ACÇÃO DECLARATIVA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
Sumário

I - Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado) e o da autoridade do caso julgado, não se confundindo uma com a outra. Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, efeito esse que assenta numa relação de prejudicialidade.
II – No caso dos autos temos uma acção executiva em que não foi deduzida oposição e uma reclamação de créditos numa outra execução (em que havia uma penhora anterior) em que foi considerado estar precludido o direito de ser deduzida a oposição que anteriormente não fora apresentada; o que nesta reclamação de créditos foi decidido foi que estava precludido o direito do agora A. ali invocar os meios de defesa nos termos em que o fizera, nada sendo decidido em termos de fundo sobre a impugnação formulada pelo mesmo.
III – Na acção executiva o termo do prazo para dedução da oposição faz precludir o direito de ali invocar os respectivos factos, não se formando, embora, caso julgado.
IV – No apenso de reclamação de créditos o caso julgado forma-se quanto à graduação dos créditos, produzindo-se quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, mas não quanto à verificação dos créditos.
V - A preclusão apreciada no aludido apenso de reclamação de créditos não se estende a estes autos de acção declarativa – não se trata de “preclusão” substancial, mas de “preclusão” numa acepção processual, por impossibilidade de, pelo decurso de um prazo e não observância de um certo formalismo, algo poder ser apreciado naquele processo; trata-se de questão que não se reporta ao mérito da causa, à relação material controvertida, logo não tendo força obrigatória fora do processo, nos termos do art. 619 do CPC.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – JJ… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra «Parvalorem, SA».
Alegou o A., em resumo:
Em virtude de uma cessão de créditos, a R. é portadora e possuidora de uma livrança, no montante de 5.027,90 €, alegadamente avalizada pelo A..
A R. reclamou créditos no processo nº …/…TBCTB do Juízo Local Cível de Castelo Branco, J…, no valor de 7.447,19 €, no qual o A. era executado, alegando que aquela livrança não fora paga no seu vencimento, nem posteriormente.
O A. impugnou o crédito reclamado e na sentença proferida no referido processo, apesar de se ter dado como não provado que a letra e assinatura apostas na livrança eram as do A., a reclamação de créditos foi julgada procedente, por ter sido considerado precludido o direito do A. de se opor à reclamação de créditos.
O A. não é responsável pelo pagamento da livrança, pois nunca a avalizou.
Pediu o A. que seja declarado que não deu o seu aval à livrança que legitima o crédito da R., nem tão pouco a assinou, nem apôs os dizeres «Dou o meu aval ao subscritor», bem como a condenação da R. a reconhecer esses factos e consequentemente que não detém qualquer crédito sobre o A. e que sejam dadas sem efeito todas as acções pendentes ou futuras, com base neste título.
Citada, a R. não contestou.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que absolveu a R. da instância.
Desta sentença apelou o A. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

O tribunal “a quo” entendeu absolver da instância a R. justificando a sua decisão por julgar verificada a exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado face ao teor das decisões proferidas no processo nº …/…TBCTB-B do Juízo Local Cível de Castelo Branco.

A R., Parvalorem, S.A. propôs execução contra o ora recorrente tendo por base a livrança dos autos - datada de 2 de Novembro de 2004 no valor de € 5.027,90 em que figura como subscritor LF… e alegadamente avalizada por JJ… - a qual correu sob o processo executivo nº …/…YYPRT. Posteriormente, veio a R., Parvalorem, a reclamar os seus créditos, derivados de tal livrança, no processo de execução com o nº …/…TBCTB, do Juízo Local Cível de Castelo Branco-J…, no valor de 7.447,19 €, no qual o ora recorrente é executado, relativo a capital, juros e imposto de selo, em virtude de a execução (…/…) ter sido sustada.

Nos ditos autos executivos (nº …/…TBCTB) o ora A. veio impugnar o crédito reclamado, alegando a prescrição da livrança, a extemporaneidade da reclamação de créditos e, ainda, que não é sua a letra, nem a assinatura que constam do verso da livrança apresentada para fundamentar a reclamação de créditos. 

Por sentença de Verificação e Graduação de Créditos, proferida no processo nº …/…TBCTB-B do Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz … transitada em julgado (cfr. certidão junta aos autos) foi considerada a reclamação de créditos procedente, por ter sido considerado precludido o direito de o aqui recorrente se opor à reclamação de créditos, o que foi confirmado por acórdão da Relação de Coimbra. (acórdão que ora se junta)

O tribunal de 1ª instância (Castelo Branco) decidiu que face à não dedução de oposição à execução por parte do aqui recorrente, ali executado, no processo executivo (no processo executivo nº …/…YYPRT dos juízos de execução do Porto, …ºJuizo, …ª secção, onde a livrança foi acionada) movido pela Parvalorem precludiu o seu direito a opor-se à reclamação de créditos.
Porém, disse, ainda, o tribunal de Castelo Branco que tal não impede que o executado, ora recorrente, venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (excepções) que podia ter invocado na oposição.
O que foi confirmado por acórdão do tribunal da relação de Coimbra, que se junta, do qual consta:
“Não tendo deduzido oposição na execução que contra si foi instaurada pelo aqui credor reclamante, ficou indiscutida na execução a exequibilidade do título. E quando, pelo facto de aquela execução ter sido sustada por motivo de existência de uma outra penhora prioritária, o aí exequente é obrigado a vir reclamar o seu crédito nos presentes autos, é ainda o direito exequendo exercitado em tal execução e que se tornou aí indiscutido, que aqui se pretende ver graduado – o reclamante pede aqui a realização coativa do seu direito que se encontra a ser exercitado na execução por si instaurada, invocando a penhora aí efetuada. Temos assim um “concurso” de execuções sobre o mesmo bem. O credor que viu a sua execução sustada por efeito da existência de uma outra penhora mais antiga goza da faculdade de se apresentar a reclamar o crédito exequendo na execução em que a penhora seja mais antiga, invocando a sua preferência no pagamento decorrente da garantia real consistente na penhora efetuada a seu favor. Assim sendo, se os demais credores que concorrem entre si pelo pagamento através de um determinado bem (credores reclamantes e exequente) gozam de ampla liberdade na impugnação dos demais créditos reclamados e das respetivas garantias, podendo ainda, inclusivamente, deduzir impugnação ao crédito exequendo, o executado (a quem lhe foi já atempadamente concedido prazo para deduzir oposição a tal crédito na execução sustada), apenas poderá aqui invocar os meios de defesa atinentes à própria reclamação de créditos (ex., extemporaneidade da reclamação) ou que sejam posteriores ao termo do prazo de oposição na 1ª execução. Confirmando-se o sustentado na sentença recorrida, de que o direito do executado a deduzir impugnação que ponha em causa o crédito exequendo se encontra precludido pela ausência de oposição na ação executiva que deu origem à garantia real que aqui se pretende fazer valer, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante relativamente à falsidade da assinatura aposta pelo executado na livrança exequenda.
 6ª
O que o tribunal de Castelo Branco e a Relação de Coimbra disseram foi que a preclusão do direito é a exclusão da prática de um acto processual depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização, só pode referir-se a um ónus que deve ser observado durante um prazo processual. E não uma decisão definitiva acerca do tema como pretende fazer crer o tribunal “a quo”. 

O tribunal “a quo” fez errada interpretação da autoridade do caso julgado ao aplicá-la aos autos afirmado que as decisões proferidas nos autos nº …/… exercem a função positiva de autoridade de caso julgado.
Não se aceita que, escudando-se o tribunal “a quo” por detrás de uma sentença, proferida num processo executivo em que não se apreciou a questão expressamente, mas antes se aceitou a impossibilidade de se invocar a falsidade da assinatura em sede de impugnação de crédito reclamado em execução.
 Ora tal não permite que os interessados intervenientes nessa execução lograssem obter protecção da autoridade de caso julgado no sentido defendido pelo tribunal “a quo”.
 Antes sim, ficaram todos vinculados à decisão, transitada em julgado, i.e. de que tal não impede que o executado, ora recorrente, venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (excepções) que podia ter invocado na oposição à execução primitiva. 

Aliás, a sentença recorrida viola a jurisprudência maioritária que tem decidido que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de lançar mãe de uma acção declarativa autónoma que tenha por base o título dado à execução.
Mais que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações, sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo.
 9ª
Assim, no caso em apreço a decisão que considerou a reclamação de créditos procedente proc. nº …/… não se pronunciou sobre o mérito da questão relativa à assinatura da livrança como avalista, validade formal da livrança, e à responsabilidade do A.
Nada impedindo, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o aqui recorrente, renove a discussão que visou travar na oposição através da presente ação, isto é que não assinou a livrança, pelo que não pode ser responsabilizado pelo pagamento da mesma. O que se trata de uma situação da mais elementar justiça.
Não se verificando, assim, a excepção de caso julgado e /ou a autoridade de caso julgado.
Dos autos não constam contra alegações.
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II – Sendo o objecto da apelação delimitado pelo teor das conclusões da alegação de recurso a questão que essencialmente se coloca no presente recurso é a de se se verifica a excepção do caso julgado que o Tribunal de 1ª instância julgou procedente, determinando a absolvição da instância.
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III - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
«1. Por contrato de cessão de crédito datado de 29.03.2012, o BPN – Banco português de Negócios, S.A., cedeu o crédito referido no art. 2º da p.i. à Parvalorem, S.A. (art. 1º da petição inicial).
2. A Parvalorem, S.A., em virtude da cessão de créditos operada, é portadora e legítima possuidora de uma livrança no montante de € 5.027,90, emitida em 02/11/2004 e com vencimento em 13/06/2005, subscrita e aceite por LF…, a qual alegadamente terá sido avalizada pelo A. (art. 2º da petição inicial).
3. A Parvalorem S.A. veio reclamar créditos no processo nº …/…TBCTB do Juízo Local Cível de Castelo Branco – J…, no valor de € 7.447,19, no qual o A. é executado, relativo a capital, juros e imposto de selo, em virtude da livrança não ter sido paga no seu vencimento, nem posteriormente (art. 3º da petição inicial).
4. O A. veio impugnar o crédito reclamado, alegando a prescrição da livrança, a extemporaneidade da reclamação de créditos e, ainda, que não é sua a letra, nem a assinatura que constam do verso da livrança apresentada para fundamentar a reclamação de créditos (art. 4º da petição inicial).
5. Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no Processo nº …/…TBCTB-B do Juízo Local Cível de Castelo Branco – Juiz …, transitada em julgado foram dados como não provados os seguintes factos alegados pela R.: a) Os dizeres “Dou o meu aval ao subscritor” constantes do verso da livrança identificado em 5. Foram apostos pelo punho do executado reclamado JJ…”; b) A assinatura aposta no verso da livrança identificada em 5. após a menção referida em a) foi aposta pelo punho do executado JJ…. (art. 5º da petição inicial).
6. Contudo, a reclamação de créditos foi procedente, por ter sido considerado precludido o direito do A. a opor-se à reclamação de créditos (art. 6º da petição inicial).
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IV – 1 - Entendeu o Tribunal de 1ª instância:
«A questão que aqui se coloca é que se encontra pendente uma ação executiva em que a aqui R. reclamou créditos, com base na livrança indicada pelo A., tendo sido proferida sentença a reconhecer e graduar esse crédito no referido processo executivo. Perante esta factualidade, em que já foi proferida uma sentença transitada em julgado e que já se pronunciou sobre esta matéria, entende-se que a pretensão do A. não poderá proceder. (…)
No caso dos presentes autos, entende-se que a decisão proferida na referida sentença de reclamação de créditos exerce a função positiva de autoridade de caso julgado, impedindo que nesta ação se volte a discutir a mesma questão, sendo certo que há identidade de sujeitos e de objeto.
Por outro lado, tendo presente que nesta ação o A. pede a condenação da R. a reconhecer que não detém qualquer crédito sobre ele, com referência à livrança dos autos, quando se encontra pendente uma ação executiva em que o crédito titulado por essa mesma livrança foi reconhecido e graduado por sentença de reclamação de créditos transitada em julgado, entende-se que esta sentença impede que a mesma questão seja conhecida e apreciada. Nessa medida, entende-se verificada a exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, exceção essa que importa a absolvição da instância (arts. 576º, nºs 1, 2 do CPC)».
Vejamos.
Antes de mais convirá precisar conceitos.
Consoante consta do art. 619 do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580 e 581 - quando constitui uma decisão de mérito, a sentença produz, também fora do processo, o efeito de caso julgado material.
Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado) e o da autoridade do caso julgado, não se confundindo uma com a outra.
Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade – o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-se ser proferida, ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado é, também, questão prejudicial na segunda acção ([1]).
Se o objecto da decisão transitada for idêntico ao do processo subsequente, isto é, se ambos os processos possuírem a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo posterior como excepção de caso julgado, implicando para o tribunal do segundo processo quer uma proibição de contradição da decisão transitada, quer uma proibição de repetição daquela decisão ([2]).
Quando o objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior; já quando o objecto processual anterior funciona como condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo instaurado em segundo lugar. De onde a diversidade entre os objectos processuais torna prevalecente um efeito vinculativo (autoridade do caso julgado material) e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo (a excepção do caso julgado material) ([3]).
Temos, pois, duas hipóteses distintas: a excepção do caso julgado, inadmissibilidade de uma segunda acção, obstando à duplicação de decisões sobre idêntico objecto processual, mencionada no art. 577-i) do CPC; a autoridade do caso julgado, em que o objecto processual anterior ([4]) funciona como condição para a apreciação do objecto processual posterior, em termos da decisão de mérito que nesta há-se ser proferida. Aqui o efeito é similar ao de uma excepção peremptória impeditiva (art. 576, nº 3 do CPC) visando garantir a a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior ([5]).
Nesta perspectiva não poderemos entender, como o Tribunal recorrido, verificar-se a «exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, exceção essa que importa a absolvição da instância».
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IV – 2 - No caso que nos ocupa, a ora R. intentou uma acção executiva contra o ora A. pretendendo obter o pagamento de uma livrança, alegadamente por ele avalizada, no montante de € 5.027,90, bem como juros e imposto de selo. O A. não deduziu oposição na dita acção executiva, mas, porque a mesma foi sustada, a R. houve que reclamar o crédito exequendo em outra execução, ou seja, no processo …/…TBCTB (execução em que a penhora era mais antiga). Aqui, no apenso de reclamação de créditos, o ora A. impugnou o crédito reclamado, alegando a prescrição da livrança, a extemporaneidade da reclamação de créditos e, ainda, que não era sua a letra, nem a assinatura que constam do verso da livrança, havendo sido decidido por decisão transitada em julgado que o direito de o executado deduzir impugnação na reclamação de créditos estava precludido. No acórdão da Relação de Coimbra que recaiu sobre a decisão proferida em 1ª instância (e que se encontra documentado nos autos) foi declarado: «Confirmando-se o sustentado na sentença recorrida, de que o direito do executado a deduzir impugnação que ponha em causa o crédito exequendo se encontra precludido pela ausência de oposição na ação executiva que deu origem à garantia real que aqui se pretende fazer valer, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante relativamente à falsidade da assinatura aposta pelo executado na livrança exequenda».
O que naquele processo foi decidido foi que estava precludido o direito do agora A. ali invocar os meios de defesa nos termos em que o fizera, nada sendo decidido em termos de fundo sobre a impugnação do ora A.; na sequência o Tribunal procedeu à graduação dos créditos reclamados.
Aliás, no acórdão supra mencionado, foi aludida a «possibilidade de o executado vir em posterior ação autónoma, máxime, numa ação de restituição indevida, invocar causas de pedir (exceções) não invocadas nos embargos de executado». Salvaguardando, embora, que já «quanto aos efeitos da ausência de oposição na própria ação executiva, a não dedução de embargos de executado no prazo assinalado para o efeito impede-o de se socorrer das exceções que pudesse invocar em sua defesa para o efeito de lograr a extinção (total ou parcial) da execução».
O que temos, pois, é uma execução em que não foi deduzida oposição e uma reclamação de créditos em que foi considerado estar precludido o direito de ser deduzida a oposição que anteriormente não fora apresentada.
Afirmava Anselmo de Castro ([6]) não ser possível estender às execuções concluídas efeitos que são próprios do caso julgado material «através de meras analogias e dando-se à figura da preclusão um sentido que lhe adultera a essência». Explicando que «operando a preclusão só no processo em que se produz não é lícito estender a esfera da sua eficácia fora dele sem cair em imisção entre preclusão e caso julgado» e que «sem norma expressa a excluí-la, nada haver que permita negar ao devedor a acção de restituição do indevido». Salientando entre as consequências de entendimento contrário ficar o executado sem defesa quando só depois de concluída a execução cheguem ao seu conhecimento as provas da inexistência do crédito, sustentava: «A acção executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser assinado à oposição, nem impor-se ao executado o ónus de a deduzir. A oposição está instituída na e para a execução, tão só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir, de suspender ou anular a execução, e não para que em todo o caso seja tornado ou fique certo o direito do credor» ([7]).
Lebre de Freitas ([8]) refere que na acção executiva o termo do prazo para a dedução de oposição faz precludir o direito de invocar os respectivos factos no processo executivo, tal como sucede no processo declarativo. Porém, enquanto no processo declarativo o efeito preclusivo se dissolve com a sentença no efeito geral do caso julgado, «no processo executivo não há caso julgado … pelo que nada impede a invocação de uma excepção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido».
Todavia, o que acabámos de expender, atento o objecto do presente recurso, apenas lateralmente e em termos de enquadramento terá relevância. A sentença recorrida correlaciona a por si denominada «exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado» com a decisão proferida no processo de reclamação de créditos e não com o processo de execução em que a ora R. figurava como exequente e em que não foi deduzida oposição.
Interessar-nos-á, então, o que respeita à eficácia extra-processual da decisão ali proferida.
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IV – 3 - Explica, a propósito, Lebre de Freitas ([9]) :
A «consideração de que, em qualquer caso, o objecto da ação de verificação e graduação não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a de reconhecimento do direito real que o garante relega o reconhecimento do crédito para o campo dos pressupostos da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado. Assim se explica que, apesar de expressamente reconhecer a força de caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732-5) e nos embargos de terceiro (art. 349), o Código nada diga sobre a sentença de verificação e graduação de créditos.
 O caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência atual desse direito real. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na acção, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos».
Rui Pinto ([10]) sustenta que não estamos perante uma graduação de garantias, mas perante uma graduação de créditos, formando-se caso julgado material quanto aos créditos, salvo no caso de citação edital.
Propendemos para a perspectiva assumida por Lebre de Freitas, sobre o caso julgado se formar quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos.
O crédito reclamado pela aqui R. foi graduado na decisão proferida no proc. nº …/…TBCTB-B e, porque considerado precludido o direito do aqui A. deduzir impugnação – sem que o Tribunal haja conhecido das questões por ele ali levantadas - o mesmo foi julgado verificado.
A preclusão ali apreciada não se estende a este processo – não se trata de “preclusão” substancial, como o desaparecimento de um direito ou de uma situação jurídica pela sua extinção ou pelo decurso do prazo, mas de “preclusão” numa acepção processual, por impossibilidade de, pelo decurso de um prazo e não observância de um certo formalismo, algo poder ser apreciado naquele processo. Trata-se, pois, de questão que não se reporta ao mérito da causa, à relação material controvertida, logo não tendo força obrigatória fora do processo, nos termos do art. 619 do CPC.
Além de que o caso julgado seria susceptível de se verificar no âmbito da graduação que não quanto à verificação do crédito, como referimos.
De qualquer modo, independentemente daquilo que a autoridade do caso julgado possa impor sobre o desfecho da presente acção em termos de mérito (o que verdadeiramente não nos cabe agora apreciar) entendemos que não se verifica a excepção dilatória do caso julgado (só esta podendo determinar a absolvição da instância – arts. 576, nº2 e 577-i) do CPC).
Afigura-se-nos, efectivamente, que a decisão proferida naqueles autos não se configura como obstáculo a uma decisão de mérito no corrente processo; que (nos termos perspectivados) o objecto processual antecedente não é repetido no objecto processual do processo agora em análise.
Assim, a decisão recorrida – que julgou verificada a «exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, exceção essa que importa a absolvição da instância» - não pode subsistir.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida que absolveu a R. da instância e determinando que os autos sigam os seus termos.
Custas pelo vencido a final.
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Lisboa, 5 de Novembro de 2020
Maria José Mouro
Sousa Pinto
Vaz Gomes
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[1] Ver Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, Almedina, 3ª edição, pag. 599.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», Lex, pags. 574-575.
[3] Francisco Ferreira de Almeida, «Direito Processual Civil», II vol., Almedina, 2015, pag. 627
[4] Ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado.
[5] Ver Francisco Ferreira de Almeida, obra e local citado.
[6] Em «A Acção Executiva Singular, Comum e Especial», Coimbra Editora, 3ª edição, pags. 300-301.
[7] Pag. 304.
[8] Em «A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», Gestlegal, 7ª edição, pags. 216-218.
[9] Mencionada «A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», pag. 375.
[10] Em «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pags.886-887.