RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SUB-ROGAÇÃO
PAGAMENTO
DIREITO DE CRÉDITO
Sumário


I - Derivando a sub-rogação (voluntária) pelo credor de acordo entre este e o sub-rogado, no aludido acordo deverão constar três requisitos explicitados na lei: i) o pagamento total da prestação ao credor; ii) a expressa sub-rogação do credor ao sub-rogado da sua posição; iii) até ao momento do cumprimento da obrigação (art. 589º do Código Civil).
II - A validade da sub-rogação pelo credor exige uma expressa declaração de vontade nesse sentido, manifestada no ato do cumprimento da obrigação ou anteriormente.
III - Ao invés do que se passa na sub-rogação, o direito de regresso é um direito nascido “ex novo” na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior. Não consubstancia qualquer transmissão, mas sim o exercício, pelo titular, dum direito que “ab initio” lhe assistia.
IV - No caso dos autos, os aludidos requisitos do art. 589º do Código Civil verificaram-se, e tendo havido declaração expressa da sub-rogação do credor para os sub-rogados, as garantias e outros acessórios do crédito transferiram-se para os “solvens”, colocando os sub-rogados, ora autores, na titularidade do mesmo direito de crédito que os Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª possuía.

Texto Integral




Proc. 1730/13.2TBSTB.E1.S1

                 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório:

Na Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Secção Cível, Juiz 3, AA e sua mulher BB, moveram a presente Ação, com Processo Comum, contra:

Pestana Bus- Actividades Turísticas, Ld.ª,

CC e mulher

DD,

EE e mulher

FF e

GG,

pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento aos Autores da quantia de €34.664,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, custas e demais encargos do processo executivo que os Autores vierem a satisfazer.

Alegaram, em síntese, que em processo de execução[1] movido por Irmãos Mota & Companhia, Lda. contra Autores e Réus, foi exigido aos executados, em regime de solidariedade passiva, o pagamento, inicialmente da quantia de € 7.081,85, posteriormente, por cumulação de execuções, da quantia de € 32. 945,70, no total de €40.027, 55, valor este acrescido de juros, custas e demais encargos.

A dívida resultou do preço de dois autocarros que Irmãos Mota vendeu a crédito titulado por letras a Pestana Bus, tendo-se os Réus responsabilizado pelo pagamento, solidária e pessoalmente, como avalistas, fiadores e principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.

Sob a ameaça de encerramento e venda de um imóvel onde os Autores têm instalado um estabelecimento comercial, que constitui a principal fonte da sua subsistência, já penhorado no processo de execução, decidiram os Autores proceder ao pagamento da parte em dívida da quantia exequenda, a qual, por acordo das partes, foi fixada em € 34.664, 00, a pagar em 12 prestações mensais e sucessivas, sendo as 11 primeiras de € 1. 926, 00 cada uma e a última de €13.478, 00, prestações e quantias que os Autores pagaram integralmente.

Em consequência do pagamento e por força da cláusula 6 ª do mesmo documento, o credor transferiu para os Autores, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes executados.

Executados que, por outro lado, tinham, como se referiu, assumido pessoal e solidariamente, na qualidade de avalistas, fiadores e principais pagadores, a dívida da sociedade Pestana Bus à sociedade Irmãos Mota, com renúncia ao benefício da divisão e da excussão.

Pelo que, quer pela via da sub-rogação – arts. 589 ° e seguintes do Código Civil - quer pela via do direito de regresso - art. 524º do mesmo diploma legal - têm os Autores direito a exigir dos Réus a importância que pagaram a Irmãos Mota & Companhia, Lda., no valor de € 34 664, 00, acrescida de custas e demais encargos do processo executivo, ainda por determinar.

Citados os RR., sendo a R. Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda. Citada editalmente e representada pelo Ministério Publico, apenas a R. DDcontestou.

Após os demais tramites e efetuado o julgamento, a sentença proferida terminou com a seguinte decisão:

 “Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condenam-se:

- A R. Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda., nesta altura representada pela única sócia, Valarme Representação e Exportação, Lda. a pagar aos AA. a quantia de 9.904,0€, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde 18/2/2016 e até efectivo e integral pagamento;

- A R. DD a pagar aos AA. a quantia de 4.952, 00 €, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde 18/2/2016 e até efectivo e integral pagamento;

- O R. EE a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00€, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde 18/2/2016 e até efectivo e integral pagamento;

- A R. FF a pagar aos AA.         a quantia de 4.952,00€, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde 18/2/2016 e até efectivo e integral pagamento;

 - O R. GG a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00 €, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde 18/2/2016 e até efectivo e integral pagamento. …”

Inconformados com tal decisão, vieram os Autores interpor Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora, cujo acórdão então proferido decidiu:

Pelo acima exposto, decide-se revogar a Decisão recorrida e condenar, solidariamente, todos os Réus, no pagamento aos Autores da quantia de €34.664,00 (trinta e quatro mil, seiscentos e sessenta e quatro Euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da citação dos RR. – cuja última citação ocorreu em 17/2/2016 - e até efectivo e integral pagamento…”

Desta decisão a ré DDveio apresentar revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. Os autores, fiadores e avalistas, que pagaram como executados a totalidade do crédito aos irmãos mota e com direito de regresso sobre os devedores, intentaram uma acção contra o devedor principal, pestana bus e contra os demais fiadores e avalistas, com responsabilidade igual à dos autores.

2. A acção tem de improceder, por força dos artigos 650° e 519° do código civil, pois não pode exigir simultaneamente a totalidade do crédito ao devedor principal e aos fiadores.

3. Não se entendendo assim, a responsabilidade de cada fiador, nos termos do artigo 524°, 526° e 650° do código civil não pode ir além da quota-parte de cada um em relação à totalidade da dívida.

4. Só com base no direito de regresso (previsto no artigo 524° e 650° do código civil) podiam os devedores ser responsabilizados na respectiva quota-parte e nunca por força da sub-rogação possibilitada pelo artigo 589° ou 592°.

5. Na verdade, os artigos 589° ao 592° não são aplicáveis porque o credor, autor da execução, não podia sub-rogar um dos executados no seu direito, pois só pode sub-rogar terceiros com interesse directo na satisfação do crédito (e até ao momento do cumprimento).

6. E um fiador, executado, não tem um interesse directo na questão, pois é devedor principal (como ensina varela em anotação ao artigo 589° do código civil).

7. A responsabilidade de cada um dos fiadores foi bem definida na doutíssima sentença de primeira instância.

8. o douto acórdão recorrido viola, por erro de interpretação, as normas citadas, particularmente os artigos 518°, 519°, 523°, 524°, 525°, 526°, 650°, n° 1 e 2, 589°, 592°, todos do código civil.

Termos em que deve o douto acórdão ser revogado, e todos os réus absolvidos do pedido. Se assim não se entender, deve o acórdão ser revogado, mantendo-se a sentença da primeira instância.

Não houve contralegações.

II – Factos:

Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual, que não sofreu alterações no acórdão recorrido:

1) Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª intentaram em 30/7/2008 um processo de execução contra Autores e Réus, Proc. 4894/0 8.3TBSTB      do 1 ° Juízo Cível da Comarca de ..., sendo a quantia exequenda de 7.081, 85€, com base em letras emitidas por Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda. e avalizadas por AA. e restantes RR.

2) Nos mesmos autos de execução, a exequente requereu a cumulação de execuções, pela quantia de €32.945,70, ascendendo assim a quantia exequenda ao total de € 40 027,55, valor este acrescido de juros, custas e demais encargos, com base em documento particular assinado pelos executados, de donde consta que a dívida resultou do preço de dois autocarros que Irmãos Mota vendeu a crédito titulado por letras a Pestana Bus, tendo-se os aqui AA. e restantes Réus responsabilizado pelo pagamento, solidária e pessoalmente, como avalistas, fiadores e principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão, cumulação admitida por despacho de 1/6/2010.

3) No processo de execução, os Autores decidiram proceder ao pagamento da parte em dívida da quantia exequenda, pelo que celebraram, em 6/6/2011, um acordo com a exequente, através do qual fixaram a quantia exequenda em € 34 664,00, a pagar em 12 prestações mensais e sucessivas, sendo as 11 primeiras de € 1926,00 cada uma e a última de € 13 478,00.

4) Nos termos da cláusula 6ª do acordo celebrado entre os aqui AA. e a exequente, a exequente declara que, cumprido o acordo, fica completamente paga dos valores constantes das execuções e que transfere, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes executados.

5) Em 25/10/2012 a exequente declara que os aqui Autores liquidaram a quantia exequenda.

6) Por escritura pública de cessão de quotas, renúncia e nomeação de gerência e alteração do pacto, celebrada em 29/3/2011, EE e FF, como Primeiros Outorgantes e HH, como Segunda Outorgante, declararam que a segunda Outorgante, sem formalidades prévias nos termos do artigo 54° do Código das Sociedades Comerciais delibera por unanimidade que a sociedade "Valarme - Representação e Exportação, Lda." da qual é a única sócia, adquira aos Primeiros outorgantes a totalidade do capital social da sociedade "Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda.", o que o Primeiro outorgante, na qualidade de único sócio desta sociedade deliberou que a mesma não pretende exercer o direito de preferência nas cessões de quotas e autoriza as mesmas, pelo que pela mesma escritura cedem as quotas de que dispõem, o que foi aceite pela Segunda Outorgante.

7) Pela mesma escritura, a segunda outorgante, em representação da sociedade "Valarme - Representação e Exportação, Lda." assume, entre outras, a dívida de 33.000,00 € da "Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda." à sociedade "Irmãos Mota".

8) O R. CC foi declarado insolvente por sentença de 15/12/2015, proferida no Proc. n.° 10246/15.1T8STB do Tribunal da Comarca de ..., Instância Central, Secção de Comércio -J1, transitada em julgado no dia 31/12/2015.

9) Pela Ap. 186/20160118 foi inscrito no Registo Comercial a dissolução e encerramento da Liquidação da R. Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda.

III - O Direito:

De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4, 637º, nº2 e 639º, ex vi art. 679º, todos do Código de Processo Civil.

Assim sendo, nos termos do preceituado nos arts. 608º nº 2, 635º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, a questão suscitada na presente revista ressuscita a questão colocada na apelação:

Saber se os Réus devem ser condenados, solidariamente, no pagamento aos Autores do valor global da quantia por estes peticionada, ou condenados, cada um de per si, na corresponde fração da sua responsabilidade.”

                                                       **

Decorre dos factos que os Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª moveram um processo de execução contra Autores e Réus, sendo a quantia exequenda de 7.081, 85€, com base em letras emitidas por Pestana Bus - Actividades Turísticas, Lda. e avalizadas por AA. e restantes RR. Nos mesmos autos de execução, a exequente requereu a cumulação de execuções, pela quantia de €32.945,70, com base em documento particular assinado pelos executados, de donde consta que a dívida resultou do preço de dois autocarros que Irmãos Mota vendeu a crédito titulado por letras a Pestana Bus, tendo-se os aqui AA. e restantes Réus responsabilizado pelo pagamento, solidária e pessoalmente, como avalistas, fiadores e principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão, cumulação admitida por despacho de 1/6/2010.

No processo de execução, os Autores decidiram proceder ao pagamento da parte em dívida da quantia exequenda, pelo que celebraram, em 6/6/2011, um acordo com a exequente, através do qual fixaram a quantia exequenda em € 34 664,00, a pagar em 12 prestações mensais e sucessivas, sendo as 11 primeiras de € 1926,00 cada uma e a última de € 13 478,00.

Nos termos da cláusula 6ª do acordo celebrado entre os aqui AA. e a exequente, a exequente declara que, cumprido o acordo, fica completamente paga dos valores constantes das execuções e que transfere, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes executados.

Em 25/10/2012 a exequente declara que os aqui Autores liquidaram a quantia exequenda.

Interpretando os factos, a quantia ora peticionada tem a sua génese no mesmo tipo de títulos executivos - Letras (títulos de crédito) – cfr. art. 703 do Código de Processo Civil.

Os ora autores, então executados no processo de execução movido contra eles e contra os ora réus, decidiram pagar a quantia exequenda ao exequente, acordando com este receber, por sub-rogação, todos os direitos que o exequente possuía sobre os executados, o que ficou estabelecido na clausula 6ª do acordo celebrado.

Este “direito sobre os executados”, dizem os factos, é a cobrança da dívida (que foi exequenda) sobre todos os responsáveis, sendo certo que os aqui AA. e restantes Réus se haviam responsabilizado pelo pagamento do valor titulado nas letras, solidária e pessoalmente, como avalistas, fiadores e principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.

Tendo sido o valor titulado nas letras aglutinado pelo acordo de pagamento, do qual resultou um valor não coincidente com a soma dos valores titulados naquelas, restam, daqueles títulos de credito, as garantias que acompanhavam o seu eventual incumprimento. Essas garantias, eram a satisfação dos valores em dívida, de forma solidária e com renuncia aos benefícios de divisão e excussão.

Sendo assim, há que lançar mão do instituto da fiança e ter em consideração o que diz o nº1, do art. 650º, do Código Civil:

1. Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores. (sublinhado nosso)

O Tribunal da Relação fez esta apreciação:

…. Em face da matéria de facto dada como provada, em particular da agora transcrita, importa qualificar a declaração sub-rogatória do Exequente Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª a favor dos ora Autores, que está plasmada na Cláusula 6ª do acordo entre eles assinado. (…)

Em face da causa de pedir, (…) a presente acção tem por suporte a sub-rogação voluntária do credor Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª, relativamente ao crédito que detinha sobre a firma Pestana Bus-Actividades Turísticas, Ld.ª, concedida a favor dos ora Autores.

Passando estes assim, por via da dita sub-rogação voluntária, a assumir a posição da firma Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª, ou seja, posição de credores dos restantes obrigados, que tinham assumido, tanto como devedora, a firma Pestana Bus-Actividades Turísticas, Ld.ª, como por fiadores, os restantes Réus, a posição de principais pagadores da dívida à dita Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª.

Não se aplicando a esta sub-rogação em concreto, por ser uma sub-rogação voluntária do credor, e não uma sub-rogação legal, o Instituto da Fiança, nomeadamente na sua relação com os Réus cofiadores.

Perante este quadro, e tendo em conta o disposto nos art.ºs 589º e 593º, ambos do Cód. Civ., os ora Autores, por via da sub-rogação voluntária do credor, ficaram sub-rogados nos direitos que a firma Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª detinha sobre o principal devedor, a firma Pestana Bus-Actividades Turísticas, Ld.ª, e sobre os restantes responsáveis solidários pelo pagamento da dívida, os restantes Réus.

O que significa que os ora Autores, ao assumirem, por sub-rogação voluntária do credor, a posição da anterior credora, a firma Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª, têm o direito a haver tanto da principal devedora, a firma Pestana Bus-Actividades Turísticas, Ld.ª, que assumiu contratualmente a dívida para com a dita credora, como dos restantes Réus, que, enquanto fiadores, assumiram contratualmente a posição de devedores solidários e principais pagadores da dívida da firma Pestana Bus-Actividades Turísticas, Ld.ª  à firma Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª , o montante do crédito que solveram, e juros de mora,  o que podem exigir, individualmente, a cada um dos ora Réus, à primeira por ser principal devedora, e aos segundos por serem fiadores que assumiram solidariamente e como principais pagadores a dívida da primeira (art.ºs 518º, , 519º, 627º, 634º e 640º, todos do Cód. Civ.).

Concluindo (…) todos os aqui réus devem ser condenados solidariamente, como principais pagadores, no pagamento do valor peticionado pelos Autores, ou seja, no pagamento da quantia de €34.664,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da citação dos RR. – cuja última citação ocorreu em 17/2/2016 - e até efectivo e integral pagamento.”

Nada há a censurar à transcrita decisão de direito.

Como é sabido, o direito de sub-rogação traduz “a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento”[2]. Tal como vem regulada nos arts. 589º e segs., do Código Civil, é uma forma de transmissão de créditos que opera a favor de terceiro que cumpre a obrigação do devedor ou com cujos meios a obrigação é cumprida pelo próprio devedor.

A sub-rogação deriva, historicamente, do instituto romano “beneficium cedendarum actionum”, pelo qual os devedores acessórios (Ex: os fiadores) podiam, quando compelidos a pagar pelo devedor principal, exigir do credor que este sub-rogasse nas ações que lhe competiam contra o devedor, para depois se poderem ressarcir do pagamento efetuado. Tradicionalmente, a sub-rogação cinde-se em voluntária e legal: voluntária quando provocada pelo acordo entre o sub-rogante e o sub-rogado ou devedor; legal quando deriva de cominação jurídica, associada à adveniência de qualquer outro evento – art. 592º do Código Civil.[3]

Face à definição referida, mostra-se com bastante clareza que a sub-rogação operada nos factos, é uma sub-rogação voluntária operada pelo credor, mediante acordo com os sub-rogados (ora autores), tal como consente o art. 589º do Código Civil.

Derivando a sub-rogação (voluntária) pelo credor de acordo entre este e o sub-rogado, nos termos da aludida disposição legal, em tal acordo deverão constar três requisitos explicitados na lei: i) o pagamento total da prestação ao credor; ii) a expressa sub-rogação do credor ao sub-rogado da sua posição; iii) até ao momento do cumprimento da obrigação.

A validade da sub-rogação pelo credor exige uma expressa declaração de vontade nesse sentido, manifestada no ato do cumprimento da obrigação ou anteriormente.

Ao invés do que se passa na sub-rogação, o direito de regresso é um direito nascido “ex novo” na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior. Não consubstancia qualquer transmissão mas sim o exercício, pelo titular, dum direito que “ab initio” lhe assistia[4], situação que no caso em apreço não se verifica.

No caso dos autos, os aludidos requisitos do art. 589º do Código Civil verificaram-se, e tendo havido declaração expressa da sub-rogação do credor para os sub-rogados, as garantias e outros acessórios do crédito transferiram-se para os “solvens”, colocando os sub-rogados, ora autores, na titularidade do mesmo direito de crédito que os Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª possuía.

Nesta conformidade, ao abrigo do art. 519º, nº1, do Código Civil, os autores podem exigir se qualquer dos devedores/ fiadores (arts. 627º e 634º do Código Civil) toda a prestação, não sendo lícito aos réus opor o benefício da divisão (art. 518º do Código Civil), nem o benefício de excussão (art. 640º, al. a) do Código Civil), porque a tais direitos declararam renunciar quando se vincularam à obrigação inicial[5]

IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e confirma-se o acórdão recorrido.

 Lisboa, 27-2-2020

Cons. Assunção Raimundo - Relatora por vencimento

Cons. Ricardo Costa – Votei Vencido, nos termos da Declaração, com 9 páginas, que junto.

Cons. Ana Paula Boularot

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC):

______________________________


Processo n.º 1730/13.2TBSTB.E1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, 1.ª Secção Cível

DECLARAÇÃO DE VOTO

Após inversão do Relator por vencimento do projecto de Acórdão, votei Vencido, pelas razões que exponho.

1. A acção declarativa de condenação constante dos autos tem subjacente:

(i) um contrato de compra e venda de dois autocarros, celebrado entre a vendedora «Irmãos Mota & Companhia, Lda.» e a compradora «Pestana Bus – Actividades Turísticas, Lda», cujo cumprimento é garantido por avales cambiários em letras emitidas pelo devedor e fianças de sete pessoas singulares (“terceiros outorgantes”, como “principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão”;

(ii) um acordo de pagamento entre a credora «Irmãos Mota» e dois desses sete garantes – os Autores na acção – celebrado no decurso de processo de execução, no qual foi fixada a quantia definitiva em dívida (exequenda) no montante de € 34.664, com juros incluídos; e

(iii) o cumprimento pelos Autores desse acordo, com a consequente extinção da dívida junto da credora «Irmãos Mota» nos termos da cláusula 6.ª desse acordo (“cumprido o acordo, fica completamente paga dos valores constantes das execuções”) e, ainda nesses termos, a concretização da declaração unilateral da credora-exequente que “transfere, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes executados”.

Os dois devedores pagantes vieram exigir junto do devedor principal nesse contrato («Pestana Bus») e dos restantes co-devedores o pagamento do que liquidaram à credora «Irmãos Mota», seja por via da sub-rogação (arts. 589º e ss do CCiv.), seja por via do direito de regresso (art. 524º do CCiv.).

2. Em 1.ª instância, decidiu-se, tendo por base a aplicação dos arts. 650º e 524º do CCiv. e 32º da LULL, que os Autores poderiam exigir a cada um dos Réus 1/7 da dívida em causa, pelo que, “tendo os AA. procedido ao pagamento de 34.664,00 €, podem assim exigir a cada um dos RR., com excepção da 1ª R., o pagamento da quantia de 4.952,00 €, sendo que a 1ª R. [o devedor principal] responde pelo remanescente, correspondente à quota parte que aos AA. caberia (2/7); ou seja, 9.904,00 €”.

3. O acórdão recorrido da Relação de Évora decidiu de forma diversa. Em síntese:

Os Autores, codevedores garantes e pagantes, por força da sub-rogação voluntária pelo credor, operada nos termos da cláusula 6.ª do acordo de pagamento celebrado com a credora-exequente «Irmãos Mota», relativa ao crédito sobre a devedora principal «Pestana Bus», assumiram a posição de credores dos restantes obrigados. Razão pela qual se afasta o instituto da fiança, que implica uma sub-rogação legal nomeadamente quanto à relação entre os Réus co-fiadores. E, tendo em conta o disposto nos arts. 589º e 593º do CCiv., os Autores ficaram sub-rogados nos direitos que a credora «Irmãos Mota» detinha sobre o devedor principal «Pestana Bus» e sobre os restantes responsáveis solidários pelo pagamento da dívida, os restantes Réus. Assim, todos os Réus foram condenados solidariamente, como principais pagadores, no pagamento do valor peticionado pelos Autores.

4. Identificada a questão decidenda –

Saber se os Réus devem ser condenados, solidariamente, no pagamento aos Autores do valor global da quantia por estes peticionada, ou condenados, cada um de per si, na corresponde fração da sua responsabilidade.” –,

o acórdão em que fui vencido sufragou a argumentação e a solução do acórdão recorrido.

Em conclusão:

“(…) os aludidos requisitos do art. 589º do Código Civil [sub-rogação voluntária pelo credor] verificaram-se, e tendo havido declaração expressa da sub-rogação do credor para os sub-rogados, as garantias e outros acessórios do crédito transferiram-se para os “solvens”, colocando os sub-rogados, ora autores, na titularidade do mesmo direito de crédito que os Irmãos Mota & Companhia, Ld.ª possuía. Nesta conformidade, ao abrigo do art. 519º, nº 1, do Código Civil, os autores podem exigir de qualquer dos devedores/fiadores (arts. 627º e 634º do Código Civil) toda a prestação, não sendo lícito aos réus opor o benefício da divisão (art. 518º do Código Civil), nem o benefício de excussão (art. 640º, al. a) do Código Civil), porque a tais direitos declararam renunciar quando se vincularam à obrigação inicial”.

5. Vejamos, com o devido respeito pela decisão maioritária, por que não será essa a melhor aplicação do direito pertinente. Fazemo-lo com desenvolvimento para o melhor esclarecimento da posição constante do projecto de acórdão vencido, uma vez que, não obstante a simplicidade dos factos, as questões jurídicas emergentes são delicadas e complexas.

5.1. No plano das relações externas com o credor garantido, os Autores, fiadores e avalistas, são responsáveis solidários pelo pagamento da dívida (solidariedade passiva) – arts. 512º, 1 («A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.»), 513º («A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.») e 523º, 1 («A satisfação do direito do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores.»), do CCiv.; arts. 627º, 1 («O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.»), 631º, 1 («A fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, mas pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições.»), 649º, 1 («Se várias pessoas tiverem, isoladamente, afiançado o devedor pela mesma dívida, responde cada uma delas pela satisfação integral do crédito, excepto se foi convencionado o benefício da divisão; são aplicáveis, naquele caso, com as ressalvas necessárias, as regras das obrigações solidárias.) e 2 («Se os fiadores se houverem obrigado conjuntamente, ainda que em momentos diferentes, é lícito a qualquer deles invocar o benefício da divisão, respondendo, porém, cada um deles, proporcionalmente, pela quota do confiador que se encontre insolvente.»),  do CCiv., 47º, §§ 1.º e 2.º («Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.»), da LULL[1].

5.2. Uma vez liquidada a dívida e satisfeito na íntegra o direito creditício, os Autores, enquanto garantes pagantes:

– no plano das relações com o devedor principal (e avalizado cambiário), ficam sub-rogados nos direitos do credor contra esse devedor na medida do que satisfizeram;

– no plano das relações internas com os co-devedores garantes solidários[2], têm o direito de regresso respeitante à quantia que seja superior à sua quota e que tenham pago a mais.

Para estes efeitos, em conjunto, regem os arts. 592º, 1 (regime-regra da sub-rogação legal: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.»), 593º («O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.»), 650º do CCiv. («1. Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores. / 2. Se o fiador, judicialmente demandado, cumprir integralmente a obrigação ou uma parte superior à sua quota, apesar de lhe ser lícito invocar o benefício da divisão, tem o direito de reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais, ainda que o devedor não esteja insolvente.»), em articulação com o art. 644º («O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.»), sempre do CCiv., assim como o prescrito nos arts. 32º, § 3º («Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.») e 49º, 1.º («A pessoa que pagou uma letra pode reclamar dos seus garantes a soma integral que pagou»), da LULL[3]; ainda os arts. 524º («O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos co-devedores, na parte que a estes compete.») e 516º do CCiv. (para a fiança, a título próprio, e também para o direito de regresso extracambiário contra os avalistas do mesmo grau, não previsto expressamente pela LULL, uma vez que os diversos avalistas não são cambiariamente garantes uns dos outros[4]).

5.3. Havendo demanda conjunta pelos devedores garantes pagantes do devedor principal e dos restantes co-devedores garantes – como foi o caso dos autos –, essa disciplina legal da sub-rogação terá que ser conjugada com as prescrições do direito de regresso contra os restantes fiadores e avalistas, em harmonia com as regras decorrentes daqueles preceitos. Essa conjugação é expressamente admitida, como vimos, de acordo com o prescrito pelo art. 650º, 1, do CCiv., que serve para tal efeito de princípio geral. O que se compreende, como bem sintetizou o Ac. do STJ de 27/9/2012[5]:

“As figuras do direito de regresso e da sub-rogação legal, diferenciando-se claramente na sua estrutura e fisionomia jurídica, desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente, na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida, permitindo que o interessado que, no plano das «relações externas», satisfez um valor superior ao correspondente à sua quota de responsabilidade nas «relações internas»[,] possa repercutir tal valor sobre os restantes co-obrigados ou sobre o principal e definitivo devedor.

No CC, a figura do direito de regresso aparece coligada à modalidade e ao regime das obrigações solidárias: a satisfação do direito do credor por um dos devedores solidários produz, nos termos do art. 523º, a extinção da obrigação, outorgando o art. 524º um inovatório direito de regresso ao devedor que satisfez o direito do credor para além da quota que, nas relações internas, lhe cumpria suportar a título definitivo.

Por seu lado, a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, assim, se não extingue com o cumprimento, nos termos do art. 593º do CC.”

Porém, é necessário tratar da articulação implicada pelos dois direitos – o direito de crédito sub-rogado pelo credor no devedor garante (independentemente dos diferentes objectos de garantia) e pagante e o direito de regresso contra os outros garantes (enquanto “direito de reintegração do devedor que, sendo obrigado com outros, cumpre para além do que lhe cabe na perspectiva das relações internas”[6]).

Ora, como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, os dois direitos não poderiam – nem precisariam, acrescento – de ser exercidos conjuntamente[7]. Na lógica funcional das garantias, em que cabe ao devedor garantido suportar o risco económico total das operações negociais e ao garante vir em socorro do credor insatisfeito, o garante solvens actuará sub-rogado contra o devedor principal com a exigência do pagamento de tudo o que pagou (sub-rogação legal total) e actuará em direito de regresso contra os co-obrigados com a exigência do pagamento das quotas determinadas pelas suas relações internas, acautelando-se processualmente um enriquecimento que surgiria da duplicação de pagamentos[8]. A esta solução não obsta o art. 650º, 1, do CCiv. e a ela se acomodam inequivocamente os referidos arts. 32º, § 3.º, e 49º, 1.º, da LULL.

No entanto, se o garante pagante exercer o direito de regresso em cumulação com a sub-rogação no pedido de responsabilidade, demandando a título principal e na mesma hierarquia o devedor principal e os co-garantes – como é o caso dos autos –, a solução deverá ser reconhecer que a sub-rogação em relação ao devedor principal só se opera em relação à parte que lhe cabe, a final, na responsabilidade, e não na parte que simultaneamente demanda aos outros co-garantes como direito regressivo[9]. Isto significa que nessa hipótese:
(i) o direito de regresso opera em relação aos co-garantes nas quotas ou parcelas da dívida que a cada um cabia proporcionalmente garantir (presumidas iguais entre si[10]) na responsabilidade comum e que correspondem ao que o garante cumpriu(-liquidou) a mais no momento de se cumprir a solidariedade no plano externo;
(ii) a sub-rogação opera em relação ao devedor principal na quota ou parcela da dívida que cabia ao pagante garantir no conjunto dos garantes, ficando com o direito a exigir desse devedor principal essa quota parte que lhe caberia na responsabilidade garantida, isto é, a parte restante no confronto das parcelas pelas quais não respondem os seus co-garantes[11].

In casu, tendo em conta a regência dos princípios do dispositivo (mesmo que flexibilizado) e do contraditório, há que fazer no dispositivo decisório a repartição de responsabilidade para os demandados. Assim, os Autores ficam sub-rogados perante o devedor na parte do crédito que não pode demandar aos seus co-obrigados – ou seja, exige ao devedor como se fosse o credor na sua quota de obrigação conjunta com os restantes garantes (neste caso, os 2/7 dos 7 quinhões dos garantes); as restantes quotas (5/7) são exigidas no regresso das relações internas (regime das obrigações solidárias) e, uma vez ulteriormente pagas, ficam os co-obrigados sub-rogados na medida das suas quotas contra o devedor principal, a quem sempre incumbe pagar tudo a final[12].


5.4. Ao contrário do que se sustenta no ac. recorrido e no ac. em que fico vencido, a 2.ª parte da referida cláusula 6.ª do acordo de pagamento (“transfere, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes executados”.), sendo cláusula de sub-rogação voluntária pelo credor, nos termos previstos pelo art. 589º do CCiv., não prevalece sem mais sobre a previsão de sub-rogação legal e direito regressivo prevista para o cumprimento de dívidas solidárias por fiadores ou avalistas; antes tem que ser configurada no quadro conforme com o regime dos arts. 592º, 1, 650º, 1 e 2, e 32º, § 3º, da LULL, significando o que este impõe, sob pena de tal cláusula sub-rogatória estar viciada. Logo, deve ser configurada como sub-rogação do garante pagante nos direitos do credor contra o devedor (devidamente salvaguardada como previsão de sub-rogação legal[13] pelo referido art. 592º, 1, 1.ª parte, do CCiv.). A autonomia privada não pode subverter esse regime legal e, nomeadamente, conferir aos sub-rogados o mesmo benefício de solidariedade passiva externa que assistia ao credor, como se fosse indiscutível convencionar-se a identidade jurídica da posição obrigacional sub-rogada.

Assim deve ser:
(i) Desde logo porque a teleologia desse regime legal ficaria letalmente subvertida – e essa é o acertamento definitivo das contas nos quinhões da responsabilidade, uma vez pago o credor e extinta a dívida garantida, sem que se promovam subrogações supervenientes integrais nem solidariedades sucessivas[14];
(ii) Também porque o devedor principal (na relação jurídica fundamental e na relação jurídica cambiária) e os devedores garantes não intervêm nem autorizam nessa sub-rogação voluntária[15]. Sendo sua expectativa a aplicação do regime legal, sendo ademais a subrogação voluntária por declaração do credor independente de consentimento do devedor (art. 768º, 2, CCiv)[16], não se lhes pode impor regime diverso. A sub-rogação voluntária fundada em declaração do credor, enquanto expressão da liberdade negocial, não pode ser admitida como expediente para afastar a lei e fundamentar solução que, em especial, vincula os devedores não pagantes a nova solidariedade perante os “novos credores”, a não ser que eles próprios – admite-se – consentissem nessa alteração – o que não foi o caso;
(iii) por fim – mais radical –, sendo certo que a sub-rogação voluntária implica legalmente (e racionalmente) a prestação de “terceiro”,  na medida em que se entenda que o fiador e o avalista cambiário enquanto devedores garantes solidários não são terceiros para efeitos de aplicação do art. 589º do CCiv. e, portanto, em razão da inadmissibilidade de sub-rogação voluntária pelo credor aos casos de pagamento por sujeitos envolvidos no negócio como garantes, pois compreende-se que realizam prestação própria e não alheia e, ademais, não visam adquirir o que quer que seja quando pagam em garantia[17] assim estaria letalmente impedida a sub-rogação nos direitos do credor contra os demais garantes, a fim de se poder exigir solidariamente a totalidade da dívida como se tratasse do credor que foi pago.
Em conclusão, como assevera JORGE RIBEIRO DE FARIA, “se um condevedor solidário cumpre, não tem ou adquire ele a posição jurídica de credor solidário em relação aos seus co-devedores[18]. Por isso, quando a transferência sub-rogatória se convencionou no acordo de pagamento referido, não se admite que, por mor dessa cláusula, a posição jurídica integral do credor se transmite para a esfera jurídica dos co-devedores fiadores e avalistas que pagaram.

5.5. Atente-se que, seja para a fiança, seja para o aval cambiário, esse direito de regresso é um direito de crédito novo, cujo objecto não coincide com o objecto do direito garantido e extinto, que nasce e se constitui no momento (posterior ao da constituição da obrigação solidária) em que o co-devedor garante satisfaz o direito do credor para além da sua quota, acto este que determina o objecto distinto do direito do solvens contra cada um dos seus co-garantes (chamados a cumprir até ao limite das respectivas quotas de responsabilidade)[19]. A esse direito de crédito corresponde uma obrigação conjunta, da qual é credor o garante solidário que pagou e são devedores todos os restantes[20]. Logo, a convenção de solidariedade passiva na fiança, ao dispor que se exclui/renuncia o/ao “benefício da divisão” na relação com o credor e para garantia do seu crédito[21] – como foi o caso do convencionado no contrato de compra e venda dos autos, no contexto da sua cláusula 9.ª, a fls. 105 dos autos, em que se verifica que a fiança se constitui, “responsabilizando-se [os Terceiros Outorgantes] de forma pessoal, solidária e principal”, para garantia do “cumprimento integral de todas as responsabilidades que do mesmo [contrato] resultam para a Segunda Outorgante [a credora]” –, vigora para a obrigação solidária de garante nas relações externas e não se transmuta para o momento posterior de actuação do credor de regresso nas relações internas[22]. Por outras palavras: não afasta a actuação jusnormativa do art. 524º, 1, do CCiv. («O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos co-devedores, na parte que a estes compete.») aquando do exercício do direito de regresso, não actuando a exclusão do “benefício da divisão” nas relações internas para efeitos de repartição da responsabilidade no reembolso em via de regresso.

O risco que a lei pretende evitar já há muito consta da doutrina, como destacou MANUEL DE ANDRADE: “evitar um «circuito de acções»”, resultante de o co-garante pagante ter uma acção regressiva solidária para reaver o desembolsado a mais da sua parte e, quem pagasse, ter novamente acção solidária sobre os restantes e assim sucessivamente[23].

Não será assim apenas se – admitindo-se que a norma do art. 524º do CCiv. não é imperativa e a sua disponibilidade de interesses poderá submeter-se à intervenção da autonomia de vontade das partes – os co-devedores garantes estipularem (ou alargarem) o regime da solidariedade (decorrente do afastamento do “benefício da divisão”) nas (às) relações internas entre si, por acordo celebrado entre eles para esse efeito (mesmo se intervierem isoladadamente nos termos do art. 649º, 1, do CCiv.). Só nesse caso[24] é que se atribuiria ao que satisfaz o débito comum “o direito de regresso por inteiro junto de qualquer dos restantes, descontada evidentemente a sua parte”[25]. Não foi o caso nem tal pode ser concluído por interpretação da referida cláusula, operativa tão-só nas relações externas com o credor garantido e em seu benefício.

Por outro lado e em acréscimo, sempre valeria ainda, pois os sujeitos fiadores são também avalistas, a solidariedade externa legalmente imposta no regime legal para o aval cambiário e a subsequente aplicação do regime geral da solidariedade passiva ao direito de regresso do co-avalista solvens. Aqui, os avalistas não têm ao seu dispor qualquer liberdade para estipular sobre o “benefício da divisão” – o art. 47º da LULL é claro e inequívoco (os avalistas são todos solidariamente responsáveis para com o portador)[26] – e nem precisam sequer de excluir tal benefício – não há norma equiparável à do art. 649º do CCiv. nessa LULL. Destarte, nenhum juízo teria que ser importado das relações externas para a repartição de responsabilidade em acção de regresso e a distribuição em sentido diverso da responsabilidade pelos quinhões de repartição interna estaria apenas disponível se convenção houvesse para o exercício de direito de regresso. E sempre incumbiria aos avalistas demandados pelo garante pagante – como também aos fiadores demandados, pois aqui a disciplina é a mesma – alegar e provar a existência de eventuais desvios à regra da repartição e à presunção da repartição igualitária. O que não consta (desde logo pelo confronto com o teor das cláusulas 4.ª e 6.ª do mesmo contrato de compra e venda, a fls. 104 dos autos).

Pelo exposto, e salvo a devida consideração:

Julgaria procedente a revista, revogando a decisão recorrida e repristinando o decidido em primeira instância.

O Relator Vencido

Ricardo Costa

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[1] Com apoio suplementar no art. 100º do CCom.: CAROLINA CUNHA, Manual de letras e livranças, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 131, ss.
[2] Sem prejuízo das diferenças entre a garantia proporcionada pela fiança (o pagamento da obrigação do garantido: art. 627º, 1, CCiv.) e pelo aval cambiário (o pagamento da letra de câmbio: art. 30º, § 1.º, LULL).
[3] V., por todos, CAROLINA CUNHA, Manual… cit., pág. 43 (a LULL reconhece ao avalista “explicitamente a faculdade de demandar cambiariamente o próprio avalizado”).
[4] Sobre esta aplicação às relações extracambiárias entre os co-avalistas, v. o AUJ do STJ n.º 7/2012, de 5/6/2012, processo n.º 2493.05.0TBBCL.G1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, publicado in DR 1.ª Série, n.º 137, de 17/7/2012 (com o segmento uniformizador: “Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.”). Na doutrina, CAROLINA CUNHA, Letras e livranças: paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 304 e ss, Manual… cit., págs. 127 e ss.
[5] Processo n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1, Rel. LOPES DO REGO, in www.dgsi.pt.
[6] ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 826.
[7] Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, sub art. 650º, pág. 668.
[8] Neste sentido: JANUÁRIO GOMES, “Pluralidade de fiadores e liquidação das situações fidejussórias”, Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles. 90 Anos. Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 827-828, 830.
[9] V. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume I cit., sub art. 650º, págs. 668-669,  ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pág. 506 (o fiador que exerce o direito de regresso contra os demais co-fiadores depois de pagar a totalidade da dívida, “é evidente que ele só fica sub-rogado perante o devedor na parte do crédito que não recebeu dos seus co-obrigados”), ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 902. Convergente: Ac. do STJ de 30/10/2002, processo n.º 02B2739, Rel. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.
[10] V. art. 516º do CCiv.
[11] Recorde-se que o quinhão de um dos co-devedores garantes e Réu não foi tido em conta na condenação em 1.ª instância, considerando a sua declaração judicial de insolvência transitada, a prevalência da reclamação e verificação do respectivo crédito regressivo no processo de insolvência respectivo e o decretamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente a esse Réu, considerando-se nesse despacho, conforme se deu conta no Relatório (ponto C)), o segmento uniformizador plasmado no AUJ n.º 1/2014 («Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.»).
[12] V. JANUÁRIO GOMES, “Pluralidade de fiadores…”, loc. cit., pág. 830.
[13] Aquela que se verifica por determinação da lei, “independentemente de declaração do credor ou do devedor”: INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 286.
[14] V. JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, II Volume, Almedina, Coimbra, 1990 (reimp. 2011), pág. 565 – “(…) no cumprimento por parte de um condevedor solidário, trata-se menos, ou mesmo nada, de um sacrifício que deva ter o seu benefício, precisamente por via da sub-rogação, que de um acto de cumprimento, em medida que de resto se espera, mas que, por exorbitar da quota-parte pessoalmente devida, se faz acompanhar de um direito de restituição”.
[15] A sub-rogação voluntária por declaração do credor não depende de consentimento do devedor, nos termos do art. 768º, 2, do CCiv.: v. por todos INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações cit., pág. 284.
[16] Ainda que conhecida por efeito da notificação e consequente eficácia da sub-rogação, nos termos do art. 583º, 1, ex vi art. 594º, do CCiv.
[17] Assim sustentou este STJ nos Acs. de 22/2 (processo n.º 18/13.3TBVLP-E.G1.S1) e de 24/4/2017 (processo n.º 1297/14.4T8STB.P1), Rel. JOÃO TRINDADE, in www.dgsi.pt, contrariados manifestamente pelo acórdão agora proferido. Note-se: “Numa acção executiva intentada contra a devedora principal e contra os fiadores desta, o co-fiador que satisfez integralmente o crédito à exequente, não sendo um terceiro, não pode ser sub-rogado por aquela nos seus direitos contra os demais fiadores, de molde a poder exigir de cada um deles a totalidade da dívida como se de o primitivo credor se tratasse (art. 589.º do CC)”: ponto I do Sumário do primeiro); “O artigo 589.º do CC, que rege para a sub-rogação pelo credor, apenas é de aplicar a terceiros que efectuam o pagamento àquele, sendo que o avalista, enquanto responsável solidário para com o banco credor, não se enquadra nessa situação; acresce que, vigorando entre os co-avalistas a solidariedade, o direito de regresso que um deles adquire quando paga a livrança apenas se constitui nesse momento e não no momento em que foi prestado o aval.” (ponto IV do Sumário do segundo).
Na doutrina, neste sentido, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume I cit., sub art. 592º, págs. 608-609 (no devedor solidário, “[o] crédito não se transfere, mas extingue-se (art. 523º); o devedor não é terceiro e o seu direito (regresso) tem natureza e regime próprios (art. 524º)”); ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil, X, Direito das obrigações. Garantias, com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 492 (“o devedor solidário não realiza uma prestação de terceiro (é própria!) e não visa adquirir seja o que for”).
[18] Direito das obrigações, II Volume cit., págs. 564-566, sublinhei.
[19] V., elucidativamente, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II cit., págs. 787, 789-790, JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, II Volume, Almedina, Coimbra, 1990 (reimp. 2011), nt. (1) – págs. 186-187, e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, II, Direito das obrigações, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 725, 728.
[20] ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 677.
[21] Para efeitos de fiança, em circunstâncias concretas que apontam para uma actuação individual dos fiadores, responde cada um deles pela satisfação integral do crédito na relação para com o credor da relação jurídica garantida e aplicam-se as regras das obrigações solidárias (art. 649º, 1, do CCiv., «exceto se foi convencionado o benefício da divisão»). Uma vez excluído convencionalmente o benefício da divisão e assumindo os fiadores a condição de “principais pagadores”, tal cláusula terá a primordial função cautelar de evitar que, considerando-se, em função de outros critérios de análise e imputação, uma actuação conjunta dos fiadores (como parece ser o caso dos autos, com vinculação simultânea nos mesmos documentos: v. JANUÁRIO GOMES, “Pluralidade de fiadores…”, loc. cit.,  págs. 819-820), possa ser invocado o “benefício da divisão”, como estatui o art. 649º, 2, do CCiv. (ou, seguindo a doutrina de ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II cit., pág. 505, serve para ilidir a presunção legal de responsabilidade em partes proporcionais pelo cumprimento da dívida), nessas mesmas relações externas (atente-se que a epígrafe do art. 649º é justamente «Responsabilidade para com o credor»).
[22] V., também em juízo crítico a decisão do STJ, JANUÁRIO GOMES, “Pluralidade de fiadores…”, loc. cit., pág. 820, nt. 76 – págs. 828-829 (sem fundamento “o facto de os fiadores responderem solidariamente face ao credor para concluir que cada co-fiador é também devedor solidário no âmbito das relações internas, em relação ao fiador que satisfez o credor”).
[23] V. Teoria geral das obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1963, págs. 146-147.
[24] Confronte-se ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, II, Direito das obrigações, Tomo I cit., pág. 725, quando acentua que o direito de regresso exercido nas relações internas corresponde a uma “obrigação legal, assente na preocupação de prevenir o enriquecimento dos devedores que não tenham sido chamados a cumprir até ao limite das respectivas quotas” (itálico da nossa responsabilidade)..

[25] Como defende ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 677 (“Será, todavia, uma cláusula pouco frequente na prática.”).

Expressamente assim se refere no aludido AUJ n.º 7/2012 (in DR cit., pág. 3798: “(…) na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade de acordo com a presunção que decorre do artigo 516.º do Código Civil, sem prejuízo do funcionamento da liberdade contratual que pode levar a que, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código Civil, se estabeleçam acordos quer sobre a existência e condicionalismo do direito de regresso, quer sobre a repartição da responsabilidade”: sublinhado nosso).
[26] Neste sentido, CAROLINA CUNHA, Manual… cit., págs. 130-131.

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[1] Proc. 4894/08.3TBSTB do 1° Juízo Cível da Comarca de Setúbal
[2] cfr. A. Varela – Das Obrigações em Geral – vol. II – 4ª ed. – 324)
[3] Cfr. Menezes Cordeiro, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 2º Vol., 1990, págs.99 a 101.
[4] Cfr. Antunes Varela, ob. cit. pág. 304 e segs.
[5] Cfr. facto nº2 da factualidade provada.