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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
VENDA DE IMÓVEL
VENDA POR PROPOSTA EM CARTA FECHADA
CHEQUE VISADO
Sumário
I – Inexiste normativo legal, no caso da venda por proposta em carta fechada, que estabeleça que na acção de divisão de coisa comum se deverá seguir o que se encontra previsto para o processo de inventário, designadamente algo idêntico ao art.º 50.º, n.º 3 do Regime Jurídico do Processo de Inventário. II – A venda por proposta em carta fechada na acção de divisão de coisa comum deverá cumprir o preceituado no Código de Processo Civil quanto a tal tipo de venda, designadamente o estipulado no seu art.º 824.º. III – Não sendo apresentado, com a proposta, um cheque visado à ordem da secretaria, não deve aquela ser aceite, devendo ordenar-se a venda por negociação particular, atento o disposto no art.º 833.º, al. d) do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam os juízes desembargadores que integram o presente colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa,
I – RELATÓRIO
No âmbito da acção especial de divisão de coisa comum que AM… moveu contra JD…, onde se pretende que, entre outros bens, se ponha fim à compropriedade da fracção autónoma designada pela letra “S”, destinada a habitação, do prédio urbano, constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito na Avenida …, número … – ….º andar esquerdo, registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número de Descrição …, da freguesia de Santos-o-Velho, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia da Estrela, com o valor patrimonial de €208.530,06, foi determinada a venda de tal imóvel, à luz do disposto no art.º 929.º, n.º 2 do CPC.
Tal venda, de acordo com o despacho de 16-10-2019, deveria ser realizada nos seguintes termos: “mediante propostas em carta fechada, nos termos do artigo 816º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 549º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Para abertura das propostas, designa-se o dia 19 de dezembro de 2019, pelas 09h30m, neste Tribunal, nos termos do artigo 817º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 549º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Valor base: € 580 000,00 (quinhentos e oitenta mil euros), valor que, da conjugação dos relatórios periciais com os demais elementos constantes dos autos, se considera ser o valor de mercado do imóvel em apreço. Valor a anunciar: 85% do valor base acima indicado (cfr. artigo 816º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 549º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Notifique, publicite e mais D.N. (cfr. artigo 817º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 549º, n.º 2 do Código de Processo Civil).»
No dia designado – 19-12-2019 – realizou-se a diligência de venda por abertura de propostas, tendo sido elaborado o respectivo “auto de abertura de propostas em carta fechada”, de onde consta o despacho recorrido, auto esse, do seguinte teor: «Pelas 09:54 horas, pela Mm.ª Juiz foi aberta a presente audiência e, nesta altura, nada mais havendo a requerer pelas partes, passou a dar-se conhecimento a todos os presentes de que apenas foi apresentada uma proposta, passando, de seguida, a abrir-se e a dar conhecimento de todo o teor da mencionada proposta apresentada em carta fechada, para compra da fração autónoma designada pela letra S, destinada a habitação, do prédio urbano, constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito na Avenida …, número … - ….º andar esquerdo, registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número de descrição …, da freguesia de Santos-o-Velho, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia da Estrela. * Logo após, pela Mm.ª Juiz foi dada a palavra aos Ilustres mandatários das partes para, querendo, se pronunciarem sobre o teor da proposta apresentada. Após alguns esclarecimentos prestados, pela Ilustre mandatária da Requerente foram solicitados alguns instantes para entrar em contacto telefónico com a sua constituinte, o que foi concedido pela Mm.ª Juiz. * Quando eram 10:14 horas, retomados os trabalhos, foi dada a palavra à Ilustre mandatária da Requerente, a qual no uso da palavra disse que face ao valor das avaliações a Requerente entende que existem condições para se obter um melhor preço na venda do imóvel, pelo que não quer aceitar esta proposta e requeria que se promovesse a venda por negociação particular, ficando todo o requerimento a constar da gravação: 00h:00m:01s - 00h:01m:58s. * Após mais alguns esclarecimentos, dada a palavra ao Ilustre mandatário do Requerido no uso da mesma pronunciou-se relativamente à oposição ora apresentada pela Requerente, opondo-se ao requerido, ficando tudo a constar da gravação: gravação: 00h:01m:59s - 00h:12m:56s. * Seguidamente, a Mm.ª Juiz pediu esclarecimentos ao Ilustre mandatário do Requerido sobre o cheque apresentado, verificando não se tratar de um cheque visado, tendo o Ilustre mandatário esclarecido tratar-se de um cheque bancário. * Após os esclarecimentos, a Mm.ª Juiz determinou uma breve interrupção, sendo que, quando eram 10:26 horas, retomados os trabalhos pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO Considerando que a proposta apresentada pelo consorte/proponente não obedece aos requisitos previstos no artigo 824.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto, designadamente, não é acompanhada por um cheque visado à ordem da secretaria, conforme impõe o referido preceito legal, não se aceita tal proposta, considerando-se por tal motivo que, na falta de aceitação da proposta em apreço, deverá ter lugar a venda por negociação particular, nos termos dos artigos 822.º, n.º 2, 832.º alínea d) e 833.º do Código de Processo Civil. Notifique. Oportunamente, indique a secção pessoa idónea conhecida em juízo para exercer nos autos as funções de encarregado da venda. Determina-se a devolução ao consorte/proponente do cheque apresentado. Notifique. * Dos despachos que antecedem foram todos os presentes devidamente notificados do que disseram ficar cientes. Pelas 10:34 horas, a Mm.ª Juiz determinou o encerramento da presente diligência. Conforme determinado pela Mm.ª Juiz, foi devolvido o cheque apresentado, tendo sido extraída uma cópia do mesmo para ficar nos autos. Para constar se lavrou o presente auto, que depois de lido e achado conforme vai ser devidamente assinado. A JUIZ DE DIREITO»
Inconformado com tal despacho, veio o Réu recorrer do mesmo, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos termos do qual a proposta apresentada pelo Recorrente não obedece, no entendimento do Tribunal a quo «aos requisitos previstos no artigo 824.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto, designadamente, não é acompanhada por um cheque visado à ordem da secretaria, conforme impõe o referido preceito legal» razão porque o Tribunal a quo não aceitou a referida proposta «considerando-se por tal motivo que, na falta de aceitação da proposta em apreço, deverá ter lugar a venda por negociação particular, nos termos dos artigos 822.º n.º 2, 832.º alínea d) e 833.º do Código de Processo Civil.» (cfr. autos) (sublinhado nosso). 2. Os presentes autos correspondem a um processo de divisão de coisa comum, pelo que importará aplicar quanto vertido no artigo 824.º n.º 1 do Código de Processo Civil, com as adaptações necessárias, na medida em que este normativo está redigido para a venda de bens em processos executivos. Ou seja para a venda de bens a terceiros. 3. A venda de bens em processos de divisão de coisa comum melhor se equipara à adjudicação de bens em processo de inventário. 4. O legislador entendeu que, no processo de inventário no seu artigo 50º se deverá aplicar, com as necessárias adaptações, nomeadamente o previsto no artigo 824.º do Código de Processo Civil, 5. Pelo que também se deverá considerar e entender que, no quadro de um processo de divisão de coisa comum, o mesmo raciocínio deverá proceder equivalendo tal a dizer que não tem que ser feita a aplicação literal e total da previsão deste artigo. 6. Com efeito, se o proponente é, também, comproprietário, não se torna exigível a apresentação de caução, seja esta cheque visado, garantia bancária ou qualquer outra forma de caucionar/garantir a seriedade da proposta tanto mais que valor a pagar pelo comproprietário pelo bem nunca seria o da totalidade do valor da proposta mas tão-somente o correspondente à quota-parte da outra comproprietária, que no caso em apreço seria de ½. 7. A que acresce o facto de existirem outros bens a dividir nos autos, pelo que o valor a pagar de tornas será apenas o saldo que resultar de um “encontro de contas” realizado a final e da reclamação das tornas. 8. Assim, não era exigível que o Recorrente tivesse junto, com a sua proposta, um cheque visado pelo que a apresentação de um cheque bancário, como foi o caso, excedia o cumprimento dos requisitos legais, aplicados adaptadamente pois, tratando-se de um proponente comproprietário não seria necessário juntar qualquer caução. 9. Por outro lado o cheque bancário e o cheque visado têm em comum o facto de serem cheques que, uma vez emitidos, têm o seu pagamento garantido. 10. De acordo com a definição do Banco de Portugal, um cheque visado é aquele «no qual o banco coloca um carimbo que certifica a existência na conta de fundos suficientes para o pagamento à data do visto, ficando o valor pelo qual foi emitido cativo na conta do emitente, por período não inferior ao prazo legal de apresentação a pagamento (em regra, oito dias). 11. Já o cheque bancário é «emitido por um banco sob uma conta desse mesmo banco». 12. Ou seja, enquanto caução, o cheque bancário terá um efeito de garantia superior ao cheque visado na medida em que este garante a cativação do montante por oito dias, enquanto o cheque bancário, ao ser um cheque emitido sobre uma conta do próprio banco, terá um período de “validade” superior. 13. Acresce que a notificação efetuada ao Recorrente, datada de 21 de outubro de 2019, não contém a indicação de que a proposta a apresentar deverá ser, obrigatoriamente, acompanhada de cheque visado (cfr. autos). 14. Do auto de abertura de propostas resulta que, faltando o cheque visado, a adjudicação do imóvel ficaria dependente da aceitação da proposta pela Recorrida o que que salvo melhor entendimento não é requisito para a perfeição da proposta e da adjudicação bem ao comproprietário, 15. Aliás na notificação feita ao recorrente o imóvel diz-se apenas que o bem seria adjudicado «a quem maior preço oferecer, acima de Esc.: 493.000,00.» (a menção a escudos é um evidente lapso de escrita) (cfr. autos). 16. Assim, sendo a proposta do Recorrente no valor de 550.000,00 euros e, não se justificando que a mesma fosse acompanhada de cheque visado, pelas razões supra referidas, deveria ter sido aceite pelo Tribunal a quo e, em consequência, o imóvel deveria ter-lhe sido adjudicado. Nos termos do disposto no artigo 646.º do Código de Processo Civil, requer-se a emissão de certidão da notificação, datada de 21 de outubro de 2019. Nestes termos e nos mais de Direito, Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido que violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 929º e 824º do CPC e, em consequência, declarar-se que proposta obedece aos requisitos previstos nos artigos 824.º n.º 1 do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações e, em consequência, determinar-se a adjudicação do bem ao Recorrente pelo valor da proposta apresentada, nos termos do disposto no artigo 826.º, 827.º e 929º do CPC e, em consequência, revogar-se também o despacho recorrido, na parte e em que nos termos dos artigos 822.º n.º 2, 832.º alínea d) e 833.º do Código de Processo Civil determinou a venda do bem por negociação particular, assim se fazendo a sempre costumada JUSTIÇA!»
A A. apresentou contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: «I. O Recorrente pretende obter uma decisão que declare que a proposta em carta fechada que apresentou cumpre os requisitos previstos no artigo 824º, n.º 1, do CPC, e, em consequência, determine a adjudicação ao mesmo do imóvel em causa nos presentes autos, pelo valor da proposta que apresentou nos termos do disposto nos artigos 822º, n.º 2, 832º, alínea d), e 833º do CPC. II. Tal entendimento jamais poderá proceder. III. O Recorrente interpôs o presente recurso com efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 647º, n.º 3, alínea b), do CPC, alegando para o efeito que os presentes autos respeitam à propriedade de casa de habitação, estando em causa o direito de habitar a casa de morada de família, direito que lhe foi atribuído. IV. Não assiste qualquer razão ao Recorrente, pelo que deverá corrigir-se o efeito atribuído ao recurso, nos termos do disposto no artigo 652º n.º 1 alínea a) do CPC, de forma a que o mesmo passe a ter efeito meramente devolutivo, conforme estabelece o artigo 647º do CPC. V. O artigo 647, n.º 3, alínea b), do CPC, não tem aplicação aos presentes autos, uma vez que, nos mesmos não se discute a posse ou a propriedade da casa de habitação ou o direito de habitar a casa de morada de família. VI. A questão de mérito em apreço na presente Apelação, destina-se aferir se assiste fundamento para a revogação do Despacho Judicial que rejeitou a proposta em carta fechada apresentada pelo Recorrente, por a mesma não cumprir os requisitos previstos no artigo 824º, n.º 1, do CPC, pelo que ao presente recurso não pode ser atribuído efeito suspensivo, nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 647º do CPC, conforme pretende o Recorrente. VII. Termos em que, deverá corrigir-se o efeito atribuído ao recurso, nos termos do disposto no artigo 652º n.º 1 alínea a) do CPC, de forma a que o mesmo passe a ter efeito meramente devolutivo, conforme estabelece o artigo 647º, n.º 1 do CPC. VIII. Ao contrário do que o Recorrente invoca, a venda de bens no âmbito de acções de divisão de coisa comum não se comprara nem equipara à adjudicação de bens em processos de inventário e não deve ser feita com as necessárias adaptações, de acordo com o regime previsto para o processo de inventário, designadamente, no artigo 50º, que dispensa a apresentação de caução, conforme pretende. IX. Tal raciocínio constitui uma violação frontal ao regime da tramitação processual da ação de divisão de coisa comum, expressamente previsto nos artigos 925º a 925º a 930º, 549º n.º 2, e artigos 811º a 829º, todos do CPC. X. Defender que, no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum em que o comproprietário apresenta uma proposta em carta fechada, é descabida a exigência da entrega de cheque visado com a apresentação da proposta, é esvaziar de conteúdo o disposto no artigo 824º do CPC. XI. A referida interpretação serve apenas o intuito que o Recorrente pretende alcançar através do presente recurso, que consiste em obter a adjudicação do imóvel, ultrapassando a falta de observância das regras legais que devia ter observado quando apresentou a sua proposta em carta fechada, no que se refere à prestação de caução, mediante cheque visado à ordem da secretaria, o que, não fez. XII. Aceitar-se tal interpretação, o que não se concebe e apenas se concede por mera hipótese de raciocínio, seria permitir que o comproprietário fosse colocado numa situação de vantagem em relação a qualquer outro proponente, o que constituiria uma frontal violação ao direito de igualdade e uma tremenda injustiça, o que jamais poderá admitir-se, uma vez que, o Tribunal não pode proceder a actos que possam privilegiar uns proponentes, em detrimento de outros. XIII. Por conseguinte, não assiste razão ao Recorrente quando afirma que o facto de ser comproprietário, o isenta da obrigação de prestar caução. XIV. Ao contrário do que o Recorrente alega, não está em causa o valor do cheque, mas sim o facto de o mesmo não ter cumprido os requisitos previstos no artigo 824º, n.º 1, do CPC, no que se refere ao facto de ter que ser visado e à ordem da secretaria. XV. O que está em causa é saber se caução prestada pelo Recorrente cumpre ou não os requisitos previstos no artigo 824º, n.º 1, do CPC. XVI. O facto de as partes terem chegado a acordo quanto à adjudicação de determinados bens móveis que se encontram relacionados nos autos, o que poderá eventualmente implicar o pagamento de tornas, é absolutamente irrelevante para a apreciação da referida questão de mérito em apreço, o que se invoca também efeitos de improcedência do mesmo. XVII. Para a apreciação da questão de mérito que se discute nos presentes autos, é também irrelevante o facto de o cheque bancário e o cheque visado terem ambos o pagamento garantido, pelo que a Recorrente se abstém também de se pronunciar sobre o mesmo, limitando-se a defender a total improcedência do mesmo. XVIII. O que releva para a apreciação da referida questão de mérito é o facto de a prestação de caução pelos meios previstos no n.º 1, do artigo 824º, do CPC, ser uma formalidade indispensável para que o ato de formalização da proposta se tenha por regular. XIX. O que releva para a apreciação do mérito da referida questão é o facto de a decisão sobre a idoneidade ou não da caução prestada dever obedecer ao que vem estatuído legalmente no n.º 1, do artigo 824º, do CPC, não integrando o conjunto de decisões que podem ser decididas de acordo o prudente arbítrio do Julgador. XX. O que releva para a apreciação do mérito da questão em apreço nos presentes autos é o facto de resultar expressamente do artigo 824º, n.º 1, do CPC, que a caução deve ser prestada através de cheque visado à ordem da secretaria. XXI. A lei não prevê qualquer outra forma de prestar caução, e muito concretamente, a possibilidade de a mesma ser prestada através de um cheque bancário, conforme fez o Recorrente. XXII. O Recorrente não pode querer fazer uma interpretação extensiva do referido preceito legal, de forma a ultrapassar o facto de não ter prestado caução nos autos, nos termos legalmente impostos pelo artigo 824º, n.º 1 do CPC. XXIII. O Recorrente não pode alegar o desconhecimento do referido preceito legal. XXIV. A obrigação de prestar caução nos termos impostos pelo artigo 824º, n.º 1, do CPC, é uma formalidade não dispensável, de cumprimento obrigatório cuja inobservância determina a rejeição da mesma, a não ser que o exequente, expresse posição no sentido da sua aceitação, o que não se verificou já que a Recorrida não aceitou a proposta do Recorrente. XXV. No caso dos autos cabia ao Tribunal “a quo”, no momento em que presidiu ao acto de abertura das propostas, verificar a regularidade das mesmas, não lhe sendo permitido pactuar com irregularidades, até porque deu conta em devido tempo do não cumprimento duma formalidade que a lei tem por indispensável, por impor a obrigatoriedade do seu cumprimento. XXVI. O Tribunal “a quo” constatando a existência da irregularidade que detetou não nível da caução, a saber falta de cheque visado à ordem da secretaria, não podia assumir, sem mais, o suprimento da mesma, fazendo tábua rasa do disposto no artigo 824º, n.º 1 do CPC, que expressamente estabelece as formas possíveis de prestar caução. XXVII. Não tendo o Recorrente, prestado caução por um dos meios previstos no n.º 1, do artigo 824º, do CPC, ou seja, cheque visado ou garantia bancária, a proposta apresentada pelo mesmo não pode ser aceite, mesmo que de valor superior ao valor mínimo anunciado, por não respeitar as formalidades legais. XXVIII. Acresce que, o cheque entregue pelo Recorrente não se encontra emitido à ordem da secretaria. XXIX. Não se encontrando o cheque visado e emitido à ordem da secretaria, a proposta apresentada pelo Recorrente não pode ser aceite, por não respeitar as formalidades legalmente exigidas (artigo 824º, n.º 1, do CPC). XXX. Donde se conclui que, bem andou o Tribunal “a quo” ao ter decidido que a proposta apresentada pelo aqui Recorrente “não obedece aos requisitos previstos no artigo 824º, n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto, designadamente, não é acompanhada por um cheque visado à ordem da secretaria, conforme impõe o referido preceito legal (…).” XXXI. Bem como, decidiu corretamente ao ter determinado que a venda do bem imóvel fosse realizada através de negociação particular, nos termos do disposto nos artigos 822º, n.º 2, 832º, alínea d), e 833º do CPC. XXXII. Termos em que se conclui que, não se verifica qualquer violação, por erro de interpretação, do disposto nos artigos 929º e 824º, ambos do CPC, por parte do Tribunal “a quo”, ao não admitir a proposta apresentada pelo Recorrente. XXXIII. Face ao exposto, conclui-se que, não assiste razão ao Recorrente quando afirma que o Tribunal “a quo” violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos o disposto nos artigos 929º e 824º, ambos do CPC, uma vez que, a proposta apresentada pelo mesmo não cumpre as formalidades legalmente exigidas XXXIV. Nestes temos, irrelevam as conclusões apresentadas pelo Recorrente, sendo de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, POR ABSOLUTA FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL, DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E CONFIRMAR-SE NOS SEUS PRECISOS TERMOS O MUI DOUTO DESPACHO RECORRIDO.»
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelo apelante, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações.
A principal questão que o apelante coloca, prende-se com o seu entendimento de que a venda por propostas em carta fechada, quando efectuada no seio de uma acção de divisão de coisa comum, deverá ter tratamento processual idêntico ao preconizado para o processo de inventário – em que se prevê a adjudicação dos bens - sendo que a tal adjudicação “se aplicará, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva mediante propostas em carta fechada.” (art.º 50.º, n.º 3 do regime jurídico do processo de inventário, entretanto revogado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro). Por via de tal entendimento, considera o recorrente que não seria exigível a obediência aos requisitos previstos no artigo 824.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, designadamente, a obrigatoriedade da venda ser acompanhada da entrega de um cheque visado à ordem da secretaria. Sustenta ainda o apelante que a notificação que lhe foi efetuada, datada de 21 de outubro de 2019, não continha a indicação de que a proposta a apresentar deveria ser, obrigatoriamente, acompanhada de cheque visado.
I – FUNDAMENTOS
1. De facto
A factualidade que se reputa essencial para a apreciação do presente recurso é a que resulta dos elementos constantes do relatório supra e ainda:
- Em 21-10-2019, foi enviada carta registada para a residência do Réu, destinada a notificá-lo da realização da venda por proposta em carta fechada da fracção em discussão nestes autos, onde se pode ler: «Assunto: Venda por proposta em carta fechada N/Referência: 391078361 Fica deste modo V. Ex.ª notificado, na qualidade de Requerido, relativamente ao processo supra identificado do conteúdo do despacho anexo, e de que foi designado o dia 19-12-2019, pelas 09:30 horas, neste Tribunal, para se proceder à abertura de propostas, que sejam entregues até esse momento nesta Secretaria, pelos interessados na compra do imóvel, e que serão entregues a quem maior preço oferecer, acima de Esc.: 493.000,00. Imóvel fração autónoma designada pela letra “S”, destinada a habitação, do prédio urbano, constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito na Avenida …, número … – …º andar esquerdo, registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número de Descrição …, da freguesia de Santos-o-Velho, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia da Estrela, O bem encontra-se na posse de JD…, NIF - …, Endereço: Av. …, N.º …, ….º Esq., …-… LISBOA que, durante o prazo do edital e anúncio é obrigado a mostrar os bens a quem pretenda examiná-los, mas pode fixar as horas em que, durante o dia, facultará a inspecção, tornando-as conhecidas do público por qualquer meio. O Oficial de Justiça, FM… Notas: · Solicita-se que na resposta seja indicada a referência deste documento · No caso de venda mediante proposta em carta fechada, os proponentes devem juntar à sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem da secretaria, no montante correspondente a 5% do valor base dos bens ou garantia bancária no mesmo valor (nº 1 ao Art.º 824.º do CPC).»
2. De direito
Apreciemos as questões suscitadas pelo Apelante no seio do seu recurso.
A primeira, repete-se, prende-se com o facto de considerar que a venda por propostas em carta fechada, quando efectuada no seio de uma acção de divisão de coisa comum, deverá ter tratamento processual idêntico ao preconizado para o processo de inventário.
Funda esse seu entendimento na circunstância de existir, na sua óptica, um paralelismo entre a acção de divisão de coisa comum e o processo de inventário, que afasta a aplicabilidade tout court do art.º 824.º do CPC a este processo, antes devendo esse normativo ser aplicável “com as necessárias adaptações”, como se encontrava estipulado para o processo de inventário (art.º 50.º, n.º 3 do regime jurídico do processo de inventário).
O paralelismo invocado pelo recorrente afigura-se-nos não ter eco na lei.
Com efeito, não se encontra qualquer normativo que nos leve a tratar o processo de divisão de coisa comum, designadamente a sua fase de adjudicação e venda, em termos semelhantes ao processo de inventário.
Se é verdade que quanto ao processo de inventário, o art.º 50.º, n.º 3 do regime jurídico do processo de inventário, consagrava expressamente que “À adjudicação aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva mediante propostas em carta fechada”, não é menos certo que no que concerne à acção de divisão de coisa comum não existe norma paralela.
Ora, no que concerne à acção de divisão de coisa comum, ultrapassada que seja a fase declarativa – artgs. 925º, e 926º do CPC, em que se visa definir o direito do autor, através da determinação da natureza comum da coisa, a existência ou subsistência da invocada compropriedade, a fixação das respectivas quotas e ainda a divisibilidade em substância e jurídica da coisa dividenda, tendo em consideração as suas características físico-materiais – passa-se à fase executiva, onde, no art.º 929.º do CPC (ex vi do art.º 549.º, n.º 2) se estabelece: Artigo 929.º Conferência de interessados 1 — Fixados os quinhões, realiza-se conferência de interessados para se fazer a adjudicação; na falta de acordo entre os interessados presentes, a adjudicação é feita por sorteio. 2 — Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda. (…).»
Como se vê, sendo o bem indivisível e inexistindo acordo entre os interessados, consagra a lei que haverá lugar à venda, não estipulando que esta deva ser realizada por uma qualquer forma específica. O legislador não considerou importante defini-lo.
Não se vê assim, como se pretende que a venda determinada em sede de acção de divisão de coisa comum (que poderá ocorrer em quaisquer das modalidades previstas na lei) deva ser realizada com as necessárias adaptações (a)o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva mediante propostas em carta fechada, desde logo, porquanto, como vimos, o legislador não limitou a forma como a venda se deva concretizar e, também, porque, sendo determinada no âmbito do Código de Processo Civil, deverá ser nele processada de acordo com as regras nele previstas, não se vendo que adaptações deveriam ter que ser tidas em consideração.
Entendemos, assim, que a venda determinada no despacho recorrido – por propostas em carta fechada – teria que obedecer aos ditames previstos no CPC para tal tipo de venda, não havendo razões para adaptá-la à acção de divisão de coisa comum.
Dessa forma, tendo-se verificando a falta de acordo das partes no seio da Conferência de Interessados, determinou-se a venda do imóvel (após prévia avaliação do mesmo) nos termos do artigo 816.º, ex vi do artigo 549º, n.º 2, ambos do CPC.
Para a abertura das propostas, designou-se o dia 19-12-2019, pelas 09h30m, no Tribunal, nos termos do artigo 817º, n.º 1, ex vi do artigo 549º, n.º 2, ambos do CPC, tendo sido fixado o valor base do imóvel em €580.000,00, valor determinado em função da conjugação dos relatórios periciais com os demais elementos constantes dos autos, constituindo o valor de mercado do imóvel em apreço.
Estipulou-se que o valor a anunciar para a venda do imóvel fosse fixado em valor igual a 85% do valor base acima indicado, atento o disposto no artigo 816.º, n.º 2, ex vi do art.º 549.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
O Tribunal “a quo” ordenou a notificação do referido despacho às partes e ordenou a publicidade da venda nos termos do disposto no artigo 817.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 549.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Na diligência de abertura das propostas em carta fechada, o Tribunal “a quo” entendeu que a proposta apresentada pelo ora Recorrente não obedecia aos requisitos previstos no artigo 824.º, n.º 1 do CPC, porquanto, designadamente, não era acompanhada por um cheque visado à ordem da secretaria, conforme estabelece o indicado preceito legal.
Por essa razão, não foi aceite a referida proposta e, por tal motivo, ordenou-se então a venda do imóvel por negociação particular, nos termos dos artigos 822.º, n.º 2, 832.º alínea d) e 833.º do CPC.
Ora, do exposto resulta, que bem andou a Exma. Juíza, pois que se limitou a determinar o que a lei estipula para situações em que não são cumpridos os requisitos exigidos por lei.
Na realidade, inexistindo, como vimos supra, razões para aplicar à acção de divisão de coisa comum, qualquer regime especial ou de adaptação ao que a lei consagra para este tipo de venda – por propostas em carta fechada – há que respeitar o que a mesmo consagra para a perfeição desta.
O art.º 824.º n.º 1 do CPC é claro ao referir: «Os proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria([1]) no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor.»
Ora, não tendo o ora apelante junto com a sua proposta o cheque visado e passado à ordem da secretaria, mostra-se adequado e legal o despacho recorrido, determinando outra forma de venda, dando assim cumprimento ao estipulado no art.º 825.º do CPC.
Contrariamente ao que defende o recorrente, a lei ao estipular que a caução deve ser prestada mediante a entrega de cheque visado, pretende assegurar que o mesmo garante a quantia nele titulada, pois que a instituição bancária atesta que a conta de onde será debitado o valor exposto dispõe do saldo para pagamento.
No caso, não tendo o cheque sido passado a quem de direito – à secretaria do tribunal – e pela forma estipulada na lei – visado – não se respeitou a exigência legal prevista no art.º 824.º e deu-se cumprimento ao art.º 825.º, ambos do CPC, pelo que nada há a apontar ao despacho recorrido.
Refere ainda o recorrente que não lhe terá sido dado conhecimento de que deveria apresentar um cheque visado.
A notificação que lhe foi feita e que consta da matéria factual dada como provada, aponta em sentido diametralmente oposto. Com efeito, na nota final de tal notificação consta expressamente: «. No caso de venda mediante proposta em carta fechada, os proponentes devem juntar à sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem da secretaria([2]), no montante correspondente a 5% do valor base dos bens ou garantia bancária no mesmo valor (nº 1 ao Art.º 824.º do CPC)».
Por tudo quando se deixa dito, há, pois, que concluir não assistir razão ao apelante no presente recurso.
IV – DECISÃO
Assim, os juízes desembargadores que integram o presente colectivo, acordam em julgar a apelação improcedente e, nessa medida, mantêm a decisão recorrida nos precisos termos em que se mostra elaborada.
Custas da responsabilidade dos apelados.
Lisboa, 05/11/2020
José Maria Sousa Pinto
João Vaz Gomes
Jorge Leal
_______________________________________________________ [1] Sublinhado nosso. [2] Sublinhado nosso.