NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
REFORMA DA DECISÃO
Sumário

I - A causa de nulidade tipificada no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.
II - Só se verifica a nulidade por omissão de pronúncia prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, mas não sobre os argumentos ou razões jurídicas invocadas.
III - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que apenas em casos muito limitados, expressamente previstos na lei, poderá a decisão proferida ser alterada (cf. arts. 613.º, n.os 1 e 2, e 616.º, n.os 1 e 2, do CPC), sendo que o incidente de reforma da decisão não constitui um novo grau de recurso.

Texto Integral

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



1. Nos presentes autos, por acórdão deste Supremo Tribunal de 30.04.2020, foi decidido negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2. Vem agora a recorrente, ao abrigo do art. 616º, nº2, als. a) e b), do CPC, pedir a reforma do acórdão e, simultaneamente, arguir a sua nulidade, por falta de fundamentação, omissão de pronúncia, obscuridade e ambiguidade.

3. A parte contrária respondeu, pronunciando-se no sentido do indeferimento do requerido.

4. Cumpre apreciar.

Adianta-se, desde já, que a reclamação se nos afigura manifestamente improcedente.

Com efeito:

5. A causa de nulidade tipificada no art.615º, n° 1, al. b), do CPC ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.

Como é entendimento corrente, esta nulidade apenas se verifica quando se omite ou se mostra de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar a decisão, ou quando, não obstante a indicação dos factos, não se enuncia o quadro legal aplicável, mais ou menos desenvolvido, de forma a deixar transparecer os seus fundamentos.

Ora, in casu, como é patente, o acórdão sob reclamação contém os fundamentos de facto e de direito que suportam a decisão proferida sobre todas as questões que constituíam o objeto da revista.

Não ocorre, por conseguinte, a invocada nulidade.

6. No que toca à arguição de nulidade por omissão de pronúncia, alega-se que o STJ não procedeu a uma “análise detalhada de cada um dos argumentos” enunciados nas alegações/conclusões do recurso, designadamente sobre as inconstitucionalidades suscitadas, e que, além disso, a decisão proferida não contém uma “justificação e explicação, em moldes expressos e acessíveis”.

Mais uma vez, sem razão.

Na verdade:

Preceitua o art. 608º, nº2, do CPC que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras.

É tendo em consideração o disposto no mencionado artigo que se deverá aferir da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC.

Desta forma, só se verifica a nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tal se considerando as pretensões formuladas pelas partes ou os elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir.

Isto é: o dever de pronúncia a que o juiz está adstrito, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, desde logo por ser livre a qualificação jurídica dos factos (art. 664º, do CPC).

Ora, as «questões» a decidir, no âmbito da revista, consistiam em saber se:

- O acórdão recorrido enfermava de nulidade, por falta de fundamentação e/ou por contradição entre os fundamentos e a decisão;

- No plano do julgamento dos factos, a Relação teria incorrido em erro na apreciação das provas e uso indevido de presunções judiciais, bem como se o STJ podia, e em que termos, intervir na fixação dos factos materiais da causa;

- O registo em causa na ação devia ser declarado nulo;

 - As normas jurídicas aplicáveis, na interpretação que lhes foi dada pela Relação, padecem de inconstitucionalidade.

Todas estas questões foram objeto de apreciação e decisão no acórdão sob reclamação, à luz dos normativos que se consideraram aplicáveis ao caso, concluindo-se não haver fundamento para assacar ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação os vícios que lhe eram imputados, bem como para afastar a nulidade do registo.

Improcede, portanto, a nulidade invocada.

7. Tão pouco ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível: como decorre de fls. 569 a 580, em termos que não permitem suscitar qualquer dúvida, os argumentos jurídicos ali enunciados concorrem para sustentar a tese de que o acórdão da Relação não enferma das patologias que lhe são imputadas e de que inexiste fundamento legal para declarar a validade do registo posta em causa nesta ação.

8. A reclamante veio ainda pedir a reforma do acórdão, em virtude das alegadas contradições e obscuridades que lhe imputa.

Está, contudo, a olvidar que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que apenas em casos muito limitados, expressamente previstos na lei, poderá a decisão proferida ser alterada (cf. arts. 613.º, n.ºs 1 e 2 e 616.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) e que o incidente de reforma da decisão não constitui um novo grau de recurso.

Ora, in casu não se encontra verificado o condicionalismo previsto na lei para a reforma das decisões judiciais, pois não se está perante nenhum «lapso manifesto» que tenha provocado «erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos» ou, sequer, perante a desconsideração de «documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida».


Note-se, por fim, que não se vislumbra qualquer ofensa a preceitos ou princípios constitucionais, sendo certo que as questões de (in)constitucionalidade devem ser suscitadas junto do Tribunal Constitucional, verificados que estejam os respetivos requisitos.

9. Nestes termos, acorda-se em indeferir o pedido de reforma, bem como a arguição de nulidades.

Custas a cargo da reclamante, fixando-se em 3 Ucs. a taxa de justiça.


Lisboa, 2.7.2020


Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

1º Adjunto: Oliveira Abreu

2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins


Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.