I – Invocando os Recorrentes a violação do caso julgado de uma decisão que nunca foi anexada aos autos, não se conhece do seu conteúdo e não se tem por verificada a violação do caso julgado.
II – Não se verifica omissão de pronúncia sobre factos relativos à usucapião quando esses factos não foram dados como provados ou foram considerados essencialmente de direito ou de caráter conclusivo.
III - O legislador estabeleceu uma providência de natureza excecional - a justificação notarial -, destinada a possibilitar o estabelecimento do princípio do trato sucessivo, sempre que os interessados não disponham de títulos que comprovem os seus direitos.
IV - Nos casos em que não se prove que o titular inscrito transmitiu o seu direito, a lei exige a sua notificação prévia, visando dar-lhe a conhecer – ou aos seus herdeiros - a pretensão dos requerentes em justificar o direito que no registo está inscrito a favor daquele, para que, se quiser, a ela venha deduzir impugnação (artigo 99.º, n.º 1, do CN). É, pois, essencial que antes da celebração da escritura de justificação se proceda à notificação do titular inscrito - ou, no caso do seu falecimento, à dos respetivos herdeiros.
V - A notificação edital apenas deve ter lugar no caso de ausência em parte incerta ou falecimento (art. 99.º, n.º 4, do CN).
VI - Não se afigura razoável que os Autores/Recorrentes beneficiem da omissão de indicação da morada das Rés/Recorridas que conhecem e sabem não estar ausentes em parte incerta.
VII – De outro modo, a modalidade da notificação edital é indevida e abusivamente utilizada.
VIII - Competia aos Autores/Recorrentes alegar e provar, na presente ação – em que as Rés/Recorridas impugnam a escritura de justificação notarial lavrada na sua pendência – os factos justificativos do direito que se arrogam e que pretenderam justificar através da respetiva escritura, não beneficiando da presunção da titularidade do direito (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/08, de 4 de dezembro de 2007).
IX – A conduta dos Autores/Recorrentes revela-se manifestamente abusiva quando o registo é efetuado já na pendência da causa, instaurada pelos próprios Autores/Recorrentes, com base numa escritura de justificação notarial, também ela celebrada na pendência da causa, sem conhecimento das Rés/Recorridas.
X - Devem, assim, os Autores/Recorrentes ficar impedidos de se fazer prevalecer da escritura de justificação notarial e da presunção da titularidade do direito decorrente do registo.
7a- Estão provados, nos autos os seguintes fatos sobre que a douta sentença omitiu pronúncia e o douto acórdão e o douto acórdão manteve inalterados:
a) O falecido II, após a morte da sua mãe tomou a posse dos dois terrenos (artigo 55° da pi)
d) Desde então, exerceu a posse do bem, constituído pelos dois terrenos, na convicção de usar direito próprio, ignorando lesar o direito de outrem, à vista de toda agente e sem oposição de quem quer que seja (56°).
c) Posse que se transferiu para os AA por aquisição derivada (57°).
d) Aposse dos AA é caracterizada por ser titulada, porque fundada em modo legítimo de adquirir (58°).
e) De boa fé, porque o possuidor ignora que os anteriores proprietários tivessem lesado o direito de outrem (59°).
f) Pacífica, porque o possuidor ignora que os anteriores proprietários tivessem lesado o direito de outrem. (60°).
g) Pública porque à vista de toda agente (61°)
h) Traduzida em atos materiais de guarda, arranjo, conservação, beneficiação, fruição, bem como no pagamento de taxas e de impostos que lhe respeitem (62°)
i) Posse que os AA exercitam em nome próprio há mais de ano e dia e de 8 anos e de seus antepossuidores há mais de 1, 20, 30 e 60 anos (63°).
j) E que assim exercida e mantida, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, faculta aos autores a aquisição do direito de propriedade do imóvel inicial, por usucapião, nos termos dos artigos 1287°, 1294° e 1296° do Código Civil (64°).
7ª- Estão provados nos autos os seguintes fatos sobre que a douta sentença omitiu pronúncia:
a) O falecido II, após a morte da sua mãe tomou a posse dos dois terrenos (artigo 55º da pi)
d)Desde então, exerceu a posse do bem, constituído pelos dois terrenos, na convicção de usar direito próprio, ignorando lesar o direito de outrem, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (56º).
c)Posse que se transferiu para os AA por aquisição derivada (57º).
d) A posse dos AA é caracterizada por ser titulada, porque fundada em modo legítimo de adquirir (58º).
e) De boa fé, porque o possuidor ignora que os anteriores proprietários tivessem lesado o direito de outrem (59º).
f) Pacífica, porque o possuidor ignora que os anteriores proprietários tivessem lesado o direito de outrem (60º).
g) Pública porque à vista de toda a gente (61º.)
h) Traduzida em atos materiais de guarda, arranjo, conservação, beneficiação, fruição, bem como no pagamento de taxas e de impostos que lhe respeitem (62º.)
i) Posse que os AA exercitam em nome próprio há mais de ano e dia e de 8 anos e de seus antepossuidores há mais de 1, 20, 30 e 60 anos (63º).
j) E que assim exercida e mantida, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, faculta aos autores a aquisição do direito de propriedade do imóvel inicial, por usucapião, nos termos dos artigos 1287º, 1294º e 1296º do Código Civil (64º).
8ª- Está provado nos autos o seguinte:
Na sequência do referido em 22 e 23, o GG durante mais de trinta anos utilizou o terreno referido em 6, o que fez com autorização dos autores, e de II até Fevereiro de 2009.
9a - Os autores reconhecem o prédio dos réus.
10a. Os autores adquiriram o seu prédio por usucapião.
11a- O prédio dos autores é constituído de:
PRÉDIO URBANO- Sito na Rua ..., freguesia de ..., Porto, composto de terreno destinado a construção com 215 m2, a confrontar do norte com sucessores de QQ, do sul com Sucessores de MM, do nascente com a Rua ..., e do poente com sucessores de MM, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ..., inscrito na matriz som o artigo... urbano.
12a- Não obstante, também adquiriram o seu prédio por sucessão hereditária, como consta das inscrições Ap. 2319 de 19 de dezembro e da Ap. 2320 da mesma data que incidem sobre os mesmo prédio
13a- Gozam da presunção do registo de aquisição a seu favor.
14a- E adquiriram o seu prédio por aquisição originária.
15a - O douto acórdão, como a douta sentença não fazem análise crítica das provas produzidas.
16a- Constituem erro de julgamento.
17a- Os autores justificaram e registaram apenas o seu prédio.
18o- As instâncias não se aperceberam de que o prédio legado representa metade da frente dos dois prédios que representam dois lotes iguais à totalidade da parte construída para a Rua oposta.
19o- Os réus não têm, nem alegam ou justificam terem mais de 12 metros de frente para a Rua ....
20o- Os outros 12 metros são os justificados pelos autores.
21a- A justificação notarial não tendo sido impugnada é válida.
22o- Consequentemente o registo é válido.
23o- Os autores fazem prova da propriedade do seu lote, por presunção do registo a seu favor e por usucapião.
22a- Agiram de boa-fé na realização da escritura de justificação e do registo.
23a- Os réus tiveram conhecimento da notificação prévia junta à escritura.
24°-Não apresentam justificação de não terem o desconhecimento que alegam.
25o- Em qualquer caso sempre tiveram conhecimento da realização da escritura de justificação e deixaram caducar o direito de impugnação que declararam nos autos fazer.
26o- O douto acórdão, além de outras disposições legais, viola as normas dos artigos indicados na alegação.
27o- Dever ser revogado.
NESTES TERMOS e dos de direito com o douto suprimento que se roga deve ser julgado procedente e provado o presente recurso, ser revogado o douto acórdão e a douta sentença, e ser a douta sentença substituída pela douta decisão que julgue a ação totalmente procedente.
JUNTAM: Comprovativos do pagamento da taxa de justiça e da multa pelo primeiro dia útil posterior ao do prazo.
Pedem a admissão ao autos do douto acórdão da Relação e da habilitação de herdeiros que o douto acórdão diz não constarem dos autos, caso assim se verifique”.
19. O Interveniente OO, nas suas contra-alegações, apresentou as seguintes Conclusões:
“1 - Vêm os Recorrentes, invocar, para efeitos de recurso, a violação da lei substantiva por erro de interpretação e aplicação, violação e errada aplicação da lei do processo e nulidades;
2- Os Autores fundamentam a sua tese na "pretensa" existência de um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que terá recaído sobre a sentença da primeira instância do procedimento de registo,
3- Nas Alegações que os Autores fizeram em recurso para o douto Tribunal da Relação do Porto, na Conclusão 1, alegam o seguinte, que se passa a transcrever para melhor facilitar:
"1a - O douto Acórdão que recaiu sobre o processo administrativo de justificação do terreno dos Autores reconheceu que na frente de 24 metros da Rua de ..., ..., Porto existe o terreno dos réus e o reivindicado pelos autores, cada um com 12 metros de frente." (sublinhado nosso)
- Vêm invocar com este acórdão {que só os Autores têm conhecimento e a existir lhes competiria juntar até à Audiência de Discussão e Julgamento) junto do douto Tribunal da Relação a existência do caso julgado e a correspondente omissão e pronúncia;
- Em resposta, no douto Acórdão do Tribunal da Relação, diz-se:
“... Mas dos autos não consta tal acórdão, nem qualquer reprodução do mesmo, pelo, ignorando-se o teor do mencionado acórdão, não se pode ter por verificada a violação do caso julgado."
- Insistem os Recorrentes em invocar um acórdão que nunca foi dado conhecimento nos autos e, vieram invocar essa existência para fundamentarem uma pretensão que sabem não existir;
- Acontece que todas as partes foram devidamente notificadas da junção do Processo de Justificação Notarial e, nessa altura tiveram os Recorrentes oportunidade de invocar essa falta, ou juntarem esse mesmo acórdão, para efeitos de contraditório;
- E enquanto os Recorrentes tinham a obrigação de conhecer todo esse processo, pois foi promovido pelos próprios, os Recorridos apenas tiveram conhecimento do mesmo quando os Autores se limitaram a juntar aos autos cópia das declarações das Testemunhas;
- Não podem, agora, os Recorrentes vir reclamar a junção de um documento, que no momento próprio nada disseram;
- E, uma vez mais, os Recorrentes dizem que juntam o referido Acórdão com as Alegações, mas dos autos nada consta;
- E vêm fundamentar essa pretensão com base no disposto nos artigos 651° e 679°, ambos do Código de Processo Civil;
- Mas esta "pretensa" junção e pretensão (porque nada se encontra junto com a apresentação das Alegações) não tem fundamento legal porquanto nos termos do disposto no artigo 425° do Código de Processo Civil só são admitidos os documentos se a sua apresentação não tenha sido possível até à Audiência de Discussão e Julgamento.
- Ora os Recorrentes invocam no 3o parágrafo da página 17 das doutas Alegações o seguinte:
"Os autores, contaram, razoavelmente, que do processo de justificação 1/24 da 1a Conservatória do Registo Predial do Porto contivesse a sentença que sobre ele recaiu e o acórdão de impugnação da sentença. Caso contrário não está completo."
- Todas as partes foram notificadas da sua junção e se os Autores, ora Recorrentes, à data nada disseram não podem vir agora beneficiar dessa sua omissão, sendo que a mesma não se enquadra no disposto no artigo 425° do Código de Processo Civil;
- Nas alegações de recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, as questões a decidir foram:
a) a de saber se a sentença recorrida violou o caso julgado e se enfermava de nulidade por omissão de pronuncia;
b) Se a prova produzida impunha alteração da matéria de facto;
c) Se os factos impõem a procedência da acção;
Todas as pretensões dos Recorrentes foram improcedentes.
- Invocam os Recorrentes que o douto Acórdão da Relação "decidiu que são dois terrenos distintos, só que a prova produzida no processo de justificação era insuficiente";
- Salvo melhor opinião, não se vislumbra qual o texto onde essa conclusão vem plasmada.
- E, alegam ainda os Recorrentes na página 31 no parágrafo 8o que os réus tiveram conhecimento das publicações - o que é mentira, porque nada consta dos Autos nesse sentido, nem muito menos foi confirmado por estes, nem podiam, pois, à data dessas publicações estavam - como estão - a residir no ...;
- E os Recorrentes bem sabem!!
- O que os Recorrentes não querem explicar é porque não foi dada a direcção dos Réus ao Senhor Notário RR que procedeu à elaboração da referida escritura de justificação notarial;
- Nem muito menos lhe disseram da existência dos presentes Autos - conforme consta das declarações do Senhor Notário que disse que a saber da existência deste processo, nunca teria celebrado essa mesma escritura;
22 - Alegam, ainda, os Recorrentes, no 2o parágrafo da página 32 das suas Alegações o seguinte:
"Os autores não têm que notificar os réus para realizarem as escrituras: a notificação visa todas as pessoas, e não só os herdeiros incertos."
- Mas aqui os herdeiros, ora Recorridos, além de serem da família do de Cujus (que os Recorrentes não são...) não são nem incertos, nem desconhecidos;
- Foi junto aos autos e não impugnado pelos Autores, a correspondência existente entre o de Cujus e a sua Sobrinha EE (aqui Recorrida), bem como, a comunicação, por parte dos Autores do falecimento do Tio à Ré EE;
- Os Recorrentes não têm como não saber.
- E em conclusões, vêm os Recorrentes invocar - um fundamento novo - dizem "a não impugnação da escritura de justificação" para daí concluírem pela validade do registo;
- Deixando cair o fundamento anterior (invocado nas alegações para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto) do "caso julgado";
29 - Mas insistindo pela junção de um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que terá recaído sobre a sentença da primeira instância do procedimento de registo ou Acórdão que recaiu sobre o processo administrativo de justificação - as duas expressões utilizadas, sendo a primeira, nas doutas Alegações sobre análise e a segunda expressão utilizada nas Alegações anteriores para o tribunal da Relação do Porto;
- Escrevendo ao sabor do que lhes é mais conveniente.
- Pretendem os Autores, ora, Recorrentes o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio supra descrito invocando a presunção registral;
- De acordo com o plasmado na douta decisão de Primeira Instância e confirmada pelo douto Acórdão "sub Júdice", a presunção registal não abrange a área, confrontações ou outros elementos vertidos na descrição predial;
- E nada ficou provado - e essa prova cabia aos Autores, ora Recorrentes - quanto às exactas características do prédio que os Recorrente reclamam o direito de reconhecimento à sua propriedade e, sobretudo se se trata ou não de um prédio diverso do descrito sob o n° ... pertencente aos Réus;
- Os Recorrentes não fizeram esta prova e em Alegações limitam-se a fazer deduções;
- Também não ficou provado nenhum acto possessório sobre o imóvel que reclamam;
36- O disposto no artigo 101° n° 1 do Código do Notariado não é fixado qualquer prazo para a propositura da acção de impugnação do facto justificado.
37- Nos presentes autos, muito antes da escritura de justificação notarial, já se discutia o que os Recorrentes pretenderam dar uma "capa de legalidade" através de um processo simples, sem contraditório e com sonegação de informação ao Senhor Notário;
38- Pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 1/2008 de 04/12/2007 veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
"Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116° n° 1 do Código de Registo Predial e 89° e 101° do Código do Notariado, tendo sido os Réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-Ihes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7o do Código do Registo Predial".
39- Assim o novo argumento do Recorrentes também é improcedente, não só, pela invocação de factos e documentos que não se encontram juntos nos autos, como a existirem esses documentos, não podem ser agora juntos por falta de fundamento legal.
Sem prescindir:
40- A douta sentença de Primeira Instância veio notificar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3° n° 3 do Código de Processo Civil, os Recorrentes para no prazo de 10 dias se pronunciarem sobre a omissão grave do dever de actuar de boa-fé nos termos do disposto no n° 1 do artigo 7o, artigo 8o al.c) e do artigo 542.° n.° 2 todos do Código de Processo Civil;
- Findo esse prazo os, ora, Recorrentes nada vieram dizer;
- Pelo que se encontra cumprido o dever do contraditório;
- Devem, assim, os Recorrentes serem condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização condigna, o que deve acontecer a ser fixada pela Primeira Instância quando os presentes Autos descerem
Nestes termos e nos de mais de direito aplicáveis deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso confirmando-se, uma vez mais, a douta sentença de 1a Instância, devendo, ainda, pelo decurso do prazo do contraditório, ser fixada em sede de Primeira Instância, a multa e uma indemnização condigna a favor dos Recorridos pela condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé.
E assim se fazendo JUSTIÇA”.
20. Havendo os Autores/Recorrentes, nas suas alegações de recurso, invocado a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, o Tribunal da Relação do Porto, em conferência, a 21 de janeiro de 2018, ao abrigo do art. 641.º, n.º 1, do CPC, decidiu que:
“Pelos fundamentos expostos, desatende-se a arguição da invocada nulidade”.
21. Na verdade, rege no direito processual civil o princípio geral do direito processual civil segundo o qual compete ao órgão que praticou o ato nulo apreciá-lo e suprir a nulidade, quando for o caso (arts 196.º-200.º do CPC).
22. O Tribunal da Relação do Porto entendeu que o acórdão conheceu das questões que, perante os elementos constantes dos autos tinha que conhecer, não se verificando, por isso, a respetiva nulidade por omissão de pronúncia.
II – Questões a decidir
Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as questões de se saber se o acórdão recorrido viola – ou não - o caso julgado, se padece – ou não – de nulidade por omissão de pronúncia e se se verifica – ou não – , conforme os Autores, o “fundamento a violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação, violação e errada aplicação da lei do processo e nulidades” – que não concretizam adequada e devidamente.
III – Fundamentação
A) De facto
Segundo o Tribunal de 1.ª Instância:
“I-Factos provados:
1- O prédio descrito sob o nº ..., transcrito para a ficha nº …, até Dezembro de 2013 constou como inscrito em nome de II, solteiro, maior, residente na rua ..., Porto, segundo a inscrição nº …, a fls. … do livro …, efectuada em subordinação à apresentação nº 7, de 16 de Junho de 1917 [artigo 2º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 11 a 15; facto 1. assente na audiência prévia].
2- O titular inscrito, II, ainda solteiro, adquiriu o terreno situado na bifurcação das ruas ...e ..., a confrontar de norte com SS e QQ, do sul com a bifurcação das referidas ruas, do nascente com a rua ..., e do poente com a rua ...[artigo 3º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 11 a 15; facto 2. assente na audiência prévia]...
3- … E vendeu 26,31 dos muros de suporte das ruas à Câmara Municipal, que constituem o prédio nº ..., a fls. 7, verso, do libro …, destacado do nº ..., conforme averbamento nº 1 [artigo 4º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 11 a 15; facto 3. assente na audiência prévia].
4- O destaque de 26,31 m2 da descrição nº ... representa a bifurcação das ruas ... e ...[artigo 5º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; facto 4. assente na audiência prévia].
5- Nesse terreno assim descrito, o titular inscrito, II, construiu 4 prédios, com 6 metros de frente e 17,50 metros de fundo, cada um, que são os destacados pelos averbamentos nº 3, 5, 6 e 7 à descrição nº ..., todos com entrada pela rua ..., nº 90, 92, 102 e 80, respectivamente [artigo 7º da petição inicial; documento que consta de fls. 11 a 15; facto 5. assente na audiência prévia].
6- Do terreno inicial restou ao II, por construir, o terreno com a forma de rectângulo irregular que corresponde ao assinalado nas plantas juntas a fls. 23 a 25 [artigo 9º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação].
7- Por testamento outorgado a 14 de Dezembro de 1921, no Notário TT, na cidade do Porto, o II deixou à sua esposa PP, além do mais, em usufruto, um terreno com 12 metros de frente, sito na rua ..., murado e com um portão à frente; e, por morte da dita PP, deixou em usufruto o mesmo terreno para os seus filhos, II e MM, em partes iguais, e a nua propriedade aos seus netos, filhos destes filhos; estipulando ainda que, se estes netos não existirem quando os seus filhos falecerem, o seu filho que sobreviver ao outro usufruirá do referido terreno enquanto viver, passando, por seu falecimento, em plena propriedade, para os seus sobrinhos, filhos do seu irmão UU, residentes em ..., ..., que vivos forem quando falecerem os seus filhos ou o último destes ou respectivos descendentes [artigo 11º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 38 a 40].
8- O titular inscrito, doador e testador, II, faleceu a 13 de Dezembro de ..., no estado de casado com PP, que, por sua vez, faleceu no estado de viúva daquele seu marido a 24 de Dezembro de ... [artigo 12º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documentos que constam de fls. 30 a 44; facto 7. assente na audiência prévia].
9- O II, filho do II, a 30 de Agosto de 1989, participou à administração fiscal, para inscrição na matriz predial urbana, um terreno destinado a construção, com 430 m2 de área descoberta, a confrontar de norte com o prédio sito na rua ..., nº …, de sul com o prédio sito na rua ..., nº …, de nascente a rua ..., e de poente com os prédios sitos na rua ..., nº 80 a 102 [artigos 13º e 14º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação; documento que consta de fls. 45].
10- A repartição de finanças do 2º bairro fiscal do Porto, por ofício de 30 de Novembro de 1993, notificou o participante, II , do valor da avaliação do terreno que este havia participado para inscrição na matriz correspondente [artigo 15º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 46; facto 8. assente na audiência prévia].
11- O prédio participado pelo II acabou por ser inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com a área de 420 m2, em nome de II [artigo 16º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação; documento que consta de fls. 47 e 48].
12- O filho do titular inscrito, II, faleceu a 24 de Setembro de ..., no estado de solteiro, sem descendentes nem ascendentes vivos [artigo 17º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 49 a 52; facto 9. assente na audiência prévia]...
13- … E fez testamento no dia 11 de Fevereiro de ..., exarado a fls. 39 do livro 93 T do 2º cartório notarial do Porto, pelo qual deixou todos os seus bens móveis a KK, e todos os seus imóveis à mesma KK e aos filhos desta, LL e CC, aqui autores respectivamente [artigo 18º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 53 a 56; facto 10. assente na audiência prévia].
14- A KK, na qualidade de herdeira do II, relacionou o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º-U, freguesia de ..., Porto, no processo de imposto sucessório instaurado por óbito do mesmo II [artigo 19º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação; documento que consta de fls. 58 a 62].
15- O II, e, após o falecimento deste, a KK, desde 1993 e até 2003 procederam ao pagamento da contribuição autárquica devida pelo prédio inscrito na matriz sob o artigo …, freguesia de ..., Porto [artigo 20 º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação; documento que consta de fls. 63].
16- O MM, filho perfilhado de II, deixou a suceder-lhe por morte uma filha do seu matrimónio com VV, a aqui ré EE [artigo 21º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls 49 a 52; facto 11. assente na audiência prévia].
17- A ré EE foi casada com NN, de cujo casamento nasceram a ré FF e o interveniente principal OO [artigo 22º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 65].
18- A KK faleceu a 02 de Agosto de … [artigo 26º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 67].
19- A ré EE e seu marido, NN, quando do registo na Conservatória, em seu nome, do terreno legado, participou o seu prédio para inscrição na matriz, com data de 26 de Junho de 2001, como sendo um terreno com 286 m2 [artigo 31º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 69 e 70; facto 12. assente na audiência prévia].
20- Tendo de seguida a ré EE apresentado pedido de registo na Conservatória, este foi lavrado provisoriamente por dúvidas, devido à discrepância de áreas entre a descrição predial e o pedido de inscrição [artigo 32º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação; documento que consta de fls. 71].
21- A 27 de Março de 2004, os autores e a KK formularam pedido de justificação na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto, relativamente a um prédio sito na rua ..., Porto, com 12 metros de frente, com 215 m2 de área, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ..., a fls. 6 do Livro ..., invocando, como fundamento do pedido de justificação, a impossibilidade de localização da escritura de doação de II a seu filho, II, celebrada no início do ano de 1921 [artigo 36º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação; documento que consta de fls. 73 a 78].
22- O GG, antes de ..., solicitou ao II a utilização do terreno referido em 6-, com frente para a rua ..., para neles guardar, além do mais, pneus da oficina de automóveis que explorava num prédio vizinho [artigos 38º a 40º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação] ...
23- … No que o II acedeu [artigo 41º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação].
24- Na sequência do referido em 22- e 23-, o GG durante mais de 30 anos utilizou o terreno referido em 6-, o que fez com autorização do II até ao falecimento deste [artigos 38º a 40º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação].
25- O direito de propriedade sobre o prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ...- ..., constituído por terreno destinado a construção, com 286 m2 de área, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º, a confrontar do norte com XX, de sul com ZZ, de nascente com a rua ..., e de Poente com AAA, encontra-se inscrito a favor de EE, FF e OO pela inscrição G2. De 28 de Junho de 2001 [artigo 26º da contestação; matéria expressamente reconhecida no artigo 62º da réplica; documento que consta de fls. 124 e 125].
26- A 12 de Julho de 2012 os autores promoveram a realização de escritura de justificação notarial relativa a uma parcela de terreno com 215 m2 de área, sita na rua ..., ..., Porto, a confrontar de norte com sucessores de MM, de sul com sucessores de QQ, de nascente com a rua ... e de poente com herdeiros de II, afirmando ter tal prédio advindo à sua titularidade por herança de II, que por sua vez havia adquirido o mesmo imóvel por doação feita pelo II, negócio formalizado por documento que não lograram encontrar, e alegando, em todo o caso, ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre o referido imóvel [artigo 4º do articulado superveniente de fls. 359 e ss; matéria aceite pelas rés no articulado que consta de fls. 450 e ss; documento que consta de fls. 368 a 375].
27- No âmbito do procedimento prévio à lavra da escritura de justificação referida em 26-, foram notificados os eventuais herdeiros incertos do II, por edital afixado na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto e na Junta de Freguesia de ..., Porto, afixado em Maio de 2012 [artigo 5º do articulado superveniente de fls. 359 e ss; matéria aceite pelas rés no articulado que consta de fls. 450 e ss; documento que consta de fls. 368 a 375].
28- Com base na escritura de justificação referida em 26-, em Dezembro de 2013, os autores promoveram a inscrição a seu favor no registo do prédio actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... [artigo 1º do articulado superveniente de fls. 359 e ss; matéria aceite pelas rés no articulado que consta de fls. 450 e ss; documento que consta de fls. 368 a 375].
II- Factos não provados
Não resultou provado, com relevo para a decisão a proferir, que:
a- o terreno do prédio referido em 1-, após o destaque da parcela identificada em 3- e 4-, tenha ficado com 24 metros de largura para cada uma das ruas ... e ...[artigo 6º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
b- o II tenha previsto construir 4 casas, com entrada pela rua ..., com iguais características e composição às que construiu com entrada pela rua ..., no prédio referido em 1- [artigo 8º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
c- o terreno referido em 6- possua 24 metros de frente para a rua ...e a profundidade média de 17,50 metros [artigo 9º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
d- o II, por escritura dos princípios do ano de 1921, tenha doado ao filho do seu casamento com PP, ½ do prédio descrito em 6-, correspondente à ½ do espaço norte, compreendido entre a linha perpendicular que vai do ponto de 12 metros de largura do terreno na parte que confronta com a rua ..., até às traseiras dos prédios construídos na outra ½ do terreno inicial [artigo 10º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
e- através do testamento referido em 7-, o II tenha deixado a ½ sul do terreno, correspondente a ¼ em substância do inicial, dividida pela linha perpendicular que vai do ponto de 12 metros de largura do terreno na parte que confronta com a rua ..., até às traseiras dos prédios construídos na outra ½ do terreno inicial [artigo 11º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 22º da contestação];
f- os autores AA e CC sejam os herdeiros universais da falecida KK [artigo 27º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
g- após o falecimento do II, o GG tenha pedido aos autores que o deixassem ocupar o terreno referido em 6-, ou qualquer outro; e que os autores nisso tenham consentido [artigos 42º e 44º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
h- o II desconhecesse a existência de herdeiros do seu irmão, MM, ausente no ... [artigo 55º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
i- o II, sobre o terreno referido em 6-, tenha praticado outros actos além do referido em 22- a 24- [artigo 62º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 18º da contestação];
j- após o falecimento do II, o GG tenha ocupado o terreno referido em 6- por tolerância dos autores [artigo 6º da réplica; matéria antecipadamente impugnada na contestação];
k- no Verão de 2001 o autor BB tenha dado autorização ao GG para continuar a utilizar qualquer parte do terreno referido em 6-; que o GG tenha ficado agradecido aos autores e tenha perguntado a estes se podia continuar a utilizar o terreno; e que o autor BB tenha permitido tal utilização [artigos 8º a 10º e 13º da réplica; matéria antecipadamente impugnada na contestação];
l- no Verão de 2006 o GG tenha pedido ao autor BB autorização para utilizar o terreno referido em 6- para parqueamento de máquinas e camiões; e que o autor BB nisso tenha consentido [artigos 11º e 13º da réplica; matéria antecipadamente impugnada na contestação];
m- os prédios referidos em 1- e 25- se delimitem pela linha perpendicular à rua ... que vai do centro dos 24 metros da frente do prédio inicial, com 430 m2, até ao limite das traseiras, em relação à rua de referência (rua ... [artigo 10º do articulado superveniente de fls. 359 e ss; matéria impugnada pelas rés no articulado de resposta que consta de fls. 450 e ss]”.
“Pelos fundamentos expostos, desatende-se a arguição da invocada nulidade”.
6. O Tribunal da Relação do Porto, em conferência, entendeu, pois, que o acórdão conheceu das questões que, perante os elementos constantes dos autos tinha que conhecer, não se verificando, por isso, a respetiva nulidade por omissão de pronúncia.
7. De acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação ex vi do art. 666.º, n.º 1, é nula a decisão “quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
8. Este vício da decisão traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consagrado no art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação ex vi do art. 663.º, n.º 2. O julgador deve, pois, resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras, de um lado e, de outro, ocupar-se apenas das questões colocadas pelas partes e/ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei lhe imponha. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões que deve apreciar (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) - fundamentalmente, sobre os problemas principais suscitados pelas partes, suscetíveis de ser relevantes para a decisão final -, e não quando o tribunal não se pronuncia sobre os argumentos utilizados para sustentar os pontos de vista das partes.
9. Como resulta do referido supra, muito diferentemente do inculcado pelos Autores/Recorrentes, não se verifica, no caso sub judice, qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação do Porto no que respeita à violação de caso julgado.
10. Sustentam os Autores/Recorrentes, sob os n.os 6 e 7 das conclusões das suas alegações, que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto omitiu a pronúncia sobre factos referentes à usucapião, por si alegados, nos artigos 55.º e ss da petição inicial, e por si considerados como provados. Todavia, segundo o acórdão recorrido, na medida em que foram expressamente impugnados pelas Rés/Recorridas - EE e FF -, no artigo 18.º da contestação, esses factos não podem ser considerados como provados. Por seu turno, a matéria que enunciam na conclusão 7.ª das suas alegações, a)-j), foi também considerada como sendo essencialmente de direito e conclusiva e, por isso, não foi integrada nos factos.
11. Conforme o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação ex vi do art. 666.º, n.º 1, é nula a decisão “quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
12. Muito diferentemente do inculcado pelos Autores/Recorrentes, não se verifica, no caso sub judice, qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação do Porto, pois o acórdão recorrido foi bem claro:
“Os Autores reivindicam a propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da p.i. Para tanto invocavam factos susceptíveis de integrarem a usucapião. Com o articulado superveniente passaram a invocar também a presunção decorrente do registo do prédio (facto nº 28), realizado na pendência da causa.
A usucapião requer a posse exercida por certo lapso de tempo (art. 1287º do C. Civil). A posse decorre da prática de actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade (art.1251º). Os Autores alegam ter adquirido o prédio em causa por este integrar a herança de II, o qual teria deixado todos os seus bens a KK e aos filhos desta – Autores nesta acção. II faleceu a 24 de Setembro de ... (facto nº 12). Desde essa data até à propositura da acção, em 05 de Janeiro de 2004, não tinha decorrido o período temporal bastante para adquirirem o prédio por usucapião (art. 1296º do C. Civil). E relativamente a JJ apenas se provou que autorizou GG, que explorava uma oficina de automóveis contígua ao terreno em causa nos autos, a guardar ali pneus (factos nº 22 a 24). Não se provou que tenha praticado sobre o terreno em causa outros actos além daqueles (facto não provado g). A autorização para guardar objectos no terreno só por si não é bastante para comprovar a prática de actos materiais integradores da posse. Nas declarações em audiência, GG referiu que JJ lhe dizia que o terreno não era dele. Essa atitude não corresponde ao exercício do direito de propriedade, ficando assim excluída, por falta de prova, a posse de JJ sobre o terreno em litígio. Daí que os Autores não possam juntar à posse exercida por KK a posse – inexistente, porque não provada – de JJ.
Invocavam os Autores o testamento outorgado em 14 de dezembro der 1921 por II – pai de JJ. Mas nesse testamento (facto nº 7) o testador declarou que deixava à esposa o usufruto de cinco prédios, dois dos quais na Rua ...e de um terreno sito na Rua ... (doc. fls. 38/39); por morte da esposa (que veio a falecer a 24.12.... – doc. fls. 44) o usufruto dos prédios e do terreno passaria para os seus filhos – II e MM – em partes iguais; a nua propriedade ficava para os seus netos. Como JJ faleceu solteiro e sem filhos, e o irmão deste teve uma filha – a ora R. EE (facto nº 16) - por força do testamento de 14.12.1921 esta filha herdou a propriedade sobre os mencionados prédios e terreno – que, naquele testamento é descrito como “um terreno com doze metros de frente, sito na Rua ..., já murado e com um portão à frente”.
Invocavam também os Autores a doação de metade do prédio descrito em 6, feita em inícios de 1921 feita por II ao filho do seu casamento com BBB. Mas não se provou tal doação – na justificação notarial lavrada em 12.07.2012 os ora AA. LL e CC declararam que o terreno em litígio nos autos tinha sido adquirido por II por doação de II, “negócio formalizado por documento que não lograram encontrar (…)”- cfr. facto nº 26 e doc. fls. 369/375). Acrescentaram que “apesar de buscas e diligências exaustivas eles outorgantes não conseguiram localizar, desconhecendo também, o cartório notarial em que foi exarada a escritura de doação.”
Aquela alegação na escritura de justificação destinou-se a permitir o registo, dada a inexistência de elementos comprovativos do trato sucessivo, ou seja, da prévia inscrição em nome do alegado doador (art. 34º, nº 1, do C. Reg. Predial).
Não se provaram factos que fundamentem a aquisição derivada do terreno em litígio, pelos Autores, uma vez que não se provou que JJ fosse o proprietário de tal terreno. E os Autores fundam o seu direito no testamento de JJ. O bem em litígio nos autos estaria incluído na herança deixada por aquele testamento”.
13. Recorde-se também que, segundo o art. 674.º, n.º 3, do CPC, “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Escritura de justificação notarial e presunção registral da titularidade do direito
14. Por outro lado, no que toca à presunção registral, segundo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
“Com o articulado superveniente passaram a invocar também a presunção decorrente do registo do prédio (facto nº 28), realizado na pendência da causa.
(…)
Invocavam ainda os Autores o registo realizado na pendência da causa. Mas tal registo apresenta-se como uma forma de obter através de uma escritura de justificação notarial o mesmo que peticionam na acção. Só que nesta foi observado e cumprido o princípio do contraditório, tendo os demandados sido citados para os termos da causa, com a advertência das consequências da falta de citação.
O registo foi lavrado à revelia dos Réus, quando os Autores conheciam as respectivas residências, porque já tinham instaurado a acção e esta já tinha sido contestada. Ora, no âmbito do processo prévio à escritura de justificação foram notificados os eventuais herdeiros incertos de II, por edital afixado na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto e na Junta de Freguesia de ... (facto nº 27). Dos autos já constavam as residências das Rés, que são herdeiras de II e apenas tiveram conhecimento da escritura de justificação e do registo com o articulado superveniente em que os Autores vieram invocar o registo do prédio actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... A actuação dos Autores com vista àquele registo mostra que não agiram com a diligência e a correcção que era exigida face ao litígio pendente e ao conhecimento das moradas dos herdeiros de II. Ao agirem assim, sabendo da pendência da acção – que por eles tinha sido instaurada – não podiam ignorar que excediam manifestamente os limites impostos pela boa fé. Tendo agido com abuso do direito (art. 334º do C. Civil) – cujo conhecimento é oficioso - é ilegítima a invocação da propriedade do terreno litigioso com base na sua inscrição no registo. Daí resulta que no caso não pode funcionar a presunção estabelecida no artigo 7º do C. Reg. Predial.
Flui do exposto que os Autores não comprovaram a aquisição derivada nem a aquisição originária do prédio reivindicado, pelo que a acção teria que improceder, como se decidiu na decisão recorrida que integralmente se confirma – confirmação que engloba a comunicação ao registo predial, em cumprimento do estabelecido nos artigos 3º, nº 1, al. a) e 8º-C, nº 3, do CRP”.
O registo foi lavrado à revelia dos Réus, quando os Autores conheciam as respectivas residências, porque já tinham instaurado a acção e esta já tinha sido contestada. Ora, no âmbito do processo prévio à escritura de justificação foram notificados os eventuais herdeiros incertos de II, por edital afixado na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto e na Junta de Freguesia de ... (facto nº 27). Dos autos já constavam as residências das Rés, que são herdeiras de II e apenas tiveram conhecimento da escritura de justificação e do registo com o articulado superveniente em que os Autores vieram invocar o registo do prédio actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... A actuação dos Autores com vista àquele registo mostra que não agiram com a diligência e a correcção que era exigida face ao litígio pendente e ao conhecimento das moradas dos herdeiros de II. Ao agirem assim, sabendo da pendência da acção – que por eles tinha sido instaurada – não podiam ignorar que excediam manifestamente os limites impostos pela boa fé. Tendo agido com abuso do direito (art. 334º do C. Civil) – cujo conhecimento é oficioso - é ilegítima a invocação da propriedade do terreno litigioso com base na sua inscrição no registo. Daí resulta que no caso não pode funcionar a presunção estabelecida no artigo 7º do C. Reg. Predial.
Flui do exposto que os Autores não comprovaram a aquisição derivada nem a aquisição originária do prédio reivindicado, pelo que a acção teria que improceder, como se decidiu na decisão recorrida que integralmente se confirma – confirmação que engloba a comunicação ao registo predial, em cumprimento do estabelecido nos artigos 3º, nº 1, al. a) e 8º-C, nº 3, do CRP”.
15. Para fins de registo predial, a justificação notarial encontra-se disciplinada nos arts 89.º-91.º do Código do Notariado (doravante CN), sendo consentida nos casos previstos no art. 116.º do Código do Registo Predial (doravante CRPred). À norma do art. 54.º, n.º 2, do CN, subjaz a intenção de legitimar a titulação dos atos e o seu registo, conferindo mais segurança ao comércio jurídico, na medida em que a alienação ou oneração dos bens imóveis pressupõe a intervenção do titular inscrito.
16. Por vezes, todavia, os interessados deparam-se, no registo, com dificuldades decorrentes da falta ou insuficiência dos documentos geralmente necessários.
17. Deste modo, o legislador estabeleceu uma providência de natureza excecional - a justificação -, destinada a possibilitar o estabelecimento do princípio do trato sucessivo, sempre que os interessados não disponham de títulos que comprovem os seus direitos.
18. A escritura de justificação notarial constitui um meio para suprir no registo predial a intervenção do titular inscrito. Permite regularizar a situação registral de prédios nas situações legalmente previstas. Visa contribuir para a paz social, para a justiça e para a segurança do comércio jurídico, na medida em que, nos casos em que os interessados encontram dificuldades no registo, decorrentes da falta ou insuficiência dos documentos em geral necessários, e estão impossibilitados de demonstrar o seu direito. In casu, não pode dizer-se que esse desiderato haja sido alcançado.
19. Na hipótese de reatamento do trato sucessivo Nos casos em que a cadeia das aquisições derivadas, ou transmissões intermédias desde o titular inscrito até ao atual, não tenha sido interrompida por abandono do proprietário e subsequente aquisição baseada em usucapião, mas se verifique a falta de algum título, por extravio, destruição ou outro motivo atendível (art. 90.º do CN). ou de estabelecimento de novo trato sucessivo Nos casos em que a sequência das aquisições derivadas haja sido interrompida por abandono do proprietário e se torne necessário invocar as circunstâncias em que se baseia a aquisição originária (art. 91.º do CN)., quando se verificar a falta de título em que tenha intervindo o titular inscrito, a escritura não pode ser celebrada sem a sua prévia notificação, efetuada pelo notário, a requerimento do interessado na escritura de justificação notarial.
20. Nos casos em que não se prove que o titular inscrito transmitiu o seu direito, a lei exige a sua notificação prévia, visando dar-lhe a conhecer – ou aos seus herdeiros - a pretensão dos requerentes em justificar o direito que no registo está inscrito a favor daquele, para que, se quiser, a ela venha deduzir impugnação (artigo 99.º, n.º 1, do CN). Constitui uma garantia de proteção dos direitos do titular inscrito – ou dos seus herdeiros - que gozam de especial força presuntiva na ordem jurídica (art. 7.º do CRPred). A notificação prévia visa, assim, rodear a escritura de justificação de um mínimo de segurança, visando evitar futuros litígios.
21. É, pois, essencial que antes da celebração da escritura de justificação se proceda à notificação do titular inscrito - ou, no caso do seu falecimento, à dos respetivos herdeiros. Esta notificação constitui um pressuposto indispensável da justificação. A notificação edital – in casu, dos herdeiros – apenas deve ter lugar no caso de ausência em parte incerta ou falecimento (art. 99.º, n.º 4, do CN).
22. Conforme mencionado supra, as Rés/Recorridas, sucessoras de II, não eram ausentes em parte incerta.
23. Os Autores/Recorrentes deviam ter indicado a morada das Rés/Recorridas, que – conforme resulta dos autos – conheciam e sabiam que não estavam ausentes em parte incerta. Não se afigura razoável que possam beneficiar dessa omissão.
24. Com efeito, no caso de ausência em parte incerta do titular inscrito – ou dos seus herdeiros -, deve ser feita a sua notificação edital (art. 99.º, n.º 4, do CN). Esta tem lugar mediante a mera afixação de editais, pelo prazo de 30 dias, na conservatória competente para o registo e na sede da junta de freguesia da situação do prédio (art. 99.º, n.º 7, do CN, e art. 117.º-G, n.º 6, do CRPred).
25. Por facto imputável aos Autores/Recorrentes, a modalidade da notificação edital foi indevida e abusivamente utilizada no caso em apreço.
26. As Rés/Recorridas não tiveram, por conseguinte, oportunidade de se opor à justificação do direito por parte dos Autores/Recorrentes.
27. De resto, a justificação notarial traduz-se num mecanismo arriscado, suscetível de ser usado abusivamente. Neste sentido, conforme o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/08, de 4 de dezembro de 2007, numa ação de impugnação, para que possam prevalecer os efeitos jurídicos pretendidos mediante a justificação notarial – designadamente a presunção da titularidade do direito real -, recai sobre os justificantes o ónus quer da alegação quer da prova dos factos constitutivos do direito que pretenderam justificar através da respetiva escritura para suportar a alteração da inscrição do registo predial.
28. “…os efeitos negativos para os titulares inscritos, cujos interesses podem ser afectados pela justificação notarial, acabam por ser atenuados com a atribuição do direito de acção que lhes permite confrontar judicialmente o justificante e onerá-lo com a prova dos factos justificativos da usucapião, à semelhança do que ocorreria numa acção de reconhecimento do direito real pela mesma via” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2015 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 17933/12.4T2SNT.L1.S2..
29. Assim, competia aos Autores/Recorrentes alegar e provar, na presente ação – em que as Rés/Recorridas impugnam a escritura de justificação notarial lavrada na sua pendência – os factos justificativos do direito que se arrogam e que pretenderam justificar através da respetiva escritura, não beneficiando da presunção da titularidade do direito.
30. Os interesses das Rés/Recorridas alcançam a tutela devida e pretendida, pois estas podem, na presente ação, impugnar a existência do próprio direito registado, cabendo aos Autores/Recorridos o ónus da prova do direito de propriedade.
Do abuso do direito/faculdade
31. Por outro lado, afigura-se claramente abusivo o comportamento dos Autores/Recorrentes: contraria o Direito objetivo, o princípio da boa-fé.
32. O termo “abuso” significa, etimologicamente, “uso anormal” (ab uti). Assim, abuso do direito seria o “uso anormal de direito”.
33. Poderia dizer-se que a expressão “abuso do direito” é uma logomaquia, uma contradição de termos, porquanto nos atos abusivos não haveria exercício de qualquer direito. Na verdade, as condutas abusivas seriam aprioristicamente ilícitas, não encontrando tutela jurídica apesar de se adequarem a um preceito normativo permissivo O abuso do direito traduzir-se-ia numa “atuação sem direito”, mas coberta pela “aparência de direito”, não sendo assim o exercício abusivo “nenhum exercício, mas um aparente exercício”.
“…um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica, por não contrariar a estrutura formal definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício, é o que juridicamente se deverá entender por exercício abusivo de um direito” – cfr. António Castanheira Neves, Questão-de-facto, questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade: ensaio de uma reposição crítica, Coimbra, Almedina, 1967, p.524. No mesmo sentido, vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, Almedina, Coimbra, 2006, p.45; Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do direito, Almedina, Coimbra, 1997, pp.454-465, segundo o qual “Nesta aparência da estrutura que finge objectivamente o direito é que está, afinal, o abuso desse direito”..
34. Na prática, a conduta abusiva reveste-se de uma aparência de licitude que parece legitimá-la. Aparenta conformidade com o Direito, verificando-se a existência de uma “aparência de licitude”.
35. O resultado ilícito é alcançado mediante um comportamento aparentemente lícito, conforme ao conteúdo de um direito subjetivo. O recurso ao instituto do abuso do direito permite ao intérprete ir além da aparência do comportamento isoladamente considerado, superando qualquer defesa fundada sobre o exercício do direito, para o inserir num contexto mais amplo, do qual resulta a sua concreta ilicitude. A consideração do conjunto de circunstâncias do caso concreto permite identificar a subsistência do abuso do direito.
36. Os Autores/Recorrentes, titulares da faculdade de lançar mão de uma escritura de justificação notarial, prevista e permitida pela ordem jurídica, exerceram essa faculdade, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua consagração e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. Recorde-se que o registo foi realizado já na pendência da causa, instaurada pelos próprios Autores/Recorrentes, com base numa escritura de justificação notarial, também ela celebrada na pendência da causa, sem conhecimento das Rés/Recorridas.
37. Além disso, os Autores/Recorrentes excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé. A boa fé – que se pode dizer omnipresente no sistema jurídico - veicula os princípios e valores fundamentais do ordenamento jurídico, vocacionados para intervir no caso concreto.
38. A boa fé objetiva impõe um padrão de conduta leal nas relações entre os sujeitos.
39. Permite obter soluções conformes ao sistema onde, como no caso do art. 334.º do CC (consagração normativa da boa fé objetiva): abuso do direito por contrariedade à boa fé.
40. À luz do instituto do abuso do direito, deve também ficar impedido o exercício da faculdade, por parte dos Autores/Recorrentes, de se fazer prevalecer da escritura de justificação notarial e da presunção da titularidade do direito decorrente do registo.
41. Por último, a presunção registral, segundo a jurisprudência dominante, não abrange os elementos de identificação constantes da descrição do prédio (art. 79.º, n.º 1, do CRPred).
IV – Decisão
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 19 de maio de 2020
Maria João Vaz Tomé (Relatora)
António Magalhaes
Jorge Dias
Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).