditados e precisados certos factos com elementos que consideram relevantes para a aplicação do Direito e para a solução final da causa atenta a construção jurídica a que procedem.
Assim, suscitam o aditamento à matéria de facto provada do seguinte facto:
«Por carta datada de 1-6-2016, o senhor Agente de Execução citou a ré Teixeira & Gomes, após a realização da penhora dos imóveis referidos 1 e 2, em que foi nomeada fiel depositária dos mesmos, para proceder ao pagamento da dívida exequenda, com a cominação de que, não sendo feito o pagamento “serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados”».
Embora na contestação não invocassem exactamente tal circunstância de facto, os RR. aludiram àquele documento no art. 123 da sua contestação.
Deste modo, considerando o documento de fls. 80v-81, admite-se aditar aos factos provados, sob o nº 14 – A, o seguinte:
No âmbito do referido processo n.º …/…T8FNC, datada de 1-6-2016 o senhor Agente de Execução dirigiu à ora R. Teixeira & Gomes carta registada com o teor de fls. 80v-81, citando-a para pagar a quantia em dívida, juros e custas ou, querendo, deduzir oposição à execução através de embargos e deduzir oposição à penhora, referindo a  cominação de que, não sendo feito o pagamento “serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados”.
Consta dos pontos 9. e 10. dos factos provados:
«9.- A A., já insolvente, intenta a ação de condenação alegando que os contratos de compra e venda celebrado com a sociedade Teixeira &Gomes, Lda., acima mencionados em 3. e 5., haviam sido simulados com o intuito de afastar do património da vendedora o imóvel “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”, e “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”.
10.- A R. Teixeira & Gomes, Lda. contestou a referida ação de simulação, mas em sede de audiência final veio confessar os pedidos da dita ação declarativa de condenação, que foram admitidos e homologados pelo tribunal, nomeadamente o pedido da alínea a), a saber:
“declarar-se nula e de nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 14/09/2009, no Cartório Notarial de GJ…, sito na Ribeira Brava, lavrada a fls. 47 a fls. 48 verso, do livro 133-A, no que diz respeito ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …/… da freguesia da Tábua”; e alínea d):
“declarar-se nulas e sem nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 30/07/2009, no Cartório Notarial Privativo da Ponta do Sol, sito na Ponta do Sol, lavrada a fls. 51 a 53 verso, do livro de escrituras diverso n.º11, referente ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …”»
Consideram os apelantes que aqueles pontos da matéria de facto deverão conter as datas em que foi intentada a acção de simulação e da audiência final em que as partes acordaram, respectivamente, na desistência e confissão dos pedidos que haviam sido formulados naquela acção.
Nada impede que conste da parte inicial do ponto 9. dos factos provados que a acção foi intentada em 14-9-2015 - ver fls. 157v a 184 e fls. 18 - e que também conste do ponto 10. dos mesmos factos a data da audiência, ou seja 3-2-2017 - ver fls. 18 e seguintes e 110-113 (data referida nos artigos 17 e 70 da contestação)
Assim, os pontos 9. e 10. passarão a ter o seguinte teor:
9 - «A A., já insolvente, em 14-9-2015, intenta a ação de condenação…»
10 - «A R. Teixeira & Gomes, Lda. contestou a referida ação de simulação, mas em sede de audiência final, em 3-2-2017, veio confessar os pedidos…»
Consta do ponto 16. dos factos provados:
«16.- Em 31 de Março de 2017, no referido processo n.º …/…T8FNC do Juízo de Execução do Funchal os exequentes, aqui réus AF… e SF…, requereram a adjudicação de diversos imóveis, incluindo os acima descritos em 1. e 2., tendo a mesma sido publicitada».
Segundo os apelantes, tendo em consideração os documentos 7 e 8 por eles juntos com a contestação, o teor deste ponto dos factos provados deveria ser aditado, a final, com o seguinte segmento: «… através de três editais (10/01/2018 e 11/01/2018) e sete publicações electrónicas de venda (desde o dia 12/01/2018)».
Correspondendo o teor do ponto 16. dos factos provados ao artigo 92 da contestação daqueles RR., a verdade é que aqueles no art. 93 da mesma peça processual referiram os três editais e sete publicações de venda, apontando para os ditos documentos 7 e 8.
Neste contexto, atento o teor daqueles artigos da contestação dos RR. e os documentos de fls. 69-v e seguintes, acrescenta-se na parte final do ponto 16. dos factos provados o seguinte: «…na sequência do despacho de 2-11-2017, através de três editais (com datas de 10/01/2018 e 11/01/2018) e sete publicações electrónicas de venda (desde o dia 12/01/2018)».
O ponto 17 dos factos provados tem o seguinte teor:
«No dia 23 de Janeiro de 2018, procedeu-se à abertura das propostas em carta fechada na presença da Mma. Juíza e das demais partes presentes, nos termos do artigo 820º do CPC, tendo sido proferido douto despacho que aceitou diversas propostas de compra e adjudicou algumas verbas aos exequentes, incluindo as referentes aos imóveis acima descritos em.1. e 2.»
Pretendem os apelantes que tal seja completado, aditando-se a final: «…pelos preços de € 24.000,00 e de € 42.000,00, respectivamente».
Tais valores resultam dos documentos de fls. 76-78 e foram aludidos no seu montante global pelos apelantes no artigo 125 da contestação.
Deste modo, nada obsta a que o ponto 17. dos factos provados passe a ter a pretendida redacção.
Consta do ponto 18. dos factos provados:
«Em 23-02-2018 foram liquidados os impostos de transmissão relativamente aos prédios adjudicados, tendo os réus pago a título de IMT a quantia de 4.781,00 euros e de Imposto de Selo a quantia de 764,96 euros».
Observa a apelante verificar-se aqui um erro de cálculo, como resultará do documento 11 junto com a contestação, sendo o valor pago a título de IMT o de 3.300,00 € e de imposto de selo o de 528,00 €.
O Tribunal limitou-se a considerar o que havia sido alegado pelos RR./apelantes no art. 95 da sua contestação – tanto os contestantes como o Tribunal tiveram em consideração os impostos referentes à totalidade dos prédios adjudicados, que não foram, apenas, os dois a que se reportam os autos. Sendo esses os valores que constam dos documentos de fls. 77v-80, não há aqui qualquer erro de cálculo a corrigir.
Deste modo e concluindo, defere-se parcialmente ao requerido, alterando os pontos da matéria de facto que seguidamente se mencionam e que passam a ter a seguinte versão:
9.- A A., já insolvente, em 14-9-2015, intenta a ação de condenação alegando que os contratos de compra e venda celebrado com a sociedade Teixeira &Gomes, Lda., acima mencionados em 3. e 5., haviam sido simulados com o intuito de afastar do património da vendedora o imóvel “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”, e “prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o n.º …, da freguesia da Tabua, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …”.
10.- A R. Teixeira & Gomes, Lda. contestou a referida ação de simulação, mas em sede de audiência final, em 3-2-2017, veio confessar os pedidos da dita ação declarativa de condenação, que foram admitidos e homologados pelo tribunal, nomeadamente o pedido da alínea a), a saber:
“declarar-se nula e de nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 14/09/2009, no Cartório Notarial de GJ…, sito na Ribeira Brava, lavrada a fls. 47 a fls. 48 verso, do livro 133-A, no que diz respeito ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …/… da freguesia da Tábua”; e alínea d):
“declarar-se nulas e sem nenhum efeito a compra e venda titulada pela escritura pública outorgada no dia 30/07/2009, no Cartório Notarial Privativo da Ponta do Sol, sito na Ponta do Sol, lavrada a fls. 51 a 53 verso, do livro de escrituras diverso n.º11, referente ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o n.º …”»
16.- Em 31 de Março de 2017, no referido processo n.º …/…T8FNC do Juízo de Execução do Funchal os exequentes, aqui réus AF… e SF…, requereram a adjudicação de diversos imóveis, incluindo os acima descritos em 1. e 2., tendo a mesma sido publicitada na sequência do despacho de 2-11-2017, através de três editais (com datas de 10/01/2018 e 11/01/2018) e sete publicações electrónicas de venda (desde o dia 12/01/2018).
17. - No dia 23 de Janeiro de 2018, procedeu-se à abertura das propostas em carta fechada na presença da Mma. Juíza e das demais partes presentes, nos termos do artigo 820º do CPC, tendo sido proferido douto despacho que aceitou diversas propostas de compra e adjudicou algumas verbas aos exequentes, incluindo as referentes aos imóveis acima descritos em.1. e 2. pelos preços de € 24.000,00 e de € 42.000,00, respectivamente».
Bem como aditando aos factos provados um ponto (14 – A) com o seguinte teor:
14 – A - No âmbito do referido processo n.º …/…T8FNC, datada de 1-6-2016 o senhor Agente de Execução dirigiu à ora R. Teixeira & Gomes carta registada com o teor de fls. 80v-81, citando-a para pagar a quantia em dívida, juros e custas ou, querendo, deduzir oposição à execução através de embargos e deduzir oposição à penhora, referindo a  cominação de que, não sendo feito o pagamento “serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados”.
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IV – 3 - O percurso seguido pelo Tribunal de 1ª instância foi o seguinte: a transferência do direito de propriedade do executado por força da venda em execução pressupõe que o executado detivesse esse direito sob pena de estarmos perante uma venda de coisa alheia; a R. «Teixeira e Gomes» atenta a sentença transitada em julgado em 6-3-2017 deixara de ter quaisquer direitos sobre os prédios a que se reportam os autos; em 18-7-2017 foram repristinadas as inscrições de aquisição a favor da A.; quando em 23-1-2018 foi proferido despacho de adjudicação dos imóveis aqueles não pertenciam à executada no processo, não operando qualquer transmissão; a venda não produziu efeitos, não subsistindo o registo de aquisição a favor dos ora apelantes.
Os apelantes argumentam nos termos resultantes das conclusões da alegação de recurso acima transcritas.
A presente acção configura-se como uma acção de reivindicação sendo a primeira pretensão da A. o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os dois prédios e a restituição dos mesmos, tendo em consideração, ainda, o disposto no nº 1-d) do art. 839 do CPC.
Efectivamente, dispõe o nº 1-d) do art. 839 do CPC – aludido na sentença recorrida - que a venda fica sem efeito se a «coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono».
Consoante explica Anselmo de Castro ([1]), neste caso para o verdadeiro dono o acto da venda é res inter alios, havendo ele que limitar-se a reivindicar o que é seu, como em qualquer outro caso em que a coisa sua se encontre em poder de terceiro por aquisição a non domino. Acrescentando que a reivindicação pode ser quer posterior quer anterior ao acto da venda e que no âmbito da norma entram, além da reivindicação propriamente dita, as acções de nulidade, anulabilidade ou resolução do acto translativo dos bens para o executado intentados pelo transmitente.
Os apelantes mencionam a circunstância de, apesar de a penhora sobre os dois prédios se encontrar inscrita no registo desde 29-4-2016, com identificação do processo à ordem do qual tivera lugar, a A. não ter embargado ou invocado naquela acção executiva, qualquer direito incompatível.
Sucede que dessa circunstância não podem ser retiradas consequências relevantes.
 Saliente-se, antes de mais, que o registo da penhora é anterior, em mais de um ano, à data dos registos da decisão da acção de declaração de nulidade e de repristinação da aquisição a favor da A., e em cerca de dez meses à data da própria sentença (não esquecendo, embora, o efeito retractivo da declaração de nulidade – art. 289 do CC).
Por outro lado, como nos diz Amâncio Ferreira ([2]) no caso de execução de coisa alheia se o dono da coisa não embargar de terceiro em reacção à penhora – por exemplo, por só ter tido conhecimento da ofensa do seu direito depois de os bens terem sido vendidos ou adjudicados – pode em qualquer altura, antes ou depois da venda ou da adjudicação dos bens, servir-se da acção de reivindicação.
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IV – 4 - Sabemos que a A., em 14-9-2015, intentou uma acção alegando que os contratos de compra e venda referentes aos dois imóveis e que havia celebrado com a R. Teixeira &Gomes, Lda., haviam sido simulados com o intuito de os afastar do património da A., vendedora. Sabemos, igualmente, que na sequência daquela acção, em 3-2-2017, por sentença, vieram a ser declaradas nulas e de nenhum efeito aquelas vendas, porque simuladas, sendo determinado o cancelamento de quaisquer inscrições prediais de aquisição a favor da R. Teixeira &Gomes, Lda., relativas aos prédios, bem como de todas as inscrições com elas conexas e que tivessem como base ou origem as ditas escrituras escritura de compra e venda.
Provou-se que transitada em julgado aquela sentença (em 6-3-2017) o Administrador Judicial da Massa Insolvente da Vistas Campestres diligenciou junto da Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava, através da AP. 2192 de 2017-7-18, pelo cancelamento da inscrição da aquisição do direito de propriedade sobre os prédios a favor da sociedade Teixeira & Gomes, Lda. - daí resultando o averbamento do cancelamento daquelas inscrições e repristinação das inscrições anteriores, de aquisição a favor da sociedade Vistas Campestres.
Evidenciam os apelantes que a A. incumpriu com a obrigação resultante do nº 1 do art. 3º do CRP de proceder ao registo da acção, apenas sendo registada em 18-7-2017 a decisão final da mesma.
O registo provisório por natureza das acções (art. 92, nº 1-a) do CRP) corresponde a um registo essencialmente cautelar - é a decisão “de meritis” que dirime o conflito entre autor e réu. O registo da acção mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada, sendo através da conversão que o registo da acção conserva a prioridade que tinha como provisório – art. 6, nº 3, do CRP ([3]).
Deste modo, através do registo da acção, o autor garante antecipadamente a oponibilidade a terceiros das providências que venham a ser decretadas pelo Tribunal impedindo que esses terceiros se possam prevalecer de direitos que sobre o prédio venham a adquirir do réu (ver, também, os arts. 5, nº 1, 6, nº 1, do CRP).
Temos, pois, que da circunstância de a A. não ter procedido ao registo da acção, apenas sendo registado o dispositivo da sentença em 18-7-2017 resulta, tão só, a não antecipação àquela data (ou seja, a não antecipação à data em que o registo da acção tivesse lugar, porque não ocorreu) da oponibilidade a terceiros das providências decretadas.
Nas palavras de Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira ([4]) a função do registo da acção é «a de assegurar ao autor que os efeitos materiais da sentença que lhe for favorável vincularão todos aqueles - não intervenientes na acção - que, não tendo registado a aquisição antes do registo da acção, hajam adquirido ou venham a adquirir sobre a coisa litigiosa direitos incompatíveis com aquele que o autor pretende fazer valer em juízo. Donde resulta que o registo da acção, quando prioritário, assegura desde logo a exequibilidade da decisão final em relação a terceiros ou erga omnes».
No caso que nos ocupa, a penhora dos prédios na execução contra a «Teixeira & Gomes» ocorreu quando a acção de declaração de nulidade por simulação (que não foi registada) corria termos, antes de proferida a sentença de declaração de nulidade e determinação do cancelamento dos registos e, necessariamente, antes de ser inscrita no registo a decisão proferida e averbados os consequentes cancelamentos, o que sucedeu em 18-7-2017 - somente a partir desta data sendo oponíveis a terceiros tais factos, nos termos previstos no nº 1 do art. 5 do CRP .
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IV – 5 - Todavia, a aquisição dos prédios pelos RR. AF… e SF… por adjudicação no processo de execução apenas teve lugar em 23-1-2018, quando a inscrição no registo da sentença de declaração de nulidade por simulação e os cancelamentos das inscrições a favor da «Teixeira & Gomes», com repristinação das anteriores – ou seja, a favor da «Vistas Campestres» - já tivera lugar em 18-7-2017.
Deste modo, quando da aquisição dos prédios pelos RR. AF… e SF…, há mais de seis meses que resultava do registo o cancelamento da aquisição a favor da «Teixeira & Gomes» e a subsistência da aquisição dos mesmos prédios a favor da «Vistas Campestres». Considerando apenas estes elementos - sem ter em conta, ainda, a anterior penhora - atento o disposto no art. 7 do CRP, seria de presumir que o direito de propriedade sobre os dois prédios pertencia à «Vistas Campestres» e não à «Teixeira & Gomes».
Para este efeito seria indiferente a data do requerimento de adjudicação pelos RR. AF… e SF… – o que interessaria era a data em que a adjudicação sucedeu.
Refira-se que, efectivamente, a sentença proferida no apenso D) dos autos de insolvência, atento o disposto no art. 619 do CPC vincula quem interveio naquele processo como A. e R.; a dita sentença já não terá igual força obrigatória relativamente aos RR. AF… e SF…, uma vez que não correspondendo estes às mesmas partes «sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», nenhum efeito se poderá extrair directamente da decisão relativamente a eles. Ao tempo em que correu a acção referente à simulação estes RR. ainda não haviam adquirido os imóveis, pelo que a questão da sua intervenção na dita acção não se poderia perspectivar. Seria em função de outras normas (de direito civil e de registo) que o decidido naquela acção se lhes poderia impor.
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IV – 6 - Os apelantes reportam-se ao disposto no art. 243 do CC e à inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé.
O referido artigo exclui do círculo de pessoas legitimadas para invocar a nulidade por simulação os simuladores, sempre que o pretendam fazer relativamente a um terceiro de boa fé. Fazendo o legislador depender a protecção jurídica do terceiro da existência de boa fé, o nº 3 do art. 243 consagra uma presunção inilidível de má fé do terceiro que adquira o direito posteriormente ao registo da acção de simulação sempre que este exista.
Ora, estando aqui em discussão o direito de propriedade sobre os prédios, à data da aquisição do direito de propriedade por parte dos RR. AF… e SF… – ou seja, em 23-1-2018 - mais do que simples registo da existência de uma acção de simulação, estava já inscrita no registo a decisão, transitada em julgado, que pusera termo a essa acção.
Pelo que os RR. não poderiam gozar da protecção que reclamam à sombra do art. 243 do CC.
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IV – 7 – Questão, na nossa perspectiva, mais complexa é a referente à articulação da penhora efectuada nos autos de execução com a decisão proferida na acção de simulação e consequentes inscrições e averbamentos - com os respectivos efeitos.
Como vimos, a penhora dos prédios é anterior ao cancelamento das inscrições de aquisição a favor da «Teixeira & Gomes» e repristinação a favor da «Vistas Campestres», bem como anterior à data da própria sentença das quais aquelas decorreram – e a acção com vista à declaração de nulidade por simulação em que a sentença foi proferida não fora registada.
A penhora, correspondendo a uma apreensão judicial de bens do executado (que continuam a pertencer-lhe) não envolve mais do que um direito real de garantia a favor do exequente que fica com direito a ser pago com preferência sobre outro credor que não tenha garantia real anterior. Acresce que, tratando-se de direitos sobre bens imóveis como é o caso, cessará a posse do executado (o depositário passa, em nome do tribunal a ter a posse dos bens penhorados) e que os actos de disposição ou oneração dos bens posteriores à penhora são inoponíveis no processo de execução. Trata-se de uma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução a qualquer nele interveniente, diversa da inoponibilidade subjectiva, isto é em face de um certo terceiro ([5]).  Isto resulta claramente do art. 819  do CC ([6]) que dispõe que sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
Assim, o devedor pode alienar, onerar ou arrendar o bem penhorado, sendo tais actos válidos – todavia, a execução decorre como se esses actos não houvessem sido praticados e se dela resultar a transmissão do direito do executado o direito de terceiro que com ele tenha contratado depois da penhora caduca nos termos do art. 824 do CC ([7]).
Para Rui Pinto ([8]) trata-se de «uma exclusão legal de efeitos de um acto válido», ineficácia que é objectivamente restrita, abatendo-se sobre os actos de disposição, oneração ou arrendamento e não sobre outros.
Acrescenta este autor que relativamente à penhora de direitos reais os actos ineficazes podem ser:
A – Actos voluntários:
I – Negociais: a venda, a constituição da propriedade horizontal, a convenção antenupcial fixadora do regime de comunhão geral de bens ou de sujeição de algum bem à comunhão, a cedência de estabelecimento comercial e a cessão de bens aos credores;
II – Não negociais: a posse de terceiro, ainda que de boa fé.
B – Actos processuais
I – Transacção judicial, desistência ou confissão do pedido que tenha por objecto os bens e direitos penhorados;
II – Sentença judicial: partilha de herança, divisão de coisa comum, acções de nulidade e de anulação do contrato e, «em geral quaisquer sentenças judiciais que, em substituição da vontade dos proprietários de bens penhorados em execução, determinem disposição ou oneração desses bens».
Já Amâncio Ferreira ([9]) salienta que os actos inoponíveis a que se refere o art. 819 do CC são, apenas, os que procedem da vontade do executado e não já os originados em atitudes de terceiro.
Do mesmo modo Lebre de Freitas ([10]) referindo que como actos jurídicos que são os actos de disposição, oneração e arrendamento dependem da vontade do titular do direito e a norma do art. 819 pressupõe a prática de um acto voluntário do executado. Deste modo, «a usucapião, as sentenças constitutivas proferidas contra o executado, a amortização da sua quota e outros actos independentes da sua vontade estão excluídos da regra».
Também Maria Victoria Rocha ([11]) menciona que a disposição, oneração e arrendamento são actos jurídicos e o art. 819 pressupõe que sejam actos voluntários do executado.
No caso dos autos temos:
1 - Uma acção intentada em 19-9-2015 com vista à declaração de nulidade por simulação de dois contratos de compra e venda no que concerne aos dois prédios que vieram a ser penhorados no processo de execução, acção aquela contestada pela executada;
2 - Após efectivação da penhora dos dois prédios com a concretização do respectivo registo em 24-9-2016 e envio de carta de citação da executada, a confissão do pedido por parte desta em 3-3-2017, confessando os pedidos de declaração de nulidade e de cancelamento dos registos;
3 -  A sentença proferida naquela mesma data (3-3-2017) e que homologou a confissão, declarando a nulidade dos contratos por simulação e o cancelamento dos registos, sentença que após haver transitado em julgado foi inscrita no registo em 18-7-2017.
Neste contexto, tendo em consideração o encadeamento destes factos, afigura-se (admitindo embora que a situação é questionável) que a confissão do pedido pela R. «Teixeira & Gomes» corresponde a um acto voluntário de disposição relativamente aos imóveis penhorados – homologada a confissão e declarados nulos por simulação os contratos de compra e venda dos imóveis estes deixaram de integrar o património da R. «Teixeira & Gomes», ingressando na massa insolvente.
Assim, estaremos perante um acto de disposição dos bens penhorados inoponível em relação à execução, nos termos do citado art. 819 do CPC.
Repete-se que não é posta em causa a validade da confissão (conferida na sentença homologatória), tratando-se, tão só, de inoponibilidade. No âmbito da execução tais actos não têm eficácia, valendo a aquisição dos imóveis por parte dos exequentes, aqui  RR. AF… e SF…, ocorrida na sequência e em consequência da penhora anteriormente efectuada.
Ao contrário do sustentado pela A. a penhora continuou a produzir efeitos, não ocorrendo a ineficácia da venda executiva, pesem embora as inscrições registrais decorrentes da decisão proferida na acção declarativa intentada pela A. contra a «Teixeira & Gomes» (“apenso D”). Assim, face à inoponibilidade acima referida, a reivindicação feita nestes autos pela A. não pode proceder.
Deste modo a venda executiva é válida, improcedendo os demais pedidos, incluindo os de cancelamento de registos, formulados pela A..
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IV – 8 – Da posição supra assumida, pese embora a pertinência dos obstáculos à admissibilidade processual referidos no saneador-sentença recorrido, resulta prejudicada a apreciação das questões respeitantes à reconvenção deduzida, uma vez que esta foi deduzida condicionalmente – para o caso de procedência da acção – o mesmo sucedendo no que respeita ao recurso, nesta parte.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em consequência absolvem os RR. dos pedidos contra eles formulados.
Custas (da acção e da apelação) pela apelante.
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Lisboa, 22 de Outubro de 2020
Maria José Mouro
Sousa Pinto           
Vaz Gomes
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[1] Em «A Acção Executiva Singular, Comum e Especial», Coimbra Editora, 3ª edição, pags. 251-252.
[2] Em «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pags. 409-410.
[3] Ver Jorge Seabra Magalhães, «Estudos de Registo Predial», Almedina, 1986, pags. 24-25.
[4] Em «Do registo das acções», Estudo publicado em anexo ao BRN – Boletim dos Registos e do Notariado nº 2/2004, do mês de Fevereiro, a que se pode acede na internet.
[5] Ver, sobre esta matéria, Castro Mendes, «Acção Executiva», edição da AADL, 1980, pags. 99-102, e Lebre de Freitas, «A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», Gestlegal, 7ª edição, pags. 301-311.
[6] Tendo em conta a alteração decorrente do dl 38/2003, de 8-3.
[7] Ver Lebre de Freitas em «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, vol. I, 2017, pag. 1031.
[8] Em «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pags. 694-695.
[9] «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pag. 292.
[10] Citado «Código Civil Anotado», pag. 1032.
[11] Em «Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações», coordenação de Brandão Proença, Universidade Católica, 2018, pag. 1196.