EXECUÇÃO
ADJUDICAÇÃO
PREÇO
AGENTE DE EXECUÇÃO
PRAZO
Sumário


I – Requerida pela exequente a adjudicação de um bem imóvel penhorado, a apreciação do cumprimento da obrigação prevista no artigo 799.º, n.º 3, do CPC, no que respeita à indicação de preço não inferior a 85% do valor base do bem, pressupõe a prévia determinação de tal valor base;
II - Cabe ao agente de execução determinar o valor base dos bens a vender, através de decisão que admite reclamação para o juiz;
III – Mostra-se prematura a apreciação do preço oferecido pela exequente para adjudicação de bem imóvel cujo valor base não se encontra fixado. (sumário da relatora)

Texto Integral


Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Na execução para pagamento de quantia certa que constitui o processo principal, movida por F…, Lda. contra M…, J… e Ma…, a exequente requereu ao agente de execução, a 04-04-2017, a adjudicação do bem imóvel descrito como verba n.º 2 no auto de penhora de 02-05-2016, indicando que oferece o preço de € 25 000.
Por despacho de 06-02-2018, foi determinado o seguinte:
Uma vez que no apenso B foi ordenada a realização perícia para determinação do valor de mercado dos imóveis, deverá aguardar-se pelo resultado da mesma.
Notifique, sendo também o (a) senhor (a) Agente de Execução.
Cumpra-se o determinado no apenso B (indicação de petito/avaliador).
Através de ofício datado de 06-08-2019, o agente de execução, invocando o disposto no artigo 812.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, notificou a exequente e os executados para, no prazo de 10 dias, lhe indicarem a modalidade de venda pretendida, tendo sido enviado em anexo o auto de penhora de 02-05-2016.
A executada Ma… dirigiu comunicação ao agente de execução, na qual se pronuncia no sentido da intempestividade da notificação recebida, por entender que foi ordenado se aguarde o resultado da avaliação dos bens que decorre no apenso B dos autos e que não se encontra concluída, acrescentando, além do mais, que não se opõe a que seja adjudicado o bem descrito sob a verba n.º 2 e que o respetivo valor base deve ser fixado na quantia de € 120 000, por entender ser este o valor de mercado.
A exequente veio aos autos requerer, pelos motivos que expõe, se determine a adjudicação do bem imóvel descrito como verba n.º 2 no auto de penhora de 02-05-2016, indicando que oferece o preço de € 25 000.
Notificada deste requerimento, a executada Ma… veio aos autos deduzir oposição à adjudicação do bem imóvel pelo valor oferecido pela exequente, sustentando que deve ser atribuído ao imóvel o valor de € 153 250, correspondente ao valor comercial constante da avaliação efetuada no apenso B.
Por despacho de 26-12-2019, foi decidido o seguinte:
Concluída que está a avaliação dos imóveis penhorados nos autos, avaliação essa realizada no apenso B, deverá o senhor Agente de Execução tomar a decisão da venda, notificando as partes da mesma, sendo certo que o valor oferecido pela exequente para que lhe seja adjudicado o prédio penhorado sob a verba nº 2 do auto de penhora fica muito aquém do valor de mercado que lhe foi atribuído pelo senhor perito/avaliador e, como tal, não poderá ser considerado, já que o valor base da venda a considerar deverá ser o valor fixado no relatório pericial e o valor indicado pela exequente para que lhe seja adjudicado o dito imóvel é inferior a 85% desse valor (cfr. nº 3. Do artigo 799º e nº 2, do artigo 816º, ambos do Código de Processo Civil).
Notifique, sendo também o senhor Agente de Execução.
Inconformada, a exequente interpôs recurso deste despacho, pugnando para que seja revogado e substituído por decisão que admita a adjudicação do bem imóvel pelo valor proposto, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A: A Exequente veio nos presentes autos requerer que lhe fosse adjudicado o “prédio com área total de 1400m2, situado em Pinheiro, freguesia de Loulé (S. Clemente), concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número …, da referida freguesia”, correspondente à verba 2 do auto de penhora datado de 02/05/2016, com a V/ Referência 3010654;
B: Considerando que naquele auto de penhora havia sido atribuído ao referido prédio o valor de 30.000,00€;
C: A Exequente propôs que a adjudicação fosse realizada pelo valor de 25.500,00€, 85% do valor atribuído ao prédio no auto de penhora;
D: Para efeitos de determinação do valor do referido prédio, foi elaborado relatório pericial do qual resulta que “é atribuído o valor venal atualmente provável do imóvel de 153.250,00€”;
E: Contudo, posteriormente, veio o Sr. Perito elaborar complemento ao relatório pericial, do qual resulta que, na medida em que as áreas do prédio declaradas na Conservatória e nas Finanças não correspondem, existindo uma desconformidade e diferença de áreas registadas superior a 10%;
F: Só “após rectificação de áreas e respectivo registo na Conservatória do Registo Predial é possível alienar o imóvel e proceder à respectiva aquisição objeto de registo predial” - Cfr. Complemento ao Relatório Pericial;
G: Concluiu o Sr. Perito que “considerando que o imóvel não é passível de ser alienado nem a respectiva aquisição registada na Conservatória do Registo Predial é incompatível com valorização” - Cfr. Complemento ao Relatório Pericial
H: Contudo, veio o Tribunal a quo proferir despacho no sentido de que, atendendo à conclusão da avaliação dos imóveis penhorados nos autos, deveria o Sr. Agente de Execução tomar a decisão da venda;
I: Sendo que “o valor oferecido pela exequente para que lhe seja adjudicado o prédio penhorado sob a verba nº 2 do auto de penhora fica muito aquém do valor de mercado que lhe foi atribuído pelo senhor perito/avaliador e, como tal, não poderá ser considerado, já que o valor base da venda a considerar deverá ser o valor fixado no relatório pericial e o valor indicado pela exequente para que lhe seja adjudicado o dito imóvel é inferior a 85% desse valor (cfr. nº 3. Do artigo 799º e nº 2, do artigo 816º, ambos do Código de Processo Civil).
J: Tal despacho demonstra uma total desconsideração pelos considerandos tecidos pelo Sr. Perito no complemento ao relatório pericial, no que se reporta à impossibilidade jurídica de alienação do imóvel e registo predial;
K: Na medida que o próprio perito reconhece que o valor indicado no relatório pericial não pode ser considerado uma vez que o imóvel é insuscetível de valoração enquanto não forem retificadas as áreas;
L: Ora, na medida em que devido à diferença de áreas registadas o imóvel não tem condições para ser transacionado, apenas após a retificação de áreas será possível a respetiva alienação;
M: Apenas após a retificação de áreas poderia o Sr. Agente de Execução proceder à venda do imóvel;
N: Acresce que, ao contrário do que resulta do despacho, na medida em que o imóvel em apreço é “incompatível com valorização” e insuscetível de alienação enquanto não for efetuada a retificação das áreas;
O: A adjudicação pelo valor proposto não se apresenta como inferior a 85% do valor base da venda, uma vez que o bem neste momento e às circunstâncias atuais, não pode ser valorado, nem tem valor comercial nem condições para ser transacionado.
P: Pelo que o valor proposto pela Exequente para efeitos de adjudicação apresenta-se adequado.
Q: Ainda que assim não o entendesse, o Tribunal a quo não poderia basear-se no relatório pericial para determinar o valor de base do imóvel para efeitos de fixação do valor base da venda;
R: Quanto muito poderia o douto tribunal a quo ter fixado um prazo para que os executados, oponentes, cumprissem o ónus de proceder à rectificação das áreas e viessem proceder à retificação das áreas do imóvel;
S: E apenas posteriormente, uma vez retificadas as áreas, considerar constante do valor de avaliação, do relatório pericial do imóvel para efeitos de fixação do valor base da venda, e indeferimento do requerimento de adjudicação, e bem assim conhecimento do mérito da oposição à penhora».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se deve ser admitida a adjudicação requerida pela exequente.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação da questão suscitada na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos que constituem o apenso B:
a) no âmbito do incidente de oposição à penhora deduzido pela executada M…, tramitado no apenso B, por despacho judicial de 20-04-2017, foi ordenada a realização de perícia tendo em vista determinar o valor atual de dois bens penhorados, designadamente do bem imóvel descrito como verba n.º 2 no auto de penhora de 02-05-2016;
b) o perito nomeado apresentou relatório pericial a 18-03-2019, complementado a 02-10-2019;
c) por despacho de 05-04-2020, foi determinado o seguinte:
Tomei conhecimento do complemento ao relatório pericial elaborado pelo senhor perito, o qual já foi notificado às partes e não foi objecto de qualquer reclamação.
Diligencie-se pela liquidação da nota de honorários/despesas apresentada pelo senhor perito.

*
A nosso ver, os autos contêm já todos os elementos necessários para apreciação do mérito da causa, sendo desnecessária a produção de qualquer prova para além da prova documental que já consta nos autos.
Assim, determino que as partes sejam notificadas nos termos e para os efeitos previstos no disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.
d) não consta dos autos que tenha sido proferida decisão sobre o mérito da causa.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Na ação executiva que constitui o processo principal, na sequência de requerimento para adjudicação do bem imóvel descrito como verba n.º 2 no auto de penhora de 02-05-2016, apresentado pela exequente ao agente de execução, foi determinado, por despacho judicial de 06-02-2018, se aguardasse a realização de avaliação em curso no âmbito do apenso B, destinada a determinar o valor de mercado dos imóveis penhorados.
Vem posto em causa na apelação o despacho judicial de 26-12-2019, no qual, após se determinar o prosseguimento dos autos por estar concluída a avaliação dos imóveis penhorados e se consignar que cabe ao agente de execução proferir decisão sobre a venda dos mesmos, se acrescentou que o preço oferecido pela exequente para a adjudicação do bem imóvel descrito como verba n.º 2 não poderá ser considerado, por se ter entendido que o valor base para a venda desse bem imóvel deverá ser o valor de mercado que lhe foi atribuído pelo perito avaliador e que o valor oferecido pela exequente é inferior a 85% desse valor.
Discordando deste entendimento, sustenta a apelante que o bem imóvel em causa não pode ser transacionado, pelos motivos que expõe, o que impede lhe seja atribuído qualquer valor comercial, assim não podendo concluir-se que o valor oferecido é inferior a 85% do valor base do bem, antes devendo considerar-se adequado o valor proposto para a adjudicação. Subsidiariamente, defende a apelante que não poderá o valor base do imóvel ser determinado com base no relatório pericial, pelos motivos que expõe, antes devendo ser imposta previamente aos executados a obrigação de procederem à retificação das áreas do imóvel, fixando-se um prazo para o efeito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Está em causa a apreciação de requerimento de adjudicação do bem imóvel descrito como verba n.º 2 no auto de penhora de 02-05-2016, apresentado pela exequente ao agente de execução, oferecendo o preço de € 25 000.
Tendo a exequente requerido a adjudicação de determinado bem imóvel penhorado, conforme lhe é permitido pelo n.º 1 do artigo 799.º do Código de Processo Civil, impõe o n.º 3 deste preceito que indique “o preço que oferece, não podendo a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º”, isto é, não pode ser inferior a 85% do valor base do bem.
A apreciação do cumprimento, pelo requerente da adjudicação, desta obrigação de indicação de preço não inferior a 85% do valor base do bem, pressupõe a prévia determinação do valor base do bem, dado que o critério legal de aferição do limite mínimo do preço a oferecer impõe o cálculo da aludida percentagem desse valor base.
Por regra, cabe ao agente de execução determinar o valor base dos bens a vender, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre tais bens, conforme dispõe o artigo 812.º do CPC.
Esclarece o n.º 3 deste artigo 812.º que o valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) valor de mercado. Acrescenta o n.º 5 do preceito que, designadamente no caso da alínea b) do n.º 3, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda.
A decisão do agente de execução é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, que poderão impugná-la se dela discordarem, cabendo ao juiz decidir, sendo certo que esta decisão judicial, que aprecia a impugnação da decisão do agente de execução, não admite recurso, conforme estabelece o n.º 7 do citado artigo 812.º.
Ora, no caso presente, não foi ainda fixado o valor base dos bens imóveis a vender, designadamente do imóvel descrito no auto de penhora como verba n.º 2, cuja adjudicação foi requerida pela exequente, o que impede se verifique se o preço por esta oferecido respeita o limite mínimo estatuído pelo artigo 816.º, n.º 2, aplicável por força do disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC.
Efetivamente, não consta dos autos que o valor base do imóvel em causa tenha sido determinado pelo agente de execução, conforme lhe compete nos termos do artigo 812.º, nem que tenha o valor de mercado desse bem sido fixado no âmbito do incidente de oposição à penhora tramitado no apenso B, em que foi realizada perícia tendo em vista determinar o valor atual de dois bens penhorados, aguardando-se a prolação de decisão sobre o mérito da causa.
Nesta conformidade, cumpre concluir que o estado do processo não permitia a apreciação do requerimento de adjudicação apresentado pela exequente, cujo conhecimento se mostra prematuro, dado que se impõe determinar previamente o valor base do bem imóvel em causa, o que compete ao agente de execução, através de decisão da qual caberá reclamação para o juiz.
Assim sendo, cumpre revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos, mostrando-se prejudicada a apreciação da pretensão, deduzida pela recorrente na apelação, de deferimento da requerida adjudicação.
Em conclusão, na parcial procedência da apelação, cumpre revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas do recurso pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 05-11-2020
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)